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Ficha de leitura
baseada no exemplar da Cia das Letras, 1ª edição, 12ª reimpressão – até a página 213.
Depois, terminei o livro na cópia digital)
Explicação sobre o ato de decidir, tão fisiológico, tão pouco racional. A decisão
nos toma, e não o contrário (e talvez seja verdade...).
Outra fala hipotética de José, explicando a decisão que o tomou, com
participação de um interlocutor. A voz de José confirma o discurso do narrador sobre
decisões, tomado, porém, de prática argumentação. A gravata como prova da verdade
do ato e/ou do caráter voluntário da ação é de uma ironia e de um senso de observação
sherlockianos...
“O que não entra na minha realidade não tem existência”, do interlocutor
imaginário.
A vida de José está se tornando um emaranhado de mentiras, confusas no que se
refere à sua realidade/existência, mas de grande poder de persuasão – ainda que seja
sobre si mesmo.
Sobre a decisão, ele realmente foi atrás da mulher do verbete, a pesquisar-lhe a
vida.
Sr. José, pelo visto, comunica-se, em palavras, muito pouco com o mundo à sua
volta, muito mais consigo mesmo.
Uma breve viagem por todos os tempos...
Me parecia óbvio ser da mulher do verbete a voz que embalava a criança. Não
seria?
Diálogo interno da angústia com a razão, com base na vida de José guiada pelo
acaso. Venceu a angústia da nova e desconhecida vida.
(pg. 77) Inquisição pelo conservador, arrogante, onipotente, e livre de deveres. Punido
pela sua culpa – mesmo sem saber qual seria – e pelos seus erros – no caso, os do
trabalho.
A voz que o persegue é demasiado impertinente. Não se trata somente de um
simples duelo interno de razões, mas também de um convite – aqui – ao afundamento
na crise. Interessante é que a voz é extremamente lógica, dispensa rituais para chegar
aos fins. O fim, neste caso, é a volta à órbita atual, esperando somente o que se há-de
cumprir. Talvez seja este o motivo de José não querer concluir tão apressadamente o
processo.
“(...)ladrão, dura palavra que o Sr. José não merece, quando muito falsificador,
mas isto só nós é que sabemos.” Intervenções do narrador na interpretação dos fatos.
Invasão e arrombamento da escola onde a personagem do verbete teria estudado.
O mau humor é uma constante. Quando não são os superiores, o médico aparece
para dar conta do recado. O medo e a doença juntos, como lembrança viva do fato,
quando do aparecimento do chefe na sua casa, ao mesmo tempo da visita do médico.
Como ser chefe? Condescendente e imperativo.
Ao ser tratado pelo enfermeiro, que nota as feridas nos joelho e as trata, é
informado pelo mesmo de que haverá um relatório sobre o seu tratamento. Também
surge a informação de que, dado o pouco trabalho que tem o conservador, sua ocupação
principal é colher informações sobre os subordinados, sendo o próprio enfermeiro uma
das fontes de informação. Conversa cuidadosa, poderia ser desastrosa, não fosse “estar o
seu espírito atento aos múltiplos sentidos das palavras que cautelosamente ia
pronunciando, sobretudo aquelas que parecem ter um sentido só, com elas é que é
preciso mais cuidado. Ao contrário do que em geral se crê, sentido e significado nunca
foram a mesma coisa, o significado fica-se logo por aí, é directo, literal, explícito,
fechado em si mesmo, unívoco, por assim dizer, ao passo que o sentido não é capaz de
permanecer quieto, fervilha de sentidos segundos, terceiros e quartos, de direcções
irradiantes que se vão dividindo e subdividindo em ramos e ramilhos, até se perderem
de vista, o sentido de cada palavra parece-se com uma estrela quando se põe a projectar
marés vivas pelo espaço fora, ventos cósmicos, perturbações magnéticas, aflições.”
(pg. 137) Uma semana de repouso. Estranhamento do médico ao ver a preocupação do
refinado Conservador com o simples funcionário, habitantes de mundos tão distintos.
A preocupação de José em escrever no caderno é literária, ou memorial – ainda
que se confundam as duas coisas?
José volta ao trabalho como se um caco de si mesmo fosse.
Pequena digressão do narrador: como se faz para cumprir a hierarquia informal
da chegada dos funcionários, descrita nesta parte do livro?
Os funcionários estranham a preocupação que o Conservador tem com o Sr.
José, sendo que, na volta ao trabalho deste, a conversa entre os dois se sucedeu como se
fossem iguais – considerando o modo de ver as coisas dos funcionários da repartição.
“A solidão, Sr. José, declarou com solenidade o conservador, nunca foi boa companhia,
as grandes tristezas, as grandes tentações e os grandes erros resultam quase sempre de
se estar só na vida, sem um amigo prudente a quem pedir conselho quando algo nos
perturba mais do que o normal de todos os dias.”
Vai-se desenhando que a ‘bondade’ do tal Conservador parece ter elementos
obscuros. Confesso que, por experiência de mundo, já desconfiava antes de tal coisa,
mas somente agora fica claro no texto. Da solicitude ao ardil. E um dos seus subchefes,
ao que parece – conforme a interpretação que faço de texto- é-lhe muito útil para esse
fim – desconheço somente se é voluntário ou não.
Sr. José é tão metódico, de um raciocínio que se alonga tanto, que até parece ser
um paranóico extremamente fantasioso.
Devaneio extra: as outras casas foram todas engolidas pela Conservatória,
ficando somente aquela, que já estava a ponto de sofrer o mesmo destino.
Fio de Ariadne – imitação – para guiar-se, dos mortos para o mundo dos vivos.
O mundo dos mortos não começa, necessariamente, onde termina o dos vivos –
comparação necessária para se entender o arquivo. A corda é mais comprida que a
própria conservatória por que nem sempre se cumpre uma distância através do caminho
mais curto.
Descrição detalhada dos pormenores da busca – problemas, problemas e mais
problemas, e até mesmo da polêmica procriação dos ratos. Pelo caos que é este setor, e
pelas inúmeras possibilidades tecidas pelo raciocínio de José, é impossível desenvolver
qualquer tipo de método nestas condições de organização e luminosidade.
“(...) mas o Sr. José, coitado dele, não pode acordar de um sonho que já não é
seu.” Acho que é uma boa descrição para o que penso ser um delírio de José. (Um)a voz
explica que tudo não passou de um sonho, mas que tinha algum objetivo a ser
descoberto, e tenta demovê-lo da idéia de prosseguir a busca. Ainda que ali não esteja
carne e ossos da procurada, a simples localização do papel já a transforma numa morta.
A saída do corredor com a chuva de papéis, a coincidência (?) do papel guardado ser da
mulher desconhecida e a porta batendo – sem que ele ouvisse – na Conservatória dão
mais aspectos do fantástico ao texto – sem contar, é claro, o fato de estas coisas
acontecerem logo após a conversa de José com uma ‘voz’.