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Políticas Públicas de Trabalho e Renda:

Caminhos para a Gestão Social


Presidente da República Federativa do Brasil
Luís Inácio Lula da Silva

Ministro do Trabalho e Emprego


Ricardo José Ribeiro Berzoini

Secretário de Políticas Públicas de Emprego / MTE


Remígio Todeschini

Governador do Estado de Mato Grosso do Sul


José Orcírio Miranda dos Santos

Secretária de Estado de Trabalho, Assistência Social e Economia Solidária


Eloísa Castro Berro

Diretor-Presidente da FUNTRAB
Ananias Costa dos Santos

Coordenador de Qualificação Profissional/FUNTRAB


David Santos Melgarejo

Ministro da Educação
Tarso Genro

Reitor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul


Manoel Catarino Paes - Peró

Vice-reitor da UFMS
Mauro Polizer

Pró-Reitor de Extensão e Assuntos Estudantis/UFMS


Rosa Maria Fernandes de Barros

Projeto Escola de Conselhos - Departamento de Jornalismo/UFMS


Coordenação: Edson Silva

Projeto de Extensão Capacitação de Gestores de Políticas Públicas de Trabalho e Renda


Coordenação: Eduardo Ramirez Meza

Curso de Gestão Social de Políticas Públicas de Trabalho e Renda


Coordenação Pedagógica: Maria de Lourdes Jeffery Contini

Edição publicada com recursos do FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador / Ministério do Trabalho e Emprego
Eduardo Ramirez Meza
(Organizador)

Políticas Públicas de Trabalho e Renda:


Caminhos para a Gestão Social

Fundação de Apoio ao Desenvolvimento da Educação de Mato Grosso do Sul


Escola de Conselhos – Departamento de Jornalismo/UFMS
Campo Grande, 2004
4

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL


DEPARTAMENTO DE JORNALISMO
ESCOLA DE CONSELHOS

POLÍTICAS PÚBLICAS DE TRABALHO E RENDA: CAMINHOS PARA A GESTÃO SOCIAL

Realização:
Projeto Escola de Conselhos/UFMS
escoladeconselhos@nin.ufms.br

Edição de Textos:
Eduardo Ramirez Meza
ramirez@nin.ufms.br

Revisão:
Eduardo Ramirez Meza
Maria de Lourdes Jeffery Contini

Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica:


Edir Jesus dos Santos
prof.edir@uol.com.br

Capa, Fotolitos e Impressão:


Gráfica e Editora Pontual Ltda.
Rua Eduardo Elias Zahran, 110 - Jd. Paulista
CEP: 79050-010- Campo Grande (MS)
Tel./Fax: (67) 342-4114
atendimento@graficapontual.com.br

Tiragem desta Edição:


200 exemplares

Os artigos são de inteira responsabilidade de seus autores.


É permitida a reprodução total ou parcial desta publicação desde que citada a fonte.

Projeto Escola de Conselhos - Departamento de Jornalismo/UFMS


Fone/Fax: (67) 345-7609 / 345-7647 / E-mail: escoladeconselhos@nin.ufms.br
Cidade Universitária s/nº - Caixa Postal 549 /CEP 79070-900 - Campo Grande-MS
5

Sumário
Apresentação , 7

Política e Estado Democrático: algumas interrogações pontuais, 11


David Victor-Emmanuel Tauro

Direitos Humanos e Direitos Sociais: desafios e perspectivas, 23


Maria de Lourdes Jeffery Contini

As Políticas Públicas e Sociais, 29


Regina Estela Andreoli de Almeida

Globalização e Desigualdade Social, 37


Inara Barbosa Leão

Globalização, Meios de Comunicação e Mercado de Trabalho, 43


Márcia Gomes Marques

Transformações Mundiais Recentes e Mercado de Trabalho, 47


Ricardo José Senna

Políticas Públicas de Trabalho e Renda, 51


Regina Estela Andreolli de Almeida

História da Educação Profissional no Brasil, 65


Inara Barbosa Leão

Introdução à Macroeconomia, 91
Cícero Antônio de Oliveira Tredezzini

Comunicação é Obrigação Social, 95


Davi Trigueiro dos Santos

O Controle Social no Sistema Tripartite de Gestão, 99


Eduardo Ramirez Meza

ANEXO: Resolução nº 80, de 19 de Abril de 1995, 112


6
7

Apresentação

O
Plano Plurianual 2004-2007 do Governo Federal pretende-se instrumento ca
paz de colocar em novas bases a Política Pública de Qualificação para que esta,
na condição de política social, assuma caráter de centralidade no planejamento
e na integração das diferentes ações governamentais. Desta forma o fortalecimento dos
espaços públicos ganha realce de gestão participativa e controle social. Um dos desafi-
os colocados neste panorama é promover a integração da Política de Qualificação com as
demais Políticas Públicas de Trabalho e Renda, assim como encontrar as interfaces des-
tas com a educação e com o desenvolvimento sustentável. Isso implica um resgate do
compromisso público com a mudança na vida do trabalhador.

Por seu turno, o Plano Nacional de Qualificação Social e Profissional – PNQ coloca
como desafio o “empoderamento” dos espaços públicos de gestão participativa e contro-
le social, onde enquadra-se determinante o papel da Comissão Estadual de Emprego, no
sentido de que suas ações sejam reflexo, de fato, de seu caráter público, tendo em vista
ser um órgão de participação cidadã e espaço de partilha dos diferentes interesses dos
segmentos da sociedade. O canal de participação da sociedade, através da Comissão
Estadual de Emprego, está aberto. O que parece faltar, contudo, é uma maior
conscientização de seus membros, bem como dos gestores governamentais, sobre a
importância, o papel de cada qual e as estratégias que podem e devem ser utilizadas para a
realização de seus poderes, outorgados pela sociedade, na definição, no acompanhamento e
no controle das Políticas Públicas de Trabalho e Renda em Mato Grosso do Sul.

Partindo de tais premissas e em atendimento à demanda inscrita no Plano


Territorial de Qualificação - PLANTEQ/MS pela Comissão Estadual de Emprego e pelo
Governo do Estado de Mato Grosso do Sul, por considerar de fundamental importância
a capacitação dos atores que ocupam este espaço de gestão pública, foi elaborado pela
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS o projeto de extensão Capacitação
de Gestores de Políticas Públicas de Trabalho e Renda, que resultou no Contrato firmado
entre a Fundação do Trabalho e Economia Solidária – FUNTRAB, através da Coordenadoria
de Qualificação Profissional, e a Fundação para o Desenvolvimento da Educação de Mato
Grosso do Sul – FADEMS.

A partir do precitado projeto e do correspondente contrato foi organizado o Curso


8 Apresentação

de Gestão Social de Políticas Públicas de Trabalho e Renda, tendo como público-alvo


atores que, pelo papel desempenhado na representação da sociedade ou pela função
desenvolvida no âmbito do Governo Estadual, se enquadrem no grupo Gestores de Polí-
ticas Públicas. Foram considerados prioritários, para efeitos de preenchimento das 32
vagas abertas, dois subgrupos: 1) Membros da Comissão Estadual de Emprego e 2) Gestores/
as de Políticas Públicas de Emprego e Renda, respectivamente com 15 e 17 vagas.

O objetivo geral do curso é capacitar membros da Comissão Estadual de Emprego


e Gestores Governamentais de Mato Grosso do Sul em Políticas Públicas de Trabalho e
Renda. São objetivos específicos da proposta:

- Reduzir as diferenças de domínio teórico, político e operacional dos participan-


tes, no que diz respeito às Políticas Públicas de Trabalho e Renda;

- Incentivar a adoção de uma cultura de gestão participativa e controle social para


a construção de Políticas Públicas de Trabalho e Renda em Mato Grosso do Sul;

- Promover a integração da Política Pública de Qualificação com as demais Políticas


Públicas de Trabalho e Renda; e

- Discutir meios de integração entre Políticas Públicas de Qualificação, Educação e


Desenvolvimento Sustentável.

Para fazer frente aos objetivos acima elencados o Curso, totalizando uma carga
horária de 120 horas/aula, foi organizado a partir das articulações entre 19 aulas/disci-
plinas nomeadas resumidamente: 1) Política e Estado Democrático; 2) Direitos Huma-
nos e Sociais; 3) Políticas Públicas e Sociais; 4) Controle Social; 5) Economia do Trabalho;
6) Desenvolvimento e Direitos Sociais; 7) Globalização, Trabalho e Emprego; 8)
Globalização e Desigualdade Social; 9) Globalização, Meios de Comunicação e Mercado
de Trabalho; 10) O Pensamento Complexo na Gestão de Políticas Públicas; 11) Comuni-
cação e Participação Social; 12) Políticas Públicas de Trabalho e Renda; 13) Sistema
Tripartite de Gestão; 14) Indicadores de Trabalho e Emprego; 15) Qualificação Profissio-
nal no Brasil; 16) Plano Nacional de Qualificação; 17) O Papel da Avaliação; 18) Supervi-
são Operacional, e 19) Interfaces da Política de Qualificação.

A definição dos ministrantes que integram o corpo docente do Curso teve como refe-
rência, para efeitos de escolha, a experiência acadêmica dos professores, com formação e
pesquisas desenvolvidas nas respectivas áreas. O corpo docente é integrado, também, por
profissionais que, comprovadamente engajados e atuantes nas correspondentes áreas, pos-
suem reconhecida experiência e competência para ministrar as aulas/disciplinas propostas.
Apresentação
9

Desta forma presume-se possível articular a teoria produzida no interior da


academia e a prática de profissionais, selecionados na condição de ministrantes,
com as experiências exercitadas por um grupo de atores que ocupam papel de des-
taque no processo de Gestão de Políticas Públicas, no caso, os que integram o corpo
discente e a quem destinam-se os textos ora apresentados.

Esta publicação contém, pois, textos-base livremente produzidos a partir da arti-


culação do respeitável grupo de ministrantes. Este caderno, além de servir de guia para
os/as educandos/as, poderá ser distribuído a outros/as gestores e membros da Comissão
Estadual de Emprego que não se matricularam no curso, bem como a cada ministrante,
além da própria FUNTRAB.

É necessário afirmar, por fim, que o conteúdo do Curso não está integralmen-
te aqui representado, até mesmo porque os textos ora publicados foram produzidos
anteriormente ao desenvolvimento das aulas, certamente enriquecidas por leituras
complementares e pelos debates e discussões promovidas pelos ministrantes e cor-
po discente. Espera-se, ademais, que o presente caderno encontre acolhida para
uma boa leitura.

Eduardo Ramirez Meza


Coordenador Geral do Projeto

Maria de Lourdes Jeffery Contini


Coordenadora Pedagógica do Curso
10
11

Política e Estado Democrático: algumas


interrogações pontuais 1

David Victor-Emmanuel Tauro


Doutor em Sociologia pela École des
Hautes Études en Sciences Sociales, Paris,
e Professor Adjunto do Departamento de
Ciências Humanas/CCHS da Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul.

Para Susan George, pesquisadora e ativista política

O
objetivo deste pequeno texto é apenas suscitar reflexões contínuas, em co
mum, sobre a política e as atividades cívicas ligadas ao funcionamento da soci
edade e à procura da resolução de seus conflitos no quadro social-histórico, do
que passa por um Estado democrático no Brasil contemporâneo. É apenas a
conscientização dos cidadãos quanto a seus papéis na comunidade, que pode levar o
grupo alvo deste texto à plena realização de suas tarefas cotidianas no contexto de suas
funções profissionais e políticas.

1. Da política e de suas instituições


Atualmente, a própria palavra “política” chegou a ser tão gasta, a ponto de adqui-
rir uma conotação negativa: tornou-se sinônimo de malandragem, de corrupção, de ca-
rência de escrúpulos, de ausência de compromisso com a população, etc. Estamos longe
da definição originária grega, onde a “política” a ser entendida referia-se à atividade
explícita da comunidade (polis), em prol da felicidade, da virtude e do bem comum de
seus membros. Estamos ainda longe de entender que a verdadeira atividade política é

1
Reações eventuais a este texto podem ser enviados ao seguinte email: dvetauro@nin.ufms.br
Utilizei várias fontes da obra de Susan George, em geral apenas disponíveis em inglês. Minha grati-
dão é extendida por sua compreensão. Vide bibliografia in fine.
12 Política e Estado Democrático: algumas interrogações pontuais

aquela que realiza a nossa humanidade2. Em outros termos, são pelas idéias, represen-
tações, instituições e atos que os homens encenam e realizam a sua humanidade. E,
seguindo nosso mestre, o Estagirito, a dotação de linguagem é o atributo que sela essa
natureza humana dos homens, os distingüindo dos animais (Ibid). É pelo processo de
humanização e socialização que os seres humanos se tornam aptos à sobrevivência como
seres humanos mais ou menos sociais.

Os homens se instituem num mundo social-histórico de tal forma que o caráter


humano-social da espécie é sempre reinstituída como “sentido”, como “história”, como
“memória” dos elementos marcantes nas vidas individuais e coletivas. A coletividade,
condição sine qua non da sobrevivência humana, se fez numa multiplicidade incontável
de comunidades, cada uma com suas próprias maneiras de instituir as diversas facetas
da vida cotidiana e das expressões das relações sociais simples e complexas. As formas
políticas, expressões diretas do enfoque sobre a felicidade e bem-estar coletivos, variam
em duas expressões radicalmente separáveis: sociedades com ou sem essa instituição,
o Estado. O Estado, como instituição, é essa criação social separada e pairando acima da
sociedade civil, subtraindo dela suas prerrogativas e elementos, expressados pelo exer-
cício do poder e do monopólio da violência, usurpando o direito supremo da comunida-
de: de propor, discutir, escolher e executar - ela mesma e diretamente - suas próprias
decisões. Se nem todas as sociedades são sociedades a Estado3, todos os Estados são
sociedades fundadas na divisão social antagônica e visam a perpetuação desta.

A complexidade das sociedades e das relações sociais entre homens nas socieda-
des apresenta dificuldades para análise, sobretudo, relativas às tipologias delas caracte-
rísticas. No caso do mundo contemporâneo, a quase totalidade das sociedades huma-
nas são, mais ou menos, totalmente integradas no que costumamos chamar o mundo
das relações sociais capitalistas, onde a razão capitalista domina com toda a sua fúria. A
expansão ilimitada do domínio racional, no qual o lucro baseado na exploração humana
é sua maior expressão.

As sociedades a Estado, na sociedade capitalista, assumem formas diversas nas


suas expressões políticas, isto é, as formas pelas quais essas sociedades se expresssam
como regimes políticos são variáveis. E o padrão global, permitindo a diferenciação na
medida, pelo grau de participação da população na proposição de regras, nas discussões
precedentes, nas tomadas de decisões e na implementação delas. Para novamente citar
Aristóteles, a democracia é o regime onde os cidadãos podem pretender se governarem

2
O ser humano é um zoon politikon, um ser vivo feito para viver em comunidade – ARISTÓTELES,
Política. Trad. Mário Gama Kury. Brasília: UnB, 1990. Livro I.
3
Sociedades a Estado são sociedades dotadas da institutição estatal, cujo aparelho paira acima da
sociedade civil, dominando-a e privando-a de suas possibilidades de autogoverno e autonomia.
David Victor-Emmanuel Tauro
13

e serem governados (Op. Cit., Livro IV). Abraham Lincoln reformulou a concepção de
modo mais direto: o governo do povo, pelo povo e para o povo. Tanto a política quanto
a democracia são regimes que, pelo menos nas suas origens (e até a época recente),
instituem sua humanidade através da participação mais ou menos direta das pessoas
que compõem essas comunidades. E, nessas comunidades, com a participação direta da
sociedade nas discussões na tomada das decisões, consideramos que a democracia é
direta e, logo, dispensam essas instituições chamadas “Estados”, já que não existe insti-
tuição político-administativo alguma pairando acima da sociedade. Voltaremos à ques-
tão da democracia mais adiante.

Em casos de sociedades a Estado, chamamos de sociedade civil aquele segmento


da sociedade subordinada à instituição estatal. É dessa sociedade civil que surge as for-
mas políticas, alimentando a instituição estatal de homens, idéias, representações e
instituições subalternas, aparelhando o Estado, permitindo que seja tecida uma ideolo-
gia4 mais ou menos plausível para os membros da sociedade em questão. Como vere-
mos, no caso de liberalismo e neoliberalismo, por exemplo, as ideologias são criações
vivas, muitas vezes adquirindo caminhos próprios, independentes, fora do controle de
seus criadores.

Todas as sociedades precisam instituir modos de tratar os assuntos que dizem


respeito à busca de finalidades comuns que elas se dão. A maneira mais básica para
realizar seus projetos políticos é com a instituição do governo, forma de regime onde as
decisões são propostas, discutidas, decididas e executadas. Os governos manifestam
essa relação com as decisões através do manuseio de um instrumento efetivo: o poder.
É através da forma de manuseio da força que nós podemos desvelar o modo da institui-
ção política de cada sociedade.

A característica principal em relação à instituição do político como espaço público


tem sido a luta dos homens para viver a liberdade, que é evidenciado pela lógica da
história humana através dos tempos. Se a frase “A história da humanidade é a história
de lutas de classes” (Marx) tem algum sentido, com certeza ela é validada em termos de
lutas dos homens para não serem mais dominados pelos semelhantes. A luta pela liber-
dade caracterizou a emergência das poleis gregas na Antigüidade. Assim, a democracia
nas cidades gregas antigas, celebrada no caso de Atenas, é uma criação social que emer-
giu da sociedade humana.

Essa luta pela liberdade caracterizou, também, as lutas sociais nas pequenas cida-
des do norte da Itália, a partir do século XI. Bem antes do liberalismo se tornar uma

4
Conjunto de idéias mais ou menos coesivas relativas a uma realidade, não para esclarecê-la e
transformá-la, mas para velá-la e justificá-la no imaginário.
14 Política e Estado Democrático: algumas interrogações pontuais

doutrina política na Europa ocidental ou nos EEUU., o grito, “Libertà!!!” ecoava em volta
dos Alpes. Era o grito para o direito de se governar, da autonomia.5 Não por acaso,
tampouco, a Suiça vizinha se tornou um dos primeiros países europeus onde a demo-
cracia toma raízes pela segunda vez. Ali, num pequeno país, onde há quatro línguas
oficiais, encontramos o sistema político mais aberto e efetivamente “democrático” no
mundo hoje. É lá que o povo tem o direito efetivamente possibilitado e exercido de
propor, discutir, plebiscitar e ter proclamadas suas leis. Claro, o peso dessa “democra-
cia” ainda não é total, perfeito, acabado. Como processo, a luta pela democratização da
vida nos persegue sem cessar. Mas, o fato de que os Suiços se dão a possibilidade de
votar cada fim de semana para opinar sobre seus projetos locais e nacionais de lei, em
nada cessa as atividades do país, nem os inibe a produzir armas, chocolates, relógios ou
de urdir suas vacas com a regularidade que se tornou classicamente helvêtica. É uma
questão de cultura “democrática” popular.

Nos tempos modernos, com a criação de Estados Nacionais e, sobretudo, de


megalópoles urbanas, a participação popular foi efetivamente cerceada. Primeiro, o
individualismo possessivo restringiu a participação popular, via voto censitário. O voto
representativo veio para legitimar a negação da participação direta e efetiva da popula-
ção inteira, afinal, para os poderosos, a soberania do povo sempre representará uma
ameaça. Numa de suas cartas aos Genebrenses, Rousseau6 já os fustigava, dizendo que
a democracia ateniense não seria compatível com o ethos deles, dado que seus negócios
tomariam tempo demasiado para permitir uma atividade política livre. É por isso, ape-
sar da democratização da vida política elevada, que a Suíça ainda tem um Parlamento
com a Câmara de Deputados, etc.

Quando pensamos na questão da representação, surge imediamente uma outra


correlata, a questão da legitimação. Toda representação, para fazer jus ao termo, precisa
também ser referenciada: essa “referência” é a legitimação. No sistema político moder-
no, em praticamente todas as esferas e todos os casos, não há uma participação direta
nos processos da prática democrática. Estamos acostumados à delegação do direito de
propor, discutir, opinar, escolher e executar. Essa prática se concretiza pela escolha/
delegação de “representantes” – concidadãos que se colocam em nossos lugares ou agem
por nossas contas. Será que eles realmente podem fazer isso? Será que eles realmente
podem agir em nosso lugar e por nossa conta? Mais ainda: será que eles podem agir por
nossa conta e suas contas ao mesmo tempo? Neste caso, eles se representam e nos

5
Cf. SKINNER, Quentin. Fundações do Pensamento Politico Moderno. São Paulo: Companhia das
Letras, 1994, Cap. 1. e Liberty Before Liberalism, Cambridge: Cambridge University Press, 1998.
6
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Cartes sur la montagne, in Oeuvres Complètes. Paris : nrf Gallimard,
col. La Pléiade, 1979.
David Victor-Emmanuel Tauro
15

representam ao mesmo tempo? O que acontece quando nossos interesses e os interes-


ses deles entram em conflito? Eles se sacrificam por nossa conta? Ou nos sacrificam
por suas contas?

A legitimidade se põe num plano contíguo: quantos votos do povo valem um voto
do representante? Nas eleições do dia 3 de outubro de 2004, na cidade de Campo Gran-
de (MS), o mais votado dos vereadores municipais recebeu um pouco mais de 11 mil
votos, o eleito menos votado menos de 3.500 votos. Será que isso realmente é uma
representação legítima da população citadina de mais de 750 mil em Campo Grande? A
legitimidade se põe em outros termos: como qualificar a eleição de um jovem de 18 anos
como edil, cuja única qualidade é de ser sobrinho neto de seu tio avó político? Como no
caso do prefeito-eleito e de seu irmão, o citado mais votado na cidade, ambos filhos de
um pai, político tradicional. Ou o caso parecido, do candidato a prefeito derrotado,
sobrinho do governador em exercício. Será que a política é apenas um assunto de vida
familiar, onde o pater familia é, ipso facto, o maior juiz político na praça? A política pode
ser reduzida a uma profissão exercida por vocação familiar? Ou será que nós todos não
detemos juízo político suficiente e dever compatível para exercer nossas vocações polí-
ticas nós mesmos? Nestes casos, como é que ficou a participação dos cidadãos nos
assuntos públicos da cidade? São estes entes simplesmente relegados a serem especta-
dores passivos a uma apresentação teatral que deve durar pelos próximos quatro anos.
E os perdedores? Quem vai os representar, os vitoriosos? Neste caso, por que foram eles
candidatos com plataformas políticas distintas? A lista de problemas é tão enorme, que
é preferível terminar com a mensagem articulada durante a campanha eleitoral: não
abstenha nem anule seu voto. Caso contrário, não terá o direito de cobrar dos eleitos no
futuro. Dispensamos de comentários maldosos – a autoria da mensagem é do próprio
Tribunal Superior Eleitoral.
2. Do liberalismo à paleo-selvageria
Na modernidade, o sistema político repõe num quadro filosófico determinado: o
do liberalismo. O liberalismo é um credo que surge a partir do ideal da liberdade aplica-
do à instituição social do individualismo possessivo, impresso como parte integrante
do imaginário central da sociedade capitalista. Sistematizado por John Locke, o paradigma
do homem moderno é um ser dotado de direitos – à vida, a liberdade e à propriedade7.
Bem entendido, esse direito à propriedade não é ilimitado: é ele circunscrito por
determinantes sociais. Para o filósofo liberal, os limites da propriedade são os que
permitem o ganho de um sustento apropriado para seu dono e... nada mais. A idéia de
que podemos ter propriedade privada ilimitada é um fantasma patológico. No mundo
inteiro, os governos são vigilantes o suficiente para taxar o que conseguem limitar como

7
LOCKE, John. O Segundo Tratado sobre o Governo Civil. In Obras. São Paulo: Abril Cultural,
Col. Os Pensadores, 1972.
16 Política e Estado Democrático: algumas interrogações pontuais

propriedade – fonte de imensos recursos para eles. No quadro do liberalismo clássico,


o Estado é destinado a gerenciar o uso dos recursos sociais para garantir o bem-estar e a
felicidade comum, sem criar entraves excessivos à iniciativa individual, privada. Evi-
dentemente, aos poucos, o crescimento da riqueza aumentou a pressão social na dire-
ção da redução do papel intervencionista do Estado, pressão expressada pela frase fran-
cesa, “Laissez faire, laisser passer!” (Deixa fazer, deixa passar!), slogan proposto para o
livre comércio das mercadorias. Junto com essa posição, é a posição teorizada por Adam
Smith onde uma mão invisível é tida ser responsável pela saudável andança do sistema,
livre de intervenção do Estado.

No entanto, no quadro da criação do sistema capitalista, como sistema mundial


globalizado, desde o começo, o Estado moderno é instituído como parte integrante,
senão protagonista e ator principal. O soberano João I não se designou: “Senhor da
terra, da guerra, do mar e do comércio”? Quando o Estado não era o protagonista, agiu
como instrumento hábil nas mãos da burguesia para proteger e promover seus interes-
ses, usando sua legitimidade como símbolo, unificando a vontade nacional. O Estado
deve agir nos melhores interesses gerais do seu povo.

Como a natureza do sistema capitalista concorrencial é de desembocar em crises


de superprodução (dado o fato que a própria concorrência não deixa os produtores a
terem, em qualquer momento dado, conhecimentos completos do estado geral do mer-
cado para planejar a produção) e de resultantes desperdícios de seus recursos, articula-
dos com guerras entre povos, o Estado precisou intervir para arbitrar os conflitos e
liderar povos nos momentos belicosos. Ao longo dos séculos, pelo menos desde 1400,
os Estados-nações sucessivamente criados participaram em guerras coloniais e mercan-
tis, assim como arquitetos de projetos capitalistas via companhias de comércio. O indi-
vidualismo possessivo veio, tardiamente, após a pilhagem e a roubalheira dos tesouros
das Américas e das Índias, como no caso da Inglaterra relativa à Espanha.

As crises cíclicas do capitalismo, embutidas em sua lógica própria, levou o Estado


a ser chamado a intervir nas diversas economias e, desde as últimas décadas do século
XIX, essa intervenção tornou-se urgente. No século XX, após a I Guerra Mundial e o
Crash de 1929, seguida pela Grande Depressão, foram introduzidas políticas econômi-
cas de caráter fortemente intervencionista, como se testemunha nas políticas do Welfare
State8 e do New Deal9 (Roosevelt), de Keynes (Inglaterra) ou pelas políticas especiais de
Hitler e de Mussolini, na Alemanha e na Italia, respectivamente. Essas saídas à crise

8
Estado de Previdência.
9
Política econômica americana adotada pelo presidente Roosevelt para combatrer os efeitos malé-
ficos da Grande Depressão dos anos 1930.
David Victor-Emmanuel Tauro
17

foram conjugadas pela criação do terceiro setor na economia, o setor de serviços ofereci-
dos por servidores públicos nas áreas de administração direta: educação, saúde, segu-
rança, habitação, assistência social, etc.

O Estado também continuou investindo maciçamente em setores onde os inves-


timentos exigidos eram pesados e os lucros poucos, ou esparsamente realizáveis, ou
apenas vislumbráveis num longo prazo. Para isso, usou parte dos impostos diretos e
indiretos recolhidos ou financiou os empreendimentos com empréstimos de organis-
mos financeiros internacionais. Criou imensos setores industriais nacionalizados para
fornecer matérias-primas e utilidades para o setor privado, a preços módicos, muitas
vezes até abaixo dos custos de produção.

Inevitavelmente, a burocratização dessas empresas surgiu. Percebeu-se que, ne-


las, não se produziam sob critérios de concorrência rigorosa, devido à situação estatal
monopólica: não havia quem pudesse fazer a exigência de comportamento capitalista
zeloso. Ademais, os beneficiários, as empresas capitalistas privadas, não tinham motivo
algum para pedir uma racionalização dos custos, visto que essa ação redundaria sobre
elas mesmas, sob forma de preços mais “justos”. Mais importante, Max Weber, que
ninguém pode suspeitar ter convicções anarquistas, já havia teorizado que é da própria
lógica do capitalismo a emergência de relações burocratizadas de trabalho e de gestão
como parte do processo de racionalização que lhe era inerente.10

Efetivamernte, durante o século XX, as empresas capitalistas cresceram e as bem-


sucedidas expandiram em grandes conglomerados multinacionais, burocratizados de
suas próprias maneiras. A pletora de cursos de graduação, e especializações (mascaradas
sob a forma fajuta de MBAs – Master in Business Administration, logo, cursos de
mestrado!!!) aqui no Brasil, tanto quanto os outros cursos de gerenciamento, eterna-
mente oferecidos, são testemunhas o fracasso da gestão capitalista das empresas e de
sua pesada burocratização. As maciças despesas em propaganda e marketing das merca-
dorias são outras manifestações dessa burocratização ineficaz.

No âmbito do caso do Estado brasileiro, a partir da década de 30 do século XX, o


peso da parte estatizada da economia cresceu, tornando-se cada vez mais importante.
Fazia parte de uma política econômica geral a pesada industrialização como substituição
das importações, que deveria permitir o estímulo de vários outros cíclos produtivos. No
período pós-guerra, pelo menos durante os 30 Anos Gloriosos (1944-73), na maioria dos
países do mundo ocidental era universalmente aceito que o Estado deveria ter um papel
importante nos processos de tomadas de decisões políticas e sociais, que o mercado não

10
Cf. WEBER, Max. Economia y sociedad. Mexico:Fondo de Cultura Económica, 1970, capítulo
sobre a burocracia.
18 Política e Estado Democrático: algumas interrogações pontuais

deveria ter uma inflüência preponderante nas transações cotidianas11, que as grandes
corporações multinacionais deveriam ser vigiadas, que os sindicatos deveriam ser li-
vres e ter uma participação aberta nas decisões das empresas e que os cidadãos deveri-
am ter uma cobertura de proteção social generalizada.

Não que devamos entender a época e esta política estatizante como qualquer for-
ma de socialismo. A prova: durante os 20 anos da ditadura militar brasileira, de 1964 a
1984 (de que ninguém acusou até agora de ser comunista!), os índices econômicos do
IBGE ou do IPEA atestam que mais de 60% da então economia brasileira era dominada/
controlada direta ou indiretamente pelo Estado. Sob os militares, o Estado passou a
controlar até setores de serviços; não apenas setores produtivos como petróleo ou aço,
mas outros setores improdutivos como hotelaria. Por aproximar-se do absurdo, os cus-
tos sociais destas aventuras improdutivas chegaram a serem obscenos.

Na Europa, além do custo altíssimo da II Guerra Mundial e os custos elevados de


manter militares e armas nucleares em estado de alerta durante a Guerra Fria, o Plano
Marshall providenciou a reconstrução da Europa destruída durante a II Guerra Mundial
e renovou o comércio entre a Europa ocidental e os EEUU, agora consagrada como a
maior potência econômica mundial. No momento de suas criações, tanto o Banco
Mundial quanto ao Fundo Monetário Internacional eram projetados para promover a
paz pela reconstrução e desenvolvimento das economias nacionais e pela solução de
problemas temporários (tipo, equilíbrio de balanço de pagamentos). Teria sido
impensável encontrá-los pressionando governos sobre políticas econômicas quaisquer,
ainda menos intervindo nas políticas econômicas nacionais – o que tornou-se corriquei-
ro nas últimas décadas. Junto com o Plano Marshall, o Welfare State e as políticas
públicas intervencionistas coroaram o conjunto de políticas econômicas internacionais
favorecendo o pleno emprego (ou quase!), uma tremenda revolução tecnológica e a trans-
formação das sociedades do mundo ocidental em enormes sociedades de consumo de
bens e serviços. No final de seu magnum opus acima citado, Polanyi achava que a
sociedade capitalista já havia tomado medidas suficientes para tornar as políticas do
sistema econômico subordinadas à lei da sociedade, logo, sem deixar a sociedade a mer-
cê da economia (Ibid., p.251).

Durante este tempo, os proponentes das políticas econômicas monetaristas que


criaram a doutrina dita “neoliberalismo”, eram apenas uma pequena seita encastelada
na Universidade de Chicago, em volta do austríaco naturalizado britânico, Frederich von
Hayek [1899-1992] e de seus pupilos, o mais conhecido sendo Milton Friedman. Na

11
Um exemplo liberal, a partir de uma obra pulicada pela primeira vez em 1944, é suficiente: “Deixar
o mecanismo do mercado ser o único diretor da sorte dos seres humanos e de seu ambiente natural
… resultaria na demolição da sociedade..” Karl Polanyi, The Great Transformation. New York,1957, p. 73.
David Victor-Emmanuel Tauro
19

origem, Hayek era um simples neurologista que aos poucos fez sua carreira em econo-
mia. Em reação as formas de totalitarismo (nazismo, fascismo e stalinismo) consagra-
das nos regimes políticos dos anos 1920 e 1930, publicou seu O Caminho à Servidão
(1944) e, em seguida, dedicou o restante de sua vida a defender ideais de um capitalis-
mo de livre mercado.

Aos poucos, de uma pequena seita, o grupo de Hayek atraiu a atenção dos setores
mais conservadores do capitalismo, que financiaram uma rede substancial de institui-
ções, empregaram pesquisadores, cujos trabalhos e relatórios finais resultaram em pu-
blicações, apresentados em eventos públicos e outras atividades para promover uma
nova ideologia que veio a ser chamada de “neoliberalismo”. A burguesia soube usar as
universidades e outros “thinktanks” muito melhor do que as outras classes sociais.
Como é facil recordar, não há nada de liberal nesta proposta, pelo menos no que diz
respeito à tradição liberal praticada no mundo capitalista: o laissez-faire, laisser passer
foi mais uma ideologia que nunca foi seriamente implementada exatamente por que o
Estado nunca cessou de participar ativamente nos negócios das grandes potências capi-
talistas. O prefixo “neo” vale ainda menos: a política em vigor que vai por este nome há
mais em comum com a idade de selva do que qualquer coisa “nova”. E essa política,
numa idade de exclusão, pode ser classificada de modo mais apta de “paleo-selvageria”.

Melhor refletir sobre o que veio compor essa ideologia de neoliberalismo. Ao


longo da segunda metade do século XX, as políticas sociais do Estado levaram ao au-
mento de funcionários públicos trabalhando no setor terciário de serviços públicos de
educação, saúde, segurança, habitação, etc. O emprego maciço destes contingentes per-
mitiu atingir uma alta taxa de emprego, gerando um ciclo econômico de crescimento e
de prosperidade baseado no aumento de consumo que durou aproximandamente 30
anos. Mas, durante estes anos, os EEUU perseguiu sua procura por hegemonia como
potência capitalista, liderando a luta contra o comunismo e nesta luta travou guerras no
mundo inteiro. As despesas militares americanas, em homens e materiais, aumentou
de tal forma que criou-se deficits bilionários, ao ponto de enfraquecer o dólar como
moeda internacional.

Finalmente em 1971, o dólar foi desligado do padrão-ouro e, diante aa perda do


valor do dólar, os países produtores de petróleo decidiram aumentar o preço do barril.
A crise havia começado de novo: já que o mundo capitalista é baseado num modelo de
consumo predominado pelo uso de petróleo e de seus diversos derivados, o aumento
do preço do barril de petróleo repercutiu no planeta como um efeito dominó. Perante a
crise fiscal do Estado americano, exacerbada pela queda de atividades econômicas e de
rendas do Estado, surgiram novas políticas para enfrentar os problemas de queda de
taxas de lucros e rendas. Primeiro, houve uma mudança no enfoque da política externa
americana: tentativas de aliviar as tensões no mundo com planos de paz no Oriente
20 Política e Estado Democrático: algumas interrogações pontuais

Médio, golpes fomentados nas Américas Central e Latina, saídas diplomáticas escon-
dendo as derrotas no Vietnam, Campuchea e Laos. Em seguida, veio o ataque maciço no
sitema econômico. Perante as dificuldades engendradas pela crise fiscal do Estado, ha-
via apenas uma política possível: o Estado mínimo. E, em 1979, quando a ideóloga mais
famosa no “neoliberalismo” entrou em campanha para ser eleita líder do Partido Con-
servador da Grã Bretanha, Margaret Thatcher emendou, “There Is No Alternative (TINA)”.
Não há alternativa! A intervenção do Estado será substituída pela Mão Invisível do
mercado livre e a prioridade será o desregulamento das atividades econômicas, a libera-
ção do mercado dos entraves estatais (controles, subsídios, ncentivos, descontos, etc.),
para que as pessoas, as famílias, as empresas, os négocios de toda espécie, as cidades, as
regiões, os países e os blocos, sejam obrigados a se submeterem apenas a uma lei e
prática: a concorrência. Foi particularmente gratificante que as únicas exceções a essa
exigência foram exatamente aquelas que deveriam ser submetidas à concorrência: os
conglomerados multinacionais. Nas últimas três décadas, foi o grupo que menos prati-
cou a concorrência e que mais se beneficiou pelas políticas estatais sob forma de
reestruturações, “mergers”, compras, etc. A lei da selva, (sobrevivência dos mais aptos!)
é aplicável a todos, em relação a todos os recursos, humanos, físico-materiais e financei-
ros, menos às Corporações Multinacionais. Junto com seu grande amigo, o ator dos
filmes série B, o presidente americano, Ronald Reagan, Thatcher avançou que a desi-
gualdade natural entre as pessoas não deveria ser combatida com políticas públicas. Ao
contrário: era necessário deixar a natureza funcionar enriquecendo os meritosos. Quan-
to aos pobres e os que são perdedores: a culpa é deles, não da sociedade! De 1979 em
diante, além da Grã-Bretanha e dos EEUU., países diversos como Austrália ou Grécia,
Bélgica, Alemanha, França, Espanha, Chile, Argentina ou Brasil, aplicaram políticas deri-
vadas deste paradigma, pouco importando se for democrata ou republicano, conserva-
dor ou trabalhista, democrata cristão, social cristão, social democrata ou socialista. O
pensamento único havia triunfado.

Em que consistiu o programa econômico dos proponentes da nova ideologia? Es-


sencialmente em três pontos:
A) liberalização dos entraves no comércio dos bens e serviços em todos os níveis, local,
regional, nacional e internacional;
B) liberalização de todos os entraves à circulação do capital, também em todos os níveis;
C) liberalização dos entraves a todo nível para o investimento internacional.
No Brasil, a implementação deste programa começou com a presidência de Fernando
Collor. Em seguida, tomou rumos diversos. Em primeiro lugar, o Estado começou a
cortar drasticamente todos suas despesas, diretas e indiretas; em seguida, vieram cortes
de contingentes de funcionários servidores do Estado, em nome do combate à
burocratização e à improdutividade do funcionalismo público. Depois, vieram as
David Victor-Emmanuel Tauro
21

privatizações de empresas estatais: serviços de energia elétrica, telefonia e comunica-


ções, água, ferrovias, coleta de lixo, assim como diversas empresas estatais produtivas
de mercadorias primárias de metalurgia. Onde foi possível, os monopólios do Estado
foram privatizados. Em seguida, veio a liberalização das barreiras comerciais e mercan-
tis, favorecendo a inundação de mercadorias a preços módicos muito abaixo dos pratica-
dos no Brasil, seja em razão da alta taxação, seja em razão da prática tradicional de
monopólios internos. Depois, veio a reforma da previdência, assinalando mudanças
fundamentais na estruturação dos benefícios atuais e futuros dos trabalhadores contri-
buintes, aposentados e pensionistas. Por fim, veio uma série de políticas públicas, emen-
das de resoluções e tratados feitos ao nível internacional acordando a liberalização de
controles estatais ou internos no país. Os setores mais atingidos serão o comércio e a
prestação dos serviços. Nova legislação relativa à participação do capital privado, nacio-
nal e internacional, no fornecimento de serviços de saúde e educação, está tramitando com
a colaboração de organismos internacionais tais como a OMS e a OIT. E o grande final desta
série dramática será a reforma trabalhista, a ser promovida nos próximos meses.

Antes de concluir, um pouco sobre o impacto desta política. Ao nível internacio-


nal, vimos o empobrecimento maciço de vários países: índices internacionais de fontes
insuspeitas com do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional atestam ao
crescente hiato entre os países mais ricos e os mais pobres. Dentro de cada país que
adotou essa política, o retrato é parecido: a pobreza crescente ao nível internacional
redundou no empobrecimento crescente dentro de cada país e o hiato aprofundado
entre os setores rico e pobre em cada sociedade. A PNAD de 2002 divulgado, pelo IBGE
neste mês, acabou de indiciar os governos brasileiros dos últimos sete anos com taxas
sucessivas de perdas de renda, cerca de 20% segundo os cálculos oficiais. Ao contrário do
prometido, altas taxas de desemprego, crescentes altas nos números de novos pobres e
moradores de cidades sem teto, crescentes taxas de repetência (quando não camuflada)
e/ou evasão escolar entre jovens e adultos sem a esperança de um emprego pela frente,
retração de atividades econômicas devido a políticas de contenção de gastos e demissões,
escorchantes taxas de juros para o crédito pessoal, alta de preços de mercadorias e serviços
após a recessão e seguindo a privatização. O governo FHC instituiu uma nova forma de
capitalismo no Brasil: o de empresas privatizadas de serviços que podem operar sem o risco
de ter perdas. O lucro é obrigatoriamente embutido nas taxas cobradas nas contas.

Para coroar essa situação, a alternância política esperada com a vitória de Lula e
do Partido de Trabalhadores nas eleições de 2002 simplesmente não aconteceu. A políti-
ca econômica antes praticada pelo o PSDB, ainda está em vigor, um tanto exacerbada,
sob a batuta de homens de confiança do sistema capitalista liderados por Henrique
Meirelles, membro do establishment bancário internacional. O czar da política econô-
mica do país, o ministro Palocci, repete o refrão bordado de Margaret Thatcher, “Não há
alternativa!”.
22 Política e Estado Democrático: algumas interrogações pontuais

3. Em lugar de uma conclusão


Quando refletimos sobre a política e o Estado democrático, uma série de interro-
gações perpassa qualquer tentativa de se reconciliar com a vida cotidiana: para começar,
o que significa “política” para nós hoje e o que deveria significar? Em seguida, o que
significa a representação em relação à democracia... se a democracia realmente significa
o poder do povo (tradução literal da palavra grega)? Quais são os deveres do Estado em
relação à sociedade civil? De que maneira o governo é responsável pelo bem-estar e a
felicidade da sociedade civil? Como é que os representantes eleitos pelo povo poderão
agir com a responsabilidade exigida pelo cargo que ocupam? Como é que as políticas
públicas poderiam ser usadas para efetivamente fazer reinar a justiça social no país?
Enquanto nós não nos endereçamos essas ou outras interrogações conexas relativas à
política econômica e às políticas públicas, devido aos desunidos neste país, e lutar para
efetivas políticas que possam responder à altura os problemas que assolam, continuare-
mos a viver na Era da Exclusão.

BIBLIOGRAFIA
ARISTÓTELES. Política. Trad. Mário Gama Kury. Brasília: UnB, 1990.
GEORGE, Susan. Corporate-led Globalism: A Short History of Neoliberalism. Proceedings
of the Conference on Economic Sovereignty in a Globalising World, Bangkok, 24-26 March,
1999, http://www.globalpolicy.org/globaliz/econ/histneol.htm, consultado em 01/10/2004.
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2002. http://www.thirdworldtraveler.com/Dissent/AnotherWorldPossible.htm, consul-
tado em 01/10/2004.
________. For Many Countries, there is No fate Wor$e Than Debt. Interview by Michael
Gismondi. Aurora Online, http://www.aurora.icaap.orgarchivegeorge.html, acessado em
01/10/2004.
LOCKE, John. O Segundo Tratado sobre o Governo Civil. In Obras. São Paulo: Abril
Cultural, col. Os Pensadores, 1972.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Cartes sur la montagne, in Oeuvres Complètes. Paris : nrf
Gallimard, col. La Pléiade, 1979.
SKINNER, Quentin. Fundações do Pensamento Politico Moderno. São Paulo: Compa-
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University Press, 1998.
WEBER, Max. Economia y sociedad. Mexico:Fondo de Cultura Económica, 1970.
23

Direitos Humanos e Direitos Sociais:


desfios e perspectivas

Maria de Lourdes Jeffery Contini


Doutora em Educação pela Unicamp, Campinas.
Professora do Departamento de Ciências Humanas/CCHS da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

A
cidadania é sustentada por um tripé que envolve as conquistas históricas do
homem, no que concerne às garantias dos direitos civis, às dos direitos políticos
e às dos direitos sociais. O momento atual mostra que as duas primeiras já con-
seguem ter um ‘status’ mais estabelecido junto à sociedade, diferentemente dos direi-
tos sociais, que em muitos países, como no caso do Brasil encontram-se em níveis mui-
to precários.
As políticas sociais, que deveriam garantir os direitos básicos do indivíduo, como
educação, saúde, habitação, transporte e lazer, não foram implementadas pelo Poder
Público e é no “terreno baldio das políticas sociais” que aparecem os destinatários e
demandatários da assistência social, ou seja, aqueles que foram excluídos dos direitos
sociais básicos. Os excluídos passam a conviver com a miséria, a fome e a morte, carac-
terizando uma vida imersa em “situações de risco”. No Brasil a situação é agravada pelos
alarmantes níveis de desemprego; é possível verificar um grande número de famílias
expostas a essa condição, o que as torna vulneráveis e frágeis na garantia da sua sobre-
vivência e sem nenhuma perspectiva de futuro para as suas vidas.
Tal situação, fruto de anos de uma política excludente e concentradora de renda,
passa a ser alvo de fortes críticas por parte de segmentos da sociedade civil organizada,
especialmente na década de 80, que se posicionam fortemente em favor da revisão da
Carta Constitucional. Esse movimento popular conquista, através da pressão e da parti-
cipação, avanços no que se refere aos direitos sociais, na promulgação da Constituição
de 1988. A nova Carta estabeleceu um re-ordenamento político-institucional das compe-
tências da Federação, dos Estados e dos Municípios, fortalecendo o movimento de par-
ticipação popular na constituição e execução de políticas públicas. Essa participação
fortaleceu os Direitos Humanos no Brasil.
Para podermos fazer uma análise desse movimento de participação popular e for-
talecimento dos Direitos Humanos, é necessário voltarmos um pouco mais na história
da própria constituição dos Direitos Humanos, com vistas a compreender as condições
históricas e sócio-econômicas que propiciaram tal conquista para a humanidade.
24 Direitos Humanos e Direitos Sociais: desafios e perspectivas

A Evolução histórica dos Direitos Humanos


Para desenvolver este tópico, utilizaremos da cronologia discutida por Pallazzo
(1998) a respeito da evolução dos Direitos Humanos e suas novas dimensões. O concei-
to de Direitos Humanos, segunda a autora, deve ser compreendido dentro de dois pris-
mas: Valorativo – propõe que sejam os Direitos Humanos um ideal comum da humani-
dade para a formação de uma “consciência moral universal”; Jusnaturalista - são direi-
tos inatos, inerentes da pessoa humana. Por conseqüência são anteriores e se sobre-
põem ao direito positivo.
A evolução dos Direitos Humanos depende do crescimento da consciência coleti-
va através do tempo, com isso emerge do conflito entre os que lutam por uma nova
ordem e os que nada querem mudar. Dessa forma, sua história não é linear, mas contém
grandes avanços e dramáticos retrocessos.
Marshall divide os Direitos Humanos, a partir de uma perspectiva histórica que
abarca três contextos: Direitos de Primeira Geração - liberdades civis e direitos políticos;
Direitos de Segunda Geração - direitos econômicos, sociais e culturais; Direitos de Ter-
ceira Geração - os direitos dos povos, desenvolvimento, solidariedade e outros.
Os Direitos de Primeira Geração abarcam as Liberdades Civis e Direitos Políticos.
As declarações de Virginia (1776) e a Francesa (1789) se converteram para a grande arran-
cada, para uma nova etapa da evolução histórica dos Direitos Humanos, pois os direitos
civis foram incorporados à ordem jurídica. Consagra-se a igualdade de todos os homens
perante a lei e os direitos naturais e imprescritíveis dos homens são proclamados: a
liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão. Sendo garantidas, tam-
bém, a liberdade de pensamento e opinião.
Os Direitos de Segunda Geração são os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
As condições históricas para uma nova etapa no estado de consciência, sobre as necessi-
dades básicas do homem foram dadas pela Revolução Industrial. As transformações so-
ciais econômicas tiveram seu efeito mais dramático na conformação de operários assa-
lariados, submetidos a desumanas condições de exploração. A nova ordem imposta pela
burguesia enfrenta críticas dos pensadores socialistas que reclamam uma radical modi-
ficação das condições materiais de existência do proletariado. As primeiras incorpora-
ções dos direitos econômicos e sociais à ordem jurídica de um Estado ocorrem no Séc.
XX com a Constituição Mexicana de 1917, a da Rússia em 1918 e do Uruguai em 1934.
As diferenças entre os direitos civis e políticos e os econômicos e sociais não
reside exclusivamente no conteúdo dos direitos. Para Pallazzo (1998), os direitos civis e
políticos são garantias do indivíduo frente ao Estado, que assume o papel de protetor e
mantenedor desses direitos. Já os direitos econômicos e sociais exigem do Estado uma
intervenção e uma política concreta para dispor meios que tornem efetivo esses direitos.
Os Direitos de Terceira Geração – Direitos dos Povos - surgem no contexto da
Maria de Lourdes Jeffery Contini
25

Segunda Guerra Mundial, quando 51 países assinaram a carta fundadora das Nações
Unidas. Em 1948 proclamam a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Em 1966
foram firmados dois pactos: Pacto dos Direitos Civis e Políticos e Pacto dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais. Ambos reafirmam em seus artigos I, que “Todos os
povos têm o direito a sua livre determinação”.
A história dos povos que conquistaram sua independência, no entanto, foi suficiente
para demonstrar que a autodertiminação era, em grande parte, fictícia, visto que os direitos
acabavam perdendo o seu sentido, na medida em que as nações careciam, cada vez mais, dos
meios para satisfazer as necessidades mínimas dos seus povos.
Outra questão importante citada por Pallazzo (1998) foi a forma como os dois grandes
blocos de poder político e econômico, criados durante a Guerra Fria, tratavam de forma dis-
tinta os Direitos Humanos. O Bloco capitalista priorizava os Direitos de Primeira Geração,
apegando-se mais a aspectos formais dos direitos da pessoas humana. No Ex- Bloco comunis-
ta, eram os Direitos de Segunda e Terceira Geração os de maior ênfase aos direitos sociais e
coletivos e aos direitos dos povos do que aos direitos individuais.
Em 1968 realiza-se, em Teerã, a I Conferência Mundial dos Direitos Humanos das Na-
ções Unidas. Nesse encontro, embora limitado pela realidade bipolar, já começa a tentativa
de romper com a dicotomia entre direitos civis e políticos e direitos econômicos e sociais,
proclamando a indivisibilidade e interdependência entre todos eles. Esse processo se com-
pleta na II Conferência Internacional dos Direitos Humanos em 1993, em Viena.
Um importante avanço nessa direção foi a Carta de Argel, em 1976, quando um
grupo de países do mundo não-desenvolvido proclama a Declaração dos Direitos dos Po-
vos, reconhecendo a existência de direitos cujos titulares são os povos, tanto individual
como coletivamente.
Os Direitos proclamados nesta ocasião foram: o direito à existência dos povos; à livre
disposição dos recursos naturais próprios; o direitos ao patrimônio natural comum da huma-
nidade; à autodeterminação; à paz e segurança; à educação; à informação e comunicação e a
um ambiente são e ecologicamente equilibrado.
Podemos observar que o corolário desses direitos todos é o direito ao desenvolvimen-
to, de cuja realização se deriva, com efeito, o respeito à maioria dos direitos e liberdades dos
povos. Em 1986, as Nações Unidas adotam uma declaração sobre o direito ao desenvolvimen-
to, em que se coloca a pessoa como sujeito central do processo.
A vinculação do direito ao desenvolvimento com a pessoa humana resultou num con-
ceito de desenvolvimento humano. Este tipo de desenvolvimento envolve não só variáveis
econômicas mas também, a expectativa de vida, o conhecimento derivado da educação, o
nível de vida, a liberdade política, a proteção ambiental entre outras. Este breve histórico
demonstra os caminhos construídos pela coletividade humana buscando, cada vez mais,
ampliar os conceitos de Direitos Humanos, Direitos Sociais e Desenvolvimento Humano.
26 Direitos Humanos e Direitos Sociais: desafios e perspectivas

A evolução dos mecanismos de proteção dos Direitos Humanos no Brasil


No Brasil, segundo Pallazzo (1998), a Constituição Imperial de 1824, seguida pela
Primeira Constituição republicana de 1891, já estabelecia determinadas categorias de liber-
dades civis. A Constituição de 1934 contemplava novos direitos num capítulo sobre a or-
dem econômica e social, que prevaleceu estagnada nas constituições de 1946,1967 e 1969.
Será na Década de 70 e nos anos 80 que começam a surgir os Centros de Defesa dos
Direitos Humanos por todo o país, tornando-se importantes atores no processo de
redemocratização, criando e fortalecendo a luta e a organização popular.
O grande marco na nossa história foi a Constituição de 88, ao introduzir um mode-
lo orgânico institucional para o trato das políticas públicas. Isso possibilitou a construção
de novos espaços políticos e estimulou o exercício de prerrogativa pública pelos cidadãos.
O processo de redemocratização permitiu uma maior participação da sociedade civil na vida
política do País e garantiu a implementação dos direitos civis e políticos, constitucionalmente.
No entanto, a ideologia política do mercado liberal gera um processo, ainda em cur-
so, de desregulamentação das políticas sociais e da conceituação do Estado Mínimo. Surge,
assim , uma nova bandeira de luta para os movimentos sociais, que vão em busca da
garantia dos direitos conquistados ao longo da história. Atualmente os Direitos Humanos,
mais que uma bandeira de luta, fazem parte da agenda política do País.
Em 13 de maio de 1996 é criado o Programa Nacional de Direitos Humanos, conten-
do as diretrizes básicas dos Direitos Humanos no Brasil. O conteúdo do Programa se con-
centra mais nos direitos civis, embora contenha algumas medidas que, se efetivadas, po-
dem contribuir para a promoção dos direitos sociais.
Em relação aos acordos internacionais, o País foi o terceiro a cumprir formalmente
as recomendações de Viena em institucionalizar a Proteção Nacional dos Direitos Huma-
nos através do Programa Nacional de Direitos Humanos. Essa breve retrospectiva histórica
mostra a importância das lutas internacionais para a construção dos Direitos Humanos
como padrão universal que garante os direitos dos cidadãos.
O grande desafio imposto, na lógica atual do sistema capitalista em que vivemos, é
realizar, num regime democrático e de participação popular legítima, o desenvolvimento
econômico traduzido em riquezas materiais e de vida, tendo como conseqüência o verda-
deiro desenvolvimento humano.

Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento


Todos os países reivindicam perseguir o crescimento econômico rápido e sus-
tentável, traduzido em desenvolvimento; participação política popular, própria da
democracia e, o respeito aos direitos de seus cidadãos que definem os direitos huma-
nos naquela sociedade.
Maria de Lourdes Jeffery Contini
27

Donnelly (1998), discute a questão dos direitos humanos e de sua legitimidade


política. Para o autor os Direitos Humanos especificam um conjunto inalienável de bens,
serviços e oportunidades individuais que o Estado e a sociedade são, em circunstância
comuns, chamados a respeitar e prover. Já a legitimidade de um Estado, numa perspec-
tiva dos Direitos Humanos, é uma função do quanto ele respeita, protege e realiza os
direitos humanos ou “naturais” dos seus cidadãos.
É importante, no entanto, observar que na maioria dos países, especialmente da
América Latina com a presença do regime democrático, o Desenvolvimento junto com
os Direitos Humanos permanece ainda de forma parcial e frágil, no que se refere à sua
efetivação real.
Parece, então, que a Democracia por si só não garante a inter-relação entre Desen-
volvimento e Direitos Humanos. O que é possível afirmar é que a Democracia, em mui-
tos casos, pode beneficiar o bom governo, na medida em que o povo deve ser a fonte da
autoridade do governo para governar. Para Donnelly (1998) a participação do povo pode
controlar o desenvolvimento, assegurando que o crescimento econômico ocorra com-
prometido com o desenvolvimento nacional e não apenas com interesses de enriqueci-
mento privado. Diz o autor que “as redistribuições exigidas pelos direitos econômicos e
sociais procuram assegurar, igualmente que a prosperidade seja difundida em toda soci-
edade, ao invés de co centrada numa elite minoritária”. (p.173).
Outra questão importante é o fato de que o Desenvolvimento pode tornar-se um
fator de fortalecimento da Democracia e do usufruto concreto dos Direito Humanos, na
medida em que cria-se na sociedade condições materiais (bolo econômico grande) para
que a população possa obter rendas melhores para si própria, possibilitando uma quali-
dade de vida para os seus membros.
É necessário estarmos atentos para atual conjuntura do capitalismo, identificado atra-
vés dos modelos de civilização globalizada e planetária, onde a lei econômica do livre merca-
do têm privilegiado os indicadores macroeconômicos em detrimento de oferecer soluções,
como aponta Herrera (1998), “aos problemas simplesmente humanos” (p. 611).
O resultado dessa visão unilateral é a oferta global de empregos. Para Dupas (1998),
essa nova lógica está afetando a qualidade e a quantidade da oferta global de empregos
de forma complexa e desafiadora. O autor comenta as principais tendências que se
apresentam nesta ótica. São elas: “redução da geração de empregos qualificados e for-
mais por investimento direito adicional; contínua flexibilização da mão-de-obra em to-
dos os níveis(...); clara inter-relação entre agentes econômicos formais e informais na
medida em que se encaminha para a base das cadeias produtivas, procurando abrigar o
trabalho informal e a mão-de-obra barata (low-wage)” (p.121).
Este panorama, segundo o autor, exige uma reflexão do papel dos Estados Nacio-
nais frente as instituições internacionais na economia global. Não é mais possível falar
em “Estado Mínimo” frente a essa complexa situação gerada pela fracionamento da
28 Direitos Humanos e Direitos Sociais: desafios e perspectivas

cadeia produtiva do capitalismo atual. Para Dupas(1998) “o desenvolvimento econômi-


co e social sustentável mostra-se, pois, impossível sem um Estado ativo”(p.123). Visto
que este Estado é que deverá dar um suporte para uma “proteção social” às crescentes
massas de pessoas excluídas socialmente. O último relatório da OIT (1997/1998) lembra
que o processo de globalização contemporâneo requer grandes e não pequenos Estados,
ou seja, caberá ao Estado o papel central de manter e restaurar a coesão social, que se vê
seriamente ameaçada pelo crescimento da exclusão.
O que podemos concluir com essa pequena reflexão é que o fortalecimento dos
Direitos Humanos e Direitos Sociais está diretamente ligado com a questão do emprego na
economia atual, visto que será pela renda que a população terá acesso aos bens e serviços
disponíveis na sociedade, podendo garantir, ou não, o direito a uma vida de dignidade.
Dupas (1998), ao discutir esse aspecto considera que “o paradigma do emprego
está em definitiva mudança. E um dos direitos mais fundamentais do homem contem-
porâneo – o de um posto de trabalho que lhe dê renda e dignidade – parece cravado de
incertezas ao se aproximar o próximo século”(p.130).
No entanto, entendemos que o necessário lidar com esta contradição e complexi-
dade dos nossos tempos, construindo práticas coletivas, no nosso caso através do con-
trole social previsto constitucionalmente, para podermos explorar a correlação entre
Direitos Humanos e Direitos Econômicos e Sociais, acreditando no que aponta Donnelly
(1998), que tais práticas são possíveis “quando o objetivo primordial é todos os direitos
humanos para todos”(p.204). Este deve ser o nosso compromisso e desafio com o atual
século que se inicia.

Bibliografia Básica
DONNELLY, Jack. Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento. In: PINHEIRO,
P.S. e GUIMARÃES, S.P. (org.) Direitos Humanos no século XXI. Brasília: Senado Federal:
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DUPAS, Gilberto. A questão do Emprego e da Exclusão Social na Lógica da Economia
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Brasília: Senado Federal: IPRI, 1998. pp.107-131.(Parte I).
HERRERA, Maria Belela. Desafios que o tema Direitos Humanos coloca para o Século XX.
In: PINHEIRO, P.S. e GUIMARÃES, S.P. (org.) Direitos Humanos no século XXI. Brasília:
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PALAZZO, Ludmila Oliveira. A Evolução dos Direitos Humanos e suas novas dimensões.
In: Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia. Psicolo-
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29

As Políticas Públicas Sociais

Regina Stela Andreoli de Almeida


Doutora em Serviço Social pela Unesp, São Paulo.
Professora do Curso de Serviço Social da Universidade
Católica Dom Bosco.

1. Política: um conceito e uma ação


BOBBIO (1998, p.954) afirma que o termo política, embora signifique, por derivar de
pólis (politikós), “tudo o que se refere à cidade e, conseqüentemente, o que é urbano,
civil, público, e até mesmo sociável e social (...)”, após a publicação da obra de Aristóteles
– Política – adquiriu outra conotação, como veremos adiante.
O mesmo autor ensina que o conceito de política, usado originalmente para refe-
rir-se ao estudo das “coisas do Estado”, foi sendo substituído com o tempo, passando a
referir-se às atividades ou práxis humanas, sempre associado ao poder de um ou mais
seres humanos sobre outros, já que tais atividades envolvem processos desencadeados
por algum tipo de interesse1. Objetivando avaliar os diferentes tipos de poder, vemos
em BOBBIO (1998, p.955) que:
“Há várias formas de poder do homem sobre o homem; o poder político é apenas uma delas.
Na tradição clássica, que remonta especificamente a Aristóteles, eram consideradas três for-
mas principais de poder: o poder paterno, o poder despótico e o poder político. Os critérios
de distinção têm sido vários (...). Em Aristóteles se entrevê a distinção baseada no interesse
daquele em benefício de quem se exerce o poder: o paterno se exerce pelo interesse dos
filhos; o despótico, pelo interesse do senhor; o político, pelo interesse de quem governa e de
quem é governado, o que ocorre apenas nas formas corretas de Governo (...)”.

Tendo como objetivo a defesa de algum tipo de interesse, torna-se evidente o


caráter teleológico da política, uma vez que, antevendo os resultados ideais, as ativida-
des que lhe são intrínsecas são voltadas para determinado fim. Por isso o termo também
é utilizado para designar conjuntos de ações voltadas para a consecução de objetivos,
que, conforme PEREIRA (1994, p.02) “requerem participação ativa do Estado no planeja-
mento e execução de procedimentos e metas voltados para a satisfação coletiva”, como
as políticas sociais, educacionais, econômicas, agrárias ou ambientais, dentre outras.

1
O autor, explicitando a associação existente entre política e poder, cita HOBBES, que define o
poder como meios adequados à obtenção de qualquer vantagem” e RUSSELL, que o define como
“conjunto de meios que permitem alcançar os efeitos desejados” (BOBBIO, 1998, p.954).
30 As Políticas Públicas Sociais

Embora a política deva ser entendida como uma atividade humana - desenvolvida
em qualquer situação, portanto, face aos interesses definidos neste estudo, restringire-
mos nossa análise ao campo das políticas sociais.

2. As Políticas Sociais Públicas


Segundo DEMO (1996, p.14), as políticas sociais podem ser ou não públicas, uma
vez que deve ser considerada a existência das políticas sociais empresariais, sindicais,
acadêmicas e religiosas, além das decorrentes dos segmentos organizados da sociedade
(sociedade civil).
Concentrando nossa atenção nas Políticas Sociais Públicas e valendo-nos, ainda,
do raciocínio de DEMO (1996, p.14), podemos afirmar que estas são propostas
institucionais que objetivam a redução das desigualdades sociais e supõem planejamen-
to, por representarem possibilidades de intervenção no processo histórico.
Aqui encontramos, entretanto, as primeiras controvérsias, uma vez que, embora
possa haver consenso no fato de que qualquer política social deve ter como pressuposto
a existência de desigualdades, a interpretação de suas causas, associada a alguns concei-
tos - como pobreza e direitos -, pode indicar diferentes caminhos na busca por alternati-
vas de solução, o que significa afirmar que as políticas sociais são delineadas ou não,
segundo a visão que se tem da própria desigualdade.
Neste contexto DEMO (1996, p.14-18) apresenta, inicialmente, três diferentes
posturas referentes ao caráter da desigualdade, que pode ser entendida como decorren-
te de aspectos históricos, histórico-estruturais e/ou apenas estruturais, conforme deta-
lhamos a seguir.
Histórica - a desigualdade surge na história, com a “introdução da propriedade
privada e em seguida do trabalho assalariado”. Neste caso a desigualdade está relaciona-
da ao surgimento do capitalismo e poderá ser suprimida com a eliminação da mais-
valia. Segundo DEMO (1996, p.15), nesta situação as políticas sociais perdem a finalida-
de, uma vez que a desigualdade pode e deve ter outra solução, encontrada também na
história, através da mudança de sistema econômico.
A segunda postura – estrutural - confere à desigualdade características estrutu-
rais, ou seja, de uma forma ou de outra estará sempre presente, podendo, entretanto,
ser minimizada pela adoção de estratégias corretas, como o desenvolvimento de proces-
sos efetivamente democráticos e, neste caso, conforme afirma DEMO (1996, p.16), a
“Política Social é importante e necessária”.
Visão histórico-estrutural – oposta à primeira concepção, vê a desigualdade como
determinada pela história.Neste contexto a Política Social “(...) poderia reconhecer a
igualdade e arquitetar modos de acomodação, mas nunca chegar a propostas de redução
substancial” (DEMO, 1996, p.16).
Regina Stela Andreli de Almeida
31

Como se pode observar, apenas os que interpretam a desigualdade segundo a


visão estrutural defendem a adoção de políticas voltadas para sua redução. DEMO men-
ciona, ainda, considerações de alguns autores de que a política social torna-se inviável
no sistema capitalista pelo fato da exploração ser dele imanente, ponderando, posteri-
ormente, que é exatamente no capitalismo, pelas desigualdades existentes, que tal po-
lítica é mais necessária.
A desigualdade, neste caso, é sempre relacionada à pobreza material - classificada
por DEMO (1996, p.19-23) como pobreza socioeconômica - por tratar-se do aspecto apa-
rente, que pode ser quantificado, deixando de ser percebidos ângulos muito mais pro-
fundos, nos quais estão configurados os maiores obstáculos para a superação daquilo
que poderia ser uma etapa na vida de alguns segmentos sociais: a pobreza política,
resultado da pressão exercida pelos valores hegemônicos existentes na superestrutura,
que impede grande parcela da população brasileira de:
- ter consciência de si e de mundo, de ver-se, portanto, num mundo para-si;
- perceber a sociedade em sua totalidade, com as desigualdades e contradições ai
presentes;
- identificar os próprios interesses, observando que seus problemas não são só
seus, mas são comuns aos que pertencem à sua classe social;
- organizar-se para, defendendo os interesses comuns, tornar-se efetivamente su-
jeito da própria existência;
- exercer a cidadania, deixando de ser objeto de manipulação dos poderosos.

Esta análise nos auxilia a perceber que a política social, além de compensatória,
uma vez que deve atender às necessidades mínimas dos que dela se utilizam, deve ser
caracterizada também como preventiva, contribuindo de maneira efetiva para que de-
terminadas situações sejam evitadas, redistributiva, na medida em que interfere na
concentração de renda, universal, possibilitando a todos, de maneira equânime, o aces-
so às oportunidades e emancipatória, associando, no dizer de DEMO (1996, p.23) a
“autonomia econômica com autonomia política”, o que certamente favorecerá o exercí-
cio da cidadania, possibilitando o surgimento de um nova sociedade: mais justa e, por-
tanto, menos desigual.
PEREIRA (1994, p. 1) observa que nunca se falou tanto em política social como atual-
mente, embora, no Brasil, não haja clareza quanto ao sentido que o termo apresenta, o que
podemos complementar: pela ocorrência da pobreza política, como denomina DEMO. Polí-
tica Social, no entanto, “tem identidade própria” no dizer da autora, que conclui:
“Refere-se a programa de ação que visa, mediante esforço organizado, atender necessidades
sociais cuja resolução ultrapassa a iniciativa privada, individual, espontânea, e requer decisão
coletiva regida e amparada por leis impessoais e objetivas, garantidoras de direitos (...) a política
32 As Políticas Públicas Sociais

social é uma espécie, dentre outras, do gênero política pública (...) embora as políticas públicas
sejam reguladas e freqüentemente providas pelo Estado, elas englobam preferências, escolhas
e decisões privadas podendo (e devendo) ser controladas pelos cidadãos. Política pública ex-
pressa, assim, a conversão de decisões privadas em decisões e ações públicas, que afetam a
todos”. (PEREIRA,1994, p.1-2)

A política social pública deve ser o instrumento utilizado pelo poder público com
vistas ao respeito devido aos direitos sociais garantidos pela Constituição Federal em
vigor2. Por isso, segundo o mesmo autor, deve ser entendida como direito e não como
uma mera concessão de favores, devendo, pelas características que apresenta, ser de-
senvolvida em três linhas, que se complementam: políticas assistenciais, políticas
participativas, e políticas socioeconômicas.

2.1 Políticas assistenciais


As políticas assistenciais envolvem a assistência, por parte do poder público,
direcionada aos segmentos populacionais que não dispõem de condições para o atendi-
mento das necessidades básicas, - sendo, portanto, compensatórias - devendo garantir-
lhes o direito, não somente à sobrevivência, mas a uma vida digna.
Considerando situações diversas, DEMO (1996, p.26-32), lembra que a própria
Constituição determina a prestação de assistência aos grupos vulneráveis3, devendo em
tais grupos ser incluídos tanto a criança e o adolescente em situação de risco, quanto os
deficientes impossibilitados de trabalhar; os idosos que não dispõem de quem deles se
responsabilize; os presos; os que apresentam doenças infecto-contagiosas e os mendi-
gos, dentre outros.

2.2 Políticas participativas


Quanto às políticas participativas, são assim classificadas aquelas que, através do
oferecimento de determinados serviços, favorecem o exercício da cidadania sendo men-
cionadas à guisa de exemplos, por DEMO (1996, p.39-40), as políticas educacionais, cul-
turais, de comunicação, de defesa da cidadania, de conquista de direitos, de organização
da sociedade civil, partidárias, de justiça, sindicais e de segurança pública. São, como
vemos, emancipatórias, preventivas e redistributivas.
O próprio autor considera, porém, que as políticas participativas, embora públi-
cas, são originárias da própria sociedade civil, sendo apenas normatizadas pelo Estado.
Acrescentamos, a este raciocínio, o fato da cidadania ser sempre objeto de conquista
popular, não podendo, portanto, ser entendida como concessão do poder público.

2
Cf. Constituição Federal, p. artigo 6º, complementado pelos artigos 192 e 193.
3
“A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição
à seguridade social” - Art. 203.
Regina Stela Andreli de Almeida
33

2.3 Políticas socioeconômicas


As políticas socioeconômicas põem em relevo as características redistributiva e
emancipatória da política social e, associando as áreas social e econômica, voltam-se
para a reinserção dos excluídos no processo produtivo e/ou elevação da renda familiar,
como forma de reduzir as desigualdades existentes. Dentre as políticas que DEMO (1996,
p.33-37) define como socioeconômicas, destacamos:
a) “(...) políticas de emprego, que são ao mesmo tempo a forma mais estrutural de redistribuir
renda, seja no setor dito formal, seja no setor dito informal (...);
b) políticas de apoio às formas de microprodução, com vistas a ocupar espaço sólido no
mercado agrícola ou urbano (...);
c) políticas de profissionalização da mão-de-obra, algo certamente dependente do mercado de
trabalho (...) mas relevante como estratégia de preparação, adequação, retreinamento, etc.; (...)”.
A esses, o autor acrescenta os programas como o do Seguro-Desemprego e o da
Reforma Agrária. Aí entra a política, face à diversidade dos interesses envolvidos e é
interessante observarmos que, à medida em que a história foi sendo tecida, é que os
atores puderam, com mais clareza, ser identificados.
Com o surgimento do Estado Moderno uma nova forma de organização política
foi instaurada, diferente das até então conhecidas ARISTOCRACIA e DEMOCRACIA, tra-
zendo em seu bojo uma nova concepção da coisa pública. Vemos, então, que se antes
havia a aristocracia e a plebe, nesta nova organização conceitos precisavam ser construídos
para explicar os espaços ocupados por governantes e governados, assim como os relati-
vos aos papéis a serem desempenhados.
Foi o que HEGEL fez, no século XIX, quando afirmou que SOCIEDADE CIVIL é tudo o
que não é contemplado pela estrutura jurídica e política (que constitui o ESTADO). Na
visão hegeliana, a sociedade civil, por envolver relações econômicas e familiares era um
círculo restrito, com interesses limitados, enquanto o Estado, pela abrangência das ações,
apresentava caráter universalista.
O Estado que, sabemos, nem sempre esteve tão próximo assim da Sociedade Ci-
vil, à medida que o capitalismo foi se instalando, em razão inversa, mais e mais foi se
distanciando. No que concerne ao nosso país é interessante que alguns pontos sejam
observados:
- no Brasil nunca houve tal aproximação;
- os governantes não foram e não são questionados pelo povo, que ainda não
conheceu a verdadeira democracia pelo fato de ainda não ter sido conquistada;
É importante ressaltar que a organização social, como afirmamos inicialmente,
preexiste ao Estado, cuja criação dela decorre.
34 As Políticas Públicas Sociais

A existência do Estado está, pois, condicionada à sociedade, não havendo possi-


bilidade daquele modificar-se, sem que esta se transforme. Daí a preocupação, dentre
os que detêm o poder, em engendrar toda a sorte de obstáculos, de forma a impedir
que mudanças sejam efetivadas. VIEIRA (1997:44) explica que o conceito de sociedade
civil vem sendo associado às lutas desenvolvidas pelos movimentos sociais, que emer-
giram em contraposição aos regimes totalitários - de direita ou de esquerda - vigentes,
por longos períodos, em várias partes do mundo.
De acordo com VIEIRA (1997:44-48) - que por sua vez se apóia em Cohen e Arato -,
entre o Estado e a sociedade civil, duas outras esferas são encontradas: a sociedade
política e a sociedade econômica, o que nos permite afirmar que a sociedade estaria
organizada com base na interação de quatro grandes esferas, conforme representação
gráfica a seguir.
Como o esquema demonstra, a sociedade econômica e a sociedade política são
oriundas da sociedade civil, da qual provêm, também, aqueles que organizam, coman-
dam e atuam nas instituições que constituem o Estado.
Deve ser observado, porém, que a sociedade civil é constituída por segmentos

Instituições que representam a


ESTADO organização política e jurídica da
sociedade

Partidos políticos, organizações


SOCIEDADE POLÍTICA
políticas e parlamento

Organizações de produção e
SOCIEDADE ECONÔMICA distribuição, cooperativas,
empresas e firmas

SOCIEDADE CIVIL Segmentos organizados da


sociedade
Regina Stela Andreli de Almeida
35

com realidades, anseios, problemas e interesses distintos e, por vezes, antagônicos4.


Diante disto, vemos ser impossível, para qualquer grupo político, representar a socieda-
de em sua totalidade, posto que, é impossível defender, simultaneamente, os interes-
ses de uns e de outros.
A sociedade política deveria ser a esfera intermediária, que procura identificar
os problemas que afetam o segmento que representa (das sociedades civil ou econômi-
ca) para, junto aos poderes constituídos (ou Estado), envidar esforços no sentido de
viabilizar o apoio necessário para que as soluções mais adequadas sejam encontradas e
para que todos os direitos de cidadania, duramente conquistados ao longo dos últimos
séculos, sejam respeitados.
Aí vemos, como pano de fundo, o papel do Estado, em seus três níveis (federal,
estadual e municipal): viabilizar a implantação de um efetivo Estado Democrático de
Direito, tendo como fundamentos, conforme o art. 1º da Constituição Federal:
“I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político”
A chamada Constituição-Cidadã vai muito mais longe, uma vez que no art. 3º
são definidos como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
“I – Construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – Garantir o desenvolvimento nacional;
III –Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais;
IV –Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, idade e
quaisquer formas de discriminação.”

4
No sistema capitalista o antagonismo sempre está presente, uma vez que nas relações de
trabalho vemos, de um lado o empregador, cujo objetivo é o lucro e, de outro, o trabalhador que
procura, através da remuneração obtida com a venda da mão-de-obra, melhores condições de
vida, o que significa melhor salário. Ora, para satisfazer os anseios do trabalhador, o lucro do
patrão será reduzido, o mesmo ocorrendo em relação ao lucro por este obtido, que sabemos ser
proveniente da mais-valia.
36 As Políticas Públicas Sociais

Bibliografia
BOBBIO, N., MATEUCCI, N. e PASQUINO, G. Dicionário de Política. 11. ed. Brasília, DF:
UnB, 1998.
BRASIL,. Leis. Constituição: 1988. Texto constitucional de 5 de outubro de 1988 com as
alterações adotadas pelas emendas Constitucionais nº. 1/92 a 16/97 e emendas Consti-
tucionais de Revisão nº. 1 a 6/94. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições
técnicas, 1997.
DEMO, P.. Política Social, educação e cidadania. 2. ed. Campinas, SP: Papirus, 1996.
PEREIRA, P. A. Concepções e propostas das políticas sociais em curso: tendências, pers-
pectivas e conseqüências. Brasília, DF: NEPPOS/CEAM/UnB, 1994.
VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. Rio de Janeiro: Record, 1997.
37

Globalização e Desigualdade Social

Inara Barbosa Leão


Doutora em Psicologia Social pela PUC, São
Paulo. Professora do Depar tamento de
Ciências Humanas/ CCHS da Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul.

D
evido à complexidade da realidade e às múltiplas possibilidades do conheci
mento, o assunto em pauta: as desigualdades sociais presentes no mundo
globalizado podem ser analisadas a partir das suas determinações econômicas,
sociais, políticas, entre outras. Optamos em discuti-las a partir de seus condicionantes
históricos. Isto porque a história tomada como método envolve a consideração de todos
os aspectos anteriormente citados, ainda que a finalidade didática deste texto não per-
mita faze-lo exaustivamente.
As relações sócio-econômicas e culturais entre as diferentes partes do mundo têm
seu marco fundamental nas expedições empreendidas pelos navegantes a partir do sé-
culo XVI. Um dos exemplos dessas e das suas conseqüências e a chegada dos espanhóis,
portugueses, franceses e holandeses ao continente americano e, especialmente, ao Bra-
sil no período de 1400 a 1500, portanto entre os séculos XV e XVI.
Nestes episódios já são visíveis as implicações sociais, culturais e político-econô-
micas acarretadas para ambas as sociedades e culturas envolvidas. O princípio de desi-
gualdade passa a ser a tônica das relações estabelecidas, pois os mais desenvolvidos e
que, de maneira geral, detinham maiores aparatos econômico e de conhecimentos obti-
veram o controle da natureza física e social e se sobrepuseram aos outros. Um desses
aparatos é o tecnológico. Entretanto, vamos nos dedicar aqui, mais especificamente, ao
processo que se desenvolve na contemporaneidade.
No começo do século XX parecia que se havia descoberto a maneira de distribuir
pelo menos parte da enorme riqueza produzida pelos homens durante os séculos ante-
riores, com um certo grau de justiça entre os trabalhadores dos países mais ricos: o
sistema social-democrata da Europa e o sistema socialista na União Soviética mostra-
vam tais tentativas e possibilidades. Porém, no final do século, a desigualdade voltou
a prevalecer e penetrou inclusive nos ex-países socialistas, onde antes imperava
38 Globalização e Desigualdade Social

uma certa igualdade, ainda que de pobreza.


A humanidade era agora muito mais culta: pela primeira vez na história a maioria
dos seres humanos era alfabetizada, continuava-se o desenvolvimento de tecnologias
baseado nas ciências, cuja manifestação mais revolucionária se deu nos transportes e
nas comunicações, que praticamente anulou o tempo e a distância e que, para as ques-
tões práticas anulou as vantagens culturais da cidade sobre o campo.
Entretanto, ao contrário do século XIX que foi de progresso material, moral e
intelectual contínuo, no qual se dava a melhoria das condições de vida civilizada, no
século XX houve regressão dos padrões então tidos como normais nos países desenvol-
vidos e nos ambientes de classe média e que se acreditava que iriam se ampliar para as
regiões mais atrasadas e para as camadas menos esclarecidas da população. Segundo
Hobsbawm (19995, p. 22-24), em quem vamos nos basear para esta exposição, pode-se con-
siderar que marcaram o século XX e caracterizam o início do século XXI três aspectos:
O primeiro é que o mundo havia deixado de ser eurocêntrico, com o declínio do
poder, riqueza, intelecto e “civilização ocidental”. A Europa havia tido sua população
reduzida de um terço para um sexto da humanidade; as indústrias, em que a Europa
fora pioneira, migraram para ouros lugares; as grandes potências européias haviam de-
saparecido. O conjunto dos países industrializados do século XIX ainda era a maior
concentração de riqueza e poder econômico e científico-tecnológico, bem como sua po-
pulação tinha o mais alto padrão de vida, que se mantinha devido à acumulação anterior
que compensava a desindustrialização e a mudança da produção para outros continen-
tes. Porém, os Estados Unidos já se tornara a grande economia mundial, modelo e força
da produção em massa e da cultura de massa que conquistaram o mundo.
A segunda transformação é que no fim do século XX o globo era uma unidade
operacional única, principalmente em questões econômicas, na qual as unidades “mais
velhas” como as economias nacionais, definidas pelas políticas de Estados territoriais,
estavam reduzidas a complicações para as atividades transnacionais. O século XXI se
inicia com a tensão entre o processo de globalização cada vez mais acelerado e a incapa-
cidade conjunta das instituições públicas e do comportamento coletivo dos seres huma-
nos de se acomodarem a ele. Parece que o comportamento humano privado teve menos
dificuldades para adaptar-se ao mundo da televisão por satélite, ao correio eletrônico e
ao emprego em qualquer parte do mundo.

A terceira transformação é a desintegração de velhos padrões de relacionamento


social humano e, com ela, a quebra dos elos entre as gerações, entre o passado e o
presente. Há a predominância dos valores de um individualismo associal absoluto, tan-
to nas ideologias oficiais como nas não oficiais e estas mesmas tendências são reforça-
das pela erosão das sociedades e religiões tradicionais e também pela destruição, ou
autodestruição, das sociedades do “socialismo real”. Percebe-se que a combinação des-
Inara Barbosa Leão
39

tas condições foi a maneira mais eficaz de se construir uma economia industrial basea-
da na empresa privada: combina-la com motivações que nada tivessem a ver com a
lógica do livre mercado (com a ética protestante); com a abstenção da satisfação imedia-
ta; com a ética do trabalho árduo; com a noção de dever e confiança na família; mas sim
desacreditar a noção de rebelião dos indivíduos.
A manutenção e aprofundamento das desigualdades sociais no período atual
tiveram no fim da União Soviética condição determinante importante, pois, além da
supressão de um elemento ideológico, representou o fim de esforços políticos e de in-
vestimentos econômicos para a emancipação universal pela construção de uma alterna-
tiva melhor para a sociedade capitalista. Este objetivo inspirara desde a primeira gera-
ção pré-Revolução de Outubro, os que pretendiam eliminar tudo o que era mal e fazer
uma sociedade sem infelicidade, opressão, desigualdade e injustiça. Tanto que em pou-
co mais de trinta anos após a Revolução Soviética um terço da raça humana vivia sob
regimes comunistas.
O segundo grande movimento contra as desigualdades surge no combate ao
fascismo. Ideologicamente, este baseou-se nos valores e aspirações partilhadas do
Iluminismo e das Revoluções: progresso pela aplicação da razão e da ciência; educação e
governo popular; nenhuma desigualdade baseada em nascimento e origem; sociedades
voltadas mais para o futuro que para o passado. As aspirações não eram distantes da
realidade comum. O capitalismo ocidental, os sistemas comunistas e o Terceiro Mundo
estavam igualmente comprometidos com direitos iguais para todas as raças e ambos os
sexos, mas não de uma forma que distinguisse um grupo do outro. Eram todos Estados
seculares (em contraposição ao que se refere ou pertence à Igreja; temporal, civil, mun-
dano), que rejeitaram a supremacia do mercado e acreditaram na administração e plane-
jamento da economia pelo Estado. Os governos capitalistas de então estavam convenci-
dos de que só o intervencionismo econômico podia impedir um retorno às catástrofes
econômicas do período entreguerras e evitar os perigos políticos de pessoas radicalizadas
a ponto de preferirem o comunismo, como antes tinham preferido Hitler. Países do
Terceiro Mundo acreditavam que só a ação pública podia tirar as suas economias do
atraso e dependência. No mundo descolonizado, seguindo a inspiração da União Sovié-
tica o caminho para o fim das desigualdades parecia ser o socialismo e o planejamento
centralizado. Todas as três regiões do mundo avançavam no pós-guerra com a convicção
de que a vitória abria uma nova era de transformação social.

Porém, assim que não houve mais o fascismo para uni-los, o capitalismo e o co-
munismo voltaram a se preparar para enfrentar um ao outro como inimigos mortais. A
partir de então a diminuição das desigualdades sociais se deveu aos esforços de recu-
peração das conseqüências das Guerras Mundiais. Foi os Estados Unidos da América,
que dominou a economia do mundo após a Segunda Guerra Mundial, pois, simples-
mente continuaram a expansão dos anos da guerra, pois não sofreram danos, aumenta-
40 Globalização e Desigualdade Social

ram seu PNB em dois terços da produção industrial mundial. Entretanto, o grande desen-
volvimento pertenceu a todos os países do capitalismo desenvolvido, ainda que os países
socialistas apresentassem taxas de desenvolvimento superiores a dos capitalistas.
Neste momento o desenvolvimento foi um fenômeno mundial embora a riqueza
geral não chegasse a maioria da população do mundo, as populações cresceram, a expec-
tativa de vida ampliou em até dezessete anos. Inicialmente, a explosão econômica pós-
guerra pareceu apenas uma versão do que acontecia antes: uma globalização da situação
dos EUA pré-1945 e de certa forma era mesmo.
Contudo o mais impressionante nesse período é extensão em que o surto econô-
mico era movido pela revolução tecnológica: radar, motor a jato, a eletrônica e a tecnologia
de informação. Entretanto, o alto custo da pesquisa e desenvolvimento dos produtos
reforçou a enorme vantagem das economias de mercado desenvolvidas sobre as demais.
Tanto que um país desenvolvido típico mantém em atividades para este fim cerca de
mil engenheiros e cientista para cada milhão de habitantes.
Estas novas tecnologias são de capital intensivo e exigem pouca mão-de-obra ou a
substituem. Portanto, precisa de gente cada vez mais, apenas como consumidores. En-
tretanto, o ritmo de crescimento econômico até a década de 1980 não deixou esta condi-
ção clara, pois se continuou a ampliar os postos de trabalho. Além disso, o sistema de
previdência parecia assegurar as condições vigentes em caso de desemprego, para sempre.
Desde o período de expansão econômica do pós-guerra houve uma reestruturação
e reforma do capitalismo com um avanço na globalização e internacionalização da eco-
nomia, conforme o modelo dos EUA.
A primeira reestruturação produziu uma “economia mista”, que ao mesmo tempo
tornou mais fácil aos Estados planejar e administrar a modernização econômica e aumen-
tou enormemente a demanda. Ao mesmo tempo, o compromisso político dos governos
com o pleno emprego e com a redução da desigualdade econômica, isto é, um compromisso
com a seguridade social e previdenciária, pela primeira vez proporcionou um mercado de
consumo de massa para bens de luxo que passaram a ser aceitos como necessidades.

A segunda reestrutuação multiplicou a capacidade produtiva da economia mundi-


al, tornando possível uma divisão de trabalho internacional muito mais elaborada e
sofisticada. Assim, pode-se perceber que a reestruturação do capitalismo e o avanço na
internacionalização da economia foram fundamentais para melhorar as condições de
vida. Porém, a revolução tecnológica não é a única explicação para tal, pois muito da
industrialização nesse período deveu-se à disseminação para novos países de processos
baseados em velhas tecnologias. O impacto da tecnologia gerada pela pesquisa avançada
na indústria civil só se torna importante após a crise de 1973, quando se deu a grande
inovação na tecnologia de informação e na engenharia genética.
Inara Barbosa Leão
41

O que parece caracterizar este período e a redução de desigualdades sociais que pro-
moveu foi a conjunção de liberalismo econômico e democracia social, com substanciais
acréscimos da URSS quanto ao planejamento econômico. Por isso políticos, autoridades e
homens de negócio do Ocidente do pós-guerra estavam convencidos de que um retorno ao
laissez-faire e ao livre mercado original estava fora de questão. Alguns objetivos políticos
como: pleno emprego, contenção do comunismo, modernização de economias atrasadas ou
em declínio tinham prioridade e justificavam a presença mais forte dos governos.
Outro aspecto a ser considerado é as mudanças culturais. Entende-se que a Revo-
lução Cultural de fins do século XX caracteriza-se como a vitória do indivíduo sobre a
sociedade. O que acarretou o rompimento dos vínculos dos seres humanos com a textu-
ra social, pois essa textura não consistia apenas nas relações factuais entre os seres
humanos e suas formas de organização, mas também nos modelos gerais dessas rela-
ções e os padrões esperados de comportamento das pessoas umas com as outras; seus
papéis eram prescritos. Daí a insegurança muitas vezes traumática quando velhas con-
venções de comportamento eram derrubadas ou perdiam sua justificação; ou a
incompreensão entre os que sentiam essa perda e aqueles que eram jovens demais para
ter conhecido qualquer coisa alem da sociedade anômica.
Na maior parte do mundo, as velhas texturas e convenções sociais, embora defa-
sadas pelas transformações sociais e econômicas, estavam tensas, mas não em desinte-
gração. Isso era uma felicidade para a maior parte da humanidade, sobretudo os pobres,
pois a rede de parentesco, comunidade e vizinhança eram essenciais para sobrevivência
econômica e, sobretudo para o sucesso num mundo em mudança.
Nas sociedades mais tradicionais, as tensões iriam se mostrar basicamente na medi-
da em que o triunfo da economia comercial destruía a legitimidade da ordem social até
então aceita, baseada na desigualdade, tanto porque as aspirações se tornavam mais iguali-
tárias quanto porque as justificativas funcionais da desigualdade estavam desgastadas. As
instituições mais solapas pelo individualismo moral doas a família tradicional e as igrejas
organizadas tradicionais no Ocidente, que desabaram de no último terço do século.
As conseqüências materiais do afrouxamento dos laços familiares tradicionais
porque era um mecanismo de cooperação social e como tal, foi essencial para a manu-
tenção das economias agrárias e das primeiras economias industriais, locais e globais.
Quando esses laços e solidariedades de grupos não econômicos foram minados, tam-
bém o foram os sistemas morais que os acompanhavam por não serem mais aceitas
como parte de um modo de ordenar a sociedade que ligava as pessoas e que ligava as
pessoas entre si, assegurando a cooperação social e a reprodução, desapareceu a maior
parte de sua capacidade de estruturar a vida social humana. Foram reduzidas a manifes-
tações de preferências individuais e reivindicações de que a lei reconhecesse a supre-
macia dessas preferências. A partir da 1969 estas condições encontraram expressão ide-
ológica em várias teoria do extremo liberalismo do mercado ao “pós-modernismo”, que
tentam contornar o problema do julgamento moral e valores, ou reduzi-las ao único
42 Globalização e Desigualdade Social

denominador da irrestrita liberdade do indivíduo. Isso se tornou evidente na área da


ideologia neoliberal quando o termo subclasse entrou no vocabulário sociopolítico por
volta de 1980 para de referir às pessoas que, nas sociedades de mercado desenvolvidas
após o fim do pleno emprego, não conseguiam ou não queriam ganhar a vida para si
mesmos e sua famílias na economia de mercado e que implicava uma exclusão da soci-
edade “normal”. Essas subclasses dependiam da habitação, e da previdência pública,
mesmo quando complementavam suas rendas com atividade na economia informal ou
no crime, que não estão submetidos ao controle fiscal do Estado e que sem a proteção
familiar ficavam sem “sustentação”.
Assim, vemos que os problemas próprios da desigualdade social: pobreza, desem-
prego em massa, miséria e instabilidade foram parcialmente eliminados por cerca de qua-
renta anos nos países desenvolvidos. Porém, reapareceram após 1973. o crescimento econô-
mico foi interrompido por várias crises e depressões distintas. A pobreza e a miséria volta-
ram na década de 1980. Como os sistemas de previdência e proteção social não puderam
manter o nível de cobertura do período anterior, isto vem contribuindo para o colapso de
padrões políticos tradicionais. O que se percebe é não é que o capitalismo já funciona tão
bem como nos período anterior, mas que suas operações se tornaram incontroláveis e as
políticas de governo coordenadas nacional e internacionalmente não estão funcionando
mais. Esta condição permitiu o ataque ideológico dos defensores do liberalismo à garantia
do pleno emprego e do controle do estado promovendo a defesa do livre-mercado.
Entretanto, a transferência de postos de trabalho para países de mão-de-obra mais
abundante e barata já estava deixando de ser estratégia vantajosa para o capital, pois estes
passaram a adotar as tecnologias inovadoras e mecanizaram a produção. Aumentava-se a
produção, ampliava-se o consumo e o trabalho continuou a diminuir, uma vez que o custo
do trabalho humano não pode ser reduzido abaixo dos custos necessário para mante-los
vivos num nível aceitável como tal em sua sociedade. Portanto, quanto mais alta a tecnologia,
mais caro o componente humano de produção comparado com o mecânico. Portanto,
depreende-se que o problema a enfrentar é o da distribuição da riqueza e da produção e não
a sua geração. A Questão que se apresenta é quem a fará, senão os governos?

Bibliografia
BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Crise Econômica e reforma do Estado no Brasil: para
uma nova interpretação da América Latina. São Paulo: Ed. 34, 1996.
DUPAS, Gilberto. Economia Global e Exclusão Social: pobreza, emprego, estado e o futu-
ro do capitalismo. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
HOBSBAWM, Eric J.. Era dos Extremos: o breve século XX: 19714-1991. São Paulo: Com-
panhia das Letras, 1995.
IANNI, Otavio. A Era do Globalismo. 2ª Ed.. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 1996.
MARTIN, Hans-Peter e SCHUMANN, Harald. A Armadilha da Globalização. 3ª Ed. São
Paulo: Globo, 1998.
43

Globalização, Meios de Comunicação e


Mercado de Trabalho

Márcia Gomes Marques


Doutora em Ciências Sociais pela
Pontificia Universitá Gregoriana, Roma.
Professora do Depar tamento de
Jornalismo/CCHS da Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul.

O
propósito deste artigo é discutir sobre a relação entre formação para o mercado
de trabalho, globalização e meios de comunicação. Vivemos em um mundo sem-
pre mais globalizado, onde os meios de comunicação tornaram-se mediadores
da relação que os seres humanos estabelecem com a realidade que lhes circunda. A
globalização e a presença dos meios de comunicação trazem conseqüências não somen-
te para o mundo do trabalho, e sim para a vida social em geral; mas para inserir-se e
manter-se de modo competitivo no mercado de trabalho é necessário, no entanto, ter
em mente alguns dos aspectos centrais e que marcam o modo de ser da sociedade atual,
como é o caso da crescente globalização e da ubiqüidade dos meios de comunicação na
vida hodierna. Vamos debater, então, sobre a interdependência entre meios de comuni-
cação e processo de globalização, e sobre alguns dos aspectos a serem levados em consi-
deração quando nos propomos a formar para o mercado em um mundo globalizado,
onde os meios de comunicação atravessam cada vez mais o contato entre as partes.
E por que preocupar-se com a globalização na planificação que se faz na formação
para o mercado de trabalho? Há algo de singular nesta nova realidade que justifique esta
atenção? O que têm os meios de comunicação a ver com essa configuração social que se
afirma de forma avassaladora sobre a sociedade como um todo? Devemos, antes de mais
nada, entender o papel dos meios na sociedade contemporânea. Para responder estas
questões é importante, também, definir alguns dos rasgos do que entendemos aqui por
globalização, visto que este conceito aparece insistentemente em distintos contextos, e
nem sempre os seus usos coincidem por completo.
Quanto à importância de discutir os meios de comunicação quando falamos de
globalização, devemos considerar que estamos em uma sociedade onde a comunicação e
44 Globalização, Meios de Comunicação e Mercado de Trabalho

a informação adquiriram uma importância inaudita, ocupando, inclusive, parte consi-


derável de nossas atividades e atenções cotidianas. Vivemos em uma sociedade da in-
formação e da comunicação, onde as mensagens são transmitidas ininterruptamente,
transpondo grandes distâncias sem deixar sinais aparentes disso: tudo aparece quase
que instantaneamente, como se fosse simples saltar de um lado a outro do mundo,
como se não houvesse dificuldades para superar as barreiras espaço-temporais. O con-
tato quase simultâneo que temos com o que ocorre “do outro lado do mundo” atenua,
quase eclipsando, a separação espacial e temporal, que antes de fato obstaculizava o
conhecimento sobre os eventos e acontecimentos então vistos como “remotos”. Este
contato sempre mais fácil e veloz se deve, principalmente, ao melhoramento das vias de
comunicação, dos meios que dispomos para transportar corpos e idéias: a potencialização
desses meios de transporte de notícias e de pessoas faz com que a nossa percepção das
distâncias se transforme, que passemos a não dar-nos conta de quão longínquos são os
pequenos fatos que compõem a nossa realidade cotidiana.
Justamente colocado neste contexto, um primeiro fator que caracteriza isto que
chamamos de globalização é, então, a reordenação das nossas noções sobre o espaço e o
tempo, que se acentua permanentemente pela crescente e constante interconexão en-
tre as diferentes partes do mundo. À diferença de outras épocas, onde também havia
contato inter-regional ou entre certas partes do globo terrestre – vide os processos de
internacionalização e transnacionalização, por exemplo –, a globalização se distingüe
porque nela as atividades ocorrem em uma arena global, organizadas, planejadas e coor-
denadas em escala global, implicando interdependência e reciprocidade entre as partes.
A interconexão, neste caso, é sistemática e recíproca, e os acontecimentos e ações têm
alcance global. Além das notícias serem transmitidas quase que instantaneamente, a
repercussão de algumas delas também acontece velozmente, e a sensação de que vive-
mos em uma “aldeia global” é sempre mais difusa. Não só estamos todos em contato
uns com os outros: estamos em relação, estamos relacionados e posicionados dentro
uma rede de interdependência e reciprocidade. Apesar de estarmos sempre mais relaci-
onados e conectados uns com os outros, este contato é cada vez menos direto, e sempre
mais mediado, intermediado pelos meios de comunicação. Queremos saber do que acon-
tece com os “outros” porque necessitamos dessa informação para desempenhar-nos
melhor, de forma mais competitiva e com resultados sustentáveis no tempo. Eis por-
que, em parte, devemos refletir sobre a globalização e a presença dos meios de comuni-
cação em nossas vidas quando pretendemos formar, educar para que se obtenha um
bom desempenho, a longo prazo, no mercado de trabalho.
Dizer que estamos sempre em relação significa, por um lado, que estamos física e
mentalmente conectados: sabemos da existência “dos outros” e entendemos que os
rumos que tomem eles têm conseqüências, também, para os nossos planos e ativida-
des. Significa, por outro lado, que para sermos eficazes na concepção das estratégias que
nos permitirão alcançar os nossos objetivos, devemos compreender onde estamos em
relação aos outros, e que brechas há no conjunto de elementos dispostos para subverter
Márcia Gomes Marques
45

os aspectos que não julgamos favoráveis à concretização de nossos planos. No caso de


Mato Grosso do Sul, por exemplo, é importante identificar de que tipo é o mercado de
trabalho para o qual pretendemos formar e atualizar a mão-de-obra. Para entender para
onde vai o mercado de trabalho na região é necessário, também, compreender como
Mato Grosso do Sul se localiza com relação aos outros estados da Federação, e como o
Brasil se insere dentro (dos rumos) da economia global. Em outras palavras, como nos
localizamos dentro da divisão nacional e internacional do trabalho, e o que podemos fazer
para reverter os aspectos de nossa posição que não favorecem os nossos planos de futuro.
Em síntese, vivemos em um mundo de imagens e de informações, de comunica-
ção generalizada, onde o uso da tecnologia propiciou uma mudança em nossas possibi-
lidades de contato com as outras partes de mundo, que nos permite pretender velocida-
de e imediatismo em nossas atividades em geral. Com a intervenção tecnológica nos
meios de comunicação, a partir da metade do século passado eles se tornaram meios de
massa, ligando e incrementando o vínculo entre as partes, tornando visível as feições hete-
rogêneas dos “outros” e a presença deles nos desdobramentos do que ocorre a todos nós.
Como parte deste panorama, podemos identificar uma série de desafios para ide-
ar uma formação que propicie uma inserção bem-sucedida no mercado de trabalho. Em
primeiro lugar, em uma sociedade interligada, onde o que ocorre com uns se repercute
nas atividades dos outros, o mercado de trabalho é necessariamente dinâmico. Desta
maneira, as habilidades desenvolvidas na formação para o trabalho devem ser maleáveis
e permitir usos plurais, de modo a que se ajustem às permanentes alterações nas exi-
gências do mercado. A formação deve, adicionalmente, promover o interesse pela busca
constante de atualização e pela aquisição permanente de novos saberes, pois a dinâmica
social faz com que os conhecimentos já obtidos “envelheçam” rapidamente. Em segun-
do lugar, vivemos em uma sociedade tecnológica, em uma realidade maquínica, de ma-
neira que a formação deve desenvolver a aptidão para lidar com essas tecnologias. Em
terceiro lugar, em um mundo onde a interconexão é sistemática e recíproca, a formação
deve despertar a atenção para as implicações dessa interdependência e reciprocidade
entre as partes. A ênfase na volatilidade social que caracteriza o mundo globalizado
evidencia a necessidade de buscar informações para poder entender para onde “vai o
mercado”, para compreender como as mudanças que (sempre) estão por vir podem afe-
tar a posição-situação de cada qual no mundo do trabalho.
Entre os desafios mais urgentes em uma sociedade globalizada e “impregnada” de
meios de comunicação, podemos ressaltar a importância de que a formação possibilite a
compressão do papel dos sistemas de comunicação e de informação. Podemos ressaltar,
por outro lado, que o trabalhador seja formado para utilizar sistematicamente os meios
de comunicação e as tecnologias de informação. A formação deve habilitar, então, para o
uso dos meios de comunicação como “espaço público”, pois hoje, mais que nunca, é
através dos meios que “encontramos” com os demais cidadãos do mundo, e é através
deles que podemos informar-nos sobre o que está acontecendo em nossa comunidade e
46 Globalização, Meios de Comunicação e Mercado de Trabalho

na sociedade em geral. A formação para uma inserção sustentável no mercado de traba-


lho deve, também, promover competências para utilizar os meios como instrumentos
de atualização permanente: como lugar onde buscar novos saberes, onde ampliar e
aprofundar o discernimento que se tem sobre aspectos pontuais, de acordo com as de-
mandas do momento. Finalmente, a formação em um mundo que cambia deve ensinar
os indivíduos a “aprender a aprender”, a buscar autonomamente novas informações
que preencham suas necessidades. A formação de mão-de-obra em uma sociedade dinâ-
mica e globalizada deve, portanto, sensibilizar acerca da importância do uso dos meios
de comunicação como ambiente de aprendizagem, de auto-aprendizagem e de
interaprendizagem.

Bibliografia
MARCONDES FILHO, Ciro. Sociedade Tecnológica. São Paulo: Scipione, 1994.
PRETTO, Nelson de Luca. Uma Escola com/sem Futuro. Educação e multimídia. Campi-
nas: Papirus, 1996.
THOMPSON, John B.. A Mídia e a Modernidade. Uma teoria social da mídia. Petrópolis,
RJ: Vozes, 1998.
WURMAN, Richard Saul. Ansiedade de Informação. Como transformar informação em
compreensão. São Paulo: Cultura Editores Associados, 1991.
47

Transformações Mundiais Recentes e


Mercado de Trabalho

Ricardo Senna
Mestre em Economia Política pela PUC/SP.
Técnico de nível superior e professor colaborador
do Centro de Ciências Humanas e Sociais da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

N
as últimas três décadas tem ocorrido mudanças substanciais no ambiente eco
nômico que tem provocado alterações importantes nas relações econômico-fi
nanceiras internacionais e nas formas de organização dos mercados.
Tais mudanças foram cunhadas sob o nome genérico de globalização, entretanto,
seus contornos mais marcantes referem-se aos processos de abertura comercial e finan-
ceira e às permanentes influências sobre o desempenho do padrão de crescimento das
economias nacionais, dado o quadro de excessiva vulnerabilidade externa de economi-
as em desenvolvimento.
O texto apresenta uma breve síntese dos principais movimentos que marcam
essas transformações recentes e analisa suas implicações sobre o mercado de trabalho.

As mudanças no ambiente econômico


Os anos 1970 foram marcados pela crise energética, provocada pelos dois choques
do petróleo (1973 e 1979), o que provocou a necessidade de ajustamento, em geral
recessivo, das economias nacionais. Além disso, destaca-se a ruptura do padrão dólar-
ouro pelos Estados Unidos, inaugurando o sistema de taxas de câmbio flutuantes, o que
provocou a instabilidade das paridades entre as diversas moedas. Destacam-se também, a
intensificação das exportações e o subseqüente processo de internacionalização bancária.
Durante a década de 1980, a crise da dívida latino-americana foi um dos fatores
48 Transformações Mundiais Recentes e Mercado de Trabalho

que impediu o desenvolvimento pleno das economias da região. Boa parte dessa crise
foi em função da elevação abrupta da taxa de juros norte-americana, que impôs à econo-
mia internacional um severo processo de ajustamento recessivo.
Dada a combinação de taxas cambiais flutuantes e juros em elevação, o nível de
instabilidade dos mercados aumentou substancialmente, o que implicou na necessida-
de de se criar mecanismos de proteção dos negócios frente às intempéries econômicas.
Em função do desenvolvimento observado nas áreas de telecomunicações e informática,
houve o surgimento dos mercados de derivativos como forma dos investidores se prote-
gerem das instabilidades. O resultado disso foi a gradativa consolidação da importância
da esfera financeira sobre a esfera produtiva, o que tem impacto decisivo sobre os pro-
cessos de geração de trabalho.
Os anos 1990 foram marcados pela retomada das idéias liberais: a crise do
keynesianismo1 em meados dos anos 1970 e a crise da dívida na América Latina nos
anos 1980 abriram espaço para o surgimento do que se convencionou chamar de Con-
senso de Washington.
Economistas e técnicos das instituições multilaterais com sede em Washington e
outros das economias latino-americanas reuniram-se no ano de 1989 para repensar o
processo de desenvolvimento dos países da região. Em síntese, o entendimento do gru-
po reunido foi o de que a crise se deu em função da excessiva intervenção estatal e a má
utilização dos instrumentos de política econômica. As soluções propostas tratavam de
promover os processos de privatização e abertura de mercado, de redefinir o papel do
estado e garantir os direitos de propriedade, ou seja, um retorno às idéias liberais, base-
adas na defesa do livre mercado e na redução do intervencionismo estatal.
Todas essas mudanças provocaram impactos significativos sobre o funcionamen-
to das economias:
- aumento da instabilidade dos preços relativos e das taxas de juros;
- aumento do nível de incerteza;
- as decisões de negócios foram afetadas negativamente;
- mudança de foco da política econômica;
- aumento da importância da esfera financeira sobre a produtiva;
- enfoque da gestão macroeconômica no curto prazo.
Os impactos que serão destacados tratam das mudanças provocados no mer-
cado de trabalho. Isso será discutido a seguir.

1
John Maynard Keynes foi um economista inglês que defendia a intervenção estatal como forma
de se minimizar as flutuações da atividade econômica, especialmente, em momentos de recessão.
Sua teoria defende que o governo execute uma política fiscal expansiva, ou seja, o uso dos gastos
públicos como forma de aumentar os níveis de produção, emprego e renda na economia.
Ricardo José Senna
49

Os novos paradigmas do mercado de trabalho


Pode-se definir mercado de trabalho como o local de compra e venda dos serviços
de mão-de-obra. No mercado de trabalho, trabalhadores e empresários se confrontam,
com algum grau de intervenção governamental, negociam e determinam salários, em-
pregos e condições de trabalho.
Sua importância é decisiva para o ambiente econômico pois influencia os níveis
de produção, demanda agregada, o nível global de empregos, o cotidiano dos trabalhado-
res, o nível de produtividade, a pobreza, dentre outras variáveis.
O seu funcionamento é afetado pelo ambiente. Em geral, desequilíbrios
macroeconômicos impactam negativamente sobre o mercado de trabalho. Podem ocor-
rer quedas do salário real, elevação do desemprego, deterioração das condições de vida
dos trabalhadores e das condições de trabalho, etc.
Por essas razões, o mercado de trabalho é sensível às variações do nível de
atividade econômica: se há crescimento desse nível, os salários reais sobem, a pro-
dutividade aumenta, ampliam-se as oportunidades de trabalho (seja pelo aumento
de vagas ou por novas ocupações), aumenta a qualificação dos trabalhadores e os
níveis de rotatividade. Numa fase recessiva do ciclo econômico, há perda de dina-
mismo e desarticulação do mercado.
Em função disso, todas as transformações recentes da economia mundial descri-
tas acima tiveram um papel decisivo na reorganização do mercado de trabalho. Os novos
paradigmas dominantes apontam uma tendência para o conhecimento e a tecnologia
como fontes do processo de crescimento econômico. Num ambiente desse tipo, defen-
de-se a tese de que os ambientes estão em mudança permanente e, portanto, há neces-
sidade de aprender e desaprender com a mesma velocidade, além de se ter um grau de
especialização e flexibilidade superiores para se competir no mercado.
Na chamada sociedade pós-moderna ou pós-industrial, há mudanças estruturais
no mercado de trabalho, como o deslocamento da força de trabalho da indústria para o
setor de serviços, a passagem do trabalho assalariado para o trabalho autônomo, a ne-
cessidade de se promover o trabalho em equipe em detrimento o trabalho isolado, os
salários indiretos ganham mais força no novo ambiente, por exemplo.

Considerações finais
As características do novo paradigma do mercado de trabalho podem ser sin-
tetizadas abaixo:
- necessidade de se adquirir habilidades e competências específicas;
- promoção da ética e da cidadania;
50 Transformações Mundiais Recentes e Mercado de Trabalho

- aumento da competição no mercado dado seu caráter globalizante;


- o conhecimento, a informação e a tecnologia assumem um papel decisivo como
fontes do crescimento econômico;
- o capital tradicional cede espaço para o capital humano e intelectual;
- os mercados possuem clientes cada vez mais exigentes;
- há um rápido avanço tecnológico.
Portanto, em função de todos os processos de mudança em curso nas últimas
décadas, um dos maiores desafios para os formuladores de políticas públicas é o de
promover o desenvolvimento econômico de forma sustentável buscando a dinamização
do mercado de trabalho levando-se em consideração que há uma necessidade cada vez
menor de emprego de mão-de-obra por unidade de produto e de investimento. Ou seja,
os níveis de produtividade aumentam, elevando os padrões de vida da população, po-
rém, com menor utilização do trabalho humano.

Bibliografia
ANTUNES, Ricardo. Trabalho, reestruturação produtiva e algumas repercussões no
sindicalismo brasileiro. In: _____. Neoliberalismo, trabalho e sindicatos: reestruturação
produtiva no Brasil e na Inglaterra. 3. ed. São Paulo: Boitempo Editorial, 1999. pp. 71-84.
AZEREDO, Beatriz. Políticas públicas de emprego: a experiência brasileira. São Paulo:
ABET, 1998. (Coleção Teses e Pesquisas, v. 1).
LEITE, E. M. Do “operário padrão” ao “polivalente”: novas fronteiras da qualificação do
trabalho industrial? Estudos Econômicos, 1992, v. 22. (número especial). pp. 63-90.
MARX, K. O capital. A crítica da economia política. São Paulo: Ed. Ciências Humanas (s/d).
MOREIRA, M.; CORREA, P. G. Abertura comercial e indústria: o que se pode esperar e o que
se vem obtendo. Ed. 34, São Paulo, Revista de Economia Política, 1997, v. 17, nº 2, pp. 61-91.
POCHMAN, Márcio. O trabalho sob fogo cruzado. São Paulo: Contexto, 1999.
RIFKIN, J. O fim dos empregos. Trad.: Ruth Gabriela Bahr. São Paulo: Makron Books, 1995.
SAUER, S. Reforma agrária e geração de emprego e renda no meio rural. São Paulo: ABET,
1998. (Coleção ABET – Mercado de Trabalho – Mercado de Trabalho, v.3).
SMITH, A. A riqueza das nações. São Paulo: Abril, 1978. (Coleção Os Economistas).
51

Políticas Públicas de Trabalho e Renda

Regina Stela Andreoli de Almeida


Doutora em Serviço Social pela Unesp, São Paulo.
Professora do Curso de Serviço Social da Universidade
Católica Dom Bosco.

P
ara que tenhamos condições de avaliar o alcance das políticas públicas de trabalho
e renda, é importante que entendamos, em princípio, os problemas para os quais
que tais políticas são direcionadas. Com este intuito procuraremos tecer conside-
rações pertinentes ao desemprego e à exclusão.

1. Desemprego: causas e conseqüências


O desemprego encontra-se em debate. Obras publicadas em todo o mundo alertam
o trabalhador para as transformações do mercado de trabalho e, no Brasil, notícias vei-
culadas pelos meios de comunicação revelam a preocupação dos governantes em rela-
ção ao desemprego e divulgam as medidas que vêm sendo adotadas para que a situação
seja, mais do que contornada, revertida. CATTANI (2000, p. 43) afirma que
“(...) segundo relatório preparatório ao Encontro Mundial sobre o Desenvolvimento Social,
realizado na Dinamarca, em 1995, o Bureau Internacional do Trabalho estimou que, no iní-
cio de 1994, 820 milhões de pessoas estariam desempregadas ou em situação de subemprego
tão precárias e mal-remuneradas, que equivaleriam a estar sem emprego. Ou seja, aproxima-
damente 1/3 da população ativa mundial – apta para o trabalho e necessitando trabalhar –
não só está fora do mercado de trabalho regular, como não tem perspectivas de encontrar
emprego a curto prazo”.
A situação apresenta tal abrangência e intensidade que as condições de trabalho e
questões salariais deixaram de ser centro das negociações desenvolvidas entre patrões e
empregados. Estas, permeadas pela ameaça que o desemprego significa, favorecem o
empregador, que vem obtendo avanços como a flexibilização e a desregulamentação.
As causas apontadas têm sido múltiplas e entendemos ser fundamental uma abor-
dagem que contemple as concepções relativas ao fenômeno, suas causas e suas conse-
qüências, assim como os diferentes elementos presentes neste contexto.
SANCHIS (1997, p. 59-79), em sua análise, afirma que o desemprego vem sendo
debatido sob dois enfoques:
52 Políticas Públicas de Trabalho e Renda

a) mais do que explicações específicas, são expostas visões referentes ao funcionamento do


sistema econômico;
b) tentativas de explicações sobre o desequilíbrio entre a oferta e a demanda no mercado de
trabalho.
O autor associa o primeiro enfoque às interpretações neoclássica, keynesiana e
marxista, que detalharemos a seguir, e, o segundo, a questões pertinentes aos cresci-
mentos demográfico e tecnológico.
Visão Neoclássica - esta visão, segundo o autor, se baseia na Lei de Say “toda
oferta gera sua demanda”. O desemprego é tido, então, como imperfeição do mercado,
apresentando-se sob duas formas:
a) desemprego friccional - manifestado em alguns setores, enquanto vagas, na mesma medi-
da, existem em outros;
b) desemprego voluntário - aquele que existe em decorrência das exigências do trabalhador.
Podemos inferir que nos dois casos o trabalhador é culpabilizado pelo desempre-
go, no primeiro, por não aceitar outra ocupação, e, no segundo, por desrespeitar as leis
de mercado ao apresentar-se com nível de aspiração incompatível com o nível de possi-
bilidades. Para os adeptos da visão neoclássica, sempre será registrada a “taxa natural de
desemprego”, já que o chamado pleno emprego só existiria num mercado perfeito, algo
impossível de ser conquistado pela inadequação do capital humano às necessidades
vigentes (e aí vemos, ainda, a culpa do trabalhador).
Visão Keynesiana - na visão keynesiana o enfoque é deslocado: o mercado deixa
de ser percebido como auto-suficiente, sendo consideradas possíveis alterações decor-
rentes do “mau funcionamento do sistema econômico” (SANCHIS, 1997, p.66). O de-
semprego deixa de ser considerado como um problema meramente conjuntural, pas-
sando a ser visto como estrutural e como um problema endógeno ao sistema econômi-
co. Política intervencionista do Estado pode atenuar as ineficiências do sistema.

Visão Marxista - segundo o autor, na visão marxista o desemprego é “(...) algo


intimamente ligado à lógica da economia capitalista”. (SANCHIS, 1997, p.67). Interessa
ao capitalismo na medida em que, tendo sido o trabalho transformado em mercadoria,
a mera existência de um contingente de desempregados regula o valor do salário, segun-
do as próprias leis de mercado, favorecendo, ainda, a manutenção da disciplina. É o
chamado exército de reserva.

A visão marxista estabelece diferenças entre o trabalho (realização efetiva da ati-


vidade produtiva) e a força de trabalho (capacidade potencial de realizar determinada
atividade produtiva) e entende que a formação do salário depende muito mais de uma
“lei social”, considerados os aspectos de conflito entre as classes sociais: organização do
trabalho, distribuição e o modo de consumo.
Regina Stela Andreoli de Almeida
53

A busca por alternativas para a redução do desemprego pode ter início com a
opção por uma das três vertentes apresentadas, já que os procedimentos a serem adotados
dependem das causas consideradas verdadeiras. Sanchis deixa transparecer, com niti-
dez, a relação íntima que a adoção do ideário neoliberal – que trouxe em seu bojo as
aberturas comercial, econômica e financeira - tem com o desemprego.
SINGER (2000, p.59-81) também classifica as diferentes concepções, referindo-se,
em seu trabalho, às visões individualista e estruturalista. No primeiro grupo, que se-
gundo sua leitura é constituído pelos neoliberais1, a exclusão social é entendida como
resultado de fatores individuais, enquanto que no segundo estão inseridos os paradigmas
marxista e keynesiano.
Segundo Singer os individualistas, como vimos em Sanchis, defendem a acumula-
ção do capital humano, rejeitam as políticas de bem-estar e afirmam que o pobre deve
ser estimulado a ajudar-se a si próprio, defendendo, para tanto pressupostos como a
liberdade e a igualdade.
Os estruturalistas têm em comum a visão de que o Estado deve responsabilizar-se
pela economia, nela interferindo tanto através do estímulo a investimentos financei-
ros, quanto através de políticas de bem-estar.
Os marxistas estabelecem distinção entre a exploração e a exclusão. SINGER (2000,
p.73), neste sentido afirma, que: “Marx escreveu certa vez que pior do que ser explorado
pelo capital é não ser explorado por ele, quer dizer, estar excluído do mercado de trabalho”.
Quanto ao segundo enfoque - tentativas de explicações sobre o desequilíbrio entre a
oferta e a demanda no mercado de trabalho – isto é, sobre o desemprego, muitos auto-
res desenvolveram estudos que, conforme nosso entendimento, longe de se contrapo-
rem, terminam se complementando.
FORRESTER (1997, p.7-22) dá ao tema outro tratamento: mais do que estabelecer
nexos entre as leis de mercado e o desemprego, enfoca a realidade do desempregado e
os interesses que podem estar sendo defendidos. Afirma que vivemos um engodo dian-
te de um mundo desaparecido, que teimamos em não reconhecer como tal. Assim, ao
esperarmos a superação de uma crise, aguardamos que a situação anterior a ela retorne
– o que não acontecerá -, deixando de buscar alternativas adequadas. Enquanto isso,
complementando a farsa:
- governos divulgam dados estatísticos manipulados;
- milhares de pessoas são colocadas “entre parênteses” perdendo, com o emprego, o teto, a

1
Pelas características percebidas por Singer na concepção neoliberal, podemos inferir que se
trata da visão denominada por Sanchis como neoclássica.
54 Políticas Públicas de Trabalho e Renda

credibilidade, a autoconsideração, a auto-estima, enquanto outra multidão aceita tudo para


não se ver em situação semelhante;
- os desempregados são julgados pelos critérios vigentes em tempos em que os empregos
eram abundantes;
- os excluídos do sistema produtivo introjetam uma representação social, de acordo com a
qual são incompatíveis com uma sociedade da qual são produtos e acusam-se daquilo de que
são vítimas;
- os excluídos são enfraquecidos pela vergonha, numa sociedade na qual útil é aquele que
produz e/ou consome – o que transforma os desempregados em inúteis. As estatísticas tra-
balham com percentuais, sem considerar os efeitos da miséria nos indivíduos.
Conclui FORRESTER que é assim que se constrói uma sociedade de escravos. Seu
grito tem a pretensão de alertar-nos que, desconsiderando as causas, concentramo-nos
apenas nas conseqüências: o desemprego e a pobreza, deixando de encontrar alternati-
vas que revertam a situação.
Prosseguindo na coleta de dados que nos auxiliem a entender o desemprego, para
podermos classificar as políticas vigentes em nosso país a ele relacionadas, procuramos
conhecer a visão de MARTINS relativa à exclusão.
Para MARTINS (1997, p.25-38), estamos diante não da exclusão, mas da inclusão
marginal2. O autor afirma que o uso do termo EXCLUSÃO demonstra a existência de
uma nova consciência da sociedade diante de situações antigas que não éramos capazes
de perceber; que o processo exclusão/inclusão tem sua origem no capitalismo, que faz
do mercado e da mercadoria sua lógica. Assim, tudo tem que ser “desenraizado”, para
ser submetido às leis de mercado. Afirma que, na Europa, o processo se desenvolve há,
pelo menos, 300 anos, podendo ser utilizado como exemplo o caso dos imigrantes euro-
peus que se fixaram no Brasil. Vieram por terem sido “desenraizados”, para que o capi-
tal se apossasse de suas terras e, com a adoção de sistemas modernos, elevasse a produ-
tividade. Foram desenraizados - como ainda o são todos os excluídos do processo produ-
tivo - para que servissem melhor ao capital: como operários, assalariados, vendedores
da força de trabalho, como mercadoria.
Exclusão e inclusão, explica-nos o autor, são faces da mesma moeda: “a sociedade
capitalista desenraíza, exclui para incluir”. (MARTINS, 1997, p.32) É na inclusão que se
encontra o problema. Nos últimos anos, porém, novos fatos passaram a ocorrer:
- o intervalo entre as duas fases do processo tornou-se maior;
- o modo que o trabalhador encontra para ser reincluído retrata degradação, a ponto de

2
FORRESTER (1997, p.15) comunga com Martins neste sentido ao afirmar, p. “... eles são chamados
de excluídos. Mas, ao contrário, eles estão lá, apertados, encarcerados, incluídos até a medula”.
Regina Stela Andreoli de Almeida
55

reaparecer o trabalho escravo no Brasil. “Essas formas extremas e dramáticas de inclusão


indicam que o modo de absorver a população excluída está mudando”. (1997, p.33)
Prosseguindo em sua análise, percebe diferenças neste processo já antigo: a situação
vivenciada na transição da exclusão para a inclusão está se tornando padrão de vida e,
embora reincluído no sistema produtivo, o indivíduo não consegue a inclusão social.
Para MARTINS, o processo vem criando uma sociedade paralela: includente no
ponto de vista econômico e excludente nos aspectos social, moral e político. Nessas
sociedades paralelas os sistemas de justiça também paralelos – justiceiros e traficantes
que controlam morros, assim como casos de chacina. A justiça popular, o autor não
comenta, mas representa um retrocesso a tempo anterior à Lei de Talião3: primeira
tentativa de organização das idéias penais.
São duas formas de humanidade na mesma sociedade, uma das quais é composta
por cidadãos de segunda categoria, o que parece nos reconduzir à sociedade feudal,
quando vigorava o Estado de Nascimento, ajudando-nos a compreender porque uma
sociedade imita a outra, até com falsificações de “griffes”.
O raciocínio de Martins é complementado pela reflexão de SINGER (2000, p.60-
63), quando este conclui que a exclusão social é um processo que representa a associa-
ção de diversas formas de exclusão. Este processo está relacionado à desigualdade e
pode até elevá-la, mas não pode ser entendido como dela resultante. A exclusão apre-
senta-se em diferentes graus, do mais leve, decorrente da baixa renda, ao mais grave,
apresentado pelos sem-teto.
A desigualdade e a pobreza, ao contrário, são situações distintas, embora apre-
sentem imbricações. SINGER (2000, p.60) explicita que desigualdade “refere-se à renda,
ao consumo ou acesso a serviços e oportunidades”. Quanto às suas causas, enquanto os
individualistas a concebem como decorrente da diversidade apresentada pelos indiví-
duos entre si, os estruturalistas a vêem como conseqüência de distorções relativas à
distribuição de renda apresentadas pela economia de mercado.
A pobreza é uma situação que, para ser mensurada, exige a adoção de parâmetros
como os “mínimos sociais”, que se referem ao atendimento das necessidades básicas.
Conforme o autor, “implica padecimento por privação do mínimo necessário para man-
ter a pessoa viva e saudável”. (SINGER, 2000, p.61)
Sobre possíveis reflexos da globalização no índice de desemprego registrado,
SINGER (2000, p.19-20) afirma que se trata de um “processo que se realiza sem solução
de continuidade já há mais de cinqüenta anos (...)”.

3
“Até o século XVIII, a vingança era a única forma de reação à ofensa, conhecida e aplicada. Tratava-
se, a princípio da vingança privada, quando a parte ofendida, revidava” (ALMEIDA, 1993, p. 23-24).
56 Políticas Públicas de Trabalho e Renda

Segundo o autor, a globalização “não reduz de forma sistemática e contí-


nua” o nível de empregos, mas, na medida em que, pela abertura comercial, o volume
das importações torna-se maior que o das exportações, o índice de desemprego eleva-se:
trata-se do desemprego estrutural. Conclui o autor que
“O desemprego estrutural, causado pela globalização, é semelhante em seus efeitos ao de-
semprego tecnológico: ele não aumenta necessariamente o total de pessoas sem trabalho,
mas contribui para deteriorar o mercado de trabalho para quem precisa vender sua capacida-
de de produzir. Neste sentido, a Terceira Revolução Industrial e a globalização se somam”.
SINGER (2000, p.23)
POCHMANN trabalha com os mesmos elementos, mas, na relação causa/conseqü-
ência, faz uma leitura distinta da realidade constatada no âmbito internacional. Para ele
o processo de globalização, tornando mais acirrada a concorrência, exige a reestruturação
das empresas, objetivando a redução do custo de produção. O processo tem como ori-
gem a modernização conservadora. Citando Tavares4, o autor afirma que os problemas
que hoje se destacam (desemprego, precarização do trabalho e desregulamentação, den-
tre outros)
“(...) são decorrentes da Terceira Revolução Industrial, sob a forma de modernização conser-
vadora”(...) resultantes das “mudanças estruturais, tecnológicas, produtivas e organizacionais
em meio ao colapso da velha ordem econômica internacional e das instituições que articu-
lam os diferentes Estados e interesses nacionais”. (POCHMANN, 1999, p.25-27)
POCHMANN, ao contrário de SINGER, conclui que:
“... a crise do desemprego não é irreversível nem inevitável (...) Ela tem implicações diretas
que decorrem do processo dominante de globalização financeira e de adoção generalizada
de políticas neoliberais. (...) a instabilidade no mundo do trabalho, a precarização das condi-
ções e relações de trabalho e a permanência de elevadas taxas de desemprego devem ser
referidas ao movimento do capitalismo contemporâneo neste final de século, que ocorre
desprovido de uma coordenação favorável à produção e ao emprego para todos entre os
principais países avançados”.(1999, p.47)
Em nosso cotidiano testemunhamos as situações e processos aqui demonstrados. Na
última década muitas foram as matérias publicadas que se referiam ao desemprego, desta-
cando dentre suas causas: a) avanço tecnológico; b) crescimento econômico inadequado; e c)
altas taxas de juros, além da eliminação de milhares de postos de trabalho na área rural e
urbana. São dados que nos permitem observar que os autores mencionados estão corretos
em sua análise, já que a ampliação de mercados para uns, representa restrições para outros
e, neste contexto, como ocorre entre as classes sociais, a exploração dos países chamados
emergentes ocorre de maneira explícita por parte dos de capitalismo avançado.

4
A obra citada é “Ajuste e reestruturação nos países centrais, p. a modernização conservadora”, de
M. TAVARES, publicada em Economia e Sociedade nº 1. Campinas, SP, p. IE/Unicamp, 1992.
Regina Stela Andreoli de Almeida
57

Por essas razões a estrutura social brasileira vem sendo contornada por uma fai-
xa, que se alarga cada vez mais: o “locus” dos excluídos. No que concerne à exclusão,
muito há para ser discutido e VAZ (2002, p.105-127) nos auxilia neste sentido, apresen-
tando síntese de pensamentos que, ao se complementarem, retratam, de maneira im-
portante a realidade vigente. Inicia sua reflexão conceituando como exclusão social si-
tuação de privação coletiva no exercício da cidadania plena, o que envolve trabalho e
salário digno, educação, participação social, política e comunitária.
Os autores citados por Vaz, favorecem nosso posicionamento:
a) Xiberras observa que a dificuldade para que a exclusão possa ser identificada e classifica-
da encontra-se na multiplicidade de formas sob as quais esta se apresenta, dentre as quais
podem ser destacadas: as visíveis; as que não são vistas, mas são sentidas; as que são vistas,
mas não são comentadas; e as invisibilizadas. Prossegue sua análise afirmando que a exclu-
são pode ocorrer: tanto pela incapacidade de superar determinada etapa da educação for-
mal, (processo que efetivamente será prejudicial se for acompanhado pela pobreza e/ou
desemprego, lócus da forma mais chocante de exclusão), quanto pela incapacidade que acar-
reta na participação no mercado de trabalho e no mercado de consumo.
b) Wanderley também sinaliza a esfera produtiva ao tratar da exclusão, mas prossegue em
sua análise, abordando os desdobramentos que se iniciam no preconceito, materializam-se
na discriminação e se cristalizam no estigma.
c) Demo desloca o foco do desemprego para o desempregado ao afirmar que o excluído hoje
tem melhor e maior preparo e pode reagir à exclusão e complementa: o trabalhador não
pode ser detentor de apenas força de trabalho, mas inteligência do trabalho (VAZ, 2002, p. 114).
Algumas questões começam a tornar-se mais claras e a mais significativa delas é
que a resignação não é o único caminho. Medidas podem ser tomadas, conduzindo o
inevitável processo de transformação para um norte: a justiça social.
É uma prática constante e efetiva. O grande problema é que os interesses não são
coincidentes e quase sempre os que são defendidos são os das classes dominantes.
Vejamos o que foi planejado e realizado na última década, procurando identificar os
resultados obtidos.

2. A proposta governamental e o desenvolvimento local


Objetivando o desenvolvimento de ações voltadas para a redução dos problemas
decorrentes do desemprego, em 1995 a Secretaria de Formação e Desenvolvimento Pro-
fissional - SEFOR, do Ministério do Trabalho publicou o documento “Educação Profissi-
onal: um projeto para o desenvolvimento sustentado”, contendo proposta de ação.
O documento enfatizava que as empresas - e isto vem sendo percebido nas últi-
mas décadas -, sentindo a necessidade de adequação às exigências do mercado, vêm
investindo na qualificação de seus empregados, buscando, assim, tanto elevar o padrão
de qualidade dos produtos, quanto compensar a baixa escolaridade dos trabalhadores.
58 Políticas Públicas de Trabalho e Renda

O Ministério do Trabalho, através da SEFOR, entendeu que, ante o fato de dois


terços dos trabalhadores brasileiros apresentarem apenas quatro anos de escolaridade
(o que nem sempre equivale à aprovação nas quatro séries iniciais), o treinamento ofe-
recido pela empresa interessava (como continua interessando) também ao trabalhador.
Observou, porém, que parcela significativa da população brasileira, pela situação de
desemprego, permanecia à margem deste processo, o que tornava a cada dia mais remo-
tas as possibilidades de reinserção no mercado de trabalho. Assim, sendo a qualificação
profissional de interesse das empresas e dos trabalhadores, buscou, dentre as alternati-
vas de solução, uma estratégia que favorecesse o atendimento de todo e qualquer traba-
lhador5 e não somente o que se encontrasse empregado. Com este intuito, a SEFOR
propôs o estabelecimento de parcerias entre governo, empresas, trabalhadores e educa-
dores, objetivando a educação ou qualificação profissional, prioritariamente dos excluí-
dos, que são, segundo o próprio documento “(...) os que sobrevivem na informalidade,
os que ‘sobram’ da modernização ou sequer lograram se inserir no processo”. (1995, p.9)
Há três anos, conforme vemos em ALMEIDA (2001) propusemo-nos a avaliar em
que medida as práticas adotadas pelos órgãos governamentais, relativas à qualificação
do trabalhador, reduziram o desemprego registrado em Campo Grande/MS, no período
compreendido entre 1996 e 1998.
Logo no início detectamos a primeira falha do sistema. A então denominada Se-
cretaria de Estado de Trabalho, Emprego e Renda/MS, que desenvolvia, através de dife-
rentes superintendências, atividades que podem ser consideradas complementares6,
não se valeu da própria estrutura para acompanhar, controlar e avaliar os programas em
desenvolvimento. Desta forma, as atividades de uma Superintendência foram
desconsideradas pela outra, já que na Intermediação de Emprego não foram efetuados
registros de participação de trabalhadores em cursos de formação, assim como nos Progra-
mas de Qualificação não foi mencionado o número de trabalhadores reinseridos no merca-
do. Nenhum dado foi registrado no sentido de recomendar ou não as atividades que desen-
volviam, o que impossibilitou, segundo nos parece, pela falta absoluta de controle, as corre-
ções sempre necessárias na execução de qualquer plano, programa ou projeto.
Apesar de, no estudo desenvolvido, termos procurado reconstruir a trajetória do
termo qualificação, com todas as conotações que lhe foram conferidas nas últimas déca-
das de nossa história, não encontramos, em nenhum momento, embasamento teórico
que nos autorize a afirmar que um processo de treinamento pode preencher as lacunas

5
Neste estudo o termo trabalhador é utilizado para designar os integrantes da PEA – População
Economicamente Ativa – ocupados ou não – uma vez que, pelo fato de encontrar-se desempregado,
o indivíduo não deixa de ser trabalhador.
6
À guisa de exemplo podemos citar: captação de vagas no mercado de trabalho, emissão de Carteiras
de Trabalho e Previdência Social, cadastramento, seleção e encaminhamento de mão-de-obra, seguro
desemprego e oferecimento de cursos de qualificação e/ou requalificação profissional.
Regina Stela Andreoli de Almeida
59

deixadas pelo ensino básico, ao passo que muitas foram as alusões procurando demons-
trar o contrário.
Em Campo Grande, de 1996 a 1998, pelas informações reunidas podemos afirmar
que, por um lado, houve certo bom senso na eleição dos cursos ministrados, já que o
percentual mais elevado (31,15%) indica a área da informática, posicionando-se, em se-
gundo lugar, os voltados para o setor terciário e para a área administrativa do setor
secundário. Trata-se da qualificação da mão-de-obra realmente absorvida por um merca-
do informatizado e direcionada para a prestação de serviços. Resta-nos saber se, com o
nível de escolaridade apresentado, (pois, conforme o relatório de 96, a população alvo,
em sua maioria, não conseguiu concluir o ensino fundamental), os alunos dispunham
dos organizadores prévios exigidos para a aquisição dos conhecimentos propostos.
Observamos, ainda, na qualificação de trabalhadores da Construção Civil, um cur-
so que se destaca pela simplicidade e importância: a utilização do bambu na construção
civil, que deveria até ter sido expandido para assentamentos rurais (mas não o foi),
onde o plantio do bambu poderia ser adotado como meio de recomposição das matas
ciliares, evitando-se, assim, o assoreamento dos rios e favorecendo, “a posteriori”, a
utilização do bambu também no revestimento de poços convencionais, segundo antiga
técnica chinesa.
Por outro lado, observamos:
- a alocação de recursos em cursos inadequados para os dias de hoje, como os de Datilogra-
fia, ministrados para 413 alunos, que dificilmente vão poder exercitar os conhecimentos
adquiridos, já que máquinas de escrever quase não são mais encontradas;
- que, numa época em que a formação de professores é tão discutida e a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional – LDB, de novembro de 1996, mais rigorosa7, em 1998, após,
portanto, a lei ser sancionada, dentre os cursos da categoria Serviços Pessoais, encontramos
um que se propunha a Qualificar Professores Leigos, com 208 alunos;
- que o próprio Estado foi o maior beneficiado com o desenvolvimento dos programas: 20,26%
dos alunos, em Campo Grande, são servidores públicos, fato que não fica tão claro sem o
cruzamento de informações, pelo fato dos cursos da área de informática serem computados
à parte. Se os servidores que se matricularam nos cursos de informática forem incluídos no
item destinado ao Serviço Público, o número de alunos passa de 2465 para 5687 e a diferen-
ça, em termos percentuais, entre Serviço Público e Informática, é reduzida de 22,72% para
0,69%. Assim, a configuração dos dados sofre alteração, uma vez que o setor de informática
continua ocupando o primeiro lugar, agora com 20,13%,(e não mais os 31,15% anteriores),

7
“A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de
licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida,
como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras
séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal”. - Art. 62 da LDB.
60 Políticas Públicas de Trabalho e Renda

mas o segundo lugar, passa a ser ocupado pela Administração Pública, cujo percentual de
8,43% eleva-se para 19,44% (uma elevação da ordem de 11,01%). Esta postura parece-nos
contraditória quando nos lembramos da proposta governamental, exposta neste estudo, de
acordo com a qual o segmento a ser atingido, através do desenvolvimento dos programas,
deveria ser, prioritariamente, o dos desempregados ou, conforme o texto original “(...) os
que sobrevivem na informalidade, os que ‘sobram’ da modernização ou sequer lograram se
inserir no processo”. SEFOR (1995, p.9).
- preocupação com os trabalhadores de empresas em fase de privatização, como eram, na
época, os da Rede Ferroviária, assim como com os atingidos pela automação, como os Bancá-
rios, o que parece demonstrar a intenção de minimizar os efeitos negativos de outras políti-
cas estatais, decorrentes da adoção do ideário neoliberal.
- no que concerne à comunidade indígena, observamos que, embora muitas equipes, consti-
tuídas por antropólogos, pedagogos e historiadores, dentre outros, atuem junto aos povos
indígenas com vistas à preservação das raízes culturais, os cursos a eles oferecidos parece-
nos não demonstrar tal preocupação8.
Outros aspectos merecem destaque
- só em 1996 os adolescentes autores de atos infracionais9 foram beneficiados com cursos
que poderiam favorecer sua efetiva reinserção social. Não nos parece fácil entender tal fato,
uma vez que o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, no inciso XI, do art. 124, afirma
que “são direitos do adolescente privado de liberdade (...) receber escolarização e
profissionalização”;
- o mesmo ocorreu em relação aos detentos e egressos do Sistema Penitenciário que, segun-
do dados do Departamento do Sistema Penitenciário, abrigava, em Campo Grande, 1.294
internos (DSP, 2000:4). Neste universo, apenas 41 foram beneficiados pelo Programa de
Qualificação/96, não sendo oferecidos cursos nos anos subseqüentes, embora haja amparo
legal para o desenvolvimento de atividades laborais em Estabelecimentos Penais de Regime
Fechado, através da Lei nº. 7.210, de 11/07/8410, e a Divisão de Trabalho do Departamento
não tenha condições de contribuir para que a legislação seja cumprida.
São observações que podem conduzir os planos futuros, evitando que a legislação
vigente seja desconsiderada, que os recursos sejam mal utilizados, que questões volta-
das para o desenvolvimento local sejam consideradas.
Tais aspectos não passaram desapercebidos pelo MTE que, focalizando os ângulos
negativos do PLANFOR, como a permanência no nível compensatório, o enfoque quan-

8
Lembramos que, de acordo com o Quadro nº. 17, em 1998 foram matriculados 274 indígenas nos
cursos: Introdução à Informática, Confecção de malhas, Embelezamento pessoal, Pintura em tecido,
Doces caseiros, Pequenos Reparos Domésticos, Conservação e Higiene de Produtos Alimentares,
Pedreiro em Geral, Eletricista de Auto, Salgadinhos para Festas, Panificação e Mecânica.
9
Os documentos mencionam, erroneamente, Jovens Tipificados Judicialmente, referindo-se aos
que são recolhidos nas Casas de Guarda e Assistência ao Adolescente por ordem judicial.
10
Esta mesma lei protege o egresso do Sistema Penitenciário em seu primeiro ano de liberdade.
Regina Stela Andreoli de Almeida
61

titativo e a desarticulação com outras políticas, dentre outros, em 15/07/2003 implanta


seu substituto: o Programa Nacional de Qualificação – PNQ, trazendo em seu bojo pro-
posta mais abrangente, integrando as esferas administrativas em ações voltadas para o
desenvolvimento local, o que efetivamente apresenta muito mais sentido.
Para entendermos tal afirmação, busquemos em MARTINS e MARTINS (2001, p. 153)
alguns conceitos de desenvolvimento local.

a) André Joyal em Le développement local au Canadá, afirma que são


“(...) estratégias pelas quais os representantes locais dos setores privado, público ou associativo
trabalham pela valorização dos recursos humanos, técnicos ou financeiros de uma coletivi-
dade, se associando em torno de uma estrutura de trabalho, privado ou público, dotado de
um objetivo central de crescimento da economia local.”
b) Cristopher Bryant, em La participation communnautaire et le développement
local, complementa
“(...) é todo desenvolvimento planejado surgido do meio local, que utiliza os recursos e
iniciativas locais com o objetivo de melhorar as condições de vida dos habitantes e atingir
metas coletivas da comunidade”
c) F. Albuquerque, em Desenvolvimento econômico local e distribuição do pro-
gresso técnico, diz que Desenvolvimento Local
“(...) não é resultado da busca de equilíbrios irreais de grandes agregados estatísticos
macroeconômicos, e sim dos esforços e compromissos dos atores sociais, em seus territóri-
os e meio ambiente concretos”
d) Para o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, é o
“(...) processo de articulação, coordenação e inserção dos empreendimentos associativos e indi-
viduais, comunitários, urbanos e rurais a uma nova dinâmica de integração socioeconômica de
reconstrução do tecido social, de geração de oportunidades de emprego e renda.”
Mesmo tendo acesso a tantas concepções, não dimensionaremos corretamente
DESENVOLVIMENTO LOCAL, temos antes estabelecer a correlação entre CRESCIMEN-
TO e DESENVOLVIMENTO.
Importante observar que, enquanto o primeiro é voltado para a economia e, por
isso mesmo, mensurado pelo PIB, o último diz respeito à elevação das condições de vida
da população, aspecto não contemplado pelo crescimento face à concentração de renda.
Podemos dar razão a Franco, quando este afirma que o desenvolvimento local
dinamiza diferentes tipos de capital:
62 Políticas Públicas de Trabalho e Renda

CAPITAL
ECONÔMICO + EMPRESAS
CAPITAL SOCIAL
+ REDES

CAPITAL
HUMANO
EMPREENDEDORES +INICIATIVAS=
INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS

Martins e Martins caracterizam o Desenvolvimento Local como: 1) Endógeno e


formativo; 2) Localizado; 3) Participativo e democrático; 4) Sustentável Estratégia gera-
dora de emprego e renda; 6) Resgata valores tradicionais e culturais da comunidade; 7)
Apóia as micro e pequenas empresas; 8) Exige a descentralização; 9) Favorece a inova-
ção; 10) É solidário e cooperativo; 11) É um conjunto de estratégias integradas e equili-
bradas; 12) É um processo contínuo de ações.
Diante do exposto podemos entender porque a proposta governamental, sendo
direcionada para o desenvolvimento local, favorece o atendimento das questões não resol-
vidas pelo PLANFOR, podendo oferecer soluções para muitos dos problemas existentes.
O I Relatório de Avaliação dos Planos Territoriais de Qualificação aponta aspectos que
merecem destaque:
1) a preocupação do governo estadual em dividir o Estado em regiões segundo a vocação
econômica;
2) a criação, por região, dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento – COREDES, que con-
ta com a participação da sociedade civil, com a competência de elaborar o Plano Regional de
Desenvolvimento, associando crescimento, desenvolvimento e proteção ao meio ambiente;
Parece-nos que os avanços são significativos, mas muito há para ser alcançado,
posto que, discussões devem ser desenvolvidas, ajustes propostos e políticas definidas
para que o desenvolvimento local se torne uma realidade. O mesmo relatório apresenta
indícios que permitem tal interpretação, pois, no que se refere ao Turismo, foram
registradas as opiniões que transcrevemos:
Eu não acho o turismo. Eu acho que nós não temos nenhuma estrutura ainda, porque pra
gente desenvolver alguma coisa a gente precisa ter programa. Que programa nós temos em
Mato Grosso do Sul?
[...] Então, isso é muito limitado. Qual plano de expansão de turismo que nós temos que
pode ser agregado a esse desenvolvimento de atividades específicas que o turismo exige?
Nós não temos isso. Porque se você tivesse um programa estruturado que falasse: Não, nós
Regina Stela Andreoli de Almeida
63

vamos ter tantos hotéis e não sei o que dentro do Estado. Pega um município e vai olhar o que
eles estão formando: garçom, camareira; nem precisa, tem município que não tem nem hotel.
Em outro ponto do mesmo documento são mencionadas tentativas de direcionar
as atividades para o desenvolvimento local sustentável: 1) na Aldeia Urbana “Marçal de
Souza”; e 2) na Comunidade são Benedito.
As experiências não alcançaram o sucesso possível e desejado por não terem, os
executores, conferido a devida importância ao encontro com as próprias raízes, na cons-
trução da identidade. Segundo os depoimentos registrados o material a ser utilizado na
produção do artesanato “indígena” não correspondia às tradições e na Comunidade de
quilombolas não houve o atendimento das aspirações locais. São pequenos problemas
que representam sérios obstáculos à consecução dos objetivos.

3. Políticas de Trabalho e Renda


A legislação será discutida em sala de aula e as cópias, que se encontram em
anexo, são referentes à instituição de 1) Seguro-Desemprego; 2) Abono Salarial; 3) Micro-
crédito; e 4) Programas de investimento.

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65

História da Educação Profissional


no Brasil: uma abordagem sintética da
sua trajetória histórica*

Inara Barbosa Leão


Doutora em Psicologia Social pela PUC, São
Paulo. Professora do Depar tamento de
Ciências Humanas/ CCHS da Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul.

T
omamos como marco histórico para a análise da Educação Profissional no Brasil o
Século XIX, marcado política e socialmente pela chegada do Príncipe Regente Dom
João VI e sua corte ao Brasil. Tal fato criou a necessidade de profissionais capacita-
dos para as atividades administrativas, as questões vinculadas as condições econômicas
e de qualidade de vida demandada pela transformação do País em sede de governo Por-
tuguês. Entende-se, então, que as providências tomadas por Dom João VI inauguram os
esforços governamentais para a profissionalização.
Dada as preocupações acima, as suas ações para a Educação Profissional voltaram-
se para a criação de Escolas Superiores: a Academia Real da Marinha, a Academia Real
Militar, que mais tarde foi transformada na Escola Militar de Aplicação, no Rio de Janei-
ro; cujas principais características educacionais eram a oferta de cursos superiores sem
caráter teológico e com direcionamento profissional. Tanto que a Academia Real Militar
tinha a finalidade de formar engenheiros civis.
Posteriormente, implanta Cursos Técnicos Superiores no Brasil através da criação do
Gabinete de Química, no Rio de Janeiro e do Curso de Agricultura da Bahia – em 1812.

*
Texto elaborado para o curso de Gestão Social da Políticas Públicas de Trabalho e Renda, da
Escola de Conselhos da UFMS.
66 História da Educação Profissional no Brasil

Estas iniciativas, no contexto social do Império determina que a Educação Profis-


sional se torne a única oferta de ensino para aqueles que não compunham a aristocra-
cia. Pois, a educação do povo que só se dava pela escola primária, jesuítica, a partir de
então, tem a escola profissionalizante.
Economicamente as iniciativas de profissionalização surgem como contraponto a
situação econômica nacional, que fundada na agricultura rudimentar e no trabalho es-
cravo, mantinha atividades de produção que não exigiam preparo qualificado, nem para
a administração nem para a mão-de-obra. E, portanto, alimentava o desinteresse pela
educação profissional, prevalecendo o interesse por uma educação literária e humanista,
característica das elites aristocráticas da época.
A análise da trajetória que a Educação Profissional vai cumprir permite afirmar que
estas características fizeram com que se estabelecesse desde o início da educação no Brasil,
um forte dualismo que continua a permear nosso sistema educacional, no qual há uma
baixa qualidade no ensino que é oferecido ao trabalhador e um bom padrão educacional que
é reservado à elite gerencial, permitindo-lhe inclusive a ascensão social e econômica.
Em meados do século XIX inicia-se a expansão da Educação no País, então Colô-
nia, através autorização para a instalação de instituições educacionais com caráter
profissionalizante nas capitais das Províncias. Estas ações de educação profissional de-
rivaram do Decreto Imperial, de 1854 para a fundação de estabelecimentos especiais
para menores abandonados, denominados de “Asilo da Infância dos Menores Desvali-
dos”. Um projeto assistencialista do Império que continuou a criar várias sociedades
civis destinadas a amparar as crianças órfãs e abandonadas, que tiveram como princi-
pais características educacionais a proposição do ensino das primeiras letras e, em se-
guida, o encaminhamento às oficinas públicas e particulares. Portanto, ofereciam ins-
trução básica e iniciação ao ensino industrial. Estas especificidades são próprias das
determinações econômicas da época, que segundo Romanelli (1985:45) respondiam ao
fato de que
Uma vez que a economia não fazia exigências à escola em termos de demanda econômica de
recursos humanos; que a herança cultural havia sido criada a partir da importação de mode-
los de pensamento provenientes da Europa; que a estratificação social, predominantemen-
te dual na época colonial, havia destinado à escola apenas parte da aristocracia ociosa; que
essa demanda social de educação, mesmo quando englobou no seu perfil os estratos médios
urbanos, procurou sempre na escola uma forma de adquirir ou manter status, alimentando,
além disso, um preconceito contra o trabalho que não fosse intelectual e uma vez, enfim,
que todos estes aspectos se integravam, é possível afirmar-se que a educação escolar existen-
te, com origem na ação pedagógica dos Jesuítas, correspondia à exata necessidade da socie-
dade como um todo.
Em um segundo momento no século XIX, o pouco interesse pela qualificação do
trabalhador se deveu ao avanço tecnológico que simplificou ao máximo as tarefas, des-
locando a formação da força de trabalho para um segundo plano.
Inara Barbosa Leão
67

A forma como a educação, em particular a profissional, foi tratada no século XIX,


perdurou até as primeiras décadas do século XX quando o processo crescente de urbani-
zação e o avanço do modelo econômico industrial sobre o agrário-exportador começa-
ram a exigir uma escola e uma formação profissional que atendesse as exigências feitas
pela economia em transformação.
Estas exigências têm as suas explicitações dadas no período do governo de Getú-
lio Vargas, principalmente nas mudanças promovidas no “Estado Novo”. Isto porque, no
campo da educação, o governo instituído pela Revolução de 1930. A partir de 1931, espe-
cificamente na formação para a força de trabalho, o governo provisório de Vargas inicia
a sua atuação no que se refere ao ensino para pessoal indiretamente ligado à produção,
reorganizando o Ensino Comercial, que é instituído como um sistema paralelo, conten-
do um grau primário, um técnico e um superior.
Outras iniciativas tomadas a partir de 1937 demonstram a importância gradativa
que a formação para a força de trabalho estava ganhando: o Ensino Comercial passa a
possibilitar aos formandos ingressar em cursos de Auxiliar de Comércio, nos cursos
técnicos, que incluíam as modalidades de secretário, guarda-livros, administrador, ven-
dedor, atuário e perito-contador. Os certificados conferidos por estes dois últimos cur-
sos: Ensino Comercial e Auxiliar de Comércio possibilitavam, por sua vez, a oportunida-
de de matrícula no curso superior de Administração e Finanças.
No caso das escolas de aprendizes-artífices, a Inspetoria do Ensino Profissional e
Técnico, criada em 1931, transformou-se, em 1934, na Superintendência do Ensino Pro-
fissional, diretamente ligada ao ministro (CUNHA, 2000, p. 23). Dá-se, então a criação
das Escolas Técnicas Secundárias com a finalidade de oferecer cursos exclusivamente
industriais e comerciais. Este projeto foi implementado até a demissão de Anísio Teixeira
em 1935. Ainda para o desenvolvimento da educação para a força de trabalho Anísio
Teixeira buscou entre 1932 e 1934, minimizar as diferenças de qualidade das escolas pós
primárias, direcionadas para os futuros operários, e as secundárias que tinham como
função formar profissionais liberais e burocratas para os cargos públicos.
Entendemos que as principais determinações políticas das ações para a Educação
Profissional neste período deveram-se ao fato de que a Revolução de 1930, que levou
Getúlio Vargas ao comando do governo provisório, altera as condições históricas do Bra-
sil, uma vez que as características econômicas modificaram-se. Até então, a economia
brasileira se fundamentava em base agrícola cujo modelo estava voltado para a exporta-
ção de alimentos e matérias-primas e na importação de bens industrializados; mas a
partir de 1937, o Estado assumiu um novo papel de intervenção na gestão da economia
nacional passando a promover a industrialização.
Isto exigiu ações de educação profissional também para a área de infraestrutura,
que se deram pela introdução do Ensino de Oficio no Brasil, principalmente, os vincula-
dos à criação das estradas de ferro. Este se inicia com a Escola Prática de Aprendizes das
68 História da Educação Profissional no Brasil

Oficinas, fundada em 1906 no Rio de Janeiro e mantida pela Estrada de Ferro Central do
Brasil. Suas principais características educacionais foram que o ensino de Ofício associ-
ava oficina e escola e era, portanto, uma aprendizagem mais sistemática, baseada na
experiência, das empresas ferroviárias de manterem escolas para a formação de operá-
rios destinados à manutenção de equipamentos, veículos e instalações. Em 1924, foi
criada a Escola Profissional Mecânica, cujo funcionamento se deveu a um acordo que
quatro empresas ferroviárias fizeram com o Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo pelo
qual cada uma enviava dois aprendizes para freqüentarem um curso de quatro anos,
realizando estágio nas oficinas de uma delas.
O desenvolvimento do Ensino Unificado de Ofícios se deveu a participação do enge-
nheiro suíço Roberto Mange, que juntamente com outros, fundaram em 1931, o Instituto de
Organização Racional do Trabalho (IDORT). O IDORT ganhou força nas empresas, particu-
larmente nas ferroviárias devido as suas características educacionais, que difundiam a dou-
trina da Organização Racional do Trabalho, sistematizada por Frederick Taylor. Baseado nas
soluções tayloristas propunha a implantação de um programa que buscasse evitar desperdí-
cios de tempo, de força de trabalho e de matéria-prima; combater a desorganização adminis-
trativa das empresas, assim como implantar o controle eficiente de custos.
Em 1934, foi criado o Centro Ferroviário de Ensino e Seleção Profissional (CFESP)
que se distinguia das demais escolas de aprendizagem de oficio espalhadas pelo país
porque estabeleceu a relação do Estado com as empresas, o que garantiu as regras do
projeto, além dos recursos mínimos necessários para o funcionamento desse mecanis-
mo. O CFESP atendia exclusivamente aos filhos dos ferroviários, e direcionava a forma-
ção para as estradas de ferro; adotava o método taylorista de administração de empresa,
através das séries metódicas, as quais, mais tarde, serão utilizadas em todo o País pelo
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). Este modelo do CFESP se expan-
diu para os demais estados brasileiros, principalmente a partir do momento em que o
projeto industrialista foi lançado pelo Estado Novo.
A Segunda Grande Guerra Mundial e o envolvimento direto da Europa e dos
Estados Unidos neste conflito criaram as condições para a implantação de um pro-
jeto que substituísse as importações por produtos feitos no Brasil. A partir daí, é
possível deduzir que o Estado Novo iria precisar de mão-de-obra qualificada, caso
contrário não poderia alcançar esta emancipação. Desta forma, cresceu a importân-
cia da qualificação para a força de trabalho. Tanto que a Constituição de 1937, no
artigo n.º 129, estabelece que
O ensino pré-vocacional e profissional destinados às classes menos favorecidas é em maté-
ria de educação o primeiro dever do Estado. Cumpre-lhe dar execução a este dever, fundan-
do institutos de ensino profissional e subsidiando os de iniciativa dos estados, dos municí-
pios ou associações particulares e profissionais. É dever das indústrias e dos sindicatos eco-
nômicos criar, na esfera de sua especialidade, escolas de aprendizes destinadas aos filhos de
Inara Barbosa Leão
69

seus operários ou de seus associados. A lei regulará o cumprimento desse dever e os poderes
que caberão ao Estado sobre essas escolas, bem como os auxílios, facilidades e subsídios a
lhes serem concedidos pelo poder público (CUNHA, 2000, p. 28).
Em 1938, o Estado deu início à regulamentação deste dispositivo com a elaboração de
dois anteprojetos. O primeiro estipulava a criação de escolas de aprendizes industriais
mantidas e dirigidas pelos sindicatos dos empregadores e pelas indústrias. Caberia ao go-
verno a responsabilidade de criar e manter escolas de aprendizes onde sindicatos e indústri-
as não fossem capazes de bancar este empreendimento. A responsabilidade de fiscalização
e de punição aos infratores caberia aos Ministérios da Educação e do Trabalho.
Quando o anteprojeto chegou à direção das indústrias houve resistência por parte
dos empresários devia às despesas para a sua implantação e manutenção. Diante disso,
o governo publica o Decreto-Lei n.º 1.238/39 que visava “assegurar aos trabalhadores,
fora do lar, condições mais favoráveis e higiênicas para a sua alimentação e assegurar-
lhes, ao mesmo tempo, o aperfeiçoamento da educação profissional” (CUNHA, 2000, p. 30).
Apesar das alterações no anteprojeto derivadas as discussões entre governo e em-
presários, somente depois de alguns anos a Confederação Nacional da Indústria (CNI),
ao reconhecer a importância da aprendizagem sistemática para o segmento empresari-
al, acatou a legislação e criou o SENAI com a seguinte explicação:
Inspirados na experiência do Centro Ferroviário do Estado de São Paulo, líderes industriais
idealizaram e defenderam, junto ao empresariado e ao governo federal, uma solução seme-
lhante para as indústrias de todo o País. Em 1939, o Governo criou uma Comissão
Interministerial para estudar o problema da formação da mão-de-obra industrial e regula-
mentar os cursos para trabalhadores da indústria, previstos no Decreto n.1.238, de maio de
1939. Essa Comissão sugeriu ao Governo a instituição de um sistema nacional de aprendiza-
gem industrial, custeado pelas empresas e integrado ao Ministério da Educação. Antecipan-
do-se a qualquer providência neste sentido, a Confederação Nacional da Indústria, obteve
do governo, por meio do Decreto n. 4.048, de janeiro de 1942, a autorização para criar o
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – Senai, cabendo-lhe todos os ônus da execu-
ção e manutenção e, ainda, as responsabilidades pela organização e direção da instituição,
que lhe ficaria subordinada. (FONTES, apud, CUNHA, 2000, p. 34).
Abordaremos mais detalhadamente o processo de criação e implantação do SENAI
porque se entende que ele foi o grande responsável por delinear no país o pensamento
pedagógico empresarial sobre a educação profissional, mesmo que esta tenha sido pre-
ponderantemente sobre o trabalho no setor industrial.
A implantação do SENAI foi rápida e ganhou a confiança de empresários e gover-
no, particularmente pela eficiência no trato com a formação da força de trabalho. E,
apesar dos desafios impostos pela guerra, o SENAI conseguiu iniciar vários cursos de
aprendizagem em 1944, particularmente no setor metal-mecânico. Naquele momento
histórico, devido às conseqüências da Segunda Guerra Mundial, a atuação do SENAI foi
decisiva na formação de mão-de-obra qualificada para suprir bens e produtos que não
mais estavam sendo importados.
70 História da Educação Profissional no Brasil

O SENAI posteriormente passou a atuar em quatro grandes linhas: Aprendiza-


gem, cujo processo volta-se para jovens, na faixa etária estabelecida pela legislação (14 a
18 anos), em complementação à escolaridade regular, adquirem a prática metódica da
execução de operações e tarefas de determinada ocupação e os conhecimentos e atitu-
des necessários para desempenha-la com eficiência; Qualificação: processo de formação
que capacita o indivíduo para o exercício de uma ocupação, dirigindo-se para adolescen-
tes ou adultos que, tendo ou não completado o primeiro ou segundo grau, submetem-se
a uma formação específica de médio em longo prazo; Treinamento: atende às necessida-
des especificas do indivíduo e da empresa através de cursos de pequena e média dura-
ção, estágios, seminários, etc. Tem por objetivo sanar deficiências de desempenho na
execução de tarefas específicas de uma ocupação e/ou carências de informações em
conhecimento ou atitudes profissionais compatíveis com sua área de atuação e objetiva
eliminar dificuldades circunstanciais, superar obstáculos, inovações, visando ao aumento
da produtividade e à maximização dos lucros da empresa e Habilitação: cursos técnicos
regulares, de longa duração, de 2º Grau, que forma técnicos de nível médio em várias
ocupações. (SENAI, RELATÓRIO ANUAL, 1992 apud RODRIGUES 1998, p. 18-19).
Porém, nas décadas de 1950 e 1960 a aprendizagem sistemática foi substituída
por cursos rápidos de treinamento, às vezes com duração de algumas dezenas de horas.
Na década de 1970, outra vertente na formação profissional ganhou corpo: cursos técni-
cos de nível médio. Além da ampliação da rede física, o SENAI também ampliou e mo-
dernizou seus conceitos e suas metas na formação profissional. Mais recentemente,
nos anos 90, o SENAI adotou outra linha no seu processo de formação: oferecer aos
trabalhadores um treinamento continuado, uma vez que o setor produtivo atual deman-
da uma força de trabalho dotada de uma educação geral muito mais longa e complexa do
que aquela dos anos 1940.
Durante os cinqüenta anos de existência do SENAI, suas atividades sofreram a
influência das mudanças ocorridas no setor produtivo, levando as suas ações educativas
a se concentrarem em
Treinamentos que passam a atender às necessidades especificas do indivíduo e da empresa
através de cursos de pequena e média duração, estágios, seminários, etc. e têm por objetivo
sanar deficiências de desempenho na execução de tarefas específicas de uma ocupação e/ou
carências de informações em conhecimento ou atitudes profissionais compatíveis com sua
área de atuação e objetiva eliminar dificuldades circunstanciais, superar obstáculos, inova-
ções, visando ao aumento da produtividade e à maximização dos lucros da empresa; e as
Habilitações, concebidas como cursos técnicos regulares, de longa duração, de 2º Grau, que
forma técnicos de nível médio em várias ocupações. (SENAI, RELATÓRIO ANUAL, 1992 apud
RODRIGUES 1998, p. 18-19).

A criação do SENAI em 1942 foi um passo importante para a formação e desenvol-


vimento da força de trabalho no Brasil. Atualmente, extrapolou suas origens e, com
cursos de alto grau de sofisticação e tecnologia, constitui-se na maior rede latino-ameri-
Inara Barbosa Leão
71

cana de qualificação profissional. Esta (con)formação, segundo Rodrigues (1998), man-


tém-se em estreita relação com a perspectiva de competitividade industrial do atual
desenvolvimento tecnológico.
O segundo anteprojeto elaborado pelo Ministério da Educação foi direcionado ao
aprendizado dos menores não trabalhadores da faixa-etária de 11 a 14 anos. Tratava-se de
criar escolas pré-vocacionais direcionadas aos filhos e irmãos dos operários sindicalizados e
que deveriam ser mantidas pelos sindicatos dos empregados. A idéia era desenvolver nos
adolescentes a destreza manual, o conhecimento de ciências e desenho, além do cultivo da
cultura geral. Era, portanto, uma espécie de preparação para o mercado de trabalho.
Dado o contexto sócio-político vigente no País naquela década recheada de pro-
messas de progresso e também pela incerteza de acirrada luta de classes incentivada
pela guerra fria, e as condições históricas vividas na primeira metade do século XX,
quando no contexto mundial dava-se o prestígio da antiga URSS, o início da chamada
Guerra Fria, a crescente mobilização social provocada pelas Teorias da Libertação não só
no Brasil, mas na América Latina; o pensamento pedagógico dos empresários não se
resumiu à formação técnica, mas avançou, também, pelos caminhos do “social e da
cidadania” com a criação do SESI. Segundo documento da CNI, publicado por Rodrigues
(1998), a criação do Serviço Social da Indústria (SESI), deveu-se aos diagnósticos que
pareciam demonstrar que os empresários precisavam ir mais além da simples oferta de
empregos, salários e qualificação profissional, levando às seguintes conclusões: Era in-
dispensável ganhar a luta ideológica no chão da fábrica, demonstrando a superiorida-
de do capitalismo no dia-a-dia (CNI, n.º 295, 1996, p. 7 apud RODRIGUES, 1998, p. 22).
Essa preocupação dos empresários revela a necessidade de buscarem controlar e
direcionar os operários para a produção. E isso passou a ser feito com a qualificação
profissional e por meio de ações sociais, ofertando novas opções de lazer, educação,
alimentação e assistência médica para o trabalhador e sua família. Com isso, visavam
combater a pobreza e promover a “justiça social” contribuindo, ainda, com a aproxima-
ção e a conciliação das classes sociais.
Por isso, em 1946, por meio do Decreto-Lei 9.043, o SESI foi instituído pelo então
Presidente da República Eurico Gaspar Dutra e entregue à CNI para que esta fizesse valer a
sua criação tomando medidas que contribuíssem para o bem-estar dos trabalhadores da
indústria, para a melhoria do padrão geral de vida no país, para o aperfeiçoamento moral,
cívico e do desenvolvimento do respeito e da boa convivência entre as classes.
Com a criação do SENAI e do SESI as funções das instituições patronais estavam
definidas e aquilo que seria destinado para o trabalhador, também. Ao SENAI caberia
atender os interesses dos empresários qualificando profissionalmente o trabalhador. O
SESI, por sua vez, tinha como objetivo conformar moral e civicamente a força de traba-
lho oferecendo soluções para problemas básicos de existência, tais como: saúde, ali-
mentação, habitação, instrução, trabalho, economia, lazer e convivência social.
72 História da Educação Profissional no Brasil

Na continuidade da trajetória da formação histórica da educação profissional no


Brasil encontra-se a criação, os objetivos e a dimensão da Educação Profissional no Ser-
viço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), órgão responsável pela formação
profissional no setor terciário.
O SENAC foi criado em 10 de janeiro de 1946, através dos Decretos-Lei n.º 8.621 e
8.622, por iniciativa de um grupo de empresários que, inspirados naqueles que fomentaram
a criação do SENAI, reivindicaram junto ao Governo Federal a delegação para organizar,
manter e administrar um organismo nacional de formação profissional para o setor terciário.
Os Centros de Formação Profissional e as Unidades de Formação Profissional execu-
tam as atividades, cujas metas principais são: proporcionar preparo profissional específico
para as diversas funções exigidas pelo setor terciário; promover cursos do nível básico e
técnico da Educação Profissional, organizar atividades de formação profissional para empre-
sários, gerentes, profissionais liberais, autônomos e futuros empreendedores do setor e
colaborar com outras instituições ligadas ao comércio que estejam possibilitando progra-
mas de aperfeiçoamento profissional. Entretanto, instaladas as Unidades Operativas, deno-
minadas Centros de Formação Profissional e Unidades de Formação Profissional, o tipo de
educação desejada e oferecida pelas diversas instituições acompanhará as mudanças ocorri-
das no modo de produção e, portanto, as exigências que o mercado venha a fazer.
O Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial também se fundamentou nas mu-
danças que o modo de produção capitalista sofreu desde a década de 1970, para repensar a
qualificação profissional oferecida aos trabalhadores do setor terciário e adota, em tempos
de flexibilização, a proposta de se voltar para a polivalência e a competência, entendidas
como formas de superação do modelo tecnicista. A formação assume como finalidade capa-
citar indivíduos que tenham condições de disponibilizar durante seu desempenho profissi-
onal os atributos adquiridos na vida social, religiosa e política preparando-os para lidar com
a incerteza, com a flexibilidade e com a rapidez na resolução de problemas.
Assim, o “perfil” de um formando dos cursos de qualificação profissional do SENAC,
deve ser o que aponta para um profissional que:
[...] além do domínio operacional de um determinado fazer e do saber tecnológico, precisa
ter uma compreensão global do processo de trabalho, ser capaz de transitar com desenvoltu-
ra em uma área profissional, atendendo a várias demandas desta área. Nessa perspectiva,
ele não fica restrito a uma qualificação/habilitação vinculada especificamente a um posto de
trabalho (SENAC, 2001).
A formação para o trabalho desenhada pelos referenciais atuais para a educação
profissional do SENAC tem como finalidade “criar” um trabalhador que seja capaz de
dar o máximo de si, reunindo todas as suas experiências de formação religiosa, escolar,
social e política, para o aumento da produtividade da empresa. Entendem que está ex-
tinto aquele tipo de trabalho no qual só se executava operações mecânicas, limitando o
funcionário à escravidão das atividades repetitivas. As novas formas de produção capi-
Inara Barbosa Leão
73

talista não podem mais sobreviver com este modelo de organização de trabalho. Para
tanto, a educação assume novamente a incumbência de (con) formar a mão-de-obra às
exigências do capital.
Pelo exposto, considera-se que a Educação Profissional no Brasil começa a se deli-
near de forma mais complexa a partir da década de 1940, com a criação das duas institui-
ções anteriormente apresentadas. Até o final do ano de 1941, a organização do ensino
industrial no Brasil era bastante diferenciada e confusa, situação que insiste em perma-
necer assim até os dias atuais.
Havia escolas de aprendizes artífices, mantidas pelo Governo Federal e direcionadas
aos alunos pobres. Os Estados também mantinham suas próprias escolas industriais
com normas distintas das do governo federal. Instituições privadas também mantinham
escolas de artífices enfatizando seu papel assistencial. As forças armadas, por sua vez,
tinham suas próprias instituições de ensino de ofícios instalados junto às fábricas de
material bélico e estaleiros.
No intuito de padronizar tamanha diversidade, o Governo Federal por meio do
Ministério da Educação estabeleceu uma comissão para elaborar um projeto de Diretri-
zes do Ensino Industrial para o Brasil. No final de 1941, estava pronto o anteprojeto de
Lei Orgânica do Ensino Industrial que foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4.078, de 30 de
janeiro de 1942. A principal modificação que esta Lei trouxe foi o deslocamento de todo
o ensino profissional para o Grau Médio, que passou a selecionar seus membros, não
mais só pelo item pobreza ou pela condição de desvalido, mas pela realização de vesti-
bulares e testes de aptidão física e mental.
A Lei Orgânica do Ensino Industrial estabelecia que o Ensino Primário destinava-
se a todas as crianças de 7 a 12 anos. O Ensino Médio, para os jovens de 12 anos para
cima e tinha como objetivo formar os cidadãos que, futuramente, iriam comandar a
sociedade. A Exposição de motivos que defendia a aprovação do anteprojeto de reforma
apregoava que
[...] o ensino secundário se destina à preparação das individualidades condutoras, isto é, dos
homens que deverão assumir as responsabilidades maiores dentro da sociedade e da nação,
dos homens portadores das concepções e atitudes espirituais que é preciso infundir nas
massas, que é preciso tornar habituais entre o povo. (CUNHA, 2000, p. 41).
Outra importante novidade que a Lei Orgânica do Ensino Industrial trouxe foi os
cursos técnicos. Também nesta a organização do ensino, em particular o desenvolvido
para a força de trabalho, dava-se pelas necessidades da realidade mercadológica, pois,
segundo Cunha (2000), os fatores que influenciaram a criação dos cursos técnicos, como
os de mecânica, metalurgia, química, eletrotécnica, eletrônica, foram: o aumento da
procura por técnicos industriais devido ao crescimento da produção em determinados
setores da economia; o crescimento da necessidade de racionalização do uso de matéri-
as-primas e recursos energéticos; a substituição do pessoal estrangeiro de alta qualifica-
74 História da Educação Profissional no Brasil

ção, além da sempre imperiosa necessidade de qualificar os docentes para os cursos de


aprendizagem. Quanto aos demais ramos do ensino médio, estes tinham a finalidade
de formar uma força de trabalho específica para os diferentes setores da economia: o
ensino agrícola para o setor primário; o ensino industrial para o setor secundário e o
ensino comercial para o setor terciário.
Essa primeira LDB equiparou o ensino profissional, do ponto de vista da equiva-
lência e da continuidade de estudos em níveis subseqüentes, para todos os efeitos, ao
ensino acadêmico, sepultando, pelo menos do ponto de vista formal, a velha dualidade
entre ensino para ‘elites condutoras do país’ e ensino para ‘desvalidos da sorte’. Todos
os ramos e modalidades de ensino passaram a ser equivalentes. Estimulou uma série de
experimentos educacionais orientados para a formação profissional e para o desenvol-
vimento da força de trabalho. Entre eles o Ginásio Orientado para o Trabalho (GOT) e o
Programa de Expansão e Melhoria do Ensino (PREMEN).
Em fins da década de 1960, o Conselho Federal de Educação ter recomendado uma
revisão da LDB n.º 4.024/61, particularmente no que se referia aos ensinos primário e
médio. Após dois anos de trabalho, depois de passar pelo Congresso Nacional a Lei nº
5.692/71 foi promulgada e, entre outras coisas, previa que suas inovações deveriam ser
implantadas de forma gradativa, uma vez que necessitaria de recursos humanos e mate-
riais para alcançar seus objetivos. Entretanto, foi justamente neste aspecto que a referi-
da lei encontrou dificuldades de sustentação, caindo num fracasso de dimensões e con-
seqüências enormes para o desenvolvimento do ensino nacional.
De fato, a reforma prevista para o ensino de 2º Grau não pôde se realizar plena-
mente porque não levou em conta a realidade objetiva de carência de recursos humanos
e materiais das escolas, especialmente das públicas.

As principais inovações previstas na lei no tocante ao ensino profissional (CU-


NHA, 2000, p. 174) foram: o ensino de 1º grau, de 1ª a 4ª séries, teria seu currículo
composto de disciplinas que abordassem conteúdos generalizantes; de 5ª a 8ª séries, o
números de disciplinas vocacionais, voltadas para a sondagem das aptidões e iniciação
para o trabalho, aumentaria conforme se avançasse nas séries; o ensino de 2º Grau, por
sua vez, seria generalizadamente profissional fazendo com que seus conteúdos prevale-
cessem sobre a educação geral, assim como o objetivo geral da referida lei seria o de
possibilitar a habilitação profissional de cada aluno.

No Parecer n.º 45/72, o Conselho Federal de Educação especificou o conteúdo


profissional do 1º e 2º graus, definindo a iniciação para o trabalho como ‘um conjunto
de atividades que o educando deveria cumprir a fim de leva-lo a um conhecimento dos
diversos campos de trabalho, dos diferentes sistemas de produção e serviços, assim
como a prática inicial na execução de tarefas que envolvam organização, produção,
criatividade e qualidade’.
Inara Barbosa Leão
75

Conforme Cunha (2000, p. 175), o objetivo de (con)formar trabalhadores, inclusi-


ve aqueles que ainda estavam se preparando para o trabalho, ao mercado de trabalho,
está confirmado no Parecer n.º 339/72, quando atribui à iniciação profissional, objetivos,
dos quais citaremos alguns: desenvolver no aluno o interesse pelos assuntos relacionados
com o mercado de trabalho dos setores econômicos, processos de produção, ocupações e
outros aspectos relativos à função desempenhada pelo homem no desenvolvimento econô-
mico do país; desenvolver no aluno o sentimento de orgulho pelo trabalho útil e bem feito
e a preocupação de empregar os momento de lazer em atividades sadias; formar no aluno o
hábito de planejar o trabalho e de realizá-lo de acordo com o planejado e preparar o aluno
para a adequada utilização de equipamentos simples ou execução de serviços e proporcio-
nar-lhe conhecimentos técnicos referentes a materiais e processos de trabalho nas tarefas a
serem executadas na escola e durante a vida profissional futura.
Algumas conseqüências da Lei n.º 5.692/71, não só para a história da educação
profissional, mas para a educação brasileira como num todo, são relacionadas em um
texto do CNE/99 (1999, p. 13-14), que afirma:
[...] a introdução generalizada do ensino profissional no segundo grau se fez sem a preocu-
pação de preservar a carga horária destinada à formação de base; o desmantelamento, em
grande parte, das redes públicas de ensino técnico então existentes, assim como a
descaracterização das redes do ensino secundário e normal mantidas por estados e municí-
pios; a criação de uma falsa imagem da formação profissional como solução para os proble-
mas de emprego, possibilitando a criação de muitos cursos mais por imposição legal e moti-
vação político-eleitoral que por demandas reais da sociedade.
Segundo este mesmo documento federal, a Lei n.º 5.692/71, acabou gerando fal-
sas expectativas relacionadas com a educação profissional ao se difundirem, sem uma
organização devida, habilitações profissionais dentro de um ensino de 2º grau que, efe-
tivamente, não estava e nunca esteve preparado para tarefa de tamanha envergadura.
Tal situação criou a necessidade de se repensar a Lei de Diretrizes e Bases que regia a
educação no Brasil.
Para o CNE/99, a Lei Federal n.º 9.394/96, atual Lei de Diretrizes e Bases da Educa-
ção Nacional, configura o Ensino Médio como sendo a etapa final da Educação Básica e
que deve representar a consolidação dos conhecimentos adquiridos no ensino funda-
mental, possibilitando ao aluno a continuidade dos estudos e uma preparação básica
para o trabalho. Na verdade, se fundamenta no processo continuado do aprendizado, a fim
de que o aluno tenha mais e melhores oportunidades de adaptar-se, com flexibilidade, às
contínuas mudanças políticas, econômicas e tecnológicas presenciadas nos dias de hoje.
Em se tratando da Educação Profissional a Lei n.º 9.394/96 defende em seu primeiro
artigo que a mesma deve estar integrada às diferentes formas de educação, trabalho, ciência
e tecnologia conduzindo permanentemente o cidadão à vida produtiva. Além disso, afirma
que o conhecimento adquirido em cursos de qualificação profissional, poderá ser objeto de
avaliação e certificação para prosseguimento ou conclusão de cursos.
76 História da Educação Profissional no Brasil

Do exposto acima, destaca-se que a educação profissional, é a formação para o


trabalho que historicamente tem sido planejada e executada pelos empresários sem
uma participação mais efetiva do trabalhador, o que ficou evidente com a criação do
SESI, SESI e SENAC. Isto significa que a organização de cursos é feita à revelia dos inte-
ressados; seguindo um programa que o empresariado acredita ser o melhor para o au-
mento de sua própria produtividade. Em outras palavras, tradicionalmente a Educação
Profissional teve o viés da oferta e não da demanda.
Outra observação é com relação a dualidade presente na educação brasileira desde o
Período Colonial e que ainda sobrevive nas formas de organização do ensino nacional: a
Educação Profissional é ainda destinada para a classe trabalhadora. Sua finalidade é prepa-
rar os executores de funções, enquanto que outra parcela da população recebe a educação
que a levará à condução da sociedade, seja esta política, econômica, social ou cultural.
As políticas públicas que nortearam a qualificação profissional no Brasil tiveram
sua continuidade a partir de 1996 com a criação da Secretaria Nacional de Formação e
Desenvolvimento Profissional (SEFOR) no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e
do Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador (PLANFOR).
O PLANFOR foi estruturado em 1995 com base nas Diretrizes Sociais do Governo
Federal e, implementado a partir de 1996. Seu objetivo era atingir, paulatinamente, a
oferta de Educação Profissional permanente conforme a demanda de mercado assim o
exigisse, de modo a qualificar e ou requalificar a cada ano 20% da População Economica-
mente Ativa (PEA) do Brasil.
O PLANFOR pretendeu reconstruir ou redefinir a institucionalidade hegemônica
da educação profissional no Brasil
“por meio da união de todas as forças, capacidades e competências de Educação Profissional
existente no País, auxiliados, evidentemente, por recursos públicos e privados, e que foi anun-
ciado nos seguintes termos: “a agenda da nova institucionalidade da EP pode ser sintetizada na
necessidade de mobilização, articulação, integração e reorientação de toda capacidade instalada
no País, com foco na formação massiva do cidadão produtivo” (MTE/SEFOR, 1999, p. 27).
Entretanto, o PLANFOR não foi concebido como simples programa de treinamento
de massa, mas, como estratégia de inclusão da educação profissional na pauta da política
pública de trabalho e geração de renda. Para tanto apresentou os seguintes objetivos:
O Avanço Conceitual propunha: a superação de concepções e metodologias de
educação profissional que não estivessem em consonância com a demanda do setor
produtivo; com os interesses dos trabalhadores, empresariado, comunidade e com a
finalidade de elevar a produtividade e a qualidade do trabalho, estendendo a possibili-
dade do trabalhador em empregar-se e se manter empregado, além de melhorar as con-
dições de vida da população.
Assim, a primeira tarefa era transformar a ideologia predominante nos planeja-
Inara Barbosa Leão
77

mentos, na sistematização, na metodologia e na operacionalização da qualificação pro-


fissional então existente. A intenção era incentivar uma educação profissional que se
preocupasse com a demanda de mercado e com as características de cada população
alvo, incluindo aqui a participação de empresários e comunidade de trabalhadores, uma
educação profissional como direito do cidadão e que não substituísse o Ensino Básico;
que estivesse presente em diferentes ações (palestras, seminários, vídeos, etc.) e não só
em cursos específicos e, finalmente, uma educação profissional que atendesse à diversi-
dade social, econômica e regional da PEA, dando preferência àqueles tidos como mais
“vulneráveis” econômica e socialmente, ou seja, os pobres e os marginalizados.
Em outras palavras, o Avanço Conceitual dizia respeito a uma mudança de postu-
ra frente ao conhecimento da dinâmica de reestruturação produtiva do País e seus im-
pactos sobre o trabalho e a qualificação. Tratava-se de assumir a nova natureza do traba-
lho que estaria deixando de possuir características de fragmentação para se tornar cole-
tivo, polivalente e multifuncional. Privilegia a qualificação e a requalificação contínuas,
superando a mentalidade anterior, cuja predominância era a do treinamento em senti-
do estrito. Nesta nova concepção a qualificação deixa de ser entendida como estoque de
conhecimento para estar sujeita a um aprendizado contínuo, além de apresentar uma
nova relação entre educação básica e formação profissional, em que uma completa a
outra, superando a postura anterior, em que a segunda substitui a primeira.
O segundo objetivo do PLANFOR era a Articulação Institucional, relativa às parce-
rias. Entendia que eram necessárias boa vontade e participação de todos para sensibili-
zar, catalisar e unir as forças em torno desta grande tarefa. Portanto, a estratégia foi
envolver entidades públicas e privadas; nacionais e internacionais; governamentais,
não governamentais; religiosas, filantrópicas etc., para que assumissem o papel dos
chamados “executores” do processo de formação. São novos atores, garantindo nas suas
atuações, um enfoque mais amplo da educação profissional, antes incipiente no país.
O terceiro objetivo do PLANFOR, trata do Apoio à Sociedade Civil. O desafio era
ampliar a oferta de formação, particularmente para aqueles grupos que tradicionalmen-
te têm menor chance de acesso a ações de qualificação e requalificação profissional. A
Resolução n.º 194/98 do CODEFAT distinguiu quatro grupos de população-alvo que de-
veriam receber maior atenção e a maior parte da verba federal para programas de quali-
ficação profissional. Segundo o documento do MTE/SEFOR (1999), esta escolha se justi-
ficava pela trajetória destas categorias, sua situação atual, suas dificuldades e chances
diante da concorrência acirrada por uma vaga no mercado de trabalho.
São eles: trabalhadores desocupados: os beneficiários do seguro-desemprego e
candidatos ao primeiro emprego, tanto no campo como na cidade; pequenos e micro-
produtores urbanos e rurais, particularmente aqueles que são beneficiados por financi-
amentos bancário; trabalhadores sob risco de desocupação, aqueles “ameaçados” pelo
rápido avanço tecnológico, pelas mudanças da política econômica que ocorrem de gover-
78 História da Educação Profissional no Brasil

no para governo, pela privatização de empresas estatais, etc. e os trabalhadores autôno-


mos, cooperados, autogestionados (mercado formal e informal), este grupo está especi-
almente ameaçado pela sazonalidade que pode comprometer o fluxo de trabalho e, por-
tanto, de renda das famílias que dependem destes trabalhos temporários.
Este novo enfoque dado pelo PLANFOR à educação profissional pretendia supe-
rar as distorções que marcaram e ainda marcam a oferta tradicional de qualificação da
mão-de-obra no Brasil: quebrando a hegemonia na organização e oferecimento de cur-
sos por parte de instituições patronais, o que por si só constituiria um grande avanço no
termos de possibilidade, criatividade e alteridade; mostrar a possibilidade de se pensar
uma educação profissional a partir da necessidade e da demanda local e que os cursos
não fossem oferecidos a partir da oferta, isto é, daquilo que determinada instituição
tem pronto no seu estoque ou na “prateleira”. Isso significaria mais participação e voz
ativa da comunidade e dos trabalhadores. Outra distorção que deveria ser superada é a
do viés assistencialista que propõe uma qualificação imediata com a responsabilidade
de resolução dos problemas sociais e do próprio interessado, o que não passaria de uma
grandiosa e perigosa ilusão porque influenciaria o trabalhador inclusive a abandonar a
continuidade de seus estudos de graduação, por exemplo.
Diante do que foi apresentado anteriormente, temos que o PLANFOR se consti-
tuiu em uma ação do Governo Federal, que visou transformar as concepções de forma-
ção de mão-de-obra até então existentes no Brasil, adaptando-as aos novos desafios im-
postos às forças produtivas do país pelas novas tecnologias e pelas novas formas de
reorganização do trabalho.
Em sintonia com a nova organização do Capitalismo, que tem como uma de suas
características o modelo de administração conhecido como ohnismo/toyotismo, a for-
mação almejada pelas diretrizes do PLANFOR gera, portanto, a necessidade de organizar
e estimular a flexibilidade das ações, pois o trabalhador muda de indivíduo executante
de tarefas/operações estanques para trabalhador capaz de operar em equipes. Portanto,
este programa de educação profissional, responde, obviamente, às novas exigências fei-
tas pelo capital.
Os trabalhadores, nos mais diversos setores, se vêem obrigados a ampliar seu
campo de conhecimento e seu âmbito de ação. Sua qualificação deveria deixar de focar
gestos, ações e movimentos, para traduzir-se cada vez mais na capacidade de julgamen-
to, decisão e intervenção nas mais diversas situações, particularmente diante do novo e
do imprevisto. Este novo perfil exigido valoriza, portanto, o trabalhador “competente”,
“polivalente”, capaz de aprender a aprender, em detrimento do “operário-padrão”, que
apenas executa bem suas tarefas com horário e local pré-determinados. Por isso, a edu-
cação profissional preconizada na política do MTE/SEFOR é parte de um projeto maior
em que se pretende investir na educação como um todo, fazendo com que a mesma
responda aos novos requisitos que emergem do processo de inovação tecnológica e
Inara Barbosa Leão
79

organizacional e às novas exigências do atual modo de produção capitalista, transfor-


mando-se, desta forma, numa ferramenta para melhorar a qualidade e a competitividade
no setor produtivo, além de elevar a produtividade do trabalho.
Sendo assim, o PLANFOR passou a definir a Educação Profissional, não mais como
uma ação que se limitasse a qualificar para um simples domínio de habilidades motoras,
mas que, efetivamente, ultrapassasse esta concepção e incluísse uma formação com ampla
e sólida base tecnológica. Incrementou a idéia que não basta mais ao trabalhador saber
executar a tarefa, mas precisa conhecer os componentes que a envolvem, ter iniciativa,
desenvolver espírito de equipe, o que significa trabalhar mais, saindo mais tarde do serviço
auxiliando os demais na execução de seu trabalho, e acima de tudo, saber aprender.
Por isso, o PLANFOR (1999, p. 41), apresenta as Habilidades Básicas, Específicas e
de Gestão como conteúdos das ações de Educação Profissional a serem desenvolvidas.
As Habilidades Básicas compreendiam a capacidade de comunicar-se verbalmente e por
escrito, a leitura e compreensão de textos, entre outras, consideradas vitais para o mer-
cado de trabalho e a construção da cidadania. As Habilidades Específicas voltavam-se
para as competências e conhecimentos relativos aos processos, métodos e técnicas e
outros conteúdos específicos das ocupações e as Habilidades de Gestão seriam os co-
nhecimentos relativos às atividades de gestão e autogestão no processo produtivo. Isso
pretende a melhoria na produtividade de micro e pequenos estabelecimentos, nas tare-
fas desenvolvidas pelo trabalhador autônomo ou do próprio trabalhador individual.
Como mostramos no artigo: Uma nota da psicologia sobre a educação profissional
proposta no PLANFOR/BR (2001), publicado na revista Intermeio do Mestrado em Edu-
cação da UFMS, uma questão grave que envolve a educação é justamente o conceito que
se tem dela e ao destacar as habilidades como conteúdos das ações da educação profissi-
onal, o governo federal corrobora uma concepção de educação que dá ao capital o enfoque
principal na tarefa de definir políticas para a formação da força de trabalho. Nesta con-
cepção de educação, não está considerada a possibilidade de uma educação que influen-
cie todos os aspectos da vida e que se constitua em instrumento para o exercício políti-
co. Ao contrário, o PLANFOR, quando privilegia as habilidades, demonstra que os traba-
lhadores são submetidos a treinamentos que os tornam capazes de agir com destreza,
flexibilidade e competência diante dos desafios e problemas que possam ter pela frente
no exercícios de suas tarefas. Isto significa que
[...] não se tem indagado, nem zelado para que estas aprendizagens sejam ministradas e apreen-
didas como forma de interferência na estrutura sócio-política e econômica e, nem na estrutura
psico-física de cada indivíduo. Desta forma, vem se conformando – no sentido de formar de
alguma maneira já sabida e portanto intencional – formas de agir, pensar e mediar a relação
com o mundo pouco produtivas e incompatíveis com o desejável (LEÃO, 2001, p. 47).
A proposta de desenvolver apenas habilidades no trabalhador carece de funda-
mento porque, as mesmas perderam sua preponderância na ação humana a partir do
80 História da Educação Profissional no Brasil

momento em que os homens construíram funções psíquicos superiores, desenvolvidas


a partir das necessidades dos grupos sociais organizados pela atividade e pelo trabalho
criativo. (Leão 2001).
No movimento histórico da formação profissional no Brasil, destaca-se a ruptura
que se instalou entre a educação formal e a qualificação para o trabalho a qual fez com
que a educação do trabalhador fosse pensada e colocada em prática pelas instituições
patronais, o que significa que o trabalhador não participou da escolha de seus próprios
interesses, tanto em nível profissional quanto em se tratando direitos sociais.
Diante destes fatos históricos, nossa posição é que a concepção de educação que
melhor corresponde às necessidades do trabalhador não pode se erguer e se fundar em
conceitos que nos remetem ao adestramento do trabalhador e ao máximo de limitação
da criatividade do homem, reduzindo ao mínimo a sua capacidade de agir por si mesmo.
Antes disso, a ação da formação profissional deve possibilitar aos trabalhadores a opor-
tunidade de ampliar as possibilidades de sua consciência, entendidas aqui como o con-
junto de estruturas de operações que permite a ele entender e analisar o mundo que o
rodeia resolvendo problemas que se lhe apresentam.
Em 2003 é apresentado o Plano Plurianual (PPA) 2004-2007, tido como uma peça-
chave do planejamento social e econômico do Governo Federal. Sua intenção é inaugu-
rar um modelo de desenvolvimento de longo prazo, para além de 2007, destinado a
promover profundas transformações estruturais na sociedade brasileira.
Nesse Plano, considera-se que os problemas fundamentais a serem enfrentados
são a concentração de renda e riqueza, a exclusão social, a baixa criação de empregos e
as barreiras para a transformação dos ganhos de produtividade em aumento de rendi-
mentos da grande maioria das famílias trabalhadoras.
Desse modo, o Plano Plurianual visa nortear e integrar todas as demais políticas,
estabelecendo para o período, três grandes objetivos: a) inclusão social e redução das
desigualdades sociais; b) crescimento com geração de trabalho, emprego e renda
(ambientalmente sustentável e redutor das desigualdades regionais); e c) promoção e
expansão da cidadania e fortalecimento da democracia.
A partir daí, a Política Pública de Qualificação (PNQ), em consonância com o PPA,
reorientou sua política, instituindo o Plano Nacional de Qualificação (PNQ), que se fun-
damenta em seis dimensões principais, apresentadas em sua Introdução: “política, éti-
ca, conceitual, institucional, pedagógica e operacional”. Essa política se afirma como um
fator de inclusão social, desenvolvimento econômico com geração de trabalho e distri-
buição de renda, compreendendo a qualificação como uma construção social.
Desse modo, a qualificação passa a ser tratada como “Qualificação Social e Profis-
sional”, capaz de permitir a inserção e a atuação cidadã no mundo do trabalho, com
efetivo impacto para a vida e o trabalho das pessoas.
Inara Barbosa Leão
81

A condição da Política Pública de Qualificação, como política social, ganha maior


centralidade, pois a maior relevância passa a ser a participação e o controle social, de
modo que a qualificação profissional seja um direito e um bem de acesso universal.
Em 2003 (Resolução n. 333, de 10 de julho, do CODEFAT), foi instituído o Plano
Nacional de Qualificação (PNQ) no âmbito do Programa do Seguro-Desemprego, para as
ações de qualificação social e profissional (QSP), como aquelas que permitem a inserção
e a atuação cidadã no mundo do trabalho, promovendo a integração das políticas públi-
cas e as articulações das ações vinculadas ao emprego, ao trabalho, à renda e à educação,
devendo, gradativamente, promover o direito dos trabalhadores à qualificação.
O Plano Nacional de Qualificação (PNQ) é operacionalizado de forma nacionalmente
articulada, sob diretrizes e procedimentos institucionais comuns. Conduzido de forma des-
centralizada, por meio de dois mecanismos distintos e complementares: os Planos Territoriais
de Qualificação (PlanTeQs) e os Projetos Especiais de Qualificação (ProEsQs).
Os Planos Territoriais de Qualificação (PlanTeQs) contemplam projetos e ações de
qualificação social e profissional circunscritos a um território, com aprovação e homolo-
gação obrigatórias da Comissão/Conselho Estadual de Trabalho/Emprego ou das Comis-
sões/Conselhos Municipais de Trabalho/Emprego referentes ao território.
Em Mato Grosso do Sul, o Plano Territorial de Qualificação - 2003 (PlanTeQ/MS-2003)
teve os mesmos objetivos adotados no Plano Nacional, contemplando ações com vistas à
formação integral dos trabalhadores, ao aumento da probabilidade de obtenção de trabalho
e emprego, à elevação da escolaridade dos trabalhadores, à inclusão social e ao combate à
discriminação, ao aumento da probabilidade de permanência no trabalho, à elevação da
produtividade e ao fortalecimento do Sistema Nacional de Formação Profissional.
O PPA 2004-2007 pretende configurar-se como instrumento para colocar em no-
vas bases a Política Pública de Qualificação do País, por sua condição de política social,
com maior centralidade, no planejamento e na integração das diferentes ações governa-
mentais. Dessa forma, visa estabelecer novas potencialidades com a adoção de uma
perspectiva de desenvolvimento de caráter sustentável, centrada em objetivos sociais,
voltadas para a geração de trabalho, para a distribuição de renda e para a diminuição das
disparidades regionais.
O empoderamento dos espaços públicos ganha realce na gestão participativa e
controle social, por meio do fortalecimento do sistema CODEFAT, com destaque para as
comissões estaduais e municipais de emprego. Ao lado de tal desafio, adquire maior
ênfase a integração da Política de Qualificação com as demais Políticas Públicas de Tra-
balho, Emprego e Renda e com aquelas dos campos da educação e do desenvolvimento
sustentável. Expressa-se, sobretudo, por meio dos espaços de gestão multipartite, com
destaque a forma de elaborar e consolidar a integração com as demais Políticas de Traba-
lho e Renda, visando à construção de um Sistema Público de Trabalho, Emprego e Ren-
82 História da Educação Profissional no Brasil

da, à consolidação de uma rede nacional de educação profissional permanente (consti-


tuída por entidades públicas e privadas), para atuar na qualificação da PEA, como uma
política conduzida em bases participativas, realizada de maneira descentralizada e arti-
culada sob um prisma efetivamente público.
Nesta nova concepção da Política Pública de Qualificação Profissional para o país
são enfatizadas: a ampliação da participação da sociedade na construção dos Planos
Estaduais e dos arranjos institucionais; o desenvolvimento econômico e social, a gera-
ção de trabalho e renda como objetos de planejamento público.
Pretende influir e reorienta o modelo de desenvolvimento do País, centrando-o na
estratégia de crescimento pela expansão do mercado de consumo de massa e na incorpora-
ção progressiva das famílias trabalhadoras ao mercado consumidor das empresas moder-
nas, apontando para uma nova política de desenvolvimento regional, privilegiando o de-
senvolvimento solidário entre as diversas regiões do País, promovendo a adoção de critérios
sócio-ambientais para as políticas Públicas, conduzindo o País a uma nova inserção interna-
cional por meio da adoção de uma nova postura diplomática, do fortalecimento da
competitividade exportadora e de uma estratégia de substituição de importações e apostan-
do na educação e formação dos trabalhadores e nas atividades nacionais de inovação.
Com estas intenções quer participar do fortalecimento da democracia e da sobera-
nia nacional. Por isso, seus objetivos são: Inclusão social e redução das desigualdades
sociais; crescimento com geração de trabalho, emprego e renda, ambientalmente sus-
tentável e redutor das desigualdades regionais e promoção e expansão da cidadania e
fortalecimento da democracia.
As suas dimensões fundamentais são explicitadas nos seguintes termos:
1) no âmbito Político – torna-se central a compreensão da qualificação profissional como
direito, como Política Pública, como espaço de negociação coletiva e como um elemento
constitutivo de uma política de desenvolvimento sustentável;
2) a dimensão Ética – sob o propósito de garantir transparência no uso e gestão dos recursos
públicos, ganha evidência por meio de procedimentos tais como: incorporação das reco-
mendações da Secretaria Federal de Controle – SFC, Corregedoria Geral da União – CGU e do
Tribunal de Contas da União; regularização do quadriênio 199-2002 (adimplência) e adoção
de mecanismos permanentes de monitoramento dos contratos; uniformização dos contra-
tos e convênios; disponibilização de informações atualizadas via Internet; aplicação de pro-
cedimentos de redução de custos intermediários (passagens, diárias, etc.); garantia da auto-
nomia do sistema de avaliação frente à gestão e à realização dos planos; garantia de um
sistema de monitoramento, em tempo real e de modo eficiente;
3) no campo Conceitual – adquire prevalência noções como: educação integral; formas soli-
dárias de participação social e gestão pública; empoderamento dos atores sociais (na pers-
pectiva de sua consolidação como cidadãos como cidadãos plenos); qualificação social e profis-
sional; território (como base de articulação do desenvolvimento local); efetividade social; quali-
Inara Barbosa Leão
83

dade pedagógica; reconhecimento dos saberes socialmente produzidos pelos trabalhadores;


4) na dimensão Pedagógica – busca-se garantir aumento da carga horária média; a uniformi-
zação da nomenclatura dos cursos; articulação prioritária com a educação básica (ensino
fundamental, ensino médio e educação de jovens e adultos); exigência para as instituições
que vierem a ser contratadas para a realização dos Planos Territoriais e Projetos Especiais, de
formulação e implementação de projetos pedagógicos; garantia de investimentos na forma-
ção de gestores e formadores; constituição de laboratórios para a discussão de referenciais
nos campos metodológico, das Políticas Públicas de Qualificação e da certificação; investi-
mento na sistematização de experiências e conhecimentos; desenvolvimento de sistemas
certificação e orientação profissional e o apoio à realização do censo da educação profissio-
nal pelo Instituto Nacional de Estudos e pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP/MEC;
5) quanto à dimensão Institucional, passam a ser estratégicas a integração das Políticas Pú-
blicas de Emprego, Trabalho e Renda entre si e destas em relação às Políticas Públicas de
Educação e Desenvolvimento, dentre outras; o papel do Conselho Deliberativo do fundo de
Amparo ao Trabalhador – CODEFAT e das Comissões Estaduais e Municipais de Trabalho
para garantir uma efetiva participação e controle social; a participação do municípios, uma
vez que antes, estavam excluídos do acesso aos recursos da qualificação, passam a ser agen-
tes do processo, vinculado ao desenvolvimento local. Assim, ganha maior importância tam-
bém: o papel das Delegacias Regionais de Trabalho – DRTs como representações do MTE nos
estados; a articulação institucional das Políticas Públicas de Qualificação no plano interacional
(prioritariamente, no âmbito do MERCOSUL e África) e a nova Resolução do CODEFAT (nº
333) que institucionaliza estas novas concepções.
6) no que se refere à dimensão Operacional, propõe-se a garantir: o planejamento como
ponto de partida e de chegada na elaboração dos planos e projetos; um sistema integrado de
planejamento, monitoramento, avaliação e acompanhamento de egressos dos PNQs em to-
dos os seus níveis de realização; a reestruturação do SIGAE e SOP; mecanismos de efetividade
continuidade; adoção de critérios objetivos de distribuição dos recursos do FAT entre os
Planos Territoriais e Especiais; estabelecimento de um calendário plurianual, sem
reprogramação. Bem como a diminuir a quantidade do número de parcelas de desembolso
de recursos; instrumentos de análise das prestações de contas.
Vale destacar que uma das bases desta Política Pública de Qualificação Profissio-
nal é a introdução da idéia da Qualificação como Construção Social. Pretende-se assim
que a Política Pública de Qualificação se firme como um fator de inclusão social, de
desenvolvimento econômico, com geração de trabalho e distribuição de renda. Esta con-
cepção deve se contrapor àquelas que se fundamentam na aquisição de conhecimentos
como processos estritamente individuais e como uma derivação das exigências dos pos-
tos de trabalho, contemplando as dimensões: Epistemológica, na qual o trabalho é en-
tendido como fonte de construção de conhecimento (técnico e sócial); Social e Política,
que considera os processos e mecanismos que marcam as relações conflituosas e res-
pondem pela produção e apropriação dos conhecimentos e Pedagógica, que se volta para
os processos de construção, transmissão e acesso ao conhecimento, por procedimentos
formais e informais. Perde o caráter educativo exclusivamente técnico.
84 História da Educação Profissional no Brasil

Também a abordagem da Qualificação como Direito e como Política Pública é introduzida


neste momento e atende às discussões da OIT, que entende a Qualificação como: Direi-
to e condição para a garantia do trabalho decente e a Qualificação Profissional e Social
como devendo permitir a inserção e atuação cidadã no mundo do trabalho, com efetivo
impacto para a vida e o trabalho das pessoas.
Daqui deriva que as Políticas Públicas de Qualificação devem promover integração
das Políticas, articular as ações de qualificação social e profissional e articular as ações
de QSP com outras políticas e ações vinculadas ao emprego, trabalho, Renda e à Educa-
ção Básica com Formação Profissional. O que permitiria o ajuste às Diretrizes das políti-
cas Nacional, Regional, Estadual, mesorregional e local de desenvolvimento.
No que se refere às atividades Político-pedagógicas, orienta que devem estar base-
ados em Metodologias Inovadoras, que contemplem o pensamento emancipatório de
inclusão, os trabalhos como princípio educativo, o direito ao trabalho como valor
estruturante da cidadania e a qualificação como política de inclusão social e suporte
indispensável do desenvolvimento sustentável.
Outros elementos orientativos são os objetivos pretendidos pelo CODEFAT. Des-
tes destacamos: a Formação Integral; o aumento da probabilidade de obtenção de em-
prego e trabalho/participação em processos de geração de oportunidades de trabalho e
renda – perspectiva de reduzir desemprego e subemprego; a elevação da escolaridade –
política pública EJA; a inclusão social, redução da pobreza; o aumento da probabilidade
de permanência no mercado de trabalho; a elevação da produtividade, melhoria dos servi-
ços prestados, aumento da competitividade e das possibilidades de elevação do salário ou
da renda e a contribuição para articulação e consolidação do Sistema Nacional de Formação
profissional com o sistema Público de Emprego e Sistema Nacional de Educação.
Destacamos os pontos acima para reafirmarmos alguns pontos da análise já apre-
sentada anteriormente1, quando destacamos que as novas Diretrizes ora adotadas pelo
Plano Nacional de Qualificação são necessárias e relevantes. Entretanto, a aferição dos
graus de suas efetividades mostra-se como de difícil consecução, uma vez que, além de
um processo consistente de acompanhamento dos egressos das ações de qualificação,
exige que se estabeleçam parâmetros para o entendimento do que seja “a relevância dos
benefícios econômicos, sociais e culturais efetivamente trazidos pelas Políticas Públicas
de Qualificação para os/as educandos/as”.
Como exemplo das dificuldades a serem enfrentadas tem-se a Diretriz de
Efetividade Social e Política, na qual se “pressupõe” que, para além dos critérios da
eficiência (basicamente reportado ao grau de cumprimento de metas) e da Eficácia (rela-

1
Relatório de Avaliação dos Planos Territoriais de Qualificação de Mato Grosso Do Sul -
PLANTEQs – 2003, Campo Grande,UNITRABALHO/UFMS março de 2004.
Inara Barbosa Leão
85

cionado ao grau de cumprimento de metas financeiras), deve-se dar relevância aos be-
nefícios econômicos, sociais e culturais efetivamente trazidos pelas Políticas Públicas
de Qualificação para os/as educandos/as.
Devido ao baixíssimo nível das condições econômicas e sócioculturais da maioria da
população brasileira, qualquer ação que a atinja pode parecer efetiva. Entretanto, alguns
critérios gerais, como os apresentados a seguir, podem se mostrar auxiliares valiosos.
a) Ao tomar-se como parâmetros os pressupostos que vêm sendo enunciados como
basilares para o PNQ, ou seja, a preparação de trabalhadores para manterem-se no mer-
cado de trabalho nas condições geradas pelo ordenamento pautado no chamado modelo
econômico Globalizado, principalmente, no que tange a novas formas de organização da
produção, que estariam sob o predomínio da robotização, da informatização, dos equi-
pamentos computadorizados e da organização dos trabalhadores por equipes
multifuncionais, bem como das formas de gerenciamento sob as exigências de metas de
produção por equipe, da diminuição dos níveis de hierarquia intermediária de
gerenciamento, controle e o aprofundamento da divisão do trabalho em apenas dois
níveis: concepção e execução; tendo em vista o barateamento da produção e a conse-
qüente ampliação das possibilidades de concorrência no âmbito internacional; coloca-
nos diante de algumas interrogações.
A principal explicitação necessária é referente ao tipo de inserção que se propõe
para o Brasil nas relações econômicas internacionais. As análises dos especialistas têm
apontado que ao País estaria reservada a parte do processo produtivo que demanda
mão-de-obra abundante e barata, para a função de execução manufaturada, ficando o
“trabalho intelectual” de concepção e planejamento reservado para os países centrais
do capitalismo. Acatadas tais análises como verdadeiras, teríamos uma necessidade de
qualificação que não apresentaria exigências para além da concatenação entre infra-
estrutura de produção instalada ou em vias de se instalar e preparação geral de parte
dos trabalhadores para disputar as vagas existentes ou previstas.
Nessas circunstâncias, o parâmetro para a avaliação dos PlanTeQs deveria ser o
Plano de Desenvolvimento Local. Isso porque a vigência do ideário de um Estado Míni-
mo, que privilegia a iniciativa privada sem coordenação de uma macropolítica de desen-
volvimento nacional, remete à busca de maiores facilidades de expansão do capital ofe-
recidas pelos governos locais (incentivos ficais, oferta de infra-estrutura, etc.), como um
dos poucos indicadores existentes, para a previsão quantitativa e qualitativa de deman-
da por mão-de-obra.
b) A relevância dos benefícios sociais efetivamente trazidos pelas Políticas Públi-
cas de Qualificação para os educandos, parece-nos que está sendo indicada, principal-
mente, pela ênfase no conceito de cidadania. E esse conceito tem sido marcado pelo seu
aspecto de garantia de direitos. Nesse sentido, a qualificação social e profissional tal
como orientada nos termos da Resolução nº 333/2003, do CODEFAT, e das Diretrizes do
86 História da Educação Profissional no Brasil

PNQ dela emanadas, indicam os conteúdos e a carga horária mínima a serem observa-
dos na organização das ações de qualificação para desenvolvimento das Habilidades como
expressões do que qualificaria para tal.
Porém, no embate das forças dentro da nossa sociedade, a possibilidade de cons-
trução da consciência social e o exercício dos direitos se concretiza pela hegemonização
de uma classe social, que garante direitos por apropriar-se política e institucionalmente
de aparelhos de estado e instrumentaliza-los para a consecução de seus interesses.
Essa realidade, explicitada pelas enormes disparidades sociais do País, não pode
ser solucionada no âmbito dos Planos de Qualificação Profissional. Ela exige o entendi-
mento da cidadania como exercício de poder político. Esse exercício tem sido preparado
por uma escolarização formal que, no caso do Brasil, vem sendo oferecida às classes
hegemônicas por cerca de dezoito anos de escolarização. Para os trabalhadores, essa
possibilidade se mostra, como objeto a ser conquistado, e a qualificação social e profis-
sional, nos moldes ora anunciados, só pode contribuir para tal, se voltada para a eleva-
ção das exigências mínimas de preparação escolar formal e, nunca, como incentivadora
do fornecimento de informações pontuais. Essas informações seriam eficazes, se os
seus destinatários já apresentassem constituídas as funções intelectuais, um conjunto
de conhecimentos e um repertório de comportamentos, a partir dos quais pudessem
elaborar análises e deduções elucidativas da realidade; além de terem espaços
sociopolíticos, onde o exercício da defesa de seus interesses fosse capaz de gerar altera-
ções estruturais que garantissem o atendimento das suas necessidades. Na ausência de
tais condições, a prática desmente a teoria.
c) A relevância dos benefícios culturais efetivamente trazidos pelas Políticas Públicas
de Qualificação, para os educandos, está na dependência direta de aspectos anteriores.

O parâmetro de benefícios culturais, para a população brasileira, é o modelo


prevalente na classe média, calcado no consumo de produtos da industria cultural com
padrões de sofisticação internacional. O que é gerado pelas classes populares, cujos
integrantes são a clientela dos PlanTeQs, é considerado como inferior por não atender
as aspirações impostas pelo próprio processo de globalização da produção e do consu-
mo. A recuperação e a valorização da cultura autóctone se mostram difíceis por não
mais permitir o atendimento das necessidades das populações pobres.

Assim sendo, os benefícios culturais a serem perseguidos, durante a Qualificação


Social e Profissional, no âmbito do PNQ deveriam ser referenciados a um padrão míni-
mo de qualidade de vida desejada, o que não tem sido claramente definido pelas Políti-
cas Públicas de Educação, Cultura ou mesmo de Trabalho, Emprego e Renda. A cultura,
que sustenta as representações sociais e as práticas que elas demandam, deriva-se ne-
cessariamente da base material onde se desenrola a vida e, no caso do Brasil, essa base
tem-se mostrado desfavorável à maioria da população.
Inara Barbosa Leão
87

Entendemos que a educação deve propor novas representações para organizar


novas práticas, que se pretende que sejam mais efetivas e eficazes e, no caso da Educa-
ção Profissional, esse processo exige referências que indiquem uma perspectiva de exer-
cício profissional e configure projetos individuais consistentes com a realidade social,
que não lhes é favorável.
Nessas condições, as ações de qualificação profissional precisam ser avaliadas
também pelas suas capacidades de orientar, de se mostrarem como os indicadores da
concretização dessas Diretrizes do PNQ para os PlanTeQs. Para tanto, propomos que tais
ações deverão ser discutidas e consideradas nos seguintes termos:
a) Verificarmos se as ações consolidam o PNQ como uma política permanente e apta
a lidar com as transformações intensas e contínuas que vêm marcando a dinâmica do mun-
do do trabalho, seja para inovações técnicas e gerenciais, seja para a diversificação das for-
mas de trabalho – trataremos dessa verificação pela articulação demonstrada entre o Plano
de Desenvolvimento Local e as ações eleitas para serem oferecidas aos trabalhadores. A
articulação considerará as negociações efetivadas no interior das CMEs e da CEE.
b) Verificarmos se as ações propiciam o empoderamento, como sujeitos individu-
ais e coletivos, dos públicos envolvidos, seja como trabalhadores assalariados, seja como
trabalhadores autônomos, assim como cooperados.
Deveríamos iniciar as análises pela crítica ao termo “empoderamento”, uma vez
que se trata de uma adaptação da expressão inglesa “empowerment”, que significa auto-
rização; deriva-se do verbo “empower”, que designa o ato de autorizar, dar poderes ou
procuração ou ainda capacitar, permitir, habilitar. Sempre no sentido de conceder. Con-
forme nos alerta Moraes (2003, p. 512) essa expressão foi introduzida, nos textos e
discursos dos organismos internacionais, ligados aos movimentos sociais, principalmente
ao de mulheres, como
[...] um neologismo para designar a orientação política de tornar a mulher (assim como
outros segmentos sociais) sujeitos de seus atos. Tornar-se mais poderosa para enfrentar as
descriminações. E mais consciente do próprio valor.
Entretanto, a constituição dessa consciência não se dá pela informação ou pela
prática discursiva. Ela exige a ação e o enfrentamento social, os quais, ao desvelar as
contradições e os impedimentos reais para o atendimento das suas necessidades, levam
aqueles que buscam alcançar soluções para suas problemáticas a entenderem os limites
impostos pelo ordenamento social e os mobilizam para ações políticas reivindicatórias,
em geral, exigindo organização social e/ou institucionalização.
Essa forma de enfrentamento social não se dá pela outorga de poder, mas sempre
pela conquista. Não há a possibilidade de que o poder seja oriundo de uma autorização,
mas sempre é uma conquista alcançada pelo enfrentamento que obriga, politicamente,
o reconhecimento da legitimidade da representação do outro.
88 História da Educação Profissional no Brasil

Portanto, não podemos buscar que, nas ações de qualificação profissional, o trata-
mento desse tema o contemple com efetividade, uma vez que teríamos o Estado explicitando
a sua própria condição de detentor do poder em detrimento daqueles a quem deveria repre-
sentar. Não deveria “empoderar”, mas sim atuar conforme as exigências daqueles que ape-
nas lhe ‘outorgaram’ o poder, por serem eles próprios a origem do poder social.
Empoderar, na situação de desemprego, significaria o quê? Devolver à população
a decisão sobre uma política governamental que promova as condições de existência de
emprego, ou reconhecer que o poder próprio da população, que sustenta um sistema
democrático, lhes foi suprimido e não é utilizado para os seus próprios interesses.
c) Analisarmos se a garantia de participação e controle social na elaboração, con-
dução e avaliação da Política Pública de Qualificação se efetiva por meio do fortaleci-
mento do papel do CODEFAT e das CEEs e CMEs. No que tange ao CODEFAT, parece-nos
que a sua participação e o seu controle na elaboração, na condução e na avaliação da
Política Pública de Qualificação já está garantida, até porque é a instância máxima para a
discussão e a resolução do que diz respeito às diretrizes gerais e aos recursos para
financiadores dessa Política Pública.
Diferente é a situação das Comissões Estaduais e Municipais de Emprego que,
assim como as demais Comissões e Conselhos criados a partir da Constituição de 1988,
como elementos de democratização da elaboração e consecução das políticas públicas naci-
onais, vêm carregando suas dificuldades desde então. No caso específico das Comissões de
Emprego, que são tripartites, de maneira geral apresentam como principais limitações: a
diferença de domínio teórico, político e operacional dos seus vários membros.
Esses aspectos que permeiam as suas ações são de conhecimento dos represen-
tantes do Governo que, em geral, hegemonizam a Comissão. A bancada dos empregado-
res, além de ter seus representantes com boa formação educacional e profissional, apre-
senta seus interesses como coincidentes com os do Estado, por ser o segmento capaz de
oferecer o objeto-fim da política (emprego), assim, têm poder de determinação. A banca-
da dos trabalhadores, que deveria ser o segmento determinante, por representar aque-
les a quem a Política Pública se destina, tem sua atuação prejudicada pela parca formação
política, desconhecimento do vocabulário e das rotinas do serviço público e que, devido à
mesma política que incita agora a qualificação profissional, sofreu a perda do seu poder
político e de pressão devido às ações de desmobilização e de destruição dos sindicatos. As
outras condições que enfraquecem a representação dos trabalhadores são a sua baixa
escolarização, o que impede a análise das condições das políticas e a dedução das suas
causas e conseqüências, bem comoo fato de terem vínculos empregatícios que os subordi-
nam aos seus próprios empregadores, limitando os seus espectros de atuação e decisão.

d) Quanto ao fomento à introdução de claúsulas relacionadas com a qualificação


profissional, nas pautas das negociações coletivas, estabelecidas entre entidades em-
Inara Barbosa Leão
89

presariais e sindicais, tendo como horizonte a construção de processos mais amplos de


contratação coletiva; dadas as condições acima consideradas, principalmente no que
tange aos trabalhadores e às suas diferentes condições de organização, o enfraqueci-
mento dos sindicatos e a própria dificuldade de se conseguir e manter empregos, essa
proposição se torna viável para poucas categorias e em poucas regiões do País.
Sobre a garantia de procedimentos eticamente recomendáveis quanto ao uso dos
recursos públicos, por todos os segmentos envolvidos na execução do PNQ em seus
diversos níveis, acreditamos que a avaliação dos PlanTeQs e de seus projetos pode ser
um dos elementos que participem desse aspecto, mas de maneira menos efetiva e efi-
caz que os organismos institucionalmente incumbidos de tal fiscalização e verificação.

Bibliografia

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90 História da Educação Profissional no Brasil

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91

Introdução à Macroeconomia

Cícero Antônio de Oliveira Tredezzini


Doutor em Geografia pela Unesp, São Paulo.
Professor do Departamento de Economia e
Administração/ CCHS da Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul.

N
o alvorecer do século XXI, fala-se muito da nova economia, tecnologia da infor-
mação, em ajuste externo e interno, em globalização dos mercados etc. Assisti-
mos às evidências do impacto destas mudanças no nosso dia-a-dia as vezes sem
nos preocuparmos muito com suas conseqüências. Mas, quais são exatamente os efei-
tos dessas mudanças? Como afetam os padrões de vida e a taxa de crescimento da eco-
nomia? Como as mudanças na economia atingem o emprego e o desemprego, os preços
e o equilíbrio do balanço de pagamentos? Por que razão as rendas são atualmente mais
elevadas do que em 1970 e por que, em 1970, eram mais altas do que tinham sido em
1930? Por que razão alguns países têm inflação alta enquanto outros têm preços está-
veis? Quais as causas da recessão e da depressão e como as políticas públicas podem
evitá-las?
Segundo Stiglitz e Walsh (2003), a melhor forma de entender as repostas a essas
perguntas é recorrer às ferramentas da economia. De acordo com esses autores, “as
percepções básicas que gerações de economistas auferiram com o estudo da economia
continuam sendo fundamentais para o entendimento da economia da informação glo-
bal de nossos dias” (Stiglitz e Walsh 2003, p. 3). Portanto, se desejamos compreender
essas mudanças, os impactos das mesmas no dia das pessoas e dos países, precisamos
fazer uso de conceitos econômicos, buscando compreender em última instância o fun-
damento das leis econômicas. Diante disso, esse curso vai tratar de algumas leis econô-
micas e de como elas podem ser utilizadas para entender o mundo real.
O principal objetivo da teoria econômica é estudar como são determinados os
preços e as quantidades dos bens produzidos e dos fatores de produção existentes na
economia. A economia, atualmente, está dividida em duas partes, ou dois ramos princi-
pais: microeconomia e macroeconomia. O foco central do curso vai ser a macroeconomia.
Mas, o que é a macroeconomia?
Enquanto a microeconomia procura analisar o processo de determinação de pre-
92 Introdução à Macroeconomia

ços e quantidades preservando em seu estudo as características individuais de cada bem


e de cada fator de produção, a macroeconomia é o estudo da economia como um todo. A
macroeconomia lida com a economia agregada, não o estudo dos níveis de emprego e
dos preços num ramo de atividades especifico, mas o estudo do emprego e do desem-
prego totais e do nível de preços de toda a economia. Os macroeconomistas são cientis-
tas que procuram explicar o funcionamento da economia como um todo. Reúnem dados
sobre renda, preços, desemprego e outras variáveis em diferentes épocas e diferentes
paises. Procuram, então, elaborar teorias gerais que ajudem a explicar esses dados.
Segundo Mankiw (1998, p. 4),
“a macroeconomia é, sem duvida, uma ciência jovem e imperfeita. O economista tem tanta
capacidade de prever os acontecimentos futuros quanto o meteorologista para prever o tem-
po no mês que vem. Mas você vai ver que hoje já sabemos uma grande quantidade de coisas
a respeito do funcionamento da economia. Não estudamos macroeconomia apenas para
explicar os fatos econômicos; também queremos aperfeiçoar a política econômica”.
A macroeconomia procura trabalhar a economia como se ela fosse constituída por
cinco mercados: mercado de bens e serviços, o mercado de trabalho, o mercado monetá-
rio, o mercado financeiro e o mercado cambial.
O mercado de bens e serviços procura fazer uma agregação de todos os bens pro-
duzidos pela economia durante certo período. A partir desta agregação definiremos o
produto agregado, produto interno bruto e produto nacional. A medida do valor da ativi-
dade econômica é o produto interno bruto (produto nacional) Esse produto representa
a agregação de todos os bens produzidos pela economia em um determinado tempo.
Fica claro , então, que o PIB ou PNB é uma medida de desempenho econômico. O preço
desse produto, uma média de todos os preços produzidos, é o chamado nível geral de
preços, portanto, um indicador de inflação, assim como o deflator do PIB que mede o
preço da unidade típica de produto em comparação com seu preço no ano base.
O mercado de trabalho também representa uma agregação de todos os tipos de
trabalhos existentes na economia. Nesse mercado, determinamos a força de trabalho, a
taxa salarial e o nível de emprego, taxa de desemprego, taxa de participação da força de
trabalho. O desemprego é o problema macroeconômico que afeta os indivíduos de for-
ma mais dura e direta. Para a maioria, a perda de um emprego significa redução do
padrão de vida. Assim, não é nada surpreendente que o desemprego apareça corriquei-
ramente como um tópico freqüente do debate político. Segundo Mankiw (1998), muitos
políticos estão tentando usar o chamado índice de miséria (soma das taxas de inflação
e de desemprego) para medir a saúde da economia e o sucesso ou insucesso das políti-
cas econômicas. Portanto, os economistas estudam o desemprego para identificar suas
causas e ajudar a melhorar as políticas públicas que afetam os desempregados.
O mercado monetário (financeiro) procura analisar o comportamento da moeda.
A moeda tem um papel fundamental em todas as economias modernas. É parte do
Cícero Antônio de Oliveira Tredezzini
93

nosso dia-a-dia, e o seu uso é de tal forma generalizado que seria impossível imaginar
um sistema econômico sem moeda. A moeda é um artefato social desenvolvido para
facilitar as trocas no mercado entre agentes individuais. Para entender o papel e as
funções que cumpre a moeda é necessário estudar a natureza e a forma dos mercados
nos quais a moeda é usada. No mercado monetário são determinadas as taxas de juros e
a quantidade de moeda necessária para efetuar as transações econômicas.
As economias modernas são economias abertas. Estão ativamente envolvidas no
comércio internacional e relacionadas com os mercados financeiros mundiais. Diante
disso, percebe-se que um país realiza uma série de transações com o resto do mundo,
envolvendo mercadorias, serviços e transações financeiras. Para melhor compreender e
estudar essas relações, onde os preços dos diferentes países devem ser comparados, e a
moeda de um país deve ser convertida nas moedas dos outros, torna-se fundamental
conhecer o mercado cambial. A taxa de câmbio entre dois países é o preço pelo qual se
efetivam tais transações. É o preço relativo das moedas de dois países.
Portanto, podem-se resumir os objetivos da análise macroeconômica como sen-
do o de estudar como se determinam as seguintes variáveis agregadas: nível de produto
(PIB, PNB), nível geral de preços (IGP, IPC, IPCA etc), taxa de salários, nível de emprego,
taxa de desemprego, taxa natural de desemprego, desemprego sazonal, desemprego
friccional, desemprego estrutural e desemprego cíclico. Papel das expectativas nos des-
locamentos da curva de ajuste da inflação no curto prazo. Taxa de juros, quantidade de
moeda, preço e quantidade de títulos, e taxa de câmbio.
Assim, o objetivo deste curso vai ser o de mostrar sucintamente as principais
variáveis macroeconômicas, discutindo suas relações e suas implicações na formu-
lação das políticas econômicas. Como elas são calculadas e disponibilizadas pelos
institutos de pesquisa, órgãos governamentais e órgãos representativos de classe. É
preciso entender inicialmente que o objetivo do estudo de Economia é formular
propostas para resolver ou minimizar os problemas econômicos, de forma a melho-
rar a qualidade de vida das pessoas.

Em linhas gerais podem-se resumir os objetivos de política econômica em três


grandes linhas: crescimento da produção e do emprego, controle da inflação e equilíbrio
nas contas externas e melhor distribuição da renda gerada no país. Outros objetivos
poderiam ser incluídos, como redução da poluição, liberdade econômica, regulação etc.No
entanto, estes são objetivos menos explícitos em termos de economia brasileira, ou que
podem ser incluídos no conjunto dos anteriores.

Uma das questões centrais em economia, muitas vezes desconsideradas pelos


críticos ou análises menos aprofundadas, refere-se à existência de conflitos entre os
objetivos perseguidos pela autoridade governamental através do uso da política econô-
mica. É preciso ter clareza de que os objetivos de política econômica não são indepen-
94 Introdução à Macroeconomia

dentes, sendo, no mais das vezes conflitantes. Afinal, a economia é uma ciência social.
A disciplina “Indicadores de trabalho e emprego” vai procurar dar ao alu-
no elementos teóricos para melhor entender os desdobramentos das políticas
econômicas (salarial, fiscal, monetária e cambial), através do acompanhamento
dos seus principais indicadores*. A experiência da economia brasileira através
do acompanhamento da conjuntura econômica mostrará por outro lado aos dis-
centes, o campo prático e real destes indicadores e suas implicações no proces-
so de desenvolvimento do país, por extensão às suas vidas.

Bibliografia
LUQUE. C.A e SCHOR, S.M. Teoria macroeconômica: evolução e situação atual. In: LOPES
e VASCONCELOS. Manual de macroeconomia. São Paulo: 2000.
MANKIW, N. G. Macroeconomia. Rio de Janeiro; LTC, 1998.
STIGLITZ, J. E & WALSH, C.E. Introdução à macroeconomia. Rio de Janeiro: Campus,
2003.

*
Por outro lado, a experiência da economia brasileira, através do acompanhamento da conjuntura
econômica, mostrará aos discentes o campo prático...
95

Comunicação é Obrigação Social

David Trigueiro dos Santos


Mestre em Comunicação Social pelo IMS, São Bernardo
do Campo. Técnico de nível Superior e professor
voluntário do Departamento de Jornalismo/CCHS da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

N
as aulas sobre comunicação social e mesmo em conversas com pessoas em geral
quase sempre surgem as perguntas: “A comunicação é algo inerente ao Ser Hu-
mano? O Estado tem obrigação de informar o cidadão sobre suas ações constitu-
cionais?” Este artigo objetiva responder essas duas importantes questões.
Uma das características mais humanas é a comunicação. No entanto, nem sempre
ela é bem utilizada nas relações entre as pessoas. Com o surgimento das cidades e das
inovações tecnológicas, principalmente nas áreas de informação e telecomunicações, o
processo de comunicação social vem ganhando a cada dia mais impulso e eficiência.
Os adventos do rádio, da televisão, do cinema, da imprensa escrita e da Internet
ratificam a tendência de se desenvolver mais e melhores condições do Ser Humano, em
se comunicar coletivamente.
Contraditoriamente, essa mesma tecnologia que facilita a comunicação social tam-
bém estimula a individualidade, o isolamento, o ficar só. Veja que o telefone celular, o
computador e a própria Internet, o vídeo game, o vídeo cassete, o DVD Rom entre outras
traquitanas caminham nessa direção.
Essa contradição é sentida pelas pessoas em geral, que a manifestam em compor-
tamentos “extravagantes” e até exóticos. Porque, conforme já demonstrado pela ciência
e pela história, a Humanidade é gregária, quer dizer, tende a viver coletivamente para
poder cumprir o seu designo neste mundo, na busca de tornar este um lugar digno de se
viver. As organizações em geral, principalmente as públicas, nem sempre se pautam por
esse entendimento, no que se refere à comunicação. Isto tem causado imensos proble-
mas para as pessoas.
Vale lembrar que todo agente público, em qualquer lugar do mundo, deve satisfa-
96 Comunicação é Obrigação Social

ção às pessoas, à população em geral. Aqueles que costumamos chamar de contribuin-


tes são os mesmos que pagam, custeiam toda essa estrutura que os agentes públicos
fazem funcionar.
O contribuinte é a razão e o principal “cliente” das organizações públicas. Sendo
assim, ele tem direito e deseja ser bem atendido e informado sobre os serviços que ele
inclusive já pagou antecipadamente, via impostos e tarifas arrecadadas compulsoriamente.
Portanto, um dos principais deveres do agente público é o de informar, da melhor
maneira possível, ao cidadão em geral, sobre o que, como, onde e quando os serviços
que lhe são devidos serão executados. O cidadão é o patrão.
Assim, a busca de desenvolvimento das habilidades de comunicação precisa ser
uma meta permanente para todo agente, em especial aqueles que lidam diretamente
com a população. Nas constituições de todos os países, sob regime democrático, há
referências claras e diretas sobre o direito à informação e à comunicação do cidadão em
relação aos atos do Estado.
Na Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), promulgada em 1988
também existem referências claras e diretas sobre o direito do cidadão brasileiro à
informação e à comunicação dos atos dos seus agentes públicos. Já no seu Preâmbu-
lo, a CRFB diz:
“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte
para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais
e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a
justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos,
fundada na harmonia social e comprometida, na ordem internacional, com a solução pacífi-
ca das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”.
Ora, se os princípios e valores nela explicitados pugnam pela busca da solução
pacífica das controvérsias e à busca da harmonia social, logicamente está falando da
adoção de uma política de comunicação social, que essencialmente tem também essa
missão inalienável.

Ainda na CRFB, no Capítulo “Dos Princípios Fundamentais”, nos seus Artigos 3º e


4º, respectivamente nos incisos I e VI e VII, volta a ratificar essa vocação pacifista, via
comunicação social - “I - construir uma sociedade livre, justa e solidária”; VI - defesa da
paz; VII - solução pacífica dos conflitos.”

No tópico acerca “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, no Artigo 5º,


inciso XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte,
quando necessário ao exercício profissional; não deixa qualquer dúvida sobre o assun-
to, do ponto de vista legal.
David Trigueiro dos Santos
97

E mais, no tópico que rege a Administração Pública, sua Seção I, nas Disposições
Gerais, do Artigo 37 há um reforço sobre as obrigações do Poder Público nesses
assuntos.
Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legali-
dade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte:
Ainda neste tópico da CRFB há a redação do Parágrafo 1º que ratifica o entendimento sobre
o assunto:
§ 1º A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos
deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar
nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servi-
dores públicos.
Em face ao ora exposto, fica evidenciado e comprovado que a comunicação social
é um dever e uma vocação do Estado democrático brasileiro. Tanto do ponto de vista
essencial (natureza humana), quanto de natureza legal (constitucional). E que os seus
agentes devem se pautar por esse princípio e premissa básicos em todas as suas ações e
comportamentos, no exercício de suas funções profissionais.

Bibliografia
Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <https://
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98
99

O Controle Social no Sistema


Tripartite de Gestão

Eduardo Ramirez Meza


Acadêmico do Curso de Ciências Sociais da UFMS,
Campo Grande. Assessor de Projetos do Departamento
de Comunicação Social – Jornalismo/CCHS da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

O
objetivo do presente texto é compartilhar com os leitores algumas reflexões
acerca do processo de institucionalização dos conselhos de políticas públicas,
de maneira geral, e, mais especificamente, a partilha de decisões e responsabi-
lidades entre sociedade civil e governo, circunscritas ao âmbito dos conselhos de políti-
cas públicas da área de emprego e renda na forma do sistema tripartite de gestão.
As considerações aqui apresentadas são produto de algumas indagações que, se-
não evidentes para todos, certamente poderá ser motivo de um olhar mais atento a
partir das coerentes afirmações e insinuações possibilitadas pela leitura dos textos e
pelas discussões havidas durante as aulas do Curso de Gestão Social de Políticas Públi-
cas de Trabalho e Renda, através dos quais já deveremos ter visto, até agora, entre outros
assuntos: condições e ideais políticos que originaram o surgimento do aparelho de Esta-
do no contexto da democracia; a democracia representativa se firmando em detrimento
da democracia direta; processo histórico de construção dos direitos humanos e sociais e
forma como se fazem inscrever em políticas sociais públicas; potencialidades e, tam-
bém, fragilidades do controle social de políticas públicas; globalização e desigualdade
social; papel da comunicação no mercado do trabalho mundializado; economia do tra-
balho e desenvolvimento social; Políticas Públicas de Trabalho e Renda – PPTR e, dentro
desta, política de qualificação profissional.

Os conselhos de políticas sociais públicas


Segundo Ricci (19—), a estrutura burocrática estatal foi um elemento distintivo
da constituição dos movimentos sociais do século XX. Como interface da estrutura
burocrática, os movimentos sociais deste século acabaram por movimentar-se na estei-
ra das políticas estatais ou na busca de interlocução com as agências estatais burocratizadas.
100 O Controle Social no Sistema Tripartite de Gestão

No bojo da redemocratização do país, o processo político desenvolvido a partir de


1984 conduziu à institucionalização de uma série de mecanismos e canais de interlocução
entre sociedade civil e Estado. Uma nova safra de secretários procurou implementar
novas práticas governamentais, tendo como mote a descentralização dos serviços atra-
vés da aproximação e da organização de grupos de interesse.
É neste contexto que surgiram os conselhos setoriais, atualmente generalizados e
com implementação compulsória a partir do governo federal, como veremos mais adi-
ante. Importa reter, agora, ter prevalecido a concepção de conselho enquanto mecanis-
mo que visa garantir a participação, a democratização e a transparência, consti-
tuindo-se em canal “legítimo” para a administração de conflitos e de relação
entre Estado e sociedade civil.
Os conselhos de políticas sociais são, pois, fruto de iniciativas bastante recentes
da sociedade e do governo, sobretudo a partir de legislações que regulamentaram e
implementaram alguns dispositivos constitucionais. Para Draibe (1998), estes tipos de
conselho “institucionalizam, na etapa de consolidação da democracia, os novos meca-
nismos de expressão, representação e participação de interesses forjados pelos movi-
mentos sociais desde a primeira hora da democratização”. Assim, constatamos que a
criação de conselhos setoriais vem como reconhecimento de uma promessa de par-
ticipação da população comum nas discussões e decisões sobre questões que afe-
tem a coletividade.
Enquanto produto da correlação de forças entre movimento sociais e governo, os
conselhos de políticas públicas, embora não fosse novo, inaugurou na história recente
uma tentativa de resgate dos princípios de democracia direta, em contraposição à demo-
cracia participativa. Dois aspectos desse arranjo precisam ser discutidos: a setorialização,
enquanto forma reconhecida pelo governo de intermediação de interesses sociais, e a
“imposição” federal de sua institucionalização, nos âmbitos estadual e municipal.
Por estarem sendo constituídos em torno de discussões que circundam pontos
específicos dos interesses de sociedade, a participação popular nestes conselhos vê-se
diante de um palco de debates no interior dos quais, ao menos em princípio, não há
espaço para a inclusão de assuntos que fujam da temática a que eles imediatamente se
vinculam. São as chamadas “caixinhas”, constituídas a partir do espelhamento com a
estrutura burocratizada do Estado.
Por outro lado, a estruturação de conselhos nos âmbitos estadual e municipal
tornou-se compulsória, na medida em que a burocracia estatal se apropria dessa con-
quista social. Coloca-se, então, a necessidade de os conselhos setoriais serem
institucionalizados como condição preliminar para o acesso a parcelas específicas dos
recursos federais. Sem conselho não tem merenda, não tem Fundef, não tem bolsa-
escola, não tem recursos do FAT e assim por diante. Por conta desta situação, para aten-
der a uma exigência burocrática, imposta de cima para baixo, alguns conselhos podem
Eduardo Ramirez Meza
101

estar sendo criados sem que haja nenhuma discussão de iniciativa da comunidade ou
sem que a mesma tenha a preparação para assumir, de fato, novas atribuições e compe-
tências no conselho.
Levada a uma consideração extrema, poderia ser elaborada a seguinte expressão:
“Conselho? Invente o seu, é apenas questão de cumprir a uma formalidade mesmo”. Se
esta expressão fizer parte do conteúdo escamoteado por trás dos princípios participativos
e de controle social, que o discurso oficial intenta defender, os conselheiros podem
estar sendo escolhidos sem os critérios adequados, como por exemplo entre amigos ou
partidários do chefe do executivo ou da pasta correspondente (setorial). Tal proposição,
se verdadeira, desencastelaria os conselhos setoriais da posição de novos canais de par-
ticipação popular e de espaços que possibilitam a democracia participativa. Sua existên-
cia estaria sob o controle de quem deveria estar sendo vigiado.
Exemplo concreto de certo grau de subordinação dos conselheiros ao represen-
tante do executivo pode ser extraído das falas de dois conselheiros municipais de saúde
de Campo Grande-MS, contidas em entrevistas realizadas em 2002 (Meza et al.):
[No] nosso regimento [a presidência] é aberta a qualquer conselheiro. A Secretária Munici-
pal de Saúde foi eleita presidente do conselho pela participação profissional, pelo desempe-
nho dela na Secretaria de Saúde Pública. Então eu acredito que (...) todos foram unânimes
nela por capacidade mesmo (....) Não tinha outra candidatura, foi por aclamação. (conselhei-
ro 1)
Foi quase que unanimidade. [a presidente do conselho] é a Dra. Beatriz, a Secretária. Mas
isso foi porque a gente quis, na época (...). Eu, quando estava no primeiro mandato, dois
anos eu fiquei voando igual ‘barata tonta’. Então você precisa de um certo tempo maior pra
você ter mais conhecimento (...). Na época eu achava que não, que tinha que ser ela, mas
agora eu já tenho meu pensamento que, se eu fosse reconduzida novamente, eu ia me
candidatar a presidente, eu não ia deixar mais.” (conselheiro 2)
Não obstante, apesar da previsão legal de controle social, poucos cidadãos têm se
interessado em participar dos conselhos. Mesmo sendo um processo de cima para bai-
xo, a criação dos conselhos municipais pode despertar a sociedade civil para a necessi-
dade de se organizar? Esta é uma possibilidade e, como tal, precisa ser exercitada perma-
nentemente (dada a natural rotatividade dos conselheiros) e, assim, constatada na prá-
tica. A participação da sociedade civil nos conselhos, em muitos casos, pode ter sido
provocada externamente. Até por isso, sua atuação às vezes se restringe aos limites de
extensão da burocracia estatal, o que nos permite considerar a necessidade de avançar
na qualidade política da participação, aí incluídas as marcas propostas por Demo (1996:44-
58): representatividade, legitimidade, participação da base e planejamento participativo
auto-sustentado. Fora desses horizontes, para o autor, a participação ou aproxima-se da
farsa ou é incompetente.
No trabalho realizado no município de Campo Grande-MS (Meza et al., 2002, op.
cit.), ao serem questionados quanto à participação da sociedade civil no processo de
102 O Controle Social no Sistema Tripartite de Gestão

institucionalização do conselho, encontramos entre as respostas oferecidas pelos con-


selheiros municiais de saúde as seguintes:
“Ele foi criado de cima pra baixo, por determinação legal. Inclusive os primeiros conselhos
que fizeram, nós costumávamos chamar de biônicos. Porque era indicado pelo prefeito, pela
câmara de vereadores. (...) Aí quando a sociedade civil queria participar, e viu que havia
indicação, aí começou a estudar as leis, verificando qual que era realmente o objetivo da
criação de conselhos, e viu então que estava errado o nosso. (...) Então o fórum foi imediata-
mente reconhecido pelas autoridades, alterou-se as leis, mudou, trocou-se os conselheiros.
Aí começou, daí pra cá, começou a funcionar corretamente como manda a lei. Isto na capital.
O interior nós vivemos problemas até hoje com conselhos biônicos.” (conselheiro 1)
“(...) O que eu sei, houve uma necessidade de se criar os conselhos, até porque o poder
público me parece que não estava conseguindo administrar este gigante que é o Brasil, que
é a grande população e entendeu que era necessário chamar a sociedade civil, e foi quando
foi atendido (...)”. (conselheiro 3)
“O conselho, na verdade, é (...) uma luta por cidadania mesmo, que foi uma luta nacional, aí
se conseguiu as leis, a lei que cria a saúde pública. (...) Antes da Constituição Federal tinha
aquele antigo INPS. (...) Quem tinha carteirinha era um incluído na saúde, e quem não era,
quem não tinha, era indigente. (...) E com a reforma, criou-se, foi uma luta muito grande, a
nível de Brasil, e aí conseguiram, através da Lei 8.080, a reforma da saúde, o Sistema Único
de Saúde, que é o SUS.”. (conselheiro 2)
Verifica-se, na resposta do conselheiro 1 (representante do segmento dos usuári-
os) que houve, de fato, um processo percebido como externo e superior (“de cima para
baixo”). Mas a sociedade civil, ao se deparar com as incongruências na forma de sua
representação no conselho, buscou informações, se auto-organizou e exigiu a modifica-
ção daquela situação. Já o conselheiro 3, representante do segmento dos usuários, citou
a participação da sociedade civil, embora entenda que esta estaria, através do conselho,
atendendo a um chamado do governo. Uma outra conselheira coloca o conselho como
resultante das lutas sociais, ainda que estas estivessem sendo articuladas no âmbito
nacional, não mencionando, portanto, a articulação da sociedade no âmbito municipal.

Constata-se, diante do processo de institucionalização do Conselho Municipal de


Saúde de Campo Grande, que o fator determinante para sua criação foi a lei federal, e é
de se presumir que em outros conselhos a situação tenha sido muito similar. Esta
assertiva nos remete ao questionamento da origem do poder de participar e, mais a
fundo, a própria liberdade para este exercício. Afinal, participar e exercer plenamente a
liberdade é realmente um direito inato das pessoas, dos cidadãos, ou seria um direito
que cabe ao governo controlar e que, por pressão da sociedade, acaba concedendo à
população? A pergunta, de tão óbvia, parece exigir, ela própria, a resposta em favor da
primeira proposição. A tal interrogação sugere-se acrescentar um pensamento formula-
do por Demo (1996: p. 18) para instigar o debate:
Eduardo Ramirez Meza
103

A desigualdade funda não só a necessidade institucional de preservar os privilégios, mas


igualmente a inevitabilidade da resistência e do desejo de mudança, do ponto de vista do
desigual. Assim, no princípio está a opressão. A redução da desigualdade não cai do céu por
descuido, mas será conquistada historicamente, não como produto definitivo, mas proces-
sual. Por isso, participação só pode ser conquistada. Aquela doada é presente de grego,
porque vem do privilegiado, não do desigual. A redução da desigualdade que o desigual quer
só pode ser aquela que ele mesmo constrói. E aí está a sua competência. (grifos nossos).
Lembrando as Políticas Públicas de Trabalho e Renda
Antes de falarmos do sistema tripartite de gestão, cabe fazer um breve resgate da
história recente das Políticas Públicas de Trabalho e Renda – PPTR no Brasil. A garantia
de assistência ao desempregado foi prevista desde a Constituição Federal de 1946, sen-
do regulamentada, tardiamente, apenas em 1965. Na regulamentação daquela lei, o fun-
do, que deveria dar o lastro financeiro e, portanto, as condições concretas de realização
do direito do trabalhador, foi constituído apenas pela contribuição sindical – obrigatória
– dos trabalhadores.
Na Constituição de 1967 a garantia de assistência ao desempregado foi mantida,
porém a regulamentação deste direito viu-se sem garantias de sua efetividade. O Progra-
ma do Seguro Desemprego ganhou novas regras em 1970 e em 1986, mas os recursos
continuaram a se constituir no “gargalo” do programa, devido à insuficiência do fundo
para o seu custeio.
Esta impossibilidade material de efetivação do direito só vai ser resolvida a partir
da Constituição Federal de 1988, com a indicação expressa da destinação de recursos do
PIS/PASEP, e com a constituição do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT pela Lei n°
7.998, de 11 de janeiro de 1990. A referida Lei regula o Programa do Seguro-Desemprego
e o abono de que trata a Constituição Federal nos artigos 7º (inciso II), 201 (inciso IV),
além de criar o mecanismo de controle social do fundo, o Conselho Deliberativo do
Fundo de Amparo ao Trabalhador – CODEFAT.
Na condução da PPTR, além do Programa do Seguro Desemprego, há outros ele-
mentos como por exemplo o dever do Estado de desenvolver políticas públicas de gera-
ção de empregos e organização do Sistema Nacional de Emprego – SINE, além de alavancar
o desenvolvimento do parque industrial brasileiro – visando gerar novos empregos. São
congregados, assim, políticas promotoras de emprego com políticas de compensação
para o caso de desemprego involuntário.
As PPTRs podem ser classificadas de várias formas. Conforme conceituação pro-
posta por Azeredo (1998), a questão do trabalho comporta duas vertentes:
- Programática: congregam as medidas de fomento ao trabalho, à educação, à qua-
lificação e proteção ao trabalhador. É o conjunto dos programas e atividades deste
grupo que formam o Sistema Público de Emprego.
104 O Controle Social no Sistema Tripartite de Gestão

Normativa: compreende as políticas de relações de trabalho, incluindo a moderni-


zação de instituições que regem relações do capital-trabalho. O conjunto de ações,
medidas, leis, entidades e programas relacionados com a questão das relações e
condições de trabalho compõem o Sistema de Relações de Trabalho.
Essas duas frentes de intervenção, por sua vez, desdobram-se em políticas cha-
madas de ativas e passivas:
Ativas: As que geram trabalho e melhoram a empregabilidade do trabalhador. Tem
um papel a cumprir em termos de socialização e integração dos excluídos do mer-
cado do trabalho, de preservação da qualificação da força de trabalho desocupada,
de geração de atividades à margem do setor moderno da economia, mas capazes de
garantir a sobrevivência de indivíduos e comunidades. São exemplos: financia-
mento de programas de desenvolvimento econômico; programas de investimento
(Proger e Programas de Crédito Produtivo Popular); qualificação profissional (PNQ);
flexibilização da legislação (maior facilidade de contratação).
Passivas: As que protegem o trabalhador desempregado, atenuando os impactos
negativos do desemprego. Forma atualmente a base das políticas públicas de em-
prego. A trajetória deve ser no sentido de produzir melhorias nas políticas públi-
cas, permitindo adequação dos seus benefícios à nova situação de desemprego
estrutural. São exemplos: Seguro-desemprego; Abono Salarial; Intermediação de
mão-de-obra (Agências de intermediação, SINE, Postos); Informação sobre merca-
do de trabalho.

O Tripartismo
Não há uma definição precisa nem uma elaboração teórica desenvolvida sobre o
tripartismo, apesar de se empregar habitualmente na literatura jurídica, social e nos
próprios documentos de diversos organismos internacionais, entre eles e fundamental-
mente a Organização Internacional do Trabalho – OIT.
A OIT, criada pelo Tratado de Paz assinado em Versalhes em 1919, é a Agência
mais antiga do Sistema das Nações Unidas. Considerando – como ficou consignado na
Constituição da Organização – que “só se pode fundar uma paz universal e duradoura
com base na justiça social”, a OIT foi estabelecida com o objetivo de definir e promover
políticas sociais, em nível internacional, numa fase marcada pela revolução industrial.
Desde a origem, a OIT integrou representantes dos governos, das organizações
sindicais e das organizações patronais. A participação de representantes dos emprega-
dores e dos trabalhadores, colaborando em pé de igualdade com os representantes dos
governos, tendo em vista a procura de consensos para promover o bem comum –
tripartismo ou cooperação tripartida – constitui um traço distintivo da OIT em relação
às demais Organizações das Nações Unidas.
Eduardo Ramirez Meza
105

Em 1944, a Conferência Internacional do Trabalho – a assembléia-geral da Organi-


zação – reunida em Filadélfia, nos Estados-Unidos, aprovou uma declaração relativa aos
fins e objetivos da OIT, conhecida pela Declaração de Filadélfia. Numa época do pós-
guerra e da reconstrução, a Declaração reafirma os princípios orientadores da OIT, nos
quais se deveria inspirar a política dos países membros. Esses princípios são os seguin-
tes: 1) o trabalho não é uma mercadoria; 2) a liberdade de expressão e de associação é
uma condição indispensável para um progresso constante; 3) a pobreza, onde quer que
exista, constitui um perigo para a prosperidade de todos, e 4) todos os seres humanos,
qualquer que seja a sua raça, a sua crença ou o seu sexo, têm direito de efetuar o seu
progresso material e o seu desenvolvimento espiritual em liberdade e com dignidade,
com segurança econômica e com oportunidades iguais.
Tendo em conta estes princípios, a OIT definiu quatro objetivos estratégicos que
orientam atualmente a sua ação: 1) Promover e aplicar os princípios e direitos funda-
mentais no trabalho; 2) Desenvolver as oportunidades para que os homens e as
mulheres tenham um emprego digno; 3) Alargar a proteção social, e 4) Reforçar o
tripartismo e o diálogo social.
Alguns autores situam o tripartismo na convergência de duas grandes correntes
contemporâneas: de um lado, a tendência à maior participação de todos os elementos
da sociedade no processo de desenvolvimento; de outro lado, na aspiração de indivídu-
os e grupos sociais a interferir efetivamente na elaboração e aplicação das decisões que
lhes afetam. Compreende-se o tripartismo como uma tentativa de participação, em pé
de igualdade, dos representantes de trabalhadores e empregadores nas discussões e
decisões que lhes afetam na esfera pública, consoante ao disposto no parágrafo primei-
ro do artigo 4 da Convenção 88 da OIT, de 1948:
Medidas apropriadas devem ser tomadas por meio das comissões consultivas, no sentido
de assegurar a cooperação de representantes dos empregadores e dos trabalhadores e na
organização e no funcionamento do serviço de emprego, assim como no desenvolvimento
da política do serviço ao emprego. (grifos nossos).
Corroborando o fato de o Brasil ser signatário desta Convenção, sua recomenda-
ção foi incorporada no texto constitucional de 1988:
Art. 10 – É assegurada a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos
órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de
discussão e deliberação.
O CODEFAT, instituído a partir da Lei n° 7.998/90, é um órgão colegiado de natu-
reza deliberativa, composto de forma tripartite e paritária por representantes de entida-
des nacionais de trabalhadores, empregadores e poder público, em atendimento à reco-
mendação da OIT e da previsão constitucional. Participam do CODEFAT:
- Bancada de trabalhadores: Central Geral de Trabalhadores (CGT), Força Sindical
(FS), Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Social Democracia Sindical (SDS).
106 O Controle Social no Sistema Tripartite de Gestão

- Bancada de empregadores: Confederação Nacional da Indústria (CNI), Confedera-


ção Nacional do Comércio (CNC), Confederação Nacional das Indústrias Financei-
ras (CNF) e Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
- Bancada do poder público: Ministério do Trabalho (MTE), Ministério da Previ-
dência Social (MPS), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
Na esfera estadual atua a Comissão Estadual de Emprego – CEE, órgão colegiado
de caráter permanente e deliberativo, composto de forma tripartite e paritária por re-
presentantes de entidades estaduais de trabalhadores, empregadores e poder público.
Participam da CEE:
- Bancada de trabalhadores: Central Única dos Trabalhadores (CUT/MS), Central
Geral de Trabalhadores (CGT/MS), Federação dos Trabalhadores na Agricultura
(FETAGRI/MS), Federação dos Trabalhadores nas Indústrias (FTI/MS) e Federação
dos Trabalhadores no Comércio (FETRACOM/MS).
- Bancada de empregadores: Federação da Agricultura do Estado de Mato Grosso do
Sul (FAMASUL), Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso do Sul (FIEMS),
Federação do Comércio do Estado de Mato Grosso do Sul (FECOMÉRCIO/MS), Sin-
dicato das Agências de Propaganda de Mato Grosso do Sul (SINDAPRO/MS) e Sindi-
cato das Empresas de Transporte de Passageiros no Estado de Mato Grosso do Sul.
- Bancada do poder público: Delegacia Regional do Trabalho (DRT), Secretaria de
Estado de Produção e Turismo (SEPROTUR), Secretaria de Estado de Educação (SED),
Fundação do Trabalho e Economia Solidária (FUNTRAB) e Secretaria de Estado de
Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEMA).
Na esfera municipal, a Comissão Municipal de Emprego – CME tem igualmente
caráter permanente e deliberativo, e composição tripartite e paritária de representantes
de entidades municipais de trabalhadores (sindicados ou cooperativas), empregadores
(associações comerciais, industriais e agrícolas, clubes de lojistas, sindicados patronais)
e poder público (órgãos do executivo municipal, sendo um representante do governo
estadual). Para que as Comissões Estadual e Municipais sejam reconhecidas e homolo-
gadas pelo CODEFAT, sua criação, composição e estrutura devem obedecer ao disposto
na Resolução 80/94-CODEFAT (e suas alterações – ver anexo).

O órgão colegiado pode ser instituído diretamente por decreto do executivo, que
é o meio mais rápido, e receber a denominação de Comissão. Neste caso, contudo, há
que se considerar a sua fragilidade, já que a revogação, anulação ou alteração de um
decreto, em princípio, pode ser realizada a qualquer tempo e dependendo quase que
exclusivamente da vontade do chefe do executivo. Assim, não há garantias sobre o cará-
ter de permanência e independência política necessários para um órgão colegiado desta
Eduardo Ramirez Meza
107

natureza. A alternativa que se coloca é a instituição de um Conselho, a partir da aprova-


ção, pelo legislativo, de lei específica. Pode parecer uma simples alteração de nomencla-
tura, mas o fato é que, criado desta forma, o órgão colegiado não estará tão vulnerável às
alternâncias de grupos políticos no poder local, comuns em nossa realidade, havendo
garantia legal quanto ao caráter de permanência e independência política.
Aliás, esse é o caminho processual de todos os conselhos de políticas públicas:
sua institucionalização inicia-se com a promulgação da lei de sua criação, que deve ser
sancionada pelo executivo. O passo seguinte é a regulamentação da lei, realizada medi-
ante decreto e, somente após estes dois passos, é elaborado o regimento interno do
conselho, tarefa de competência dos próprios conselheiros empossados. Caberia, por-
tanto, perguntar, quais motivos exigem, para a área de emprego e renda, a adoção de
metodologia processual diferente.

Dificuldades de operacionalização
A participação da base é a alma do processo, pois a participação autêntica é a da
base, que é a sua origem, o poder de baixo para cima. Na cúpula, a liderança representa-
tiva exerce o poder de serviço, não autônomo. Ocorre muitas vezes que, por omissão da
maioria, os presentes passam a representar, sem mais nem menos, o todo e a decidir
por ele, liquidando desta forma a constituição democrática (Demo, 1996: 49-52).
Assim como a legitimidade de um governo se extrai da Constituição, algo similar
deve acontecer nas organizações menores. É legítimo o processo participativo, fundado
em estado de direito, que regulamente de modo democrático e comunitário as regras do
jogo da vida comum. Normalmente esta regulamentação é o estatuto da organização,
onde explicita quem é/pode ser membro, direitos, deveres, como escolhem-se os seus
dirigentes, como se podem mudar as regras, etc. (Demo, 1996: 44-46). A liderança repre-
senta democraticamente a confiança e a esperança da comunidade e, justamente por
isto deve, ser rotativa, deve prestar contas, deve entender-se a serviço da comunidade.
A representação das categorias sociais e profissionais no CODEFAT, assim como
nas Comissões Estadual e Municipais de Emprego, é do tipo vinculada. Ou seja, se dá a
partir da indicação feita pelas organizações sindicais e patronais. Conciliar os imperati-
vos da justiça social com a competitividade das empresas e o desenvolvimento econô-
mico é o desafio que se coloca.
Com relação à rotatividade de membros representantes e da presidência da Co-
missão de Emprego, a Resolução nº 80 do CODEFAT (vide compilação das resoluções em
anexo) determina que “o mandato de cada representante é de até 3 anos, permitida uma
recondução” e que a Presidência da Comissão “será exercida em sistema de rodízio,
entre as bancadas do governo, dos trabalhadores e dos empregadores, tendo o man-
dato do Presidente a duração de 12 (doze) meses e vedada a recondução para perío-
do consecutivo”.
108 O Controle Social no Sistema Tripartite de Gestão

Em contraposição a esta determinação, tivemos em Mato Grosso do Sul um fato


curioso: o antepenúltimo presidente da Comissão Estadual de Emprego, oriundo da
bancada dos empregadores, esteve por dois mandatos consecutivos na presidência (de
maio de 2001 a maio de 2003), isso por escolha e, conseqüentemente, com a aprovação
dos próprios membros da referida Comissão. Mesmo que não se pretenda fazer qual-
quer tipo de juízo de valor, esta postura contraria a orientação emanada pelo CODEFAT
na forma de Resolução daquele colegiado.
A prática setorialista, a falta de interlocução entre os próprios movimentos e en-
tidades, a disputa por espaços e recursos são alguns dos obstáculos que precisam ser
enfrentados. Assim sendo, a ação de movimentos e entidades nos conselhos não deve-
ria se restringir a quatro paredes das salas de reuniões. Seria o caso de se criar fóruns e
articulações horizontalizadas, com ações conjuntas e que, portanto, reúnam atores
de vários setores.
Um dos empecilhos para se articular ações conjuntas parece ser, como o acompa-
nhamento tem demonstrado, a exigüidade de recursos nos últimos 4 anos (veja quadro
1). Some-se a isto a delimitação da Política Pública de Trabalho e Renda à qualificação
profissional custeada com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador.

QUADRO 1

Recursos do FAT repassados pelo MTE ao Governo do Estado de Mato Grosso do Sul
para custear ações de qualificação profissional (2000-2004)

Ano Montante do Repasse (em R$) Percentual Relativo (1)

2000 4.140.000,00 100,00%

2001 2.421.000,00 58,48%

2002 1.450.000,00 35,02%

2003 574.410,76 13,87%

2004 (2) 1.059.347,00 25,59%

(1) Os números apresentados referem-se ao percentual de cada ano em comparação ao ano 2000, considerado,
apenas para efeitos destes cálculos e como um demonstrativo, como marco inicial.
(2) Em 2004 o repasse de recursos consiste de R$ 832.547,00 (para clientelas da qualificação profissional) mais
R$ 226.800,00 (específicos para custear o Serviço Civil Voluntário).

Fonte: Coordenadoria de Qualificação Profissional/FUNTRAB

Registre-se que, além dos recursos do FAT, por força da exigência contida no pró-
prio convênio firmado junto ao Ministério do Trabalho e Emprego, o Governo do Estado
Eduardo Ramirez Meza
109

investe, pelo menos, 10% do montante repassado, a título de contrapartida. O diferenci-


al é que até 2002 esta contrapartida vinha sendo contabilizada em termos de pagamen-
tos efetuados com pessoal técnico contratado ou do quadro permanente do próprio
governo. Somente a partir de 2003 é que o governo passou a oferecer contrapartida em
termos de número de alunos qualificados, ultrapassando também a exigência contratual
de no mínimo 10% de contrapartida estadual.

Considerações finais
Apesar de estarem vinculados à estrutura administrativa e precisarem que suas
decisões sejam homologadas pelo chefe do poder executivo, os conselhos são, teorica-
mente, autônomos. Seu funcionamento interno é regido por regras e procedimentos
formulados (ou, ao menos, aprovados) por seus membros. A autonomia das decisões vai
depender da correlação de forças na estrutura de poder, da organização da sociedade
para acompanhar, avaliar e dar suporte às ações propostas.
Como vimos, os conselhos setoriais nascem sob coordenação estatal, de governo.
Caberia à coordenação, segundo nosso entendimento, a tarefa de promover a articula-
ção dos diferentes aspectos e decisões, a fim de dar organicidade às ações do grupo
como um todo. Porém, querendo ou não, à medida em que o grupo se engaja, aprende
no próprio processo de trabalho e torna-se mais capaz para se autodirigir. Ocorre, assim,
um acréscimo no conhecimento dos sujeitos, ao qual corresponde um decréscimo na
diretividade da coordenação.
Não se pode, contudo, superestimar o papel desse arranjo institucional e nele
apostar todas as energias dos movimentos sociais. Os conselhos são mais um espaço de
luta, de negociação, de articulação, mas contêm limitações e ambigüidades, bem como
oferece oportunidades e novos desafios. Há muito a avançar. Apontam-se necessidades
como a adoção de um sistema de divulgação, a articulação inter-conselhos e inter-políti-
cas e a maior participação da sociedade civil, para impedir que a representatividade seja
desviada para atendimento dos próprios benefícios.
A realidade deve ser compreendida como um processo dinâmico, não como algo
estático e imutável. Na medida em que haja melhor compreensão da realidade, pelo
trabalho cooperativo, pela descoberta de relações não visíveis nos fatos em si, pela in-
terpretação dos indicadores de interdependência presentes nos fenômenos sociais,
as pessoas e os grupos deverão organizar o próprio pensamento, desocultando as
ideologias interessadas em separar a compreensão da realidade da necessidade de
sua transformação.
Cabe à comunidade a tarefa de entender-se como a principal “peça” que compõe a
realidade social. Daí decorre a exigência de algo grau de comprometimento de todos
com e por todos ou, em outras palavras, um forte sentido de lealdade comunitária.
Onde houver dificuldade individual, que o debate coletivo possa, na riqueza das discus-
110 O Controle Social no Sistema Tripartite de Gestão

sões dos interesses contrários que se fazem presentes em toda sociedade humana,
desvencilhar-se dos entraves imediatos e reformular-se coletivamente, sempre que
necessário.
Pode-se perceber que a sociedade, de maneira geral, tem se comportado de forma
um tanto quanto apática, mesmo quando está diante de temas tão intimamente relacio-
nados ao seu próprio dia-a-dia. No caso, as políticas públicas. Contudo as possibilidades
estão, na teoria e na lei, colocadas à disposição do controle social. O que parece
estar faltando, portanto, é de fato o esclarecimento coletivo, o que só pode ser al-
cançado partindo-se do conhecimento da realidade em que tais possibilidades estão
sendo colocadas.
Caso queiramos entender que a história seja construída em espaço e tempo deter-
minado, somos obrigados a reconhecer que ela não se repete. Assim sendo, de pouco ou
nada valeria copiar de outros contextos históricos soluções que neles teria dado certo. É,
portanto, no atual contexto histórico, político, econômico e social que devem ser gestadas
as fórmulas adequadas ao exercício do controle social.
Em que pesem os possíveis “vícios” presentes no processo de institucionalização
dos conselhos setoriais, ao que tudo indica estes ainda configuram-se como possíveis
canais de mediação dos interesses coletivos e das políticas governamentais; espaços
adequados, portanto, para o estabelecimento de políticas públicas.
Finalizando, se a realidade é, de fato, muito mais rica que qualquer teoria, qual-
quer pensamento e qualquer discurso que sejamos capazes de elaborar sobre ela, como
propôs Minayo (1994), o presente artigo não foge à regra. É bom que se frise, portanto,
que o presente trabalho não teve, nem de longe, a pretensão de esgotar os assuntos aqui
abordados. Pretendia, antes de mais nada, tão somente provocar reflexões que permi-
tam contribuir para o crescimento da coletividade. É, por isto, apenas mais um
fomentador dos muitos debates que devem ser instalados nos contextos sociais para
imprimir, no fazer social, o sentido que dele desejamos e aí, necessariamente, sob os
aspectos políticos, econômicos e sociais.

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111

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112

ANEXO: Resolução nº 801,


de 19 de Abril de 1995
Regula o Programa de Seguro-Desemprego, o
Abono Salarial, institui o Fundo de Amparo ao
Trabalhador - FAT, e dá outras providências.

A
ltera a Resolução nº 63, de 28 de julho de 1994, que estabelece critérios para
reconhecimento, pelo CODEFAT, de comissões de emprego constituídas em ní
vel Estadual, do Distrito Federal e Municipal, no âmbito do sistema público
de emprego.
O CONSELHO DELIBERATIVO DO FUNDO DE AMPARO AO TRABALHADOR - CODEFAT,
no uso de suas atribuições legais, em face do disposto no inciso V, do artigo 19, da Lei nº
7.998, de 11 de janeiro de 1.990, e, tendo em vista o necessário aprimoramento do Siste-
ma Público de Emprego,
RESOLVE:
Art. 1º - Alterar a Resolução nº 63, de 28 de julho de 1994, que estabelece critérios para
reconhecimento, pelo CODEFAT, da Comissão de Emprego, a ser instituída por ato do
Poder Executivo dos Estados, Distrito Federal e Municípios, nas condições previstas
nesta Resolução, que tem por finalidade consubstanciar a participação da sociedade organi-
zada, na administração de um Sistema Público de Emprego, em nível nacional, confor-
me prevê a Convenção nº 88, da Organização Internacional do Trabalho - OIT.
Art. 2º - Será reconhecida pelo Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalha-
dor - CODEFAT, Comissão Estadual/Municipal de Emprego, instituída e definida como
um órgão ou instância colegiada, de caráter permanente e deliberativo, que observará os
critérios de funcionamento previstos nesta Resolução.
§ 1º - A Comissão de Emprego, de que trata esta Resolução, é considerada instância
superior em relação as Comissões Municipais que a ela estarão vinculadas, salvo em
casos excepcionais, por decisão conjunta do MTb/CODEFAT e Estados/Comissão.
§ 2º - É facultada a instituição de Comissão, por microrregião, ao nível municipal, quan-
do for constatada a inviabilidade de sua instalação em cada município, de per se, face à
Anexo: Resolução 80, de 19 de Abril de 1995
113

realidade local, ou ante a necessidade do atendimento de interesses regionais.


Art. 3º. A Comissão, composta de no mínimo 6 (seis) e no máximo 18 (dezoito) mem-
bros, constituída de forma tripartite e paritária, deverá contar com representação da
área urbana e rural, em igual número, de trabalhadores, de empregadores e do governo.
[nova redação dada pela Resolução nº 114/1996]
§ 1º - Os representantes, titulares e suplentes, dos trabalhadores e empregadores serão
indicados pelas respectivas organizações, dentre as mais representativas, de comum acordo
com o MTb/CODEFAT e com a Comissão Estadual quando se tratar de Comissão municipal.
§ 2º - Caberá ao Governo Estadual, do Distrito Federal e Municipal designar os seus
respectivos representantes, limitando a um por órgão que atue com a questão do
emprego.
§ 3º - Ao Ministério do Trabalho e Emprego, representante do Governo Federal, caberá
uma representação no âmbito estadual e do Distrito Federal e, ao Governo Estadual,
uma representação no âmbito municipal. [nova redação dada pela Resolução nº 365/
2003]
§ 4º. O mandato de cada representante é de até 3 anos, permitida uma recondução,
observado o parágrafo 1º deste artigo. [nova redação dada pela Resolução nº 114/1996]
§ 5º - As instituições, inclusive as financeiras, que interagirem com as Comissões, pode-
rão participar das reuniões, se convidadas, sendo-lhes facultado manifestar-se sobre os
assuntos abordados, sem, entretanto, ter direito a voto.
Art. 4º - A Presidência da Comissão será exercida em sistema de rodízio, entre as banca-
das do governo, dos trabalhadores e dos empregadores, tendo o mandato do Presidente
a duração de 12 (doze) meses e vedada a recondução para período consecutivo.
§ 1º - A eleição do Presidente ocorrerá por maioria simples de votos dos integrantes da
Comissão.
§ 2º - Em suas ausências ou impedimento eventual, o Presidente da Comissão será
substituído, automaticamente, por seu suplente.
§ 3º - No caso de vacância da Presidência, será eleito um novo presidente dentre os mem-
bros representativos da mesma bancada, de conformidade com o caput deste artigo.
Art. 5º - Competirá à Comissão: [artigo e alíneas com nova redação dada pela Resolução
nº 262/2001]
a) aprovar seu Regimento Interno, observando-se os critérios desta Resolução;
b) homologar o Regimento Interno das comissões instituídas no âmbito municipal ou
114 Anexo: Resolução 80, de 19 de Abril de 1995

por microrregião;
c) subsidiar, quando solicitado, as deliberações do Conselho Deliberativo do Fundo de
Amparo ao Trabalhador - CODEFAT;
d) propor aos órgãos executores das ações do Programa Seguro-Desemprego (Plano Naci-
onal de Formação Profissional - PLANFOR, Intermediação de Mão de Obra - IMO, paga-
mento do benefício do seguro desemprego), com base em relatórios técnicos, medidas
efetivas que minimizem os efeitos negativos dos ciclos econômicos e do desemprego
estrutural sobre o mercado de trabalho;
e) articular-se com instituições públicas e privadas, inclusive acadêmicas e de pesquisa,
com vistas à obtenção de subsídios para o aperfeiçoamento das ações do Programa Segu-
ro-Desemprego, executadas no âmbito do Sistema Nacional de Emprego, e dos Progra-
mas de Geração de Emprego e Renda (PROGER Urbano e Rural, PRONAF, PROTRABALHO
e PROEMPREGO);
f) promover o intercâmbio de informações com outras comissões estaduais, do Distrito
Federal, bem como com as instituídas no âmbito municipal e por microrregião,
objetivando, não apenas a integração do Sistema, mas também a obtenção de dados
orientadores de suas ações;
g) proceder ao acompanhamento da utilização dos recursos destinados à execução das
ações do Programa Seguro-Desemprego e dos Programas de Geração de Emprego e Ren-
da, no que se refere ao cumprimento dos critérios, de natureza técnica, definidos pelo
CODEFAT;
h) participar da elaboração do Plano de Trabalho do Sistema Nacional de Emprego, em
articulação com as comissões instituídas no âmbito municipal ou por microrregião, bem
como proceder a sua aprovação e homologação, podendo propor alocação de recursos,
por área de atuação;
i) aprovar, mediante parecer, o relatório das atividades descentralizadas, executadas no
âmbito do Sistema Nacional de Emprego;
j) indicar, obrigatoriamente, à Secretaria Executiva do CODEFAT e às Instituições Finan-
ceiras, as áreas e setores prioritários para alocação de recursos no âmbito do Programa
de Geração de Emprego e Renda;
l) avaliar a focalização das ações do Programa de Geração de Emprego e Renda, acompa-
nhando os seus resultados e o cumprimento das diretrizes estabelecidas pelo CODEFAT,
com vistas à constante melhoria do desempenho do Programa;
m) articular-se com entidades da rede de educação profissional, conforme definido no
parágrafo 1º da Resolução CODEFAT 258/00, visando estabelecer parcerias que maximizem
o investimento do FAT em programas de qualificação profissional, intermediação de
Anexo: Resolução 80, de 19 de Abril de 1995
115

mão-de-obra, geração de emprego e renda e outras ações do sistema público de emprego;


n) aprovar e homologar o Plano Estadual de Qualificação, articulando e definindo priori-
dades a partir das demandas das comissões municipais de emprego ou por microrregião,
conforme estabelecido nos parágrafos 1º e 2º do artigo 3º da Resolução CODEFAT 258/00;
o) manifestar-se quanto ao cumprimento dos requisitos mínimos de qualificação técni-
ca de entidades executoras de programas de qualificação profissional, quando de sua
contratação direta, por dispensa ou inexigibilidade, conforme estabelecido no inciso V
do artigo 5º e anexo I da Resolução CODEFAT 258/00;
p) acompanhar a execução físico-financeira das ações do PEQ, em articulação com as
comissões municipais de emprego ou por microrregião, manifestando-se sobre a obser-
vância do objeto e o cumprimento de metas e cronograma do respectivo convênio.
q) criar, Grupo de Apoio Permanente (GAP), com composição tripartite e paritária, em
igual número de representantes dos trabalhadores, dos empregadores e do governo, o
qual poderá, a seu critério, constituir subgrupos temáticos, temporários ou perma-
nentes, de acordo com as necessidades específicas. [alínea incluída pela Resolução
nº 270/2001]
Art. 6º. A Secretaria Executiva da Comissão será exercida pela Coordenação Estadual do
SINE e, no caso de Comissão Municipal, pelo órgão da prefeitura responsável pela
operacionalização das atividades inerentes ao Sistema Nacional de Emprego, na locali-
dade, a ela cabendo a realização das tarefas técnicas e administrativas. [nova redação
dada pela Resolução nº 114/1996]
Art. 7º - Pela atividade exercida na Comissão, os seus membros, titulares ou suplentes,
não receberão qualquer tipo de pagamento, remuneração, vantagens ou benefícios.
Art. 8º. As reuniões da Comissão serão realizadas no mínimo uma vez a cada trimestre,
em dia, hora e local marcados com antecedência mínima de 7 (sete) dias, sendo precedi-
da da convocação de todos os seus membros. [nova redação dada pela Resolução nº
114/1996]
§ 1º - Caso a reunião ordinária não seja convocada pelo Presidente da Comissão, qual-
quer membro poderá fazê-lo, desde que transcorridos 15 (quinze) dias do prazo previsto
neste artigo.
§ 2º - As reuniões ordinárias da Comissão serão iniciadas com a presença de, pelo me-
nos, metade mais um de seus membros.
Art. 9º - As reuniões extraordinárias poderão ocorrer a qualquer tempo, por convocação
do Presidente da Comissão ou de 1/3 de seus membros.
§ 1º - Para a convocação de que trata este artigo, é imprescindível a apresentação de
116 Anexo: Resolução 80, de 19 de Abril de 1995

comunicado ao Secretário-Executivo da Comissão, acompanhado de justificativa.


§ 2º - Caberá ao Secretário-Executivo a adoção das providências necessárias à convoca-
ção da reunião extraordinária, que se realizará no prazo máximo de 15 (quinze) dias
úteis a partir do ato de convocação.
Art. 10 - As deliberações da Comissão deverão ser tomadas por maioria simples de votos,
com “quorum” mínimo de metade mais um de seus membros, cabendo ao Presidente
voto de qualidade.
§ 1º - As decisões normativas terão a forma de Resolução, numeradas de forma seqüencial
e publicadas no Diário Oficial.
§ 2º - É obrigatória a confecção de atas das reuniões, devendo as mesmas ser arquivadas
na Secretaria Executiva, para efeito de consulta.
Art. 11 - Caberá aos Governos Estadual, do Distrito Federal e Municipal as providências
formais para a constituição e instalação das Comissões de Emprego, encaminhando ao
MTb/CODEFAT, para reconhecimento, uma cópia do ato de sua constituição e do Regi-
mento Interno, publicados no Diário Oficial.
Parágrafo Único - O apoio e o suporte administrativos necessários para a organização,
estrutura e funcionamento das Comissões, ficarão a cargo dos governos referidos neste
artigo, por intermédio das Unidades Estaduais do SINE.
Art. 12 - O MTb/CODEFAT prestará assessoramento à implantação da Comissão de Em-
prego no âmbito estadual e do Distrito Federal e esta, por sua vez, procederá da mesma
forma em relação às Comissões Municipais.
Art. 13. É condição necessária para a transferência de recursos do FAT a existência de
Comissão Estadual de Emprego nos termos da presente Resolução. [nova redação dada
pela Resolução nº 227/1999]
§ 1º - A transferência prevista neste artigo englobará o custeio de despesas a serem
efetivadas pelo Estado com as atividades desenvolvidas pelos municípios, inerentes às
ações de competência do Sistema Público de Emprego, observados os valores consolida-
dos no Plano de Trabalho aprovado pelo MTb/CODEFAT.
§ 2º - Na ausência de convênio com o Estado, face à ocorrência de qualquer impedimen-
to para a sua celebração, o MTb/CODEFAT poderá decidir sobre a transferência de recur-
sos diretamente para o município.
Art. 14 - Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que já contarem com Comissões
ou Conselhos deverão adequar-se aos critérios desta Resolução num prazo máximo de
90 (noventa) dias, a partir de sua publicação.
Anexo: Resolução 80, de 19 de Abril de 1995
117

Art. 15 - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposi-
ções em contrário.
Art. 16 - Os casos omissos e as dúvidas existentes quanto à aplicação desta Resolução
serão dirimidos pelo MTb/CODEFAT.
LUCIO ANTONIO BELLENTANI2
Presidente do CODEFAT

NOTAS:
1
A Resolução nº 80 foi escolhida como o texto-base para esta compilação pois traz uma
reedição completa do texto da Resolução nº 63 (ou seja, dispensa consulta ao texto da Reso-
lução anterior, embora esta nunca tenha sido revogada). As demais resoluções limitaram-se a
introduzir alterações e, portanto, obrigam a consulta ao texto da Resolução nº 80. Assim,
sendo, o presente documento apresenta o texto completo, a partir da Resolução nº 63 e com
alterações introduzidas, pelo CODEFAT, através da Resolução nº 114, de 1º de agosto de
1996; Resolução nº 227, de 9 de dezembro de 1999; Resolução nº 262, de 30 de março de
2001; Resolução nº 270, de 26 de setembro de 2001, e Resolução nº 365, de 11 de janeiro
de 1990 (na verdade esta Resolução é do ano de 2003, mas está publicada, no site do MTE,
com a data equivocada).
2
Tendo em vista que o presente documento foi elaborado tendo como base a Resolução nº
80, preservou-se, aqui, a assinatura do presidente do CODEFAT à época. Os presidentes do
CODEFAT à época de cada uma das Resoluções aqui compiladas foram:

· VALMIR DANTAS, Resolução nº 63, de 28 de julho de 1994


· ALENCAR NAUL ROSSI, Resolução nº 114, de 1º de agosto de 1996
· PAULO JOBIM FILHO, Resolução nº 227, de 9 de dezembro de 1999
· PAULO JOBIM FILHO, Resolução nº 262, de 30 de março de 2001
· FRANCISCO CANINDÉ PEGADO DO NASCIMENTO, Resolução nº 270, de 26 de setem-
bro de 2001
· LOURIVAL NOVAES DANTAS, Resolução nº 365, de 11 de janeiro de 1990 (na verdade
esta Resolução é do ano de 2003, mas está publicada, no site do MTE, com a data equivo-
cada).

. . .
Projeto Escola de Conselhos
Departamento de Jornalismo/UFMS
Fone/Fax: (67) 345-7609 / 345-7647
E-mail: escoladeconselhos@nin.ufms.br
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CEP 79070-900 - Campo Grande-MS

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