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“DA PERDA À SAUDADE“

A DESPEDIDA ENQUANTO PROCESSO

Magda Campos Dudenhoeffer


Psicóloga – Gestalt-terapeuta

Resumo: Este artigo é fruto de uma reflexão, feita a partir do acompanhamento à pacientes
com câncer, que transpõem a dificuldade natural de se despedir e passam a demonstrar uma
certa facilidade em trabalhar com as perdas, inserindo-as no seu processo de vida,
transformando impossibilidades em possibilidades e fazendo ajustes criativos que contribuam
para suas melhores escolhas.
Palavras-Chave: perdas, transformação, prioridades, pacientes com câncer, Gestalt-terapia

Abstract: This article results from the observation of cancer-patients, who overcome the
natural difficulty of leaving, and start to demonstrate a certain spontaneity in dealing with
losses, introducing them into their lives, transforming impossibilities into real chances and
making creative adjustments which guide them to their best choices.
Key-Words: losses, transformation, priorities, cancer-patients, gestalt-therapy

VIVENDO E NÃO APRENDENDO A SE DESPEDIR

O exercício do ofício de psicoterapeuta tem me mostrado que uma das maiores


dificuldades do Ser Humano é dizer adeus. Na cultura ocidental o vínculo á altamente
valorizado e não é por acaso que várias teorias psicológicas se preocuparam com essa
questão. Em contra partida tenta-se esvaziar os sentimentos e sensações ligados à
situações de despedidas e quebras de vínculos. Desde cedo se ouve frases como: - Não
chore... Vai passar... Bola pra frente... Tome outro... Levante a cabeça... o que ajuda a
fazer um contato rápido e superficial com a dor de perder . No entanto, é impossível viver e
não perder:
. Pessoas – por morte ou qualquer outro tipo de separação.
. Sonhos ou expectativa de futuro – por realização, adiamento ou desistência.
. Imagem ou função corporal – pelo envelhecimento ou doença.
. Casa ou referência geográfica - pelas mais variadas mudanças.
. Papéis ou ocupações profissionais - por aposentadoria, desemprego.
. A própria vida - pela morte.
Pela instabilidade ansiogênica criada por qualquer situação acima citada, o ser
humano usa seus recursos defensivos para não vivê-las intensamente. O luto, enquanto
experiência de transformação de vínculos, é pouco incentivado. A nossa cultura não ritualiza
as despedidas e tenta reduzi-las a um único momento que pode ser esvaziado.
Sendo Gestalt-terapeuta, trabalho esses eventos olhando-os como situações
inacabadas; Yontef (1998.p.98) as define como :”Gestalt incompleta é um assunto pendente
que exige resolução. Normalmente, isso assume a forma de sentimentos não resolvidos
expressos de maneira incompleta.” E é dessa forma que tais eventos se explicitam nas
queixas dos clientes durante o processo psicoterápico. Nessa maneira de ver, o Ser humano
é um colecionador de despedidas mal feitas, de olhares mal dados para as vivências de
perdas. O que foi vivido, em muitas situações, só é realmente fechado, ao retornar numa
vivência de situação presente, que facilite o aparecimento do real acontecimento, com sua
intensidade perceptível e assumida, o que na Gestalt terapia é chamado de awareness e
segundo Yontef (l998.p.30) “uma forma de experiência que pode ser definida
aproximadamente como estar em contato com a própria existência com aquilo que é. “
A vida, tal qual se vive, é uma tentativa de viver de uma maneira mais “normal”
possível, desconsiderando a importância do vivido no seu aspecto existencial.
“Faça uma lista de grandes amigos
Quem você mais via há dez anos atrás?
Quantos você ainda vê todo dia?
Quantos você já não encontra mais?
Faça uma lista dos sonhos que tinha
Quantos você desistiu de sonhar?
Quantos amores jurados pra sempre
Quantos você conseguiu preservar?
Onde você se reconhece?”
(A LISTA – Oswaldo Montenegro)

ACOMPANHANDO PACIENTES COM CÂNCER

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O atendimento a pacientes com câncer tem me feito observar o como a necessidade
de fechamentos de fatos e situações vividas faz a despedida assumir papel relevante no dia
a dia dessas pessoas que se sentem pressionadas pela finitude da vida. A despedida deixa
de ser um ato isolado, feito num único momento e passa à condição de processo visto por
Yontef (1998.p.203) como “mudança ou uma transformação sofrida em um objeto ou
organismo, na qual uma qualidade consistente ou uma direção podem ser discernidas”
As pequenas perdas, que comumente passam despercebidas, emergem, se tornam
figuras, assumem movimento próprio e apresentam uma articulação seqüencial de tempo e
espaço. O olhar parece estar focado, aguçadamente, naquilo que não se tem mais. Há uma
certa predisposição para se despedir, para fechar. Tudo necessita ser vivido intensamente e
rápido. Não há mais tempo a ser perdido e os adiamentos deixam de fazer parte da rotina.
O papel do psicoterapeuta, no meu caso, usando o fundo teórico da Gestalt –terapia
passa a ser o de acompanhante desse processo, respeitando o ritmo, a intensidade e o
tempo de seu desenvolvimento, reconhecendo o que de mais humano se faz presente.
Remen (1993.p.47) afirma que “na verdade, a natureza humana não é desconhecida a
nenhum de nós; através de nossa experiência interior e observação dos outros,
desenvolvemos a percepção de seu alcance e amplitude, daquilo que nós mesmos e os
outros somos e podemos ser”. Vestindo minha humanidade, vai se tornando claro que o
possível é abrir espaços para que essas situações se apresentem. As intervenções vão,
cada vez mais, sendo focadas naquilo que está sendo perdido na vivência de cada um. Há
uma aceitação, por parte do terapeuta, que propicia o aparecimento dos mais diversos
sentimentos até que seja possível prantear o impossível, o perdido, o que já não se tem
mais, o que deixou de existir. Para que, em seguida, após o reconhecimento do limite
estabelecido, se torne possível vislumbrar o além, o agora, a possibilidade de prosseguir com
uma nova situação reconfigurada, colocando o que antes era falta na condição de
possibilidade presente, coerente com o momento. Buscaglia (2000.p.123) aponta que “a
única realidade que conhecemos é a do exato momento que estamos vivendo. Realidade
não é o que já passou nem o que ainda vem. Aceitar essa idéia tão simples torna a vida
mágica. ... Isso não quer dizer que se viva apenas para o presente, mas que se viva no
presente, o que faz uma grande diferença”. O fascínio do viver é sempre o descobrir no
agora, uma possibilidade, mesmo quando se imagina não haver mais nenhuma.

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COLHENDO MORANGOS
Atendendo uma mulher que apresentava metástase de coluna o que vinha
comprometendo a sua capacidade locomotora, fui procurada pela família que me pediu para
trabalhar com ela o uso da cadeira de rodas. Havia um sofrimento muito grande nessa
família em assumir essa nova condição como a única possível para locomoção da paciente.
Fui para o encontro com essa mulher preparada para enfrentar uma sessão difícil. Tudo se
deu diferente. Ela me falou do como já havia sido ruim, anteriormente, ter assumido as
muletas como pernas acessórias e que, agora, seria, outra vez, perder mais um pouco.Para
ela era extremamente sofrido se ver sentada, olhar o mundo de uma altura diferente da que
estava acostumada, mas que conseguindo admitir esta possibilidade, ela podia vislumbrar o
novo ângulo de admirar as coisas ao seu redor e que a cadeira de rodas seria a possibilidade
que ela teria de não deixar de admirar o céu, de passear, de sentir o frescor da floresta e
admirar a lagoa, coisas que ela considerava fundamentais para mantê-la viva, presente na
vida. Abrir mão das suas pernas era doído, mas muito pior seria o confinamento. Ainda com
lágrimas nos olhos pude vê-la se despedir de uma condição anterior que já não era para ela
a ideal e assumir uma nova possibilidade que fosse capaz de não fazê-la abrir mão do que
lhe era prioritário e que faziam-na se sentir participante da vida. Nessa sessão observei que
a escala de prioridades de cada um é capaz de facilitar escolhas clarificando o que, na
verdade, não se quer abrir mão e que a presteza da necessidade de uma decisão pode ser
facilitadora para se enxergar uma saída e entrar em contato com algum benefício. Isso me
fez lembrar de um Koan budista que conta: Um monge, certa vez, fugindo de um urso
faminto, chega á beira de um penhasco e tem de decidir entre saltar e ser devorado. Resolve
pular, mas no meio da queda, consegue se agarrar a uma raiz que escapava das pedras.
Para piorar, quando o pobre monge olha para baixo, vê um tigre andando em círculos
esperando que ele caia para atacá-lo. Exatamente nesse momento, dois esquilos em busca
de comida começam a roer a raiz onde se agarrava. Com o urso em cima, o tigre embaixo e
os esquilos ao lado, o monge avista, ao alcance de sua mão, uma moita de morangos
silvestres com uma fruta bem grande vermelha, madura e suculenta. Ele come o morango e
saboreia dizendo: - ”Que delícia!”
As situações de perda quando vividas em sua plenitude facilitam o contato com a
possibilidade que alivia. A proximidade da dor parece propiciar o enxergar de um
ajustamento criativo. Segundo Cavanellas (1998. p.14) “ qualquer organismo vivo, tem de
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crescer e atualizar-se, ajustando-se criativamente ao meio com o qual se relaciona. Esta é
sua tendência natural, na qual ele se vê implicado com o mundo, mas na qual muitas vezes
também se vê interrompido. Restabelecer esse fluxo vital encontra-se no cerne da Gestalt-
terapia, que resolveu chamá-lo de awareness , termo que não se faz traduzir bem por
nenhum outro em nossa língua, mas que diz respeito a uma espécie de consciência
organísmica.”
O momento presente como vivicação de possibilidade parece aplanar a sensação de
desequilíbrio, instaurando um processo de auto-regulação capaz de aliviar tensão e tornar
possível as escolhas. Como gestalt-terapeuta presencio esse acontecer confiando que é o
outro que sabe o que de melhor tem a fazer. Cavanellas (1998.p.15) diz que: ”O desabrochar
se dá a partir de si mesmo, na direção indicada por seu potencial criador e único em suas
raízes e desenvolvimento pessoal. O olhar do terapeuta talvez seja a luz em cuja presença
torna-se possível vislumbrar o desvelamento e compreender-lhe o sentido”.
A necessidade de uma estabilidade após cada situação de perda, experenciada como
desequilíbrio, tem me aparecido como a capacidade do ser humano de fazer, desfazer e
refazer, de compor, descompor e recompor, de lidar com problemas e soluções, de se
fragilizar e se fortalecer, de encontrar caminhos onde não pareciam existir, de continuar a
sentir seu pulsar de vida. Ostrower (2001.p.99) escreve que: “para o ser humano, o
equilíbrio interno não é um dado fixo. Nem se trata de uma abstração ou de uma
conceituação de um estado ideal. O equilíbrio é algo que a todo instante precisa ser
reconquistado. Trata-se de um processo vivido, um processo contínuo onde as coisas se
propõem a partir de uma experiência e onde, ao se organizarem os termos da experiência, já
se parte para uma outra experiência, mais ampla. No fluir da vida, nos sucessivos eventos
externos e internos que nos mobilizam, cada momento de estabilidade é imediatamente
questionado. Cada situação que se vive, cada ação física ou psíquica, cada emoção e cada
pensamento desequilibra algum estado anterior. ... Esses desequilíbrios em busca de
equilíbrio são inevitáveis. São da essência do viver. São do nosso crescimento e
desenvolvimento. Integram o conteúdo de nossas experiências, de nossas motivações e de
nossas possibilidades reais. Traduzem para nós a presença vária de forças desiguais e
intercorrentes em nós, de princípios talvez de oposição, originando ímpetos vitais que nos
impulsionam a agir, a superar os obstáculos, a compreender e a criar”.

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TRANSFORMANDO PERDA EM SAUDADE
Ausência
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
Que rio e danço e invento exclamações alegres,
Porque ausência, essa ausência assimilada,
Ninguém a rouba mais de mim.
Carlos Drummond de Andrade

Humanos que somos fugimos das perdas porque elas nos apontam a finitude, o nunca
mais. O homem desenvolve várias maneiras de suavizar as despedidas, das mais simples
nem nos damos conta, não fomos criados para perder.
O paciente com câncer se vê obrigado a descobrir na sua humanidade a melhor forma
de lidar com as perdas que bombardeiam sua vida de uma maneira inevitável. Elas surgem
no aspecto físico, emocional, social. Não há como fugir nem fingir. As situações cotidianas se
apresentam desorganizadas e precisam ser organizadas. O cliente traz todo o tempo a
sensação da falta, do buraco deixado por alguma coisa que ali existia e que lhe era familiar.
O desejo de acabar rapidamente com a dor e a necessidade de prosseguir são os pedidos
mais emergentes. É aí que a psicoterapia encontra o seu lugar como espaço facilitador do
reconhecimento da dor que se apresenta, colaborando para a elaboração das perdas
enquanto processo de vida. Acolher o paciente do jeito que ele pode estar e qualificar seus
sentimentos, certamente, contribui para o estabelecimento de uma relação sem críticas e
sem conselhos; uma relação autêntica onde nenhum comportamento é esperado; permeada
pela confiança na capacidade que o outro, que está diante de mim, tem de transformar e
alcançar sua melhor ressignificação. Ribeiro (1998.p.82) afirma que: ”ninguém faz
psicoterapia sem aprender mais sobre si e sobre o ser humano em geral; como ninguém
estuda com afinco qualquer conceituação básica sobre o ser humano sem se abalar, sem se
modificar de alguma forma.”
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A crença na capacidade de transformar do ser humano, criando condições capazes de
sustentar suas experiências de vida, aproximam cliente e terapeuta e levam ao
reconhecimento das etapas desse processo de transformação criativa. O espaço
psicoterápico é: lugar de redimensionamento do possível do cliente, do aproveitamento do
que ele pode ter como sua melhor escolha, do trabalhar com o tempo imediato, do poder
fazer uma conexão efetiva com o seu tempo interno para que ele possa se ver onde antes
havia um objeto distanciado. Assim, neste Agora vivencial ele se reconhece. No buraco
vazio da falta é possível encontrar alternativas, a perda é capaz de se ressignificar em
saudade, pelo assumir daquilo que foi vivido e que a “mim” se incorpora. A insegurança do
lidar com o novo se transforma em auto-confiança, ao descobrir que só ” eu” sou capaz de
fazer o meu caminho e a rejeição se torna auto estima, pela possibilidade de confirmação do
que está sendo sentido.
Enquanto gestalt-terapeuta, me sensibilizo em poder me sentir acompanhante de um
processo que se dá diante dos meus olhos e que se torna suporte para escolhas satisfatórias
às necessidades apresentadas. Enquanto ser humano, me engrandeço com a possibilidade
de caminhar em direção à liberdade do transformar, à espontaneidade do sentir, aceitando
limites e limitações, deixando que o finito se aproxime, que a presença se torne ausência e
que a ausência se faça saudade.
Aos pacientes, que juntos já caminhamos, e aos que continuam nessa empreitada, o
meu mais profundo reconhecimento por terem contribuído com o material dessa reflexão e o
meu maior respeito pela possibilidade de transformação com eles vivida.
Aos que se foram a minha saudade e gratidão.
Mas a minha tristeza é sossego.
Porque é natural e justa.
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.
Fernando Pessoa
In Guardador de Rebanhos

BIBLIOGRAFIA
7
Bromberg,M. H. P.F. (2000). A Psicoterapia em situações de perdas e luto.São
Paulo:Editora Livro Pleno.

Buscaglia,L.(2000).Os caminhos do Coração. Rio de Janeiro:Sextante.

Cavanellas,L.B. (1998).A Gestalt Terapia no envio da moderridade – Teoria e técnica


no confronto da dor. Dissertação de Mestrado, Universidade do Estado Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro.

Kovács,M.J. (2002).Morte e desenvolvimento humano. São Paulo:Casa do Psicólogo.

Ostrower,F.(1987).Criatividade e processos de criação.Petrópolis, Rio de


Janeiro:Vozes.

Remen,R.N.(1993). O Paciente como Ser humano.São Paulo:Summus

Ribeiro,W. (1998). Existência Essência. São Paulo:Summus.

Yontef,G.M. (1998). Processo,diálogo e awareness. São Paulo:Summus

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