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Luiz Gama foi um escravo libertado que se tornou advogado, jornalista e abolicionista em São Paulo no século XIX. Ele defendeu centenas de escravos em processos de liberdade e criticou a escravidão em seus escritos. Sua atuação criou problemas para senhores de escravos e autoridades, mas também o tornou uma figura respeitada na luta pela abolição.
Luiz Gama foi um escravo libertado que se tornou advogado, jornalista e abolicionista em São Paulo no século XIX. Ele defendeu centenas de escravos em processos de liberdade e criticou a escravidão em seus escritos. Sua atuação criou problemas para senhores de escravos e autoridades, mas também o tornou uma figura respeitada na luta pela abolição.
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Luiz Gama foi um escravo libertado que se tornou advogado, jornalista e abolicionista em São Paulo no século XIX. Ele defendeu centenas de escravos em processos de liberdade e criticou a escravidão em seus escritos. Sua atuação criou problemas para senhores de escravos e autoridades, mas também o tornou uma figura respeitada na luta pela abolição.
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Orfeu de carapinha: a trajetória de Luiz Gama na imperi-
al Cidade de São Paulo. Campinas, SP, Editora da Unicamp/Centro de Pes- quisa em História Social da Cultura, 1999. 280p. Mendonça, Joseli Maria Nunes. Entre a mão e os anéis: a lei dos sexagenários e os caminhos da abolição no Brasil. Campinas, SP, Editora da Unicamp/ Centro de Pesquisa em História Social da Cultura,, 1999. 417p. Após concluir Orfeu de carapinha, eu maneceu por mais oito anos (1848- refleti particularmente sobre duas 1856). Demitido desse trabalho, ele idéias. Primeiro, a crença, muito di- passou 39 dias na prisão por desaca- fundida após 1835, de que os escra- tar um oficial que o insultou. Logo vos levados da Bahia para as amplas depois, encontrou trabalho como es- regiões cafeicultoras do sul do Brasil crivão e, a seguir como amanuense na criariam problemas foi confirmada no Secretaria de Polícia da Cidade de São caso de Luiz Gama. Com muita ironia Paulo, onde trabalhou por doze anos e ações corajosas como advogado, (1857-1869). De novo ele foi demiti- Gama criou muitos problemas para do do cargo, retribuição por sua defe- senhores de escravos e oficiais do Go- sa legal de um escravo fugido e de- verno dos anos de 1850 até sua morte núncias de um juiz reacionário. Gama em agosto de 1882. E, segundo, este protestou veementemente a perda de livro confirma que, realmente, existem seu emprego em uma série de artigos alguns “Grandes Homens na História”. publicados nos jornais. Desse momen- Filho de um “fidalgo” português e de to até o final de sua carreira, ganhou uma africana livre, acusada de envol- dinheiro e sustentou sua família como vimento nas revoltas de escravos na advogado e jornalista. Bahia nos anos de 1830, Luiz Pinto Em 1859, Gama publicou seu único da Gama foi vendido por seu pai como livro, uma coleção de poemas, intitu- escravo e enviado para o Rio de Ja- lado Primeiras trovas burlescas de neiro em 1840, aos dez anos de idade. Getulino. O livro representou um Após uma cansativa viagem pelo in- importante momento na vida de Luiz terior da Província de São Paulo, du- Gama, marcando sua entrada no rante a qual nenhum fazendeiro se in- “mundo das letras” da elite e a pri- teressou em comprar o jovem escravo meira grande oportunidade para este baiano, Gama terminou na Cidade de ex-escravo expressar suas idéias. São Paulo. Lá ele trabalhou como es- (p.40) Analisando esta coleção de cravo doméstico e aprendeu a ler e a poemas, Azevedo coloca a literatura escrever. Oito anos depois (1848) após no contexto histórico do final da dé- fugir, Gama aparece como praça da cada de 1850. Gama deixou claro, em Força Pública de São Paulo, onde per- seus poemas, que ele era um afro-
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brasileiro. Falou da discriminação ra- A loja maçônica América de São Pau- cial e do modo como a escravidão lo, fundada no final de 1868, também criou ódio racial entre negros e bran- ofereceu importantes oportunidades cos no Brasil. Escreveu vividamente para Gama expressar seus pontos de sobre sua infância, sua mãe, que ele vista políticos. Supostamente uma conheceu durante seus primeiros oito associação secreta e filantrópica, a anos de vida, e a rica cultura africana Loja América participou ativa e pu- que florescia por toda a Cidade de Sal- blicamente do discurso político por vador. Azevedo nota que “o tom dado pelo menos duas décadas. Formada por Luiz Gama a seus poemas, longe em sua maioria por homens brancos de trazer uma imagem lamentativa do ricos, pareceria estranho, à primeira negro, ligado ao trabalho forçado e à vista que Gama se envolvesse com vitimização do escravo, conduzia o essa associação. No entanto, ele par- leitor a um mundo negro dissociado tilhou de “uma preocupação comum do trabalho compulsório e valorizado de criar instituições que difundissem em seus aspectos culturais”. (p.66) os ideais de instrução e ‘civilização’ De igual importância para a publica- para os ‘populares’”. (p.95) A Loja ção de Primeiras trovas foi o envol- América também ajudou Gama em vimento de Gama no emergente mo- diversos casos judiciais, defendendo vimento republicano na Cidade de escravos que buscavam sua liberda- São Paulo. Desiludido com o partido de e fornecendo-lhe o apoio moral de liberal no final da década de 1860, colegas influentes. Apesar de tais li- sua infelicidade intensificou-se com gações a homens poderosos, o liber- a queda do gabinete liberal do Go- to Gama reconheceu os perigos e li- verno Imperial, em 1868. Logo de- mites de sua posição. “[Ele] mostra- pois, ele se tornou membro do lado va assim ter plena consciência do seu radical do Club Radical Paulistano e papel de dependente nas relações que um colaborador no seu jornal, o Ra- lhe garantiam o destaque e o prestí- dical Paulistano (fundado em 1869). gio”. (p.99) Gama quis o fim da monarquia, que Durante a década de1870, Gama tor- ele considerava incompetente e in- nou-se famoso em todo o Brasil por compatível com as causas liberais. sua defesa de escravos que tentaram Fazendeiros conservadores do Parti- conseguir sua liberdade nos tribunais. do Republicano Paulista, muitos de- Ele ajudou centenas de escravos em les donos de escravos, sentiram ten- ações de liberdade, argumentando di- sões por causa da sátira incessante de reitos firmados na Lei do Ventre Li- Gama, seu apoio público à abolição vre de 1871. Muitas vezes, Gama bus- e sua presença dentro do partido. cou a Justiça para defender escravos
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querendo comprar liberdade com seus búrdia) estava capitaneando uma pecúlios. Quando era impossível con- tremenda insurreição de escra- vos!… seguir um acordo sobre preço, a Justi- Se algum dia, porém, os respei- ça convidava três árbitros para deci- táveis juízes do Brasil esquecidos di-lo: um representante do senhor, um do respeito que devem à lei, e dos curador representando o escravo, e imprescindíveis deveres, que uma terceira pessoa indicada pelo juiz. contraíram perante a moral e a Em outros casos, Gama alegava que nação, corrompidos pela venali- dade ou ação deletéria do poder, os donos tinham separado ilegalmen- abandonando a causa sacrossan- te escravos de seus cônjuges ou filhos. ta do direito, e, por uma inexalá- Outros temas importantes que apare- vel aberração, faltarem com a ceram entre 1871 e 1888 eram acusa- devida justiça com infelizes que ções de ingênuos (crianças nascidas sofrem escravidão indébita, eu, por minha própria “ronta” [sic], depois da lei de 1871) mantidos ile- sem impetrar o auxílio de pessoa galmente em cativeiro ou não matri- alguma, e sob a minha única res- culados, como estipulado na lei. ponsabilidade, aconselharei e Como propagandista astuto, as his- promoverei, não a insurreição, tórias sobre Gama e os artigos que que é um crime, mas a “resistên- ele escreveu apareceram com fre- cia”, que é uma virtude cívica, como a sanção necessária, para qüência na primeira página dos mais pôr preceito aos salteadores fidal- importantes jornais de São Paulo. Sua gos, aos contrabandistas impuros, popularidade causou ressentimento aos juízes prevaricadores, e aos em muitas pessoas. Opositores ame- falsos impudicos detentores”. açaram sua vida, e fazendeiros reaci- (Luiz Gama, “Luiz Gonzaga Pin- to da Gama,” Correio Paulista- onários do interior de São Paulo di- no, 10 nov. 1871; p.131-134 em famaram seu nome. Como sempre, Azevedo) Gama respondeu a seus críticos com Em um episódio marcante, em 1880, inteligência e eloqüência. o famoso liberto jornalista e aboli- Sei que algumas pessoas desta ci- cionista José do Patrocínio fez um dade, aproveitando caridosamen- discurso no Teatro São Luiz, em São te o ensejo do movimento acadê- mico, mandaram dizer para a cor- Paulo. Sua denúncia contra proprie- te, e para o interior da província, tários de escravos ofendeu fazendei- que isto por aqui, ao peso de ros do interior. Um “agricultor” en- enormes calamidades, ardia en- corajou seus colegas, em um artigo tre desastres temerosos, e deso- publicado em A Província de São lações horríveis, ateados por agentes da INTERNACIO- Paulo, a cancelar suas assinaturas da NAL!… e que eu (que não deve- Gazeta da Tarde, o jornal abolicio- ria, por certo, faltar à sinistra bal- nista editado por Patrocínio no Rio
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de Janeiro. O autor acusou Patrocí- tabelecer ligações com membros da nio de incitar rebeliões de escravos e sociedade estabelecida, ele se alinhou afirmou que os senhores de escravos aos setores mais progressivos da eli- sabiam bem como distribuir liberda- te branca paulista, trabalhou incessan- de aos escravos, pessoas que ele des- temente, muitas vezes sob circunstân- creveu como “inertes, desprotegidos, cias difíceis, em prol do fim da es- longe das capitais”. (p.180) cravidão no Brasil. Ganhou fama Gama respondeu imediatamente. No como advogado defensor dos direi- mesmo dia (1º de dezembro de 1880), tos dos escravos nos tribunais e como escreveu um editorial muito duro na um jornalista educado, mas crítico de Gazeta do Povo. Ele declarou que juízes incompetentes e escravocratas. Patrocínio merecia o respeito dos Mais importante, ele nunca perdeu de “homens de bem”. vista suas origens. Constantemente Em nós até a cor é um defeito, afirmou os direitos dos afro-brasilei- um vício imperdoável de origem, ros de viver em liberdade e conde- o estigma de um crime; e vão ao nou o modo como a escravidão des- ponto de esquecer que esta cor é gastou negros e brancos. a origem da riqueza de milhares Azevedo começa e termina seu livro de salteadores, que nos insultam; com a descrição do cortejo fúnebre de que esta cor convencional da es- cravidão, como supõe [sic] os Luiz Gama, em 24 de agosto de 1882. especuladores, à semelhança da Umas 3.000 pessoas (de uma popula- terra, ao través da escura super- ção urbana de 40.000) acompanharam fície, encerra vulcões, onde arde o funeral pelas ruas de São Paulo. “As o fogo sagrado da liberdade. ruas da cidade de São Paulo foram Nós, que falando, escrevendo, e esmolando, de porta em porta, so- tomadas pelos mais diversos grupos mos acolhidos com impiedoso sociais que queriam, cada qual a seu sorriso, pelos bondosos estrangei- modo, prestar sua última homenagem ros, que convivem neste país, sem ao ilustre cidadão”. (p.266) Entre os temor da negridão da nossa pele, presentes estavam negros, libertos, que nos franqueiam a sua bolsa, e senhores de escravos, intelectuais, jor- nos prodigalizam o seu óbolo, para a remissão dos elefantes ne- nalistas e funcionários, inclusive o gros da lavoura, temos, por certo, vice-presidente da província. Durante sobejo motivo para enojarmo-nos o enterro, um grupo de afro-brasilei- dessa parolagem sáfia, indigna da ros tomou o caixão para levá-lo até o imprensa de um país culto. (p.181) cemitério. Este ato simbolizou profun- Muitos atributos capacitaram Luiz damente a importância e a grandeza Gama a tornar-se um grande homem. de Luiz Gama e seu compromisso com Reconhecendo a importância de es- a população negra.
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Luiz Gama também aparece no livro Nesse mesmo ano de 1880, uma afri- Entre a mão e os anéis: a lei dos cana da nação benguela chamada Ge- sexagenários e os caminhos da aboli- nerosa procurou Gama em São Paulo, ção no Brasil, de Joseli Maria Nunes depois de fugir do seu senhor em Cam- Mendonça. Em novembro de 1880, o pinas. Ela havia sido transferida recen- africano Caetano Congo foi preso em temente da Província do Rio de Janei- São Paulo por ter fugido de uma fa- ro para Campinas. Tinha 50 anos de zenda no Município de Campinas. O idade. Mais uma vez, Gama entrou na escravo explicou que havia fugido por Justiça alegando que Generosa fora ter sofrido “maus-tratos”. (p.173) Os transportada para o Brasil pelo tráfico médicos que o examinaram concorda- ilegal. Infelizmente, o juiz decidiu ram: o corpo dele mostrava sinais de transferí-la para ser julgada em Cam- castigo. Informado sobre a situação do pinas. Sem um advogado abolicionis- africano, o advogado Luiz Gama apa- ta defendendo-a. Generosa perdeu no receu. Ele enviou ao juiz de Direito foro de Campinas e foi devolvida ao Cível e Criminal de São Paulo um pe- seu novo senhor. Joseli Mendonça es- dido de habeas corpus. Gama decla- creve que, “com efeito, a ilegalidade rou que Caetano Congo tinha nascido da escravidão dos africanos introdu- na costa da África e que sua idade era zidos a partir da proibição do tráfico de 50 anos, conforme constava na ma- era como um barril de pólvora e o trícula de 1872 (baseado nos requeri- simples agitar-se da questão poderia mentos da Lei do Ventre Livre, de causar imensos transtornos aos pro- 1871). O advogado notou, contudo, prietários de escravos”. (p.177) Eu que sua idade real poderia ser 58 anos, gostaria de saber mais sobre a manei- visto que “os contrabandistas” envol- ra como as ações de Luiz Gama nesse vidos no comércio de escravos não im- ano importante de 1880, influencia- portavam crianças menores de dez ram o movimento abolicionista, não anos. E declarou ao tribunal que Cae- só em São Paulo, mas também em tano Congo tinha sido trazido para o outras províncias, como a do Rio de Brasil em 1832, um ano depois da lei Janeiro e a da Bahia. de 1831, que tornara ilegal o comér- Essa defesa de Gama representa um cio transatlântico de escravos. Entre- dos importantes temas no livro de tanto a Justiça não concordou com a Mendonça. Usando registros da cor- defesa, e Caetano Congo foi devol- te de Campinas, no interior de São vido ao seu senhor. Tal iniciativa trou- Paulo, ela mostra que “tanto senho- xe uma publicidade negativa aos se- res como escravos buscaram nas leis nhores e deu força ao movimento abo- elementos que lhes possibilitassem licionista. encaminhar seus projetos próprios”.
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(p.371) Com meticulosa pesquisa, a lei de 1871, a autora aplica muitas das autora demonstra como as leis de mesmas ferramentas e idéias para a 1871 e de 1885 criaram espaço legal interpretação que ela faz da lei de onde os escravos podiam agir. Com 1885. Muitos desses casos são com- a ajuda de advogados como Luiz plicados, o que não é surpresa, por- Gama e, em algumas instâncias, o que os tribunais conservadores e os apoio moral de juízes simpatizantes, proprietários quiseram tornar qualquer escravos desafiaram os interesses dos debate legal em algo complicado para senhores e conquistaram sua liberda- advogados e escravos também. No de. Muitos casos demoravam meses entanto, temos exemplos extraordiná- para serem resolvidos, e isso feria os rios, como os de Gama, mostrados interesses dos senhores. Embora nem acima, em que os escravos demons- sempre bem sucedidos, esses casos traram um entendimento impressio- tinham um profundo impacto nos in- nante das leis e trabalharam junto com divíduos envolvidos. Não apenas os advogados para ganhar a liberda- isso, mas outros escravos observavam de. Quando não ganhavam, pelo me- de perto o que estava acontecendo e nos, criavam problemas sérios. E tudo entendiam que também podiam ter a isso contribuiu, num amplo sentido, mesma oportunidade de conseguir li- para mudar o regime escravocrata. berdade na Justiça. Um segundo grande tema do livro tra- O método de pesquisa empregando os ta dos debates na Câmara dos Depu- processos cíveis oferece novas inter- tados a respeito da emancipação. pretações da abolição no Brasil. Uma prioridade para os deputados, Octavio Ianni, Décio Freitas, Richard particularmente para aqueles repre- Graham, Emília Viotti da Costa, sentando regiões escravistas, foi con- Robert Conrad e outros têm enfatiza- trolar a passagem para a liberdade. do que a Lei dos Sexagenários, de Eles reconheciam, em meados de 1885, que deu liberdade aos escravos 1880, que a abolição era inevitável, com mais de 60 anos, foi um direito mas quiseram garantir que os ex-es- dado pelo Estado. A lei supostamente cravos permaneceriam dependentes garantia que a emancipação ocorreria de seus antigos senhores. Muitos de- sem distúrbios e refletia os interesses putados manifestaram atitudes racis- da classe de fazendeiros. Usando os tas nas suas declarações e muitos ti- processos judiciais, contudo, temos nham pouca confiança na capacida- uma maneira diferente de examinar a de de discernimento dos afro-brasi- lei, e conseqüentemente, uma interpre- leiros. Eles afirmaram que os liber- tação diferente. Usando como chave tos não estariam preparados para a li- a análise de Sidney Chalhoub sobre a berdade e ainda precisariam da pro-
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teção de seus antigos senhores. Mes- O Projeto Saraiva fez várias altera- mo eminentes abolicionistas concor- ções na Lei dos Sexagenários, que afi- davam com essa opinião. Rui Barbo- nal foi aproveitada. Os donos dos es- sa descreveu o liberto como indiví- cravos sexagenários alforriados rece- duo cujo espírito, “’imbecilizado, beriam indenização, “na forma de aviltado, ou desvairado pelo cativei- prestação de serviços por três anos ro,’ deveria merecer a proteção e a ou até completarem 65 anos de ida- tutela para que aprendesse a viver em de”. (p.34) Nas palavras do deputa- liberdade.” (p.77) do Almeida Oliveira, o Plano Sarai- Em 15 de julho de 1884, o deputado va não emanciparia “de chofre”; além liberal Rodolfo Dantas apresentou à disso, “fixo o liberto”. Como notou a Câmara um plano que oferecia liber- autora do livro, isso foi da maior im- dade imediata para todos os escravos portância no ano de 1885, porque com mais de sessenta anos, sem for- confirmou, em um sentido legal, o necer indenização a seus antigos direito dos fazendeiros de manter a senhores.O plano de Dantas permitia propriedade escrava e de controlar aos ex-escravos o direito de ausentar- seus ex-escravos. O Plano Saraiva se da companhia de seus antigos se- também empregou rendas cobradas nhores. Imediatamente recebeu duras pelo Estado para subvencionar o críticas por parte dos conservadores e transporte dos imigrantes. Além dis- de vários liberais, o que resultou na so, libertos sexagenários foram obri- demissão do.Ministério Dantas, por D. gados a residir por cinco anos no Pedro II. Em 12 de maio de 1885, o município onde foram alforriados. novo “Projeto sobre a Emancipação Nas palavras do projeto, aquele que Gradual do Elemento Servil” apare- se “ausentar de seu domicílio será ceu sob os auspícios do novo chefe do considerado vagabundo, e apreendi- gabinete, Senador José Antonio Sarai- do pela polícia para ser empregado va. Foi aprovado em agosto como a em trabalhos públicos ou colônias Lei dos Sexagenários e Saraiva agrícolas”. (p.109) Isso mostrava cla- imediatemente pediu sua demissão. É ramente o preconceito entre os dele- obvio que houve muita política nes- gados contra os negros libertos. Tam- ses dias. Para acalmar a direita, fazen- bém mostrava mais uma prioridade: deiros e deputados que não queriam forçar os negros libertos a continua- uma abolição “em massa”, Pedro II rem trabalhando na lavoura e nas fa- escolheu como chefe do Ministério um zendas por pouco dinheiro. “velho fazendeiro-político pró-escra- Ao final, como escreveu Robert vatura”, o conservador baiano Barão Conrad, dos 90.713 escravos com de Cotegipe. mais de 60 anos em 1885, somente
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18.946 foram registrados como exemplo, nos documentos da Justiça. sexagénarios em 1887. Os números Os dois livros têm erros editoriais. No parecem substanciar as interpretações caso do livro de Mendonça, existem de muitos historiadores de que a Lei erros ortográficos (Mississippi, Holt, dos Sexagenários fez pouco. O fun- “Slaves into Free Men”) e nos nomes do de emancipação, parte da legisla- dos autores (na bibliografia, Elkins e ção, não funcionou bem. Muitos se- Toplin). Há referências bibliográficas nhores não cumpriram a lei. Mas os incompletas, por exemplo Guimarães, números, ao contrário, como mostra As classes perigosas (p.383 e p.219, a historiografia da última década, não n.119). Em Orfeu de carapinha exis- dizem tudo. Em verdade, neste caso, tem, pelo menos, duas datas incorre- dizem pouco. Muito mais importan- tas: (a data correta da publicação de te foi a maneira como escravos e ad- uma estimativa da população escrava vogados usaram as leis (de 1871 e é 1829, e não 1929 (p.73, n.73) e pa- 1885) para defenderem seus interes- rece que a data da publicação do arti- ses nos tribunais. Como enfatiza go no jornal A Provincia de São Pau- Mendonça, “a lei de 1885 introduzia lo é 15 de dezembro de 1880, e não a possibilidade de intervenção direta 15 de dezembro de 1876 (p.182, n.79). de terceiros que causava enormes Estes dois livros são os primeiros de constrangimentos aos planos senho- uma série chamada “Coleção Várias riais, ao gradualismo [da abolição] tal Histórias”, editada pelo CECULT- como o concebiam”. (p.371) Centro de Pesquisa em História So- Os dois livros aqui comentados refle- cial da Cultura, da UNICAMP. Os tem a orientação da “Escola de Cam- editores se propõem a publicar livros pinas”. São trabalhos de primeira or- “ancorados em sólidas pesquisas dem, ambos originalmente disserta- empíricas” que “descobrem novos ções de Mestrado em História na problemas de investigação a partir UNICAMP. As autoras empregaram das perspectivas abertas pela histó- muitas fontes e pensam muito bem ria social”. Para mim, isso aconteceu. sobre as palavras, frases e idéias con- Aprendi muitíssimo com estes dois tidas nos documentos. Elas mostram livros sobre assuntos e pessoas que claramente as interpretações correntes me impressionaram por décadas. Es- na historiografia e o modo como suas tou aguardando os próximos livros da pesquisas se inserem nesse cenário. coleção. Estamos sempre diante de um pano- Dale Graden rama global e comparativo, e depois University of Idaho de uma “microanálise” baseada, por