Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
DIRETORIA DE BIODIVERSIDADE
GERÊNCIA DE PROJETOS E PESQUISAS
Fábio Vieira1
Resumo
O rio Doce drena os estados de Minas Gerais e Espírito Santo e representa a maior bacia de um conjunto
denominado genericamente como “leste brasileiro”. Está inserido no bioma Mata Atlântica, formação vegetal
que foi quase toda suprimida no decorrer das últimas décadas. Os registros indicaram a ocorrência de 71
espécies de peixes nativos (onze ameaçadas de extinção) e 28 exóticas. Impactos ambientais diversos são
observados ao longo de toda a drenagem e no conjunto respondem pela perda crescente de qualidade
ambiental para a ictiofauna. Ações para conservação são bastante tímidas em toda a bacia e demonstram
que a diversidade de peixes continuará a ser perdida progressivamente em médio/longo prazo, demandan-
do ações urgentes para estabilização e reversão do processo.
Abstract
The Doce river drains of Minas Gerais and Espírito Santo states and it represents the largest basin of a group
denominated as “Eastern Brazilian”. It belongs to the Atlantic rain forest bioma, vegetation formation that was
almost all suppressed during the last decades. Records indicated the occurrence of 71 native fish species
(eleven threatened of extinction) and 28 exotic species. Several environmental impacts can be observed
throughout the entire drainage and these impacts respond for the increasing loss of environmental quality for
the ichthyofauna. Actions for conservation are quite shy in the whole basin and they demonstrate that fish
diversity will continue decreasing in a medium/long term perspective, demanding urgent actions to stabilize
and reverse such process.
1
Biólogo, Doutor em Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre pela Universidade Federal de Minas Gerais, Caixa Postal -
4011, Belo Horizonte, MG, 31.250-970, Fundação Biodiversitas, riodocemg@gmail.com
FIGURA 1 - Bacia do rio Doce com destaque para os principais afluentes, MG/ES.
7
Foto: Fábio Vieira
FIGURA 3 - Rio Santo Antônio evidenciando águas de coloração escura, característica observada somente nessa drenagem.
FIGURA 4 - Lagoa Grande, margem direita do rio Doce, um típico ambiente lacustre do médio rio Doce.
Foi considerado como alto rio Doce o tre- do-rio-Doce (Steindachneridion doceanum),
cho compreendido entre as nascentes deste estão restritas a calha central dos rios
rio e a foz do rio Matipó. Nesse trecho da maiores. Os reservatórios de usinas hidrelé-
bacia existem registros de cerca de 70 espé- tricas construídas nessa área abrigam uma
cies de peixes, das quais 19 são exóticas fauna menos diversa, onde a maior parte
(aproximadamente ¼). O número de espé- das espécies é de pouca exigência quanto
cies nativas é relativamente alto em função às características do ambiente.
da ictiofauna do rio Doce ser considerada Entre as espécies registradas estão
por alguns autores como pouco diversa. algumas confirmadas como novas:
Praticamente todos os grandes grupos Trichomycterus sp. n e Rineloricaria sp. n,
da ictiofauna neotropical estão representa- que ocorrem somente na calha central em
dos na região. Siluriformes é o mais diver- trechos de fundo rochoso e correnteza
so, destacando-se as famílias Loricariidae moderada a forte
(9 sp.), Trichomycteridae (5 sp.) e
Pimelodidae (4 sp.). Os characiformes são Médio rio Doce
representados por vinte espécies nativas.
Nessa ordem, a família com maior número Esse trecho engloba as drenagens do
de espécies é Characidae (11 sp.), seguida rio Doce no trecho compreendido entre a
de Anostomidae (4 sp.). foz do rio Matipó até a divisa dos estados
Uma grande parcela das espécies que de Minas Gerais e Espírito Santo. Nesse
compõem a ictiofauna nesse trecho da bacia trecho existem registros de mais de 70
é de pequeno a médio porte (até 30 cm), e espécies de peixes, das quais número ele-
ocorre principalmente em trechos lóticos. vado é representado por exóticas.
Espécies de maior porte, como o dourado Siluriformes é o grupo mais diverso, com 21
(Salminus brasiliensis - exótico) e o surubim- espécies nativas, entre as quais o caçari
C D
G H
I J
K L
C D
E F
G H
I J
2
Peixes reofílicos são aqueles que necessitam do ambiente lótico para completarem o seu ciclo de vida. Esses peixes podem ser
migradores ou não.
3
O termo diádromo é utilizado para designar as espécies de peixes que migram entre os ambientes marinhos e dulcícolas.
BIZERRIL, C.R.S.F. Análise taxonômica e biogeo- MARQUES, M.M. & BARBOSA, F.A.R. Áreas priori-
gráfica da ictiofauna de água doce do leste tárias para a conservação da biodiversidade aquáti-
brasileiro. Acta Biológica Leopoldensia, v. 16, p. 51- ca no trecho médio da bacia do rio Doce, MG. São
80, 1994. José do Rio Preto, Naturalia, n. 27, p. 211-229, 2002.
DRUMMOND, G. M. et al. Biodiversidade em Minas OTTONI, F.P. & COSTA, W.J.E.M. Taxonomic revi-
Gerais: um atlas para sua conservação. 2.ed., Belo sion of the genus Australoheros Rícan & Kullander,
Horizonte: Fundação Biodiversitas 2005, 222p. 2006 (Teleostei: Cichlidae) with descriptions of nine
new species from southeastern Brazil. Vertebrate
ESPINDOLA, H.S. Sertão do rio Doce. Bauru-SP: Zoology, v. 58, n. 2, p. 207-232, 2008.
EDUSC, 2005, 485 p.
PEREIRA, E.H.L.; VIEIRA, F. & REIS, R.E. A new
FUNDAÇÃO CENTRO TECNOLÓGICO DE MINAS species of sexually dimorphic Pareiorhaphis Miranda
GERAIS-CETEC. Diagnóstico Ambiental do Estado Ribeiro, 1918 (Siluriformes, Loricariidae) from the rio
de Minas Gerais. Belo Horizonte: CETEC, Doce basin, Brazil. Neotropical Ichthyology. , v. 5, n.
1983,158p. (Série Publicações Técnicas) 4, p. 443 - 448, 2007.
GÉRY, J. The freshwater fishes of South America. In. PETTS, G.E. Long-term consequences of upstream
FITTKAU, E.J. et al. (Eds.) Biogeography and eco- impoundment. Environmental Conservation, n. 7, p.
logy in South America. The Hague: Kluwer Academic 325-332, 1984.
Publishers, v. 2, 1969, p. 828-848.
RINGUELET, R.A. Zoogeografía y ecología de los
GODINHO A.L. Peixes do Parque Estadual do Rio peces de aguas continentales de la Argentina y con-
Doce. Belo Horizonte: Instituto Estadual de sideraciones sobre las áreas ictiológicas de América
Florestas/Universidade Federal de Minas Gerais, del Sur. Ecosur, n. 2, p. 1-122, 1975
1996, 32p.
SUNAGA T. & VERANI, J.R. The fish communities of
GODINHO, A.L., FONSECA, M.T. & ARAÚJO, L.M. the lakes in Rio Doce Valley, Northeast, Brazil.
The ecology of predator fish introductions: the case Verhandlungen der Internationalen Vereinigung für
of Rio Doce valley lakes. In: PINTO-COELHO, R. M., Theoretiche und Angewandte Limnologie, v. 24, p.
GIANI, A.; VON SPERLING, E. (Eds.) Ecology and 2563–2566, 1991.
Human Impact on Lakes and Reservoirs in Minas
Gerais with Special Reference to Future VAN DYKE, F. Conservation biology: foundations,
Development and Management Strategies. Belo concepts, applications. 2.ed., New York: Springer-
Horizonte: SEGRAC, 1994, p. 77-83. Verlag, 2008, 478p.
HELFMAN, G.S. Fish conservation: a guide to VIEIRA, F. & POMPEU, P.S. Peixamentos: uma
understanding and restoring global aquatic biodiver- alternativa eficiente? Ciência Hoje, São Paulo, v. 30,
sity and fishery resources. Washington, DC: Island n. 175, p. 28-33, 2001.
Press, 2007, 584p.
VIEIRA, F. Estrutura de comunidades e aspectos da
MACHADO, A.B.M.; DRUMMOND, G.M. & PAGLIA, alimentação e reprodução dos peixes em dois lagos
A.P. (Org.) Livro vermelho das espécies ameaçadas do médio rio Doce, MG. 1994, 64f. Dissertação
de extinção da fauna brasileira. Brasília: MMA; Belo (Mestrado em Ecologia, Conservação e Manejo de
FIGURA 1 - Exemplar de timburé-beiçudo (Leporinus thayeri) coletado no rio Santo Antônio, bacia do rio Doce, MG. Obs. fotografia a
partir de exemplar conservado em álcool e mantido na coleção de peixes da UFMG.
registros recentes é ocasional e ao que científica até 1979, quando então foi consid-
tudo indica, as populações mais represen- erado um sinônimo de Leporinus mormyrops
tativas estão na drenagem do médio rio (GARAVELLO, 1979). Essa condição per-
Santo Antônio, na bacia do rio Doce em durou até que GaravelloO & Britski (2003)
Minas Gerais. voltaram a considerar a espécie como váli-
Após ter sido descrita não foram da. Segundo Vieira (2005; 2006), é uma
feitos novos relatos da espécie na literatura espécie que atinge pouco mais de 25
única alternativa viável para que gerações VIEIRA, F. Distribuição e aspectos da biologia e con-
futuras possam ver esse peixe nos seus servação de Leporinus thayeri (Anostomidae) nas
drenagens do leste brasileiro. In. ENCONTRO
ambientes naturais. Adicionalmente, deve- BRASILEIRO DE ICTIOLOGIA, 16, 2005.
se considerar que a manutenção de um Resumos... João Pessoa, PB, 2005.
estoque ex-situ através de reprodução em VIEIRA, F. Ictiofauna do rio Santo Antônio, bacia do
cativeiro, como realizada na CESP — rio Doce: proposta de conservação. 2003. Tese
(Doutorado em Ecologia, Conservação e Manejo de
Companhia Energética do Estado de São Vida Silvestre) Belo Horizonte: Universidade Federal
Paulo, pode representar uma linha paralela de Minas Gerais, 2006, 101 p.
de conservação (Vieira & Birindelli, 2008), VIEIRA, F.; ALVES, C. B. M.; POMPEU, P. S.;
embora não represente qualquer garantia VONO, V. Peixes ameaçados de Minas Gerais. In:
DRUMMOND, G. M. et al. (Org.). Listas vermelhas
de manutenção dos estoques selvagens. das espécies da fauna e flora ameaçadas de
extinção em Minas Gerais. 2. ed. Belo Horizonte:
Fundação Biodiversitas, 2008. 1 CD-ROM.
Fábio Vieira
Biólogo, Doutor em Ecologia, Conservação e VIEIRA, F.; GASPARINI, J. L. Os peixes ameaçados
Manejo de Vida Silvestre pela Universidade Federal de extinção no Estado do Espírito Santo. In: PAS-
de Minas Gerais, Caixa Postal - 4011, Belo SAMANI, M. & MENDES, S. L. (Org.). Espécies da
Horizonte, MG, 31.250-970, Fundação Biodiversitas, fauna ameaçadas de extinção no estado do Espírito
riodocemg@gmail.com Santo. Vitória, IPEMA, 1. ed., 2007.