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Resumo
Nas décadas de 1980-90, a marca italiana de roupas Benetton, trouxe
ao mundo uma campanha intitulada “United Colors of Benetton”, criada pelo
fotógrafo italiano Oliviero Toscani. A campanha consistia em fazer publicidade
fugindo dos estereótipos de beleza e perfeição, lugar-comum das campanhas
publicitárias até então, e, para isso, Toscani criou o conceito de campanhas
realistas, com imagens que faziam parte do cotidiano da sociedade e que, de
alguma forma, mexia com as pessoas. Dentre os temas abordados nas
imagens de Toscani, este artigo tem por objetivo analisar o racismo, tema tido
como superado por parcela da população, mas que causou grande polêmica ao
tornar-se anúncio. Para isso, vamos nos basear na semiótica de Peirce como
instrumento de análise das campanhas da Benetton e também para entender o
motivo da reação causada pela imagem.
Palavras-chave
Benetton; Oliviero Toscani; campanhas realistas; racismo; semiótica.
Abstract
In the decades of 1980-90, the Italian brand Benetton clothing, brought
the world a campaign titled "United Colors of Benetton", created by Italian
photographer Oliviero Toscani. The campaign consisted of advertising running
from the stereotypes of beauty and perfection, a commonplace of advertising
campaigns so far, and for that, Toscani created the concept of realistic
campaigns, with images that were part of everyday society, and some shape,
moved with them. Among the topics covered in images of Toscani, this article
1
Graduando do Curso de Comunicação Social – Relações Públicas da Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho” – Unesp/Bauru.
aims to analyze racism, an issue regarded as superseded by section of the
population, but it caused great controversy by becoming the ad. For this, we
rely on Peirce's semiotics as an analytical tool of the Benetton campaigns and
also to understand the reason for the reaction caused by the image.
Key words
Benetton, Oliviero Toscani, realistic campaigns; racism; semiotics.
Introdução
Contratado em 1983 pela grife italiana Benetton, Olivieri Toscani,
fotógrafo italiano, deu novo aspecto às campanhas publicitárias. Focando
somente a marca, e não o produto, Toscani criou uma campanha institucional
de forma inovadora, pois suas criações utilizavam uma imagem que causava
reflexão e trazia apenas a mensagem “United Colors of Benetton” para divulgar
a marca italiana. Desse modo, Toscani conseguiu trazer à Benetton mais do
que uma mera divulgação, ele colocou a marca no centro de discussões acerca
dos mais variados temas no mundo todo, como o racismo, guerras, AIDS, entre
outros assuntos que causaram grande repercussão nos mais diversos países.
Embora toda a campanha seja de grande interesse, vamos nos ater a um
destes temas abordados nas propagandas da Benetton: o racismo.
Ilustrado em mais de uma peça, a temática da etnia causou grandes
discussões sobre preconceito no mundo, onde algumas peças tiveram inclusive
de ser retiradas. Tema delicado em muitas sociedades, onde o regime
escravocrata gerou enormes desigualdades sociais entre brancos e negros, o
preconceito racial parece ser um tema superado e até entendido como
resolvido por muitas pessoas hoje em dia. O que se verificou, porém, com a
veiculação dessas propagandas da Benetton, foi que o que existe, na verdade,
é uma hipocrisia para lidar com o assunto, que ainda parece ser uma ferida
aberta em muitas sociedades. O racismo se tornou uma manifestação velada,
muitos pensamentos preconceituosos ainda fazem parte do imaginário popular
e se manifestam através de ditos e pensamentos populares de uma forma sutil,
que passa despercebida no dia-a-dia das pessoas. Pensamentos que dizem
que é mais educado se referir a alguém como moreno, pois negro é ofensivo,
ou associar religiões africanas como culto ao diabo, ainda são muito comuns
na atualidade. Contudo, se camuflam como falta de informação e continuam a
serem disseminados entre a população.
O objetivo deste artigo é exatamente este: desmistificar a questão étnica
na sociedade contemporânea, revelando o quão impactante uma simples
imagem pode ser, unicamente por trazer à tona este assunto, e também
levantar hipóteses de como o preconceito se manifesta hoje em dia. Para tanto,
utilizaremos a semiótica de Charles Sanders Peirce para analisar de que modo
essas propagandas são percebidas e decodificadas pela sociedade e que
leituras podem ser feitas sobre o tema através de uma campanha publicitária.
A questão étnica
Quando o colonizador europeu chegou nas Américas, seu objetivo inicial
foi explorar e conquistar as terras recém-descobertas para gerar riquezas para
a metrópole. Para isso, logo constatou-se que seria necessário mão-de-obra
escrava, que foi trazida do continente africano pois, além de representar
grande força de trabalho, o tráfico negreiro era altamente rentável para os
europeus. Durante esse período ficou obvio o abismo que havia se
estabelecido entre os brancos europeus e os negros africanos, que se
tornaram propriedades, isto é, foram subjugados e desumanizados.
Mesmo após o fim da escravidão, o preconceito continuou acentuado em
diversos países, como os EUA, onde surgiram clãs de extermínio de
afrodescendentes, como o Ku Klux Klan, e a África do Sul, onde os
descendentes de holandeses, os bôeres, instituíram o apartheid, o que só
contribuiu para aumentar ainda mais as diferenças entre os povos e disseminar
o ódio de um pelo outro.
Com o fim da Guerra Fria, muitas guerras civis na África chegaram ao
fim, com os países africanos assumindo autonomia. Nesse mesmo período, o
apartheid chega ao fim na África do Sul e cada vez mais ações afirmativas são
adotadas a fim de minimizar as diferenças e o preconceito racial herdado do
período colonial e este parecia um objetivo cada vez mais próximo. Porém, o
que se pôde perceber com a criação das campanhas da Benetton é que este
ainda é um tema delicado, que permanece na consciência das pessoas, e que
estava sendo apenas ignorado.
United Colors of Benetton
Com a série de propagandas criadas por Oliviero Toscani para compor a
campanha institucional da Benetton, o fotógrafo tocou em pontos sensíveis de
uma sociedade que se mostrava forte e igualitária, mas que na verdade não
suporta a exposição à temas provocantes e que reavivam sentimentos
adormecidos. Foi o que ocorreu com a série de imagens com enfoque étnico,
que repercutiu em diversas nações e trouxe a questão do racismo à discussão
novamente.
O tema parecia resolvido para muitas pessoas, quando estava apenas
sendo disfarçado, ignorado, mantido no silêncio. Ao se deparar com o passado
e tudo o que isso implica, o indivíduo se sente confrontado, incomodado. As
imagens chamam a atenção para a união entre as etnias, para a semelhança
de todos os indivíduos em sua essência. Por expor isso de forma crua, a
campanha gerou muita recusa em aceitar o que estava sendo difundido.
Nos EUA e na Inglaterra os outdoors com imagens da campanha United
Colors of Benetton foram retirados por causar desconforto nos cidadãos e
trazer de volta a questão da escravatura. O que revela que isso ainda é uma
ferida aberta para muitas pessoas e que o problema ainda existe.
Conclusão
Por se tratar de uma campanha subjetiva, ela deixa esses dois vieses de
pensamento, o que faz com que as pessoas projetem na imagem da campanha
suas próprias acepções, fazendo-as enfrentar seus preconceitos e encarar sua
hipocrisia, causando o já citado desconforto e os protestos contra as imagens
sob o pretexto de serem segregacionistas.
Como dissertado até aqui, o preconceito ainda é vivo na cabeça das
pessoas, e todos têm seus momentos racistas, embora poucas pessoas se
assumam e reconheçam ser, de fato, preconceituosas. Porém, esse é um tema
que não pode ser esclarecido, por assim dizer, sem ser abertamente debatido e
contextualizado. Não podemos mais fingir uma perfeição que não existe.
É nessa realidade que as propagandas da Benetton se inseriram e foi
essa realidade que elas abordaram, demonstrando para as pessoas e, mais
que isso, expondo-as aos seus preconceitos e fazendo-as encarar uma
realidade que elas, muitas vezes, não queriam enxergar. Todo esse cenário
serve para mostrar o poder da comunicação mesmo onde ela possa parecer
como banal. Trazer essa discussão à sociedade foi algo de incrível para o que
poderia ser mais uma simples campanha publicitária, mas ela transcendeu ao
seu objetivo inicial e ainda conseguiu colocar a marca Benetton como uma
marca preocupada com questões socioculturais, fazendo com que ela também
extrapolasse seu caráter de ser apenas mais uma grife de roupas e adquirisse
status de marca politizada e interessada nas questões da sociedade. Desse
modo, podemos exemplificar como a comunicação pode ser uma ferramenta
abrangente e de grande impacto se usada de forma coerente, e podemos
concluir também que o trabalho do profissional de comunicação social, como o
relações-públicas, pode influenciar diretamente não só na imagem que as
empresas vão transmitir aos seus consumidores/clientes, como também pautar
o tema a ser discutido na sociedade através de propagandas bem elaboradas.
Após os dados levantados podemos concluir que o preconceito deve ser
encarado pela sociedade com um assunto inacabado a ser amplamente
discutido para que se possa, talvez, chegar a um ponto consensual que a
igualdade deve ser uma meta a ser alcançada por todos os indivíduos para que
possamos assim respeitar de fato os Direitos Humanos. Podemos concluir
também que a comunicação pode, e deve, ser usada não apenas para vender,
mas também para informar, integrar, discutir, revelar, analisar, fazendo com
que temas de interesse coletivo sejam expostos de forma critica e produtiva,
gerando conteúdo social, econômico, ambiental e cultura, e provocando o
raciocínio sobre estes temas para gerar um desenvolvimento em todas estas
áreas e, acima de tudo, um enriquecimento pessoal, de cada individuo, pois só
assim nossa sociedade poderá ser classificada como uma sociedade racional,
igualitária. Enfim, humana de fato.
Referências bibliográficas
SILVA, Daniela Regina da; BARRETO, Michael José; FACIN, Tereza Cristina.
Publicidade: A Fada Madrinha da Realidade. Disponível em:
<http://galaxy.intercom.org.br:8180/dspace/bitstream/1904/19376/1/Daniela+Sil
va-Michael+Barreto-Tereza+Facin.pdf> Acesso em 06 nov 2010
SILVA JR., Juarez C. da. Não Queríamos Ser Racistas: uma reação aos que
insistem em dizer que não somos uma nação com
problemas de cor. Disponível em:
<http://www.movimentoafro.amazonida.com/nao_queriamos_ser_racistas.PDF
> Acesso em 06 nov 2010