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A Coruja
Eliseo Véron

Observações preliminares

Esse estudo faz parte de uma série de análises do discurso de imprensa dita "de informação",
da qual algumas já foram publicadas. O ponto de partida era bem específico: tratava-se de descrever o
funcionamento discursivo de um tipo semanal de informação que chamaria de "burguês", por
oposição à imprensa semanal "popular", e isso no contexto de uma sociedade particular (a argentina) e
no período onde, precisamente, esse tipo "moderno" de semanário apareceu pela primeira vez (1962).
Além de variações e tonalidades devidas à influência de cada cultura "nacional", era ao mesmo tempo
evidente que se tratava de um fenômeno de alcance internacional associado a uma certa etapa do
desenvolvimento da imprensa nas sociedades industriais capitalistas, e do qual as primeiras
manifestações de importância foram o Times nos Estados Unidos e Der Spiegel na Europa. Não se
pode esquecer que, de uma parte, a clivagem entre uma imprensa dita "séria" ou de qualidade e uma
imprensa "popular" ou sensacionalista é praticamente universal, ao menos nos países ocidentais e, de
outro lado, essa clivagem não caracteriza somente a imprensa cotidiana e a imprensa semanal de
informação: pode manifestar-se também (segundo os países) dentro de outros "gêneros", como por
exemplo, as publicações consagradas ao esporte, à juventude etc. Além disso, esse desdobramento
tem uma história, quer dizer, que ele atravessou numerosas transformações e diferentes períodos de
estabilização. No que diz respeito à imprensa semanal de informação, tratava-se, precisamente, de
compreender a emergência, num contexto social específico, da fórmula "moderna" de semanário
"burguês".
Temos que lembrar rapidamente aqui alguns critérios metodológicos.
Primeiro, a manipulação dos textos é sempre orientada por um critério comparativo. Por
razões teóricas, parece-me necessário destruir a ilusão que consiste em querer instaurar um tipo de
"posição de imanência" que permitiria fazer o estudo do texto "em si". Dentro da rede discursiva da
produção social do sentido, um tipo de discurso só define seu lugar como decalagem em relação a
outros tipos de discursos. O que se pode descrever num texto é o que o diferencia de um outro texto (e
então ao mesmo tempo, necessariamente o torna igual a ele).
A questão decisiva é, pois, a de definir os princípios da comparação (como é o caso aqui).
Estamos concernidos por uma leitura ideológica dos discursos e pelas relações dos discursos no poder,
a comparação coloca em jogo as relações entre os textos analisados e as condições sociais de
produção. Isso por sua vez devendo ser caracterizadas no quadro dos mecanismos fundamentais da
formação social onde os textos foram produzidos. Pegamos, precisamente, como ponto de partida o
desdobramento do discurso na imprensa semanário, isto é, a existência semanal consumida pelas
camadas médias e pela burguesia (que eu clamo de semanários burgueses) e de semanários que
circulam essencialmente na classe operária (semanários populares). Como eu já disse, essa clivagem é
quase universal na imprensa escrita dos países industriais. O princípio comparativo se traduz por um
agrupamento dos textos em dois tipos, caracterizados por uma diferença sistemática: eles são (dentro
de um mesmo "gênero" socialmente definido do discurso informativo semanal) os textos dirigidos à
classes sociais diferentes. Esta variação sistemática toca às condições de produção: o destinatário de
um tipo de discurso faz parte das condições de produção desse discurso. No caso, trata-se de uma
diferença no nível das condições de produção que reenvia a uma diferença sistemática na circulação
dos textos. Temos que notar que os próprios produtores não são caracterizados pela mesma diferença.
Os dois tipos de discursos semanais ("burguês" e "popular") são produzidos pelos mesmos grupos que
controlam, dentro da estrutura do poder, os mass media. É por isso que falei de desdobramento do
discurso da informação feito pela classe do dominante.
Para constituir certos dos meus corpus (dentre os quais aquele do qual vou tratar neste
trabalho), eu apliquei também um critério batizado de critério da "invariante referencial". Os textos
comparados pertencem aos dois tipos de semanários, se baseiam no mesmo evento da "atualidade".
Esse critério nos apareceu como muito importante, sobretudo nas primeiras etapas da pesquisa, porque
nos permitiu não atribuir as diferenças escritas a uma diferença de conteúdo ou de tema entre os textos
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comparados). À medida que avançávamos no estudo dos dois tipos de discurso, foi possível
abandonar essa regra. É evidente que uma caracterização global dos dois tipos deve poder ser feita
independentemente dos conteúdos que, de semana em semana, cada tipo de semanário toma como
objeto do seu discurso.
Terceiro, apesar de a análise das operações discursivas ter-se apoiado num primeiro momento
sobre corpus particulares, temos constituído uma amostra dos semanários argentinos para o período
considerado (1960-1970). Cada comparação concernindo uma diferença entre dois tipos de semanários
dentro de um corpus dado foi, num segundo tempo, confrontado à amostra baseada em dez anos de
semanários, mas é possível percorrer a amostra na busca de uma operação precisa, já identificada, da
qual trata de estabelecer o alcance como traço definindo uma decalagem estável entre os dois tipos de
discursos. Acentuaremos que as diferenças que serão tratadas aqui, descritas sobre o material de um
corpus específico, passaram todas pela prova da amostra. Em outras palavras, só vamos reter no nosso
relatório (como também na pesquisa em si) as descrições que revelam diferenças regulares entre os
dois tipos de semanários.
Quatro, o nosso ponto de partida sendo uma diferença objetiva, a saber a clivagem de classe
sob o plano da consumação, temos que notar que poderíamos ter chegado à conclusão que esses dois
tipos de semanários, produzidos pela dominante para serem consumidos em dois níveis distintos da
estrutura de classes, não apresentava portanto diferenças consistentes enquanto discurso. É claro,
minha hipótese(baseada numa intuição não explícita) estava no começo contrária. Mas tratava-se
precisamente de ver se seria possível descrever em detalhes essas diferenças que poderíamos "sentir
intuitivamente", ou se essa intuição se revelava, em última instância, ilusória. Sobre este ponto, a
sistematicidade e a regularidade dos resultados devem servir como prova.
Isto dito, há um certo número de problemas metodológicos que não são inteiramente
esclarecidos e sobre os quais queria chamar a atenção antes de abordar a análise do corpus.
Natureza das regras descrevendo o processo de produção.
Para designar o conjunto dos elementos extra-textuais que têm que relacionar com os textos
analisados para ressaltar a ideologia, falo de condições de produção. Porém, trata-se de uma expressão
genérica, equivalendo a "sistema produtivo" ou "condições produtivas" em geral, dentro da qual teria
que distinguir as condições de reconhecimento. Falo, de outro lado, de processo de produção para
designar as regras que dão conta das propriedades discursivas descritas nos textos, devolvendo a um
sistema de distâncias inter-textuais.
O processo de produção tem, então, sempre a forma de uma descrição de operação discursiva,
postulada a partir de uma manipulação das superfícies textuais. Podemos dizer assim que essa busca
sobre o discurso da informação nos dois tipos de semanários concerne rastros, ao nível do processus
de produção dos textos, levando a certas condições diferenciais de produção que decorrem de uma
variação sistemática nas condições de circulação (e então, de reconhecimento) desses textos. O
relacionamento dos textos com suas condições de produção leva à questão da leitura ideológica, a
circulação-reconhecimento leva aos modos de inserção dos discursos na estrutura dos relacionamentos
sociais e leva à questão do poder.
Um importante problema de métodos é o de natureza das regras que descrevem as operações
que constituem o processo de produção dos textos analisados. Dissemos que as distâncias inter-
textuais, para serem relevadas, devem ser sistemáticas e regulares. O que esses adjetivos querem dizer
realmente?
A regularidade concerne à estabilidade temporal das regras. Trata-se então de regras
permitindo caracterizar uma certa produção textual para um período determinado. A amostra serve,
desse ponto de vista, de controle. No nosso campo, como já dissemos, o período é de dez anos. É
evidentemente bem difícil justificar teoricamente um tal critério quantitativo; de outro lado, esse
critério vai variar segundo o tipo de textos estudados e segundo a natureza das condições tomadas em
consideração. O período escolhido (1960-1970) corresponde à aparição e à consolidação do tipo
"burguês" de semanários na Argentina. As decisões concernindo ao período de "controle" para
verificar a regularidade das regras de produção (isto é, para poder dar-lhes estatuto de verdadeira regra
de produção) resultam, como vemos, de uma combinação de critérios que decorrem e do tipo de texto
estudado e da história desses textos.
O critério de sistematicidade é, ao mesmo tempo, importante e muito difícil de definir.
Diremos primeiro que a comparação entre os textos que compõem nosso corpus opera em dois
níveis e em dois momentos diferentes da pesquisa. Numa primeira etapa, trata-se de identificar e
de descrever operações discursivas das quais a comparação indica que concerna diferenças entre
os dois tipos de textos. Aqui vemos que a comparação funciona de uma maneira, por assim dizer,
pontual se nos situamos, por exemplo, ao nível do que temos chamado a quadragem discursiva. A
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comparação é direcionada, num dado momento, sob esse só aspecto da organização do discurso.
Isolamos operações específicas na quadragem, dentro de cada grupo de textos, e tentamos
determinar se tem uma distância e em que consiste. Nesta etapa da descrição, a comparação é sobre
operações isoladas, localizadas em cada texto. Mas à medida que a descrição avança, o problema é
conseguir captar o conjunto do funcionamento discursivo, para conseguir constituir tipos de
discursos. Torna-se então necessário analisar o sistema de relações existentes entre as propriedades
discursivas que foram identificadas, uma a uma. Esse sistema de relações é bastante complexo
porque as operações identificadas dentro de cada tipo podem concernir níveis de organizações
discursivas muito diferentes. Nessa etapa, o problema é de poder sintetizar o conjunto de
resultados obtidos, e é em função de uma tal síntese que podemos falar de grau relativo de
sistematicidade, caracterizando o efeito de sentido global atribuído a cada tipo de discurso.
Podemos logo acrescentar que é somente no quadro dessa síntese que se situe a leitura ideológica
desses discursos.
Essa segunda etapa, visando à estruturação das regras que descrevem operações discursivas
num modelo de conjunto, deveria então tender à reconstituição da gramática de produção dos
discursos analisados. Eu mesmo tenho utilizado essa metáfora linguística. Não me parece perigosa
a condição de tomar conta de pelo menos duas restrições limitando aqui o sentido do termo
"gramática". A primeira restrição releva do caráter necessariamente fragmentário ou seletivo de
uma leitura ideológica dos textos. A segunda concerne à forma das regras de produção que
tratamos nesse tipo de análise.
A leitura ideológica de um conjunto textual (como também toda leitura) é necessariamente
parcial. Quero dizer que abordamos os textos a fim de encontrar rastros de suas condições
ideológicas de produção. Não temos nem um pouco a pretensão de dar conta desses textos de
maneira exaustiva, mas somente de chegar a identificar e descrever o que, na organização
discursiva dos textos, releva de ideológico. Isto equivale a dizer, como vemos, que não há só
ideológico nos discursos. A leitura ideológica não é a única aproximação possível de um conjunto
textual. Não é nossa intenção, por conseguinte, reconstituir uma "gramática textual" que daria
conta da totalidade dos aspectos do funcionamento de um tipo de discurso dado, como é o caso de
certas soluções propostas ultimamente. Temos que reconhecer que essas soluções estão longe de
atingir o objetivo que tinham fixado. Elas fazem então uma utilização puramente metafórica da
noção de gramática, qualquer que sejam as aparências devidas a uma aparelhagem "técnica" e de
"formalização" (em geral de estilo transformalista) que elas têm tendência a revestirem-se. Porém,
se a constituição de uma gramática textual com intenção exaustiva é no momento um objetivo
totalmente utópico (diria até uma fonte de confusões e de mal-entendidos decorrentes de um tipo
de efeito de prestígio ligado a certas formas de esquematização e de representação), é por razões
que derivam da natureza mesmo dos fenômenos textuais. Temos então que lembrar aqui um
princípio que tinha proposto, bem que de uma maneira pouco clara na medida em que eu falava de
"discurso", onde teria que ter falado de "textos". Segundo esse princípio, o conceito de texto não é
um conceito teórico (no sentido que suporia uma homogeneidade qualquer do objeto que designa)
mas uma noção puramente descritiva. Os textos produzidos e difundidos dentro de uma dada
formação social (e são esses textos que nos interessam) são, por assim dizer, os locais de
manifestação de uma pluralidade de sistemas de constrangimentos; são "atravessados" por leis que
relevam de ordens diferentes de determinação e funcionamento. Não é contraditório encarar a idéia
de um tipo de meta-modelo, de uma teoria que abrangeria o conjunto desses sistemas de
determinação, mas é preciso reconhecer que no momento trata-se mais de ficção científica do que
de um objetivo razoável para a pesquisa sobre o discurso. Se queremos reter esse termo de
"gramática" para fazer alusão à finalidade da análise, temos que sublinhar então que trataria, no
melhor dos casos, de uma gramática de ideologia nos discursos estudados, isto é, de um modelo
que toma conta apenas de um tipo de determinação produtiva.
A segunda restrição do emprego do termo "gramática" concerne, já dissemos, à forma das
regras compondo o modelo global da produção de um tipo de discurso.
Será que essas regras expressam as tendências achadas nos textos, isto é, será que abrangem
em definitivo leis estatísticas ou então será que devem ter uma forma qualitativa comparável,
precisamente, a uma regra de gramática? Para ir direto ao fundo da questão eis a resposta: não vejo
nenhuma dificuldade para que essas regras de produção possam (ou melhor, devam) ser
expressadas, em última instância, sob forma quantitativa. Bem que teria na minha opinião, antes de
dar-lhes eventualmente essa forma, de ir o mais longe possível no sentido de uma formulação do
tipo "regras de gramáticas", isto é, no sentido de uma formulação qualitativa. Queria ilustrar esse
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princípio prático com um exemplo, porque o problema é muito importante do ponto de vista da
estratégia de uma análise de discurso. Através desse exemplo vamos entrar no assunto.

A propósito de operações de identificação

Vamos tomar o caso de uma regra de produção já enunciada num trabalho anterior e que trata
de operações de referenciação na quadragem discursiva dos semanários, isto é, as modalidades de
identificação do evento singular que é o objeto do discurso informativo. Tínhamos constatado que
a quadragem do discurso "popular" contém operadores de identificação do evento, enquanto que
nos semanários "burgueses" o texto dos títulos ou dos sub-títulos não contêm operadores de
identificação. Expressamos assim uma diferença bem regular entre os dois tipos de discursos.
Portanto, sob essa forma a regra só pode ter um sentido estatístico. Isto é, ela expressa mais uma
lei tendencial, porque é sempre possível achar, bem que em pequena proporção, títulos de
semanários burgueses contendo operadores de identificação. O problema posto é o seguinte:
chegado nesse ponto da descrição, o que fazemos das excessões?
O princípio prático enunciado antes recomenda evitar, na medida do possível, uma
formulação tendencial prematura. Se em relação à questão dos operadores de identificação
tínhamos parado aí, tínhamos nos fechado o acesso à descoberta de outras propriedades dos textos
estudados, dos quais a explicação permite reformular e especificar regras concernindo à quadragem
discursiva. O processo descritivo sempre se desenvolve dessa forma: o ponto de referência de uma
diferença sistemática dá lugar à enunciação de uma regra de produção, mas essa última é testada
sobre outros textos e, por consequente, é modificada e reformulada várias vezes, tentando cada vez
mais tomar em consideração as restrições produtivas cada vez mais específicas.
O quadro 1 reproduz o material linguístico da quadragem discursiva correspondente ao
primeiro corpus que eu tinha constituído a propósito de um evento de violência política. Trata-se
do assassinato de Rosendo Garcia, líder do sindicato dos metalúrgicos, que aconteceu em Buenos
Aires na noite de 13 a 14 de maio de 1966. Os semanários "burgueses" não tinham colocado o
evento na capa. No quadro 1, os títulos (1) e (2) da coluna da esquerda são os títulos internos de
um semanário burguês. O título (3) corresponde à quadragem de capa do único semanário popular
que existia na época. Sublinhamos os títulos (1a) e (2a) para indicar que trata-se de títulos de sub-
seção.
Há no quadro 1 uma exceção importante à regra geral sobre o emprego de operadores de
identificação, isto é, o título. Ele corresponde à quadragem num dos semanários burgueses e,
apesar do que nos diz a regra, revela uma operação de identificação marcada pelo localizador
"Avellaneda".

Quadro 1
Quadragem discursiva no corpus RG

TIPO B TIPO P

(1) a La Nacion (3) a Assassinato político


b Los primeiros disparos b Seis peronistas crivados de balas

(2) a Sindicatos
b El tiroteo de Avellanda

Comparemos primeiro (1) e (3). Não vemos aqui nenhum problema; trata-se da regra
concernindo à identificação: não há identificadores na quadragem do discurso burguês (1); no (3),
ao contrário, o sub-título identifica o assassinato político do qual se trata: "seis peronistas crivados
de balas". A comparação entre (1) e (3) mostra bem então a diferença típica entre os dois tipos de
discurso assim que a conhecemos.
Temos agora que analisar mais de perto (2) e (3). Nos casos (pouco freqüentes) onde o
semanário burguês utiliza operadores de identificação, trata-se do mesmo emprego que aquele
(mais frequente) do semanário popular? Isto é a questão decisiva, porque se podíamos mostrar que,
apesar da presença de uma mesma operação atestada por uma marca em superfície (nome próprio,
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localizador, elementos aspectuais etc.), temos aqui dois empregos diferentes, então não se trataria
de uma excessão à regra, mas de um fenômeno que deveria nos levar a reformular essa última para
levar em consideração uma nova diferença. Podemos acrescentar que damos aqui à noção de
emprego um sentido puramente descritivo que pode ser logo especificado: trata-se de ver se uma
mesma operação (identificação, no sentido de referenciação a um membro singular de uma classe),
se integrando em contextos discursivos diferentes, não contribui para produzir, por consequência,
dois efeitos de sentido diferentes.
A comparação entre (2) e (3) nos parece particularmente interessante, porque numa primeira
abordagem parece que os dois conjuntos de títulos têm uma estrutura idêntica. Há, efetivamente,
nos dois casos uma articulação título/sub-título pela qual o título (a) definiria uma classe (a dos
eventos dos quais os sindicalistas são os atores: a dos assassinatos políticos) e o sub-título (b)
envolveria o operador, produzindo a identificação ("Avellaneda", de um lado; "Seis peronistas
crivados de balas", de outro lado).
Porém, essa identidade de estrutura é puramente ilusória, ou, se preferirmos, só pode ser
obtida pelo meio de uma aplicação abusiva de critérios lógicos, não tomando conta das operações
que definem, em cada caso, o contexto discursivo onde se localizam as marcas determinadas (em
ocorrência, a de uma operação de identificação).
Comparamos primeiro (2a) e (3a). Não há dúvidas que (2a) é o nome de uma classe: a dos
eventos que concernem aos sindicalistas. Essa interpretação é mais fundada ainda por tratar-se de
um título de sub-seção num semanário burguês, desses títulos que, não sendo necessariamente
utilizados toda semana, são entretanto regularmente empregados para designar um sub-conjunto
particular de eventos sociais. Nos semanários burgueses e dentro do período estudado, essa sub-
seção pode apresentar ligeiras variações no título: "Sindicatos" e também "Sindicalismo". Todas
essas expressões são atestadas. Essa outra também, sempre como título de sub-seção: CGT (sigla
da Confederação Geral do Trabalho). Acreditamos que até essa última expressão, na medida em
que ela é um título de sub-seção utilizado regularmente, deve ser tratada como nome de uma
classe, apesar de poder parecer paradoxal, já que ela funciona na maioria dos contextos quase como
um nome próprio. Vemos assim que é essencialmente em termos de suas posições discursivas que
consideramos os títulos de sub-seção dos semanários burgueses como nomes de classes, ou
melhor, de sub-classes contidas nessa classe que é a seção (La Nacion, El Pais etc.).
Portanto, sendo o nome de uma classe, Gremialista não contém nenhuma referência a
eventos singulares: essa expressão não contém a mínima marca de uma designação se apoiando
sobre um determinado fato. Em compensação, (3a) é precisamente o que temos chamado antes de
"expressão de referência única" (bem que sem identificação). "Assassinato político" como grande
título de capa do semanário popular é o anúncio de um evento singular (ver fig. 1). Diremos assim
que a expressão "Assassinato político" não é o nome de uma classe, essa última sendo, nesse
contexto discursivo, da ordem do pré-construído.
É possível distinguir pelo menos três níveis em relação às operações de referenciação: (a)
nome de uma classe; (b) extração de um membro singular da classe, sem identificá-lo; (c)
identificação de um membro singular que foi objeto de extração. Não podemos representar a
posição relativa de (2) e (3) em relação a esses três níveis da seguinte forma:

B P
NOME DE UMA CLASSE (2a) Pré-construído

EXTRAÇÃO -- (3a)

IDENTIFICAÇÃO (2b) (3b)

Esse esquema já nos permite representar uma diferença estrutural importante entre (2) e (3).
Mas não é tudo. Porque temos que levar em consideração, na nossa análise, a segunda parte da
quadragem. No quadro acima, (2b) e (3b) aparecem na mesma do esquema, na medida em que
essas duas expressões contêm uma operação de identificação. Mas isso não quer dizer que elas são
iguais a todos os níveis.
Dissemos que o título "Assassinato político" era o anúncio de um evento particular. Trata-se
(à diferença de "Sindicalistas") de um título informativo, tratando algo que acaba de acontecer. Isto
que dizer para nós:

"Assassinato político" ≅ (Houve, aconteceu) um assassinato político


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equivalência que expressa, restituindo o elemento verbal e os rastros da determinação, a natureza


"informativa" de (3a). É evidentemente impossível aplicar a "Sindicalistas" uma tal transformação.
Porém, temos que notar que postulamos assim para (3a) uma determinação indefinida (um
assassinato político). Essa restituição não expressa somente a extração (um ≅ um dos ...), isto é, o
fato que essa operação consiste em assinalar um membro de uma classe constituída em
descontinuidades, sem identificar esse membro, mas também o caráter informativo que
reconhecemos a (3a). Porque a propriedade anafórica própria aos determinantes ditos definidos de
efetuar uma volta para trás tiraria ao título (3a) sua natureza informativa. É precisamente o caso de
(2a), onde temos: "o tiroteio de Avellaneda". Esse título implica que aquele que vai ler o texto que
segue já sabe que ouve um tiroteio em Avellaneda. Para tornar essa diferença visível entre a
determinação indefinida e a definida em relação à natureza "informativa" da quadragem, basta
transformar levemente (2b) trocando a determinação definida por uma indefinida. Encontramos
imediatamente o caráter informativo que tínhamos reconhecido em (3a):

(2) a Sindicalistas
b Tiroteio em Avellaneda

Nessa quadragem que imaginamos, (2b) equivale a (3a) no que diz respeito à natureza informativa
do título: nem um nem outro pressupõem um conhecimento anterior ao acontecimento em questão
da parte do leitor.
Podemos resumir agora as duas etapas de nossa análise da seguinte maneira:

Quadragem (2) a: Nome de uma classe


b: Identificação de um membro, já conhecido, da classe
nominada no (a)

Quadragem (3) a: Extração informativa: "aconteceu um entre os x"


b: Identificação: "Aconteceu esse x (entre os x)"

Temos que notar que reecontramos aqui assim (e o que é interessante, em um nível operatório
totalmente diferente) propriedades dos dois tipos de discursos dos quais já havíamos falado. A
propósito do discurso burguês tínhamos assinalado um efeito ideológico de reconhecimento, um
tipo de cumplicidade que esse discurso consegue estabelecer com seu leitor, parece um já "lido".
Podemos agora nos perguntar se a apresentação das informações como concernindo eventos já
conhecidos do leitor, pelo meio do retornos anafóricos para "trás" marcados por determinantes
definidos, na quadragem do discurso, não tem algo a ver com o efeito de reconhecimento. Por seu
caráter informativo, o discurso popular não pressupõe nada a respeito dos conhecimentos
anteriores do leitor. Tínhamos descrito também, a propósito da construção de certos títulos nos
semanários burgueses, um tipo de passagem imediata ao universal; os fatos da atualidade
transformam-se, na quadragem mesma do discurso, em "topo" da cultura. Parece que o que
descrevemos na quadragem, o duplo movimento constituído de um lado em localizar o evento
numa classe pré-estabelecida e de outro lado identificá-la como já conhecida do leitor, vá nesse
sentido mesmo. É importante notar em que consiste exatamentea diferença com o discurso popular
a esse respeito: no semanário burguês, a classe é nomeada enquanto classe, isto é, é construída
dentro do discurso; faz parte, poderíamos dizer, da topografia do próprio discurso: estrutura de
seções e de sub-seções. No semanário popular, a classe a qual pertence o evento em questão é da
ordem do pré-construído, isto é, que o discurso não leva em conta a constituição dessa classe. Será
porque o discurso popular produz aqui um tipo de retorno a um real onde essa classe é
evidentemente constituída, a um real em si, não discursivo?
Já estamos talvez em condição de voltar ao nosso problema de método, o do tratamento das
excessões. A análise que acabamos de esboçar nos dá elementos para reformular a regra da qual
partimos, concernindo às operações referenciais de identificação. Não diremos mais: "dentro da
quadragem, o discurso popular identifica o evento singular, enquanto o discurso burguês não
contém operadores de identificação". Essa regra terá agora uma forma mais complexa, destinada a
tomar conta das novas restrições que acabamos de descobrir na nossa "gramática de produção" dos
dois tipos de discurso: "dentro da quadragem, o discurso popular identifica o evento singular, o
discurso burguês, ou não identifica o evento singular, ou o identifica somente se o evento que é
objeto de identificação é apresentado como já conhecido do recpetor". Regra que, apesar de
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envolver a maioria dos casos, deverá sem dúvida ser reformulada mais tarde. No que diz respeito
às exceções, nossa sugestão é a seguinte: dentro do processo de formulação progressiva de regras
de produção, tomar as exceções a cada regra como ponto de partida de um procedimento de
descoberta.
Na análise anterior, um certo número de perguntas decisivas foram evocadas: o que é o
discurso "informativo"? Quais são as operações discursivas destinadas à constituição do que
chamamos "atualidade"? Generalizando mais, como se constituem, dentro do discurso, os retornos
a um certo real extra-discursivo definindo a distância particular do discurso a seu real? Tantas
perguntas que, a propósito do discurso na imprensa escrita, colocam em jogo um teoria discursiva
da referenciação.

Apresentação do corpus

Dentro de um período escolhido para o estudo inicial dos semanários de informação, eu tinha
primeiro constituído um certo número de corpus aplicados a fatos de violência política. Mais tarde
tinha chegado a trabalhar sobre textos tratando de outros tipos de eventos, aplicando sempre o
princípio da invariabilidade referencial.
Os textos que compõem o corpus que vou analisar aqui foram escolhidos segundo o critério
da invariante referencial: textos selecionados nos dois tipos de semanários, tratando de um mesmo
evento que certos descreveriam como um "fait-divers". Esse corpus me pareceu conter elementos
que o tornam particularmente interessante.
Numa primeira abordagem, esse tipo de evento, relevante da "crônica policial", é raramente
tratado por um semanário burguês. Na verdade, a amostra de semanários burgueses para o período
considerado pode encontrar apenas um só "fait-divers" que vamos discutir aqui. Sabemos que esses
fatos são um tema favorito nos semanários populares, que muitas vezes consagram a capa a eles.
Temos, então, nesse corpus uma situação tal que o evento que tem o papel de invariante referencial
para a seleção dos textos a comparar represente, de uma forma privilegiada, o universo temático
próprio ao discurso popular.
Não é tudo. Precisamente por causa do fato que eles tendem a excluir de sua temática o
domínio policial, os semanários burgueses não têm, em regra geral, um setor ou serviço que seja
especificamente consagrado a esse domínio pela sua equipe de redação. Essa circunstância justifica
talvez o começo de suspeita que tivemos no momento da constituição do corpus, a saber que para
produzir seu texto sobre o "fait-divers" em questão o único semanário burguês que o tinha relatado
tinha tomado como base o material já publicado no semanário popular. Não podemos provar uma
tal hipótese, mas há um certo número de índices que a reforçam. De qualquer jeito, essa presunção
aumentava aos meus olhos o interesse do corpus, porque me encontrava talvez frente a um fato
totalmente estratégico: o semanário burguês, ao tomar um texto do semanário popular para
construir seu próprio texto, devia colocar em obra as transformações definindo sua "distância" em
relação ao discurso popular. Ele tinha que produzir ele próprio a distância que era o objeto de
pesquisa.
O material compondo o corpus é muito desigual, porque devemos comparar ao único texto,
acompanhado de uma foto, publicado pelo semanário burguês, um material muito mais abundante
publicado pelo semanário popular: foi assunto de três números com uma grande quantidade de
imagens. Nessas condições, nos foram impostas pelo critério de invariante referencial e não
podemos deixar de lado nenhum elemento concernindo ao evento em questão. Os três números do
semanário popular (Así) são datados de 18, 23 e 25 de maio de 1967. O número do semanário
burguês (Primera Plana) apareceu no dia 23 de maio.

A Coruja, preâmbulo

Na noite do dia 22 de abril de 1967, uma mulher foi atacada por um desconhecido quando
andava ao longo de uma pequena rua escura, num bairro operário de Avellaneda, em Buenos Aires.
Ela recebeu golpes, foi ferida no rosto com o que ela pensa ter sido um canivete. A mulher caiu no
chão e o desconhecido perdeu-se na escuridão. Nos dias seguintes, outros ataques noturnos se
produziram, em circunstâncias idênticas. Às vezes, o desconhecido é descrito como portador de
uma faca ou canivete. Às vezes, consegue ferir suas vítimas no rosto. Os vizinhos começaram a
chamá-lo de o "Sátiro" ou a "Coruja" (por causa, dizem, do seu olhar agudo). Durante mais de
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quinze dias, as patrulhas policiais o procuraram em vão. O desconhecido ataca e cada vez
desaparece imediatamente. Na noite de sexta-feira, 12 de maio de 1967, de madrugada, a polícia
prendeu um homem de vinte e seis anos, desempregado, chamado Francisco Luis Rudaz. Uma
patrulha o surpreendeu enquanto ele dormia num barraco abandonado, sobre jornais. Ele confessou
ser o autor dos ataques. Certas vítimas confirmam reconhecer nele o seu agressor. A Coruja não
cometeu nenhum homicídio nem estupro.

A Coruja, primeiro ato: da repetição ao eidos

Poderíamos dizer primeiro que o discurso popular segue o evento no seu decorrer: a capa do
número de 18 de maio anuncia os procedimentos do "Sátiro" (fig. 2), assinalando que "ele foi
cercado e que tudo deixa supor que os minutos dele estão contados"; o número de 23 de maio
atesta, na capa também, a sua captura; o de 25 de maio não coloca mais o evento na capa (seu
impacto foi provavelmente considerado como enfraquecido) mas apresenta, no interior do jornal,
uma entrevista (fig. 7). O semanário burguês, por seu lado, aparece quando a Coruja já foi presa,
dia 23 de maio; parece que ele toma conta do evento após sua culminação, todo efeito de
"suspense" sendo assim eliminado. A Coruja não existe na capa do semanário burguês; é o objeto
de uma nota na seção "Vida Moderna" (fig. 8).
Tem então uma ligação muito diferente com o evento nos dois tipos de semanários, um
seguindo passo a passo, o outro tomando-o a seu termo, e poderíamos acreditar que essa diferença
é devido, ao menos nesse corpus particular, à diferença no ritmo de publicação de um e outro.
Porém, não é isso: a diferença é inteiramente produzida como produção discursiva, não decorre de
nenhuma ligação desses discursos com o real.
Efetivamente, temos que colocar aqui uma constatação bastante extraordinária: o evento já
tinha chegado ao seu ponto culminante bem antes do semanário popular começar, o primeiro, a
falar dele. Para verificar isso, basta confrontar as datas: a Coruja começou suas proezas no dia 22
de abril e terminou na noite de sexta-feira 12 para o sábado 13 de maio. O número do semanário
popular onde é anunciada sua existência e onde dizem que "ele foi cercado e que tudo supõe que os
minutos estão contados" foi publicado na quinta-feira, 18 de maio. Quando no dia 23 de maio,
dando de novo as informações já publicadas no número anterior, o semanário popular informava
sobre sua detenção, a Coruja já estava na cadeia há dez dias.
No semanário popular, o efeito de "seguir passo a passo o evento" é então inteiramente
fabricado, ao ponto mesmo de chegar a uma ocultação de informação (anunciam a detenção
iminente do personagem no momento em que ele se encontrava na cadeia há uma semana). Por sua
vez, o semanário burguês poderia ter falado bem antes dessa história; é provável que a razão pela
qual não foi feito é bem simples: tomou o evento uma vez que o semanário popular já tinha
publicado um material abundante sobre o caso.
Para dar conta do que aconteceu na incorporação da história da Coruja no discurso popular,
podemos imaginar facilmente uma explicação bastante plausível. Francisco Luis Rudaz foi detido
no sábado, 13 de maio, de madrugada. Suponhamos que ele não foi reconhecido imediatamente
como o autor dos ataques de mulheres dos quais era questão desde 22 de abril. Pode ser que vários
dias tenham passado antes de sua identificação e/ou sua confissão e seria somente depois da polícia
ter permitido que a notícia de sua detenção chegasse aos jornalistas que o semanário popular só
tenha começado a falar do evento dez dias depois. Mas, em todo caso, temos que sublinhar que, se
essa reconstrução hipotética é verdadeira, o semanário popular deve ter transformado "os fatos"
sobre vários pontos, a fim de aplicar a regra de suspense narrativa. Ao mesmo tempo, o semanário
é protegido, ao menos para o essencial, de uma acusação possível de deformação dos fatos, porque
as datas que ele mesmo reproduz no seu segundo número (quando anuncia a detenção da Coruja,
acaba de acontecer) são as datas reais (é no semanário popular que as pegamos; coincide com as
dadas pelo semanário burguês). Os elementos para verificar a decalagem entre o discurso e a
história que ele conta são dados pelo próprio discurso. Só que é pouco provável que os leitores
começem a comparar as duas narrações apresentadas em vários números da revista, e o efeito de
suspense é assim assegurado: em função desse último, o discurso popular espalhou sobre três
números da revista uma informação que ele já possuía, pelo menos no essencial, no momento da
publicação do primeiro.
Ficaremos, então, dentro do discurso e da maneira como ele constrói seu "real". A diferença
que nos interessa concerne à ligação temporal que o discurso estabelece entre o seu próprio
desenrolar como discurso e os eventos dos quais fala. Bem que o discurso popular apareça como
mais fortemente narrativo que o discurso burguês, não podemos sem dúvida dizer que esse não o
9

seja. O que importa é que o discurso popular começa a produzir uma estrutura narrativa e que no
momento dessa enunciação o evento do qual fala apareça como não terminado: o produtor do
discurso é suposto ignorar sua continuação.
Quando a enunciação do discurso burguês acontece, esse fala de sequências, de fatos que ele
apresenta como encerrados; o que há de narrativo concerne a um evento chegado ao seu fim, uma
narração da qual o ponto culminante já passou. Por isso, dois efeitos de sentido bem diferentes: de
um lado, o discurso "segue" o evento, a enunciação fazendo-se, com uma decalagem mínima, à
medida que o evento decorre; de outro, quando o discurso toma conta do evento já conhece todas
as etapas. Nesse nível de análise, podemos dizer que o discurso burguês trabalha sobre o já
consumado. Podemos sublinhar ainda que podemos descrever essa diferença sem necessidade, para
o formulador, de conhecer "o que aconteceu na realidade" (supondo que seja possível estabelecê-
lo).

Quadro 2

Corpus "A CORUJA


Material linguístico da quadragem discursiva

Tipo B Tipo P

(4) a Maníacos 18/5/67


b O homem da navalha Capa:
(5) a O Sátiro de Avellaneda
b Um maníaco sexual semeia o terror

Quadragem interna
(6) Avellaneda seguindo os rastros da Coruja

23/5/67
Capa:
(7) a O Sátiro preso
b É um doente sexual que trocava por ódio sua
incapaci-
dade de amar

Quadragem interna:
(8) Madrugada fatal para o Maníaco de Avellaneda
(9) Sapato para o seu pé
(10) História sórdida de um homem frustrado

25/5/67
(11) Reportagem sobre o Sátiro
(12) Na busca da verdade
(13) "É inocente", proclamam os vizinhos de Dock Sul

Olhamos primeiro a quadragem discursiva. O quadro 2 reproduz o material linguístico da


quadragem utilizada nos dois semanários.
A quadragem do discurso burguês (4a, b) corresponde tipicamente ao que temos analisado em
outro lugar como efeito de reconhecimento: o título que é suposto anunciar uma notícia retoma
(com ou sem transformação) uma expressão pré-existente que é em geral o nome de uma obra da
cultura (filme, romance, peça de teatro), ou então que é identificada como sintagma condensado ao
nível da palavra sociabilidade. Aí estão outros exemplos:

(14) Televisões
Quatro passos no delírio (L'Express)

(15) China
Na espera de Teng... (Nouvel Observateur)
10

(16) Tennis
Os oito mercenários (L'Express)

(17) Espanha
Franco, não se conhece mais! (L'Express)

Efeitos então, dissemos, de "já lido". No (4a, b), além do mais, não há identificação do
evento, determinação definida, exemplaridade. Francisco Luis Rudaz virou, de certo modo, título
de um filme; sua singularidade eidética é obtida aqui por essencialização de sua ligação com a
navalha. Quanto a "Maníacos" (4a), trata-se do que tínhamos chamado uma pseudo-sub-seção: uma
expressão que aparece na mesma posição e com a mesma função topográfica que os títulos de sub-
seção propriamente dito. Só que enquanto "Universidade", "Sindicatos" ou "Economia" existem
como sub-seção de uma forma regular, "Maníacos" será utilizado apenas uma vez.
No semanário burguês, a nota sobre a Coruja estava colocada na seção "Vida Moderna". Eis
aqui então o contexto da quadragem onde se encontrava:

(18) VIDA MODERNA

As férias do princípe

A cidade
História de duas ruas

Maníacos
O homem da navalha

Decoração
Viver é mudar

A sequência dos títulos e sub-títulos é assim ritmada, se podemos dizer, pelos efeitos de
reconhecimento.
É claro, por outro lado, que "o homem da navalha" não tem o mínimo conteúdo informativo.
Se tínhamos apenas esse texto, não poderíamos saber de qual evento se trata. O conjunto da
quadragem do semanário popular, ao contrário, é nitidamente informativo, e é semeado, além do
mais, de identificadores (Avellaneda).
Podemos, entretanto, emitir algumas dúvidas quanto à quadragem inicial no discurso popular
(5a, b). Porque o "Sátiro de Avellaneda" não seria comparável ao "Homem da navalha"? Será que
não há, nos dois casos, um retorno a um tipo de modelo cultural? Não é tudo: não poderíamos
dizer que "o Sátiro de Avellaneda" é comparável à quadragem burguesa "o tiroteio de Avellaneda"
que tínhamos discutido acima?
Lembramos primeiro a regra anteriormente formulada: o discurso popular constrói sua
quadragem com operadores de identificação; o discurso burguês, por seu lado, ou não identifica o
evento na quadragem ou o identifica na condição de apresentá-lo como já conhecido do leitor. Até
aí, nada nos indica que essa última modalidade foi proibida ao discurso popular, isto é, esse último
produziria sempre identificações, que seja com ou sem anáforas "para trás".
Assim interpretada, a regra conteria apenas uma restrição forte: o que seria excluído seria uma
quadragem informativa com identificação, para o discurso burguês. É justamente o exemplo
imaginário que propusemos antes:

(*) (2') Sindicalistas


Tiroteio em Avellaneda

O signo (*) indicando que trata-se de uma quadragem que nossa gramática proíbe, na medida
em que o exemplo combina duas regras que são por hipótese em ligação de exclusão: a existência
de sub-seções (fenômeno próprio somente aos semanários burgueses) e o título informativo com
identificação (forma própria somente ao discurso popular). A inspeção da amostra mostra que a
regra, assim interpretada, não tem praticamente excessões para o período considerado. E,
entretanto, penso que é possível ir um pouco mais longe, e enriquecer essa regra com novas
11

especificações. Olhamos mais detalhadamente a quadragem do semanário popular no nosso corpus


(fig. 2):

(5) a O Sátiro de Avellaneda


b Um maníaco sexual propaga o terror

Vemos bem que, em relação ao esquema dos níveis de referenciação proposto mais acima, a
ordem é invertida: (5a) contém um operador de identificação, (5b) contém uma extração.
Duas perguntas aparecem. É evidente, primeiro, que ao efeito anafórico produzido em (5a)
pela determinação definida opõem-se imediatamente o efeito de sentido do sub-título (5b): esse é
nitidamente informativo, não pressupõe nenhum conhecimento prévio do evento da parte do leitor.
Será que trata-se de uma contradição? Não o cremos, porque esse procedimento é, no semanário
popular, sistematicamente empregado: cada vez que o título contém um fenômeno anafórico, a
continuação da quadragem retoma sem nenhuma ambiguidade a ordem da informação: falamos de
alguma coisa que o leitor é suposto ignorar. Aqui estão outros exemplos da amostra:

(19) a O assassinato de Augusto Vandor


b Numa operação de comando, cinco indivíduos...

(20) a O calvário de um líder operário


b Na sexta-feira, 6 de junho, às sete horas e dez minutos da noite...

Os textos (b) são o começo de textos curtos, colocados imediatamente após a manchete (a) e
na capa. Nós nos consideramos autorizados a considerá-los como fazendo parte da quadragem.
Segunda pergunta: a que levam, exatamente, essas operações anafóricas? No semanário
burguês, elas não levam a nada, explicitamente, que podemos encontrar no contexto discursivo.
Assim, tanto o efeito anafórico "para trás" quanto o efeito de reconhecimento são, precisamente,
que visam um implícito, tipo de piscar de olho à cultura reconhecida pelo receptor. Porém, o que
mostra bem a diferença entre as regras de produção do discurso burguês e as do discurso popular é
que esse último torna imediatamente explícito e a natureza e o alcance do retorno.
De fato, o começo do texto da primeira nota concernindo à Coruja (fig. 3) é dedicado a
esclarecer a anáfora feita na capa. O texto da nota começa por comentar a definição que o
dicionário dá do termo "Maníaco" e é dito em seguida.
Não há muito tempo, o "Sátiro" era o apelido pelo qual se tornou tristemente conhecido um
pequeno homem de aspecto insignificante, chamado Francisco Castellanos Fernandez, e do qual as
aventuras chegaram a comover durante um certo tempo a Argentina, o Uruguai e o Brasil.
Essa denominação é agora utilizada para identificar também esse maníaco, do qual os
primeiros traços foram descritos pelas próprias vítimas...
No discurso popular, como vemos, a anáfora é bem diferente da dos semanários burgueses: a
anáfora popular é produzida no contexto de uma quadragem informativa, ela remete a outro evento
singular do mesmo tipo que aquele do qual se trata; esse "outro" evento é explicitamente
identificado no texto. A anáfora se encontra assim especificada, definida no seu alcance, então
plenamente justificada pelo discurso em si. De outro modo: o contexto imediato das anáforas
presentes na quadragem do semanário popular mostra que se trata de fato de anáforas "para frente".
Quanto ao semanário burguês, temos que analisar mais detalhadamente os procedimentos de
construção da quadragem. Vamos nos limitar às três dimensões que já conhecemos:

(1) O efeito de reconhecimento, obtido pela retomada de denominações pré-existentes,


transformadas ou não, na construção dos títulos.
(2) O efeito anafórico "para trás", que tínhamos descrito como produzindo um efeito que
aparece como o contrário do efeito "informativo", predominante no discurso popular. O resultado
do emprego de anáforas "para trás" (não justificadas na continuação do discurso) é de apresentar o
evento como já conhecido do receptor.
(3) As operações de referenciação que reduzimos esquematicamente para as necessidades da
nossa análise, em três níveis: (a) Nome de uma classe; (b) Extração de um membro singular da
classe, sem identificá-lo; (c) Identificação de um membro singular da classe.
Representamos convencionalmente essas dimensões da seguinte forma:

ER = efeito de reconhecimento
12

EA = efeito anafórico

A combinatória dessas três dimensões nos dá doze tipos de quadragens. O quadro 3 apresenta
alguns exemplos (todos reais) de cada tipo.
Algumas observações sobre esse quadro. O sub-conjunto dos três primeiros tipos representa
as modalidades mais características na construção das quadragens pelos semanários burgueses:
quando os dois efeitos (ER, EA) operam simultaneamente. A retomada de denominações pré-
existentes faz às vezes que o título da nota seja tão indeterminado que nem é possível descobrir
uma extração (exemplos (21) e (23)). Só resta então, nesses casos, o nome de uma classe, que não
pode faltar, sendo a estruturação interna desses semanários em seções e sub-seções (expressões
(a)). O exemplo (22b) mostra bem que o efeito anafórico pode ser obtido por outros meios que as
marcas de determinação: nesse caso preciso, pelo temporal "depois". Os exemplos no tipo (III) me
parecem interessantes. (27) mostra bem até que ponto o efeito de reconhecimento constitui uma
chave cultural a decifrar: "A semana trágica" é uma expressão "congelada", que reenvia a eventos
bem precisos da história da Argentina (um pouco como "A noite das grandes adagas" para a
Alemanha). Tem que sabê-lo para bem "lê-lo". (28) e (29) mostram um mesmo procedimento: o
operador de identificação, um nome próprio, aparece incorporado à expressão que dá seu nome a
sub-seções durante um certo tempo (a história de Broglie). Há personagens tão importantes na
cultura de um país que seus nomes constituem uma classe de eventos (Borges: "O homem onde os
caminhos bifurcam") (28b) é a transformação de uma novela de Borges: "O jardim de onde os
caminhos bifurcam".

Quadro 3
Tipos de enquadramentos discursivos nos semanários burgueses

E
R
E I (21) a Governos
A
b Os 400 golpes

( (22) a Encontros
C
)
b Trinta anos depois

(23) a Municipais
b Os mistérios de Paris (NO)

II (24) a Música
b A pianista que queria viver

(25) a Hedonistas
b Os prazeres de um velho indígena
(C,
E)
(26) a Ensaio
b O último dos cínicos (NO)

II (27) a O país
I
b A semana trágica de Juan Carlos Ongania

( (28) a Borges
C,
I)
b O homem onde os caminhos bifurcam

(29) a Caso Broglie


13

b Os príncipes e os malandros (NO)

I (30) a Chaco
V
b As províncias marginais

( (31) a Espetáculos
C
)
b Os outros grandes programas das festas (EX)

V (32) a Japão
b O samuraida paz

(33) a Impostos
b O prefeito que deu dez por cento

( (34) a Música
C,
E)
b O filólogo em fa maior (ES)

(35) a Férias
b O vendedor de idéias (LP)

V (36) a O Mundo e a América


I
b A terceira vitória de Israel

(37) a Livros
b O suntuoso bla-bla de Lawrence Durrell (LP)
(
C,
I)
(38) a Estados Unidos
b A última viagem oficial de Kissinger (EX)

V (39) a Difusão
II
b Muito barulho para pouca coisa

(40) a Cinema
b Que os lauros sejam eternos

( (41) a Nação
C
)
b Uma andorinha no inverno (LP)

V (42) a A Argentina
II
I
b Jogos de provocação+No fundo, à direita

( (43) a A televisão
C,
E)
b Um reino para uma call-girl (NO)
14

(44) a Documento
b Estranha debandada (EX)
I (45) a Livros
X
b Você gosta de Lugones?

(46) a Letras, Artes, Espetáculos


b Quem tem medo de Bertold Brecht? (T)
(
C,
I)
(47) a Regiões
b "Para o teu carro, Debré" (NO)

(48) a Tema do dia


b

X (49) a Legislação
b Alfândega e Transportes

( (50) a Prostituição de menores


C
)
b

X (51) a Publicidade
I
b Uma vitória argentina

(52) a Proclamações
b Um pintor dá sua mensagem

( (53) a Experiências
C,
E)
b Auschwitzh tem uma sucursal na Ásia (T)

X (54) a Pedidos
II
b Deltec frente à Justiça

(55) a Estados Unidos


b Kissinger ameaçado?

( (56) a Fraude fiscal


C,
I)
b Um dossiê explosivo: o trabalho no negro (EX)

Sem indicação = Tradução de quadragens extraídas da amostra de semanários argentinos.


NO = Novel Observateur; EX = L'Express; T = Tempo; ES = L'Expresso; LP = Le Point.

O sub-conjunto dos tipos (IV), (V) e (VI), isto é, onde há somente efeitos anafóricos, é um
pouco menos frequentado pelas quadragens dos semanários burgueses. O tipo (IV), em particular,
é bastante raro.
É evidente que o efeito de reconhecimento e o efeito anafórico vão no mesmo sentido: eles
reenviam todos os dois a um outro lado do discurso, de ordem cultural. Compostos juntos,
designam a apropriação e mobilizam o gozo de uma cultura. Entretanto, o efeito de
15

reconhecimento pode funcionar, claro, sozinho. É um caso muito frequente nos semanários
burgueses. Ele corresponde ao sub-conjunto composto pelos tipos (VIII) a (IX). O exemplo (39)
mostra bem um efeito de reconhecimento produzido pela retomada de um sintagma estático da
ordem da palavra sociabilizada e não associada a uma obra (filme, romance, peça de teatro), a
expressão que serve de título, sendo em espanhol um velho provérbio (mucho ruido y pocas
nueces). É provável que o efeito de reconhecimento contido no (40b) não é evidente para o leitor
francês. Entretanto, "Que os lauros sejam eternos" é um verso do hino nacional argentino (seam
eternos los laureles).
O último sub-conjunto, enfim, (tipos (X) a (XII)), lá onde os dois efeitos (anáfora e
reconhecimento) são ausentes, é aquele do qual os exemplos são os mais raros no discurso
burguês. Ao mesmo tempo, são os casos que se aproximam mais da quadragem do discurso
popular, a classe dos eventos nunca é nomeada como tal, de outra forma, esse semanário não tem
estrutura de seções e sub-seções.
Essas observações nos levaram bem além do nosso corpus. Voltamos a ele. Vemos bem no
quadro 2 que a quadragem popular tem domínio "informativo". O retorno contido em (5a) não
pode ser separado de (5b) nem do começo do texto propriamente dito, que explicita o alcance da
anáfora.
Os retornos contidos em (6), (7) e (8) são de fato intra-discursivos: o semanário já tem falado
antes no mesmo número, ou no número anterior, da personagem da qual os apelidos são objeto do
retorno. Nesse contexto, então, "o Sátiro de Avellaneda" me parece mais ou menos equivalente a:
"Um novo Sátiro apareceu em Avellaneda". Nehum elemento do contexto discursivo permitia uma
interpretação comparável para o "homem da navalha". Essa leitura de (5a, b) não é em ligação com
o procedimento de generalização que é possível encontrar no título (10). Segundo minha hipótese,
"Histórias sórdidas de um homem frustrado" ≅ "umas (uma) histórias sórdidas de uns (um)
homens frustrados". De outra forma, no semanário popular a generalização opera sobre classes
definidas em descontinuidade, sobre coleções (a dos "Homens frustrados", a das "histórias
sórdidas"): eis uma história sórdida a mais, tratando de um outro homem frustrado. Tocamos assim
a uma regra produtiva muito importante do discurso popular: ele generaliza através de uma
operação de interação sobre uma classe aberta (terá, sem dúvida, no futuro outras histórias sórdidas
das quais os protagonistas serão ainda pessoas frustradas). É por isso que nos ler assim a
quadragem (5a, b): "Aqui está um novo tipo de Sátiro, essa vez em Avellaneda". No semanário
burguês, o evento é automaticamente paradigma: "o homem da navalha". No semanário popular, a
realidade social é feita de repetições, da interação do mesmo. Sendo que essas classes abertas,
essas coleções não são nominadas como tal (não há seções); é evidente que o semanário popular,
cria desse ponto de vista, um tipo de "cumplicidade". Será que trata-se também, no discurso
popular, de um "efeito de reconhecimento"? Sem dúvida, mas nos dois tipos de discursos essa
"cumplicidade" é instituída de duas formas radicalmente diferentes, e o "reconhecimento" não atua,
num caso como no outro, sobre a mesma ordem de coisas. No discurso burguês, a "cumplicidade"
concerne a um saber que é investido na ordem dos eventos: o efeito de reconhecimento atua sobre
o evento, que é produzido como cultura no momento exato em que começamos a falar dele. O
discurso burguês não distingue então, de um lado, um certo saber e, de outro, os eventos dos quais
ignoramos a existência até que o discurso nos assinale. Já dissemos: em relação ao evento, o
discurso burguês produz sem mediação um eidos. Ao mesmo tempo e por consequente, essa
absorção completa da atualidade na ordem da cultura anula toda realidade em si que o discurso
colocaria como independente ou pré-existente à leitura feita dela. Claro, o semanário burguês de
informação é, entre os discurso da imprensa, o menos ingênuo que seja: esse investimento é
realmente da ordem do discurso. Mas precisamente, essa ordem do discurso não é qualquer uma, e
o real do qual o discurso fala não é o real para qualquer um: é o nosso real, para nós, burgueses.
Temos então que semear o discurso de pequenas provas, de "chaves" de reconhecimento, de
operações inter-textuais a reconstituir. E é a possessão dessa cultura, investida nos eventos em si,
que permitirá o deciframento ou que, ao contrário, produzirá automaticamente a exclusão dos que
não sabem "ler".
A economia do discurso popular é bem diferente. De um lado, instaura um tipo de "real
puro": é da ordem eventual da atualidade. É em relação a essa ordem que o semanário define sua
função. O leitor não é suposto já saber o que aconteceu, ele somente é suposto conhecer de uma
forma geral a natureza das coisas que compõem a vida social, da qual a atualidade semanal é a
reiteração. Essa "natureza" é, por via de consequência, imputada ao real em si, porque o discurso
que fala dele não comporta grade pré-estabelecida e explícita de classificação. O pressuposto do "já
conhecido" não atua assim sobre a natureza do social em geral, e não sobre o que esse social
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produziu na semana. O resultado é então, como vemos, de definir uma distância entre o discurso
que fala dos eventos de atualidade, de um lado, e os eventos em si, de outro. O jornalista, enquanto
produtor-enunciador do discurso, é precisamente o mediador que atravessa essa distância. No
discurso burguês, no entanto, o que temos chamado de reconhecimento anula uma tal distância: o
próprio discurso burguês é de conseguir investir de familiaridade os eventos em si. Desse ponto de
vista, constrói-se em torno de um paradoxo: o que consiste em inserir, no coração dos eventos de
atualidade, o efeito de "já conhecido".
Além de informar que tal evento acaba de acontecer (evento que confirma o leitor sobre a
natureza das coisas das quais a sociedade é feita), o que o semanário popular faz além disso, na
quadragem discursiva? Para poder responder, olhemos mais de perto três títulos da quadragem do
nosso corpus:

(7) a O Sátiro atrás das grades


b É um doente sexual que trocava por ódio sua incapacidade de amar

(10) a História sórdida de um homem frustrado

(12) a Na busca da verdade

Primeiro, o semanário popular faz julgamentos morais explícitos sobre o evento em questão, e
do qual a fonte não faz dúvidas: é o próprio semanário que está julgando. É o enunciador do texto
que, ao mesmo tempo em que informa, declara que trata-se de um doente sexual, que a história é
sórdida, que o homem em questão é frustrado. Essas avaliações têm então uma dupla característica:
elas são assumidas explicitamente pelo enunciador e são indissociadas das operações informativas.
Eis outros exemplos:

(57) a Negligências trágicas


b Um expresso com passageiros é jogado contra um trem que estava
sobre um desvio, em Remedios de Escalada: 3 mortos e 14
feridos.

(58) a Brutal assassinato


b foi morto a golpes de punho e de pés.

(59) a A lei implacável da patrulha policial


b Seis bandidos abatidos num só dia

O evento é anunciado e, ao mesmo tempo, avaliado: trata-se de uma negligência, e é trágica; a


patrulha policial é implacável; o assassinato é brutal. Podemos percorrer de novo numerosos títulos
dos semanários burgueses que compõem o quadro 3: acharemos dificilmente avaliações que
possam ser imputáveis, sem equívoco, ao próprio semanário, em outros termos, que não sejam
tecidos com o efeito de reconhecimento. Nosso corpus mostra claramente essa diferença: no
momento de anunciar a existência do Sátiro, o semanário popular o qualifica de maníaco sexual. O
semanário burguês introduziu um pequeno deslocamento que muda tudo: o termo "maníaco"
aparece como título de sub-seção. Isso é suficiente para dar a esse termo a aparência descritiva
necessária: ele aparece como sendo uma expressão da mesma ordem que "Espetáculos",
"Economia" ou "O País", isto é, como nome de um capítulo da atualidade.
Essa presença de avaliação explícita tecida com o discurso informativo (descrições, extrações,
identificações) deve ser posta em relação com duas observações que já fizemos a propósito do
discurso popular. De um lado, essas avaliações têm um papel decisivo nas operações de
generalizações efetuadas pelo semanário: a avaliação faz parte da operação pela qual é construída
(dentro do mesmo título) a classe que define o evento. De outro lado, o caráter explícito desses
julgamentos reforça (ou confirma) a distância entre o discurso e o "real" da atualidade.
Indissociáveis das operações informativas, esses julgamentos são supostos serem divididos pelo
leitor, mas ao mesmo tempo não se confundem com a realidade: a atualidade está lá, o discurso
fala dela e a julga.
O semanário popular marca, dentro da quadragem, a função social que lhe é própria: o título
(12) acentua a atividade desenvolvida pelo semanário diante do evento, o trabalho de
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reconstituição minucioso e de perseguição da verdade. Eis as primeiras linhas do texto que


corresponde ao título (12):

(60) "A fim de oferecer aos nosso leitores a informação mais


completa sobre todos os aspectos que envolvem esse problema ainda
obscuro do Sátiro, um jornalista de Así..."

Essa quadragem e esse começo de artigo são rigorosamente incompatíveis com as regras de
produção do discurso burguês.
Até aqui, tínhamos procedido como se dentro da quadragem discursiva do semanários havia
apenas texto. Manifestamente, não é assim. Temos que integrar então à nossa análise o
funcionamento das imagens.

A Coruja, ato II: do filme policial ao retrato de família

Abordar o problema das imagens é colocar a questão das ligações entre as imagens e o
discurso escrito que elas acompanham. Será que teria que dizer que as acompanham? Porque
imediatamente certos problemas se colocam, dos quais a natureza me parece levar a alguma coisa
da ordem de uma topografia dos discursos. O discurso de imprensa (como vários outros discursos
dos mass media) apresenta, efetivamente, uma superfície acidentada, planaltos, alturas,
concentrações variáveis de matérias significantes. Essa exposição espacial é, claro, temporalizada
pela obra do percurso em que consiste a leitura. Mas é claro que essa paisagem que se organiza
dentro do espaço de uma página convida a seguir certas rotas mais do que outras, contém acentos,
escorregamentos, contrastes, vazios, que desenham para o leitor um itinerário pelo menos sugerido.
Essa superfície múltipla (porque é percebida como produzindo uma pluralidade de fenômenos de
sentidos simultâneos em "locais" diferentes) não é separável, na sua organização, do sistema de
rastros propondo certos itinerários: a diagramação só pode ser compreendida como superfície de
inscrição de atividade de leitura. Se acrescentamos a isso o encadeamento dos espaços que se
transformam a cada virada de página, dando vez a uma colocação em sequência dessas paisagens
parciais, vemos bem que uma tal topografia precisa ser dinâmica: ela concerne essa estrutura
espaço-temporal multidimensional em que consiste a existência material do sentido.
Claro, como modelo para uma descrição sistemática, essa topografia ainda não foi constituída.
Ela levanta problemas que têm o mesmo objeto, em todo o decorrer da história da linguística
contemporânea a partir do saussurismo, de um recalcamento que visava precisamente a
materialidade do sentido. Esse recalcamento se expressa de uma maneira particularmente nítida em
uma das hipóteses essenciais da teoria saussuriana, a saber, o princípio da linearidade da
linguagem. Além desse princípio, que teve uma importância histórica certa, é evidente que todo
método de "análise de discurso" que procede a uma decomposição dos textos em unidades
mínimas de natureza canônica, para os agrupar em classes de equivalência, é uma negação da
natureza material do sentido e volta a tratar o discurso como um laço contínuo unidimensional: a
rede de relações que se instaura entre as operações discursivas em função de sua posição (ao
mesmo tempo espacial e temporal) é inteiramente destruída.
Voltamos agora aos semanários. Entre o discurso burguês e o discurso popular uma primeira
diferença salta aos olhos: há muito mais imagens no segundo do que no primeiro. Parece quase que
no semanário burguês trata-se de algumas imagens envoltas de muitas palavras, enquanto que no
semanário popular há alguns textos envoltos por todo canto de imagens. Quaisquer que sejam as
ligações propriamente topográficas, é preciso evitar sobretudo toda reprodução do velho discurso
sobre o "nível cultural" (os leitores das camadas populares preferem imagens a textos; existe uma
associação entre o nível de educação e o volume de leitura etc....). Esse tipo de consideração
apenas esconde operações relevando de um discurso em função puramente ideológica. Em si
própria, essa diferença quantitativa não quer dizer absolutamente nada.
Em outro trabalho, eu tinha feito observações sobre o emprego das imagens e sobre as
ligações entre a imagem e a legenda que a acompanha, nos dois tipos de semanários: eu tinha
qualificado a ligação imagem/texto no discurso popular de redundante (nesse sentido que o texto
que comenta a imagem apenas descreve o que podemos ver nessa última) enquanto que o
semanário burguês instaura ligações imagem/texto muito mais complexas. Nesse último caso, eu
tinha falado de ligações argumentativas.
18

Trata-se agora de chegar a uma perspectiva mais global no que diz respeito às ligações entre
as duas matérias significantes. Olhamos mais de perto, primeiro o material do semanário popular
(fig. 2 a 7).
Primeiro quadro. Anúncio da aparição do "Sátiro"; um desconhecido que "semeia o terror"
(fig. 2). Grande imagem dos gestos espantados de uma das vítimas; em baixo, tipos de retratos
falados do personagem; seu rosto, sua silhueta fugindo ressaltam então de um lado o mistério de
sua identidade, de outro lado suas ações, sua rapidez. Abrimos o semanário (fig. 3): o espaço é
atravessado pela manchete "Avellaneda sobre os rastros da 'Coruja'". Imagens seguem exatamente
o mesmo percurso horizontal: sete planos americanos aproximados da mesma mulher, uma vítima,
que gesticula fazendo a narração de seu encontro com o personagem. O paralelismo texto/imagem
é aqui fortemente reforçado: as imagens desenvolvem uma sequência que segue quase palavra por
palavra o desenrolar da manchete. Uma mesma varrida da esquerda a direita permite a leitura do
título e coloca em movimento as imagens. Nessa página dupla, o conjunto do texto é quase
inteiramente envolto por imagens das pessoas que foram perturbadas pelo desconhecido.
Segundo quadro. O "Sátiro" foi preso (fig. 4). Maior que as outras, a fotografia do Sátiro, que
olha com grandes olhos a câmera. À direita, volta ao momento em que o personagem é conduzido,
algemado, um policial de cada lado. Em baixo, volta a uma cena da busca policial, no meio da
noite. Dentro: "Madrugada fatal para o maníaco de Avellaneda" (fig. 5). Em cima à direita, uma
grande imagem domina o espaço, mostrando a Coruja sentada, imóvel: aí está, é ele. Viramos a
página (fig. 6): espaço novamente atravessado por uma manchete, não mais um anúncio
"informativo", mas o julgamento moral. História sórdida de um homem frustrado. Dentro do
mesmo movimento, três imagens seguem essa avaliação e mostram o personagem acabrunhado no
meio dos policiais. Corte num plano das autoridades que conversam (à esquerda). Corte no exterior
da delegacia de polícia: os vizinhos se reúnem diante das portas.
Terceiro quadro (fig. 7). Até aí parece que a ação foi conduzida rapidamente. Agora, a diegese
é moderada. Rostos da Coruja: um maior (correspondente à mesma fotografia que a da capa do
número anterior (fig. 4)); duas outras, menores, do lado (flash-back à infância). Em baixo: a mãe, o
pai, em casa. O local, enfim, onde encontraram um canivete segundo as indicações do acusado.
Mas ao mesmo tempo um título que anuncia ao menos a possibilidade de um novo episódio da
série: "e ele é inocente", dizem os vizinhos.
Estamos quase no cinema, ou na hora do jornal televisivo. Em todo caso, banda-texto e
banda-imagem conservam aqui um estreito paralelismo como num certo tipo de cinema: todas as
duas seguem o evento e o fazem em sincronia uma em relação com a outra. O que mostram
corresponde o máximo possível ao que é dito no mesmo momento. Temos então relação com um
certo movimento induzido por uma paginação que dinamiza o espaço. Há, evidentemente, vários
percursos possíveis desse espaço; a diferença do cinema ou da televisão, há várias sequências que o
olhar pode instaurar. Mas para cada percurso, banda-imagem e banda-texto se complementam,
produzem um tipo de efeito de eco. Esse ritmo é sempre redobrado: o texto anuncia, a imagem
denuncia; o texto enuncia, a imagem apresenta; o texto julga, a imagem corrobora. Quando o texto
"grita" a notícia em caracteres, a imagem invade a página para dar espaço de ressonância
suficiente, quando o texto anuncia a perseguição, as imagens se multiplicam, envolvem o texto, em
todo canto: gestos. O momento em que se produz a captura é o momento culminante do relato; a
imagem retoma (em menor) as duas etapas essenciais (persecução e retomada) para imobilizar-se
(em maior): o Sátiro está lá, os braços cruzados. A mesma técnica dentro do semanário: flash-
backs (menos acentuados) aos eventos anteriores à captura e à identificação; por ela, advém a
compreensão: é um homem frustrado, que viveu uma vida sórdida. O texto espanhol contém até
um ritmo que se perde completamente na tradução francesa.

Sórdida história de um homem frustrado

As três imagens que seguem esse ritmo compõem uma sequência onde o movimento é
descendente. Sórdida história é dito quando o prisioneiro se debate entre os policiais, como se
fosse tomado por uma crise; hombre acompanha uma queda da ação; frustrado chega quando a
Coruja já desmoronou sobre uma cadeira. Essa "verdade" que atravessa o espaço da página dupla
("História sórdida de um homem frustrado") enunciando a inteligibilidade que se desenvolve no
momento do desenlace do relato, instaura dois sub-espaços: em cima as imagens convidam a "ler"
a frustração e a sordidez sobre o corpo do protagonista; em baixo, elas invocam os sujeitos dessa
inteligibilidade, os que devem compreender: policiais, vizinhos. O conjunto permanece submisso a
uma regra de localização espacial e temporal: a delegacia de polícia. Estamos ou dentro (A Coruja
19

que desmorona, os policiais que discutem) ou então lá fora (os vizinhos que esperam nas portas da
delegacia). Um texto acentua essa simultaneidade: "logo que eles tomaram conhecimento da
captura do 'Sátiro', vários vizinhos se colocaram frente à Brigada de buscas esperando notícias
sobre o perigoso sujeito". Essa inteligibilidade que estoura no momento da culminação da história
deve deixar lugar, enfim, a uma reflexão mais calma, uma vez a tranquilidade reecontrada. Eis
como, de fato, encerra-se o texto do segundo número do semanário: "A Coruja terminou suas
aventuras. Mas a ocasião é propícia para pensar que teria que ir fundo nas coisas". É isso que o
último número coloca em cena: não há mais ação a respeito do Sátiro, somente rostos.
Reconstituição da sua vida e de seu contexto: seu rosto atual (maior); seu rosto quando ele tinha
catorze anos e quando tinha dezoito anos (menores) e seus pais que falam dele. No momento da
reflexão é o texto que se multiplica: agora há mais textos do que imagens. A quadragem marca
esse movimento de aprofundamento: "Na busca da verdade", e mesmo a possibilidade de uma
reviravolta: "Ele é inocente", dizem os vizinhos.
O paralelismo entre a banda-imagem e a banda-texto opera, como vemos, ao longo dos
percursos operacionais que são propostos pelo espaço dinamizado da página. Esse espaço
discursivo implica o decorrer simultâneo de vários encadeamentos que escorregam uns sobre os
outros, que se cruzam, que se superpõem. A banda-texto é, de fato, composta por três "vozes", às
vezes quatro: a voz alta que diz as manchetes; a pequena voz que descreve, para cada fotografia, o
que se pode ver nelas; a voz do texto, que conta a história do começo ao fim, de uma forma
ordenada. Às vezes uma voz média faz imediatamente após a manchete um resumo da situação
(por exemplo, fig. 3, o texto enquadrado). Se as imagens seguem o conjunto dessas vozes
ilustrando o que elas contam, se nunca há decalagem entre banda-imagem e banda-texto é também
porque a imagem nunca fala só: ela é sempre comentada, controlada pelo texto. O excesso de
sentido próprio a cada imagem é assim reprimido de uma maneira permanente pelo discurso
linguístico.
Temos então que tratar, no semanário popular, com um conjunto múltiplo ao nível do
agenciamento das matérias significantes e, entretanto, profundamente homogêneo ao nível do
sentido: o todo está inteiramente a serviço de uma estrutura narrativa ordenada, seguindo passo a
passo o evento: aparição do Sátiro/perseguição/captura/explicação e moralidade. Em todos os
planos de organização do discurso (as quatro vozes e as imagens que desfilam em paralelo)
contam, a uma "velocidade" e num "volume" cada vez diferentes, a mesma história.
Olhamos para o semanário burguês (fig. 8). Disposto de cima para baixo, numa coluna à
direita da página: uma fotografia (o rosto da Coruja); legenda da fotografia; título de sub-seção;
título da nota; texto da nota. Não omitimos de assinalar como se completa o espaço significante da
página: à esquerda uma seção enquadrada sob o título "Progresso" conta em algumas palavras as
"novidades" aparecidas nos domínios mais diversos (uma outra droga alucinógena; um cometa; um
colóquio de eletrônica em Paris,...). Um anúncio publicitário ocupa a totalidade da página que faz
frente a que nos interessa.
Podemos dizer que há tanta multiplicidade no semanário burguês ao nível de agenciamento do
espaço significante, mas essa multiplicidade corresponde aqui a uma heterogeneidade sobre o
plano do sentido. Contrariamente ao discurso popular, o semanário burguês desenvolve, dentro do
espaço significante de uma página, vários discursos diferentes. Dupla heterogeneidade ao nível da
topologia dos discursos (discurso informativo e discurso publicitário) de um lado, ao nível da
referenciação para um mesmo gênero (várias notas sobre temas distintos), de outro. Essa
heterogeneidade discursiva é reecontrada enfim sobre o plano da colocação em sequência: sucessão
de seções. das sub-seções no interior das seções; pluralidade das notas sobre assuntos diversos
dentro de cada sub-seção.
Eu já assinalei uma diferença concernindo aos procedimentos de generalização: de um lado,
passagem ao eidos: "O homem da navalha"; de outro, extração de um membro de uma classe
definida em descontinuidade: "Umas (uma) história sórdidas de uns (um) homens frustrados"; "Um
outro Sátiro, dessa vez em Avellaneda". A fórmula da quadragem popular seria mais ou menos
assim: "Aconteceu um novo x". Para o semanário popular, já o disse, a realidade é feita de
repetições. Porém, isso não é certamente sem ligação com a multiplicidade homogênea do discurso
popular, ao nível do agenciamento dos planos discursivos sobre o espaço da página: sob uma outra
forma, pluralização, uma organização das "vozes" que contam no eixo da simultaneidade, mas
todas as vozes contêm a mesma melodia.
Do universo fortemente ilustrado do discurso popular, cheio de gestos, de ações, de contextos
variados, o semanário burguês apenas reteve uma única imagem. Aqui a utilização pelo semanário
burguês do material do semanário popular é confessado por causa, sem dúvida, das normas
20

impondo a identificação da fonte do material fotográfico quando esse último não foi produzido
pela mesma publicação onde aparece. No pé da fotografia da Coruja, à direita, podemos ler: Así. É
o nome do semanário popular. De qualquer maneira, não é difícil localizar, entre as imagens
publicadas pelo semanário popular, a que foi retomada pelo discurso burguês: um fragmento da
fotografia que aparece na nossa (fig. 5), em cima à direita. Tentamos então reconstituir o conjunto
de decisões e de transformações operadas pelo semanário burguês para chegar à imagem
finalmente publicada.
No período "clássico" que temos estudado, correspondente à emergência e à cristalização do
discurso dos semanários burgueses na Argentina, a lei tendencial foi de produzir uma ou duas
imagens para cada nota, e para a maioria dos rostos. A única imagem que vai acompanhar o texto
sobre o evento em questão será então a de Francisco Luis Rudaz, a Coruja. Isso corresponde
perfeitamente à propriedade global do discurso burguês, que fala mais de personagens que de
eventos. No discurso popular, o personagem é, se podemos dizer, o evento em si. Esse último é
habitado por atores que não são mais importantes que os outros aspectos da narração.
Por via de consequência, formularemos uma segunda regra própria à "gramática" do discurso
burguês: deixar de lado todas as imagens onde o personagem é marcado pela ação. Sobram assim
apenas cinco imagens possíveis: a de Rudaz, os braços cruzados, na capa do segundo número (fig.
4), a da Coruja sentada na poltrona (fig. 5); os três rostos, enfim, reproduzidos no terceiro número
(fig. 7), dos quais o maior é, já dissemos, a ampliação da fotografia publicada na capa do número
anterior. Temos então quatro imagens. Podemos rapidamente pôr de lado as duas que mostram
Rudaz aos catorze anos e aos dezoito: trata-se de dar à imagem do homem da navalha. Sobre então
duas imagens: "braços cruzados" (fig. 4) e "poltrona" (fig. 5).
Qual escolher? E por quê? Claro, a resposta a uma tal pergunta só pode ser hipotética da nossa
parte, e sem dúvida nunca saberemos quais foram os critérios presentes no espírito daquele ou
daqueles que tomaram a decisão na redação do semanário burguês. O que podemos fazer em todo
caso aqui é tentar descobrir as regras produtivas das quais os rastros ficaram na superfície do
discurso, e nos colocar a questão da coerência de cada regra descrita com o conjunto do
funcionamento discursivo. Acreditamos precisamente poder localizar, no nosso corpus e com
relação à escolha que foi feita, uma forte coerência.
O semanário burguês escolheu a imagem "poltrona". Aqui está, na minha opinião, a razão
decisiva na fotografia "braços cruzados", o personagem olha diretamente a câmera. É evidente que
esse detalhe ficaria ainda mais saliente numa aplicação isolando o rosto. Qual o significado desse
olhar posto na câmera?
Parece-me ser principalmente esse: o olhar fixado sobre a objetiva implica uma tematização
do dispositivo técnico que é a base da imagem fotográfica, isto é, uma tematização das condições
de produção da fotografia. O olhar volta à câmera como elemento de tomada desse real que a
imagem reproduz. Porém, essa visada do dispositivo técnico pelo meio do olhar do sujeito
fotografado é perfeitamente coerente com uma outra particularidade do discurso popular: a
colocação em relevo da imprensa e do jornalista como sujeito institucional da enunciação. Isso
concerne diretamente à escolha que foi feita pelo semanário burguês: na imagem "poltrona", os
olhos da Coruja se perdem no vazio, o personagem parece mais estar mergulhado nas suas
reflexões.
Um percurso de nossa amostra confirma essa tendência: fora do gênero "reportagem", a
maioria dos rostos reproduzidos pelos semanários burgueses desse período não olha para a câmera.
Quanto ao semanário popular, ele trabalha, parece, com pelo menos dois tipos de imagens. De um
lado, as concernindo às ações (imagens "tomadas ao vivo"). Do outro lado, as que marcam o
inquérito feito pelo jornalista: estragos causados por uma catástrofe, fotografias do tipo "fichário
policial", imagens de testemunhas fazendo declarações a jornalistas. Nas imagens desse último tipo
a mediação enunciativa do jornalista é sempre presente, ou através do olhar do personagem fixado
na objetiva da câmera ou pela presença (invisível) do jornalista sobre o qual o olhar do sujeito é
então orientado. A presença da mediação institucional não exige necessariamente, como vemos,
como rastro na imagem, que os olhos dos personagens sejam postos sobre a objetiva: o olhar pode
ser levemente decalado em direção ao jornalista que está escutando o testemunho. Trata-se, nesse
momento, de uma triângulo: testemunha-jornalista-fotógrafo. A mediação da imprensa, longe de
desaparecer, se desdobra: há o jornalista que escuta a testemunha de um lado, e o tomador de
imagem, de outro lado. A sequência de cima da página dupla interna do primeiro número do
semanário popular (fig. 3) é um excelente exemplo dessa estrutura triangular.
As imagens predominantes no discurso burguês, no contexto que estudamos, se afastam
nitidamente dos princípios que acabamos de descrever; para a maioria "close" dos rostos, de onde
21

todas as marcas de uma situação de inquérito foram apagadas. Na maioria dos casos onde eles
olham efetivamente alguma coisa, na media em que esse alguma coisa foi eliminado da imagem.
No discurso burguês, onde as operações propriamente linguísticas reenviam a um "algures" da
cultura (anáfora, efeito de reconhecimento) o olhar dos personagens que habitam nesse discurso é
orientado, ele também, em direção a um "algures" que não é o da produção do discurso.
Entre as imagens que o semanário popular tinha produzido a propósito da Coruja, o semanário
burguês escolheu então a que temos chamado "poltrona", e dessa imagem apenas guardou o rosto.
Mas não é tudo. Não esgotamos as regras que o discurso burguês teve que aplicar a fim de adaptar
o material do discurso popular à economia de seu próprio funcionamento. Para verificá-lo, basta
determinar com um certa precisão, sobre a fotografia do semanário popular, o espaço que foi
objeto da ampliação reproduzido no semanário burguês. Entretanto, se podemos colocar lado a
lado os dois rostos, o do semanário popular e o do semanário burguês, chegamos a uma
constatação surpreendente: eles são bem diferentes. Não há dúvidas: a imagem retomada foi
retocada (fig. 9).
Na lupa, os retoque são facilmente notados. Eliminaram uma mancha escura de cabelos
debaixo da orelha direita. Apagaram a sombra da barba sobre o rosto: na fotografia do semanário
burguês, a Coruja aparece assim com os cabelos levemente mais curtos e corretamente barbeado.
Reforçaram o contorno da bochecha esquerda, o que deixa o desenho do rosto mais nítido.
Clarearam o espaço entre os olhos e as sobrancelhas, reforçando por outro lado a linha das orelhas,
o que deixa o olhar do sujeito mais penetrante e acentua sua fixidez. Baixaram um pouco as duas
extremidades da linha que marca a boca. A figura de um homem inquieto (e por acaso está sentado
numa poltrona da delegacia de polícia) foi transmutada num rosto mais rígido, mais estereotipado,
um retrato do qual os olhos olham o vazio.
De fato, a transformação que leva da fotografia de um personagem mal-feitor que espera na
delegacia de polícia, ao rosto do semanário burguês, nos permite assistir a um verdadeiro trabalho
do discurso burguês sobre a matéria significante da imagem. Nesse e por esse trabalho, o discurso
burguês revela certas particularidades fundamentais que foram apagadas. A pele do rosto ficou lisa.
Os cabelos mais curtos. A barba de vários dias de um homem que foi objeto de perseguição
obstinada desapareceu. Os referenciais situacionais também, porque na imagem burguesa não se
pode dizer nem se o personagem está sentado ou em pé; a zona de sombra atrás dele fica
impossível de identificar como sendo as costas de uma poltrona. Ao mesmo tempo, um trabalho
crucial de retoque foi concentrado nos olhos. Francisco Rudaz era talvez predestinado porque a
reação popular o tinha marcado logo pelos olhos. Em todo caso, esse trabalho retoma sobretudo
um aspecto mais clássico da sabedoria popular, traduzido por um sintagma fixo: olhos de louco.
No fundo, é a colocação em imagem do "topo" cultural apresentado pelo título que assistimos: de
Francisco Luis Rudaz, chamado "O Sátiro de Avellaneda" que espera seu destino na delegacia de
polícia, passamos ao homem da navalha. É porque esse conjunto de transformações feitas sobre o
rosto do sujeito não é nada mais que a colocação em obra na matéria significante da imagem, das
operações que permitem a passagem de "um a mais", de "um dos homens frustrados, à "o homem"
da repetição do paradigma cultural, de "mais uma vez" ao eidos.
Diremos que um tipo de operador a apagamento das marcas situacionais foi aplicado. E se o
semanário burguês apaga as marcas do aqui e agora, é para colocar no lugar essas outras marcas de
uma imaginário ideológico sustentado de já-lido e já-visto: as marcas do passado que explicam o
presente, as marcas da história (individual) que tornam compreensível o que o sujeito virou, um
tipo de psicanálise selvagem que já é plenamente incorporado no sentido comum burguês. Eis a
legenda que acompanha a imagem (teria a dizer que produz o encerramento definitivo do sentido
carregado pela imagem).

Rudaz: as marcas do passado.

Os dois pontos, operador que já analisamos, colocados entre o nome próprio, e as marcas do
passado, acabam a conclusão do evento. Essas marcas (marcas do passado), Francisco Luis Rudaz,
nem as carrega: ele é essas marcas, não é nada mais que o seu passado. Nessa identificação entre o
antes e o depois os dois pontos, nessa absorção nos dois sentidos (do nome próprio pelas marcas,
das marcas pelo nome próprio) produz-se a geração instantânea do homem da navalha.
O semanário burguês, então, não nos fala nem um pouco da mesma coisa que o semanário
popular. Do "fait-divers", da história desse homem frustrado que atacava as mulheres nas ruas
escuras de um bairro operário, não sobra nada. O evento virou o local de manifestação de uma lei
22

expressando uma concepção do sujeito social e, no espaço assim gerado por essa lei, o leitor
encontra todos os signos tranquilizadores de uma cultura sua.

A Coruja, ato III: de um tempo ao outro

Chegamos assim aos textos propriamente ditos que compõem o corpus. Não podemos
esquecer que nossa diligência é guiada por um duplo critério: a natureza comparativa da análise, de
um lado, e a preocupação de descrever as regras produtivas sistemáticas e regulares, de outro.
Esses dois critérios são estreitamente ligados, eles funcionam necessariamente juntos: nos
interessamos apenas aos desvios inter-discursivos, e as diferenças que podemos eventualmente
localizar no corpus apenas serão definidos como verdadeiros desvios inter-discursivos (e então não
serão revelados) se respondem aos critérios de sistematicidade e regularidade. Portanto, se os
textos a comparar forem bem escolhidos, isto é, se a escolha é definida em relação às ligações
diferenciais que esses textos entretém com suas condições extra-discursivas de produção (no nosso
caso, os destinatários sociais diferentes), os princípios que acabamos de lembrar são apenas a
tradução, sobre o plano do método, da regra teórica da qual já falamos, segundo a qual uma leitura
ideológica não é uma leitura exaustiva de um conjunto textual, porque não há só o ideológico nos
textos que circulam dentro de uma formação social.
Os comentários que seguem não têm de forma alguma a pretensão de serem fundados sobre
uma análise de todos os aspectos dos textos que compõem nosso corpus, não decorrem de um
estudo suposto completo ou total desses textos (e também o que essas fórmulas poderiam querer
dizer com todo rigor?). Esses comentários só concernem alguns aspectos dos textos, aqueles onde
precisamente o estudo comparativo nos permitiu descobrir modos de funcionamento
sistematicamente e regularmente diferentes. Vemos bem, então, que a análise detalhada no interior
do corpus não pode ser concluída sem o retorno constante à amostra, retorno permitindo
determinar a sistematicidade e regularidade do que estamos descrevendo.
É impossível reproduzir aqui os exemplos, tomados na amostra, que seriam necessários para
melhor ilustrar a aplicação desses critérios. Daremos sobretudo exemplos extraídos da amostra
(como o fizemos nas análises anteriores) quando as propriedades discursivas em questão são
apenas parcialmente ilustradas pelo próprio corpus.
Por outro lado, a natureza de nossa diligência já é talvez bastante explícita para não esperar,
de nossa parte, uma decomposição qualquer dos textos em unidades canônicas, que seja da ordem
da "frase" ou da ordem do "enunciado". Por razões que, ao menos em parte, já foram discutidas,
nos negamos a qualquer fragmentação a priori da sequência textual, a qualquer normalização do
corpus. Porque não nos interessamos por uma análise intra-textual, que necessitaria de um modelo
levando a um tipo de resumo de propriedades textuais e da qual a posição relativa na sequência
seria negligenciável. Mais uma vez comparamos textos, buscamos desvios, e não há, na nossa
opinião, razões metodológicas nem teóricas que exigem que as comparações sejam feitas entre
textos tornados homogêneos através de uma redução dos repertórios de unidades minimais. Não
temos a pretensão de construir uma "teoria do discurso" em geral, mas de estabelecer condições de
uma manipulação de textos visando a uma leitura ideológica. Entretanto, nada impede a priori que
um desvio textual que averigua-se extremamente pertinente para uma tal leitura coloca em jogo
modos de funcionamentos tratando de níveis discursivos muito diferentes ou, se queremos,
tratando de "unidades" de dimensão muito diferentes, em cada um dos textos que comparamos. É
por isso que a mira operatória do discurso torna-se particularmente útil, porque a noção de
operações discursivas é independente da dimensão das unidades que podem, sobre o plano da
superfície textual, encarregar-se dessas operações. Não há então correspondência entre um tipo de
operação e um tipo de unidade de dimensão constante, qualquer que seja a forma de "fragmentar" a
superfície textual.
No que segue, reagrupei as propriedades discursivas que estão em jogo nos desvios entre os
dois tipos de semanários, no certo número de aspectos. Esses aspectos concernem à zonas
diferentes do tecido discursivo.

(1) Construção do sujeito da enunciação e das instância (sujeitos) sobre


o plano do enunciado.

Podemos dar um esquema bem simplificado das instâncias


discursivas:
23

(a) O sujeito da enunciação do discurso da imprensa.


(b) Os sujeitos-protagonistas do evento, sobre o plano do enunciado.
(c) Outros sujeitos tendo, quaisquer que sejam as razões, uma palavra
pertinente em relação ao evento, sujeitos colocados, eles também,
sobre o plano do enunciado, do contato.

Notamos logo que essa classificação elementar se adapta muito melhor ao semanário popular
do que ao semanário burguês. Para este, é difícil localizá-los porque as fronteiras são
extremamente "vagas". Vamos ver as coisas mais de perto.
Primeiro, as articulações entre as diferentes instâncias são sempre perfeitamente explícitas no
semanário popular. Há, de um lado, as marcas tipográficas: tudo que é dito por alguém outro que o
sujeito da enunciação-jornalista aparece em grandes caracteres. No mais, há marcas discursivas não
equívocas: sempre aspas para o discurso dos outros (que sejam (b) ou (c)); sempre dois pontos
entre o discurso do jornalista e o do outro que ele. O semanário burguês utiliza às vezes esse tipo
de marca, mas seu emprego não é sistemático (ou melhor, é sistematicamente não regular).
Segundo, o discurso burguês utiliza regularmente o discurso indireto (eles declaram que...).O
discurso indireto é praticamente ausente do discurso popular. O semanário popular citas as
palavras dos sujeitos (b) e (c) sobre a forma de citações (dois pontos e aspas).
Terceiro, no discurso popular o jornalista é sempre explicitamente marcado no texto (ver
exemplo (60) reproduzido acima). Essa marca é sistematicamente retomada ao longo do artigo. No
texto em si, o jornalista do semanário burguês nunca é mencionado. Os dois procedimentos
opostos serão mais ou menos esses:

Discurso popular: ele nos declarou que...


Discurso burguês: ele disse que...

Como consequência dessa retomada constante do sujeito da enunciação no discurso popular,


as declarações dos sujeitos (b) e (c) são apresentados com tendo sido dirigidos ao jornalista. O
discurso popular é assim semeado de marcas pronominais que situem os discursos dos outros em
relação a uma escuta especificada, a do jornalista. Além disso, o discurso popular reproduz em
geral e a pergunta do jornalista e a resposta da testemunha. A forma dialógica muito utilizada pelo
semanário e à qual fizemos alusão em outro trabalho, corresponde sempre à colocação em contato
da imprensa com as testemunhas. O semanário nunca trataria de uma conversa suposta ter
acontecido fora da escuta institucional representada pelo jornalista, a menos que seja trazido por
uma testemunha, que ela se dirige ao jornalista. Vemos bem que tudo isso reproduz, ao nível do
texto, o que dissemos a respeito das marcas do jornalista (e do fotógrafo) na imagem. As marcas
pronominais reenviando ao sujeito da enunciação estão ausentes do discurso burguês: nesse último,
há pessoas que disseram coisas a respeito do evento (há então palavras pertinentes, há até muitas),
mas essas coisas não foram ditas para alguém encarregado de reproduzí-las para o "público" sob a
forma do "discurso de informação". No semanário burguês, as pessoas falam muitas vezes umas
com as outras, ou então há coisas que foram ditas.
Quarto, não encontramos nunca no semanário popular um tipo de instância discursiva que, ao
contrário, é muito frequente no discurso burguês: as testemunhas indeterminadas, não
individualizadas. Eis alguns exemplos:

(61) Observadores qualificados, pelo contrário...


(62) No dia seguinte, ninguém desconfiava que...

e o caso que aparece no nosso texto da Coruja:

(63) As críticas não faltaram, dizendo que...


(64) Outras testemunhas confirmaram a imagem de um homem simples...

Em resumo, no semanário popular o sujeito enunciador do discurso de imprensa é sempre


marcado sem equívoco; cada vez que esse discurso contém, por sua vez, todo o discurso de outro,
essa palavra é claramente ligada a seu enunciador, e as mudanças de nível discursivo são
assinaladas através de várias marcas simultâneas. No semanário burguês, as marcas do sujeito
enunciador-jornalista foram apagadas; há muitas vezes palavras sem enunciador individualizado,
24

enfim, quando o enunciador é individualizado sobre o plano do enunciado, suas palavras não são
dirigidas para o sujeito enunciador do discurso de imprensa.
Essas duas formas, muito diferentes, de constituir entidades-sujeitos de enunciação são
inseparáveis de um segundo aspecto:

(2) Organização da temporalidade da narração (da história contada) e


de suas ligações com o tempo de enunciação e da colocação em
sequência discursiva.

O discurso popular é inteiramente eixado sobre as ligações entre as marcações de enunciação


e o desenrolar temporal do evento enquanto "novela" da atualidade. De outro modo: a sequência de
marcação de enunciação, as marcas constantes retomadas do enunciador-jornalista, são
sistematicamente ligadas às marcas temporais. O discurso popular acentua o momento de
intervenção da imprensa no evento, isto é, a tomada de contato do jornalista com o que está se
passando: uma história só pode começar a ser contada a partir do momento em que há a
testemunha por excelência, o repórter. O tempo histórico pode então ordenar-se, para frente e para
trás, em volta desse tipo de "ponto zero" representado pelo momento onde a imprensa toma posse
das primeiras informações sobre o evento. Sobre essa base, o conjunto do desenrolar discursivo é
submetido a uma regra não ambígua de linearização. Essa intervenção que permite traçar nos dois
sentidos uma linha da temporalidade a partir do "ponto zero", é sempre marcada na capa do
semanário popular, no momento em que as manchetes anunciam o evento: trata-se de frases,
jamais ouriças, do tipo: "abundante informação e fotografias exclusivas na página...".
No que diz respeito ao nosso corpus, a intervenção da imprensa é acentuada de uma maneira
particularmente forte desde o resumo (texto enquadrado) do primeiro número consagrado à Coruja
(fig. 3).

(65) (...) As vítimas têm medo de falar, mas Así conseguiu (PS) entrevistá-las
(...)

E em seguida, no começo do texto propriamente dito:

(66) No momento de encerramento dessa edição, uma vasta zona da


cidade de Avellaneda, província de Buenos Aires, se encontrava ainda
sob o clima de inquietação que criou a presença de um desses sujeitos
(...)

Essa intervenção tão nitidamente explícita é apenas o ponto inicial de ancoragem do sistema
de marcações da enunciação no sistema de marcações temporais da história contada: ela é a marca
discursiva acentuada às ligações sistemáticas que se desenvolvem em seguida, entre a produção do
discurso e narração do evento; ela anuncia a trama ordenada do discurso que vai seguir: desenrolar
das informações colhidas pela testemunha exemplar, o repórter.
Assim, no primeiro número do semanário popular consagrado à Coruja e após uma
introdução, o conjunto do texto é dividido em sete parágrafos separados por inter-títulos. Cada
parágrafo descreve a visita do jornalista a uma das vítimas do Sátiro, e reproduz suas declarações,
acentuando a atividade do jornalista-testemunha-pesquisador. Por exemplo:

(67) Graciela Panela estava em casa, mas sua mãe nos diz que ela não
quer falar com os jornalistas (...)
(68) Uma outra mulher atacada é Rosa Mendez. Fomos até à casa dela
e tivemos muita dificuldade para chegar até à cama dela, onde ela se
recupera de suas feridas (...)

Eis enfim um fragmento particularmente claro, extraído de outro corpus. Reparamos apenas a
trama dupla ≅ temporalidade da narração/marca da enunciação:

(69) Vinte minutos após o fato (...) Isto foi o primeiro panorama
oferecido ao olhar do jornalista (...). Mais tarde duas versões (...).
Pouco a pouco os jornalistas de Así recolheram versões mais
verdadeiras (...). Centenas de palavras ressoavam ao mesmo tempo
25

aos ouvidos do jornalista (...). Mais tarde, outras informações mais


importantes nos chegaram (...). Nesse momento, as pessoas da
imprensa foram autorizadas a aproximar-se (...).

Desse ponto de vista, a estrutura narrativa do discurso popular pode ser representada de uma
maneira muito simples, como sendo por quatro conjuntos de operações discursivas.
Intervenção inicial
("colocação em contato"
imprensa com o evento)

Flash-backs Descrição que "segue"


(reconstrução do que o evento a partir
aconteceu antes do evento) da intervenção

Avaliação, moralização

A fonte de avaliação final (como as que achamos na quadragem discursiva) é sem equívoco: é
o enunciador-jornalista que nos guiou ao longo de toda a narração, que nos disse no fim o que acha
do evento.
Essa correspondência sistemática entre as marcações da narração e as marcações de
enunciação estão ausentes do discurso burguês: a trama das marcas explícitas do enunciador-
jornalista não existem. Trata-se, por consequente, de uma rede flutuante de marcações temporais,
sem ancoragem sobre o plano de enunciação.
Olhamos mais de perto o texto do semanário burguês consagrado à Coruja. O primeiro
parágrafo pode ser decomposto em três partes, distinguidas simplesmente segundo as articulações
marcadas pelo branco semântico do ponto (.). Separamos por uma barra dupla (//).

(70) Durante um mês, as mulheres de Avellaneda viveram


atormentadas pelo medo, tornaram-se mais caseiras que em geral,
não falaram mais de outras coisas.// No sábado 13, de madrugada, a
tensão caía de uma só vez e um furacão de suspiros de alívio invadia
o prédio da Brigada de busca da zona Sul: segundo as declarações
do comissário Felix Sarquis, o Sátiro tinha sido apanhado.// E, de
fato, o homem que tinha cortado com uma navalha os rostos de 15
mulheres dessa zona desabava, algemas em punho, sobre uma
poltrona e se recusava osbtinadamente a abrir os olhos e a falar.

Nessas poucas linhas, a totalidade do evento é percorrido. O evento já é encerrado; o


texto desenrola, em três pequenos passos, as etapas que o semanário popular levou três números a
descrever. Entretanto, a articulação entre esses três momentos concerne precisamente à trama
temporal. Procedimento muito apreciado pelo semanário burguês, as duas primeiras frases
começam por uma marca temporal: a primeira acentua uma duração ("durante um mês"), a
segunda, um fato pontual, o evento em captura (No sábado 13, de madrugada). Outras
características do discurso burguês: começam pelo medo das mulheres em nos dizer as causas.
Imediatamente em seguida, nos dizem que "O Sátiro foi apreendido": pseudo-anáfora porque não
nos tinham falado dele antes.
26

A articulação entre a segunda e a terceira parte é interessante. De um lado, a captura do Sátiro


é anunciada dentro de um discurso relatado "segundo a declaração do comissário...", e de outro,
uma marca de enunciação: "E de fato...". A qual o sujeito de enunciação reenvia esse de fato? Essa
colocação em sequências de um discurso relatado mais uma constatação de enunciação produz um
efeito de sentido muito particular, um tipo de desdobramento entre a declaração do delegado, de
um lado, e a verificação, de outro lado, que o que ele disse é, de fato, verdade. Mas não há marca
permitindo atribuir essa constatação a um enunciador identificado. A distância assim criada entre a
declaração do delegado e a validação do conteúdo do que ele declarou ("E, de fato") é reforçada
pela nítida distribuição dos tempos verbais: até o conteúdo relatado do anúncio do delegado, todos
os verbos, são, no texto espanhol, no passado simples. A marca de enunciação, que é ao mesmo
tempo um operador de encadeamento, com o que segue, introduz uma zona discursiva onde todos
os verbos estão no imperfeito. Essa marca de enunciação, visando o conteúdo do discurso relatado,
articula então uma passagem do concluído ao não concluído, como se o que foi contado a partir
desse momento tivesse acontecido na presença desse sujeito que disse "de fato". Mas esse sujeito
não é nomeado. Será talvez aquele que logo recupera um tipo de saber coletivo dizendo (mais uma
vez cumplicidade de um "já lido"): "Como sempre acontece"?
Eis um exemplo particularmente claro do funcionamento do discurso burguês, extraído de
outro corpus:

(71) O País
Plano de luta: a etapa decisiva

Sábado passado, às 4 horas da manhã, após uma discussão fervorosa


que durou quase oito horas, uma centena de secretários gerais de
sindicatos argentinos, ignorando medos pessoais que podiam sentir,
deixaram os esquemas racionais táticos que tendiam ao abandono da
luta e precipitaram-se em direção à etapa decisiva do plano de ação da
CGT, desafiando assim os dispositivos oficiais de repressão que,
talvez, tende ao desmantelamento do setor operário. Isso apareceu aos
olhos de vários observadores relevar de Dom-quichotismo: a prova
que esses dirigentes vilipendiados buscavam um "enterro de luxo",
uma heróica justificação, talvez, venalidades e concessões das quais
os acusam. Mais: ninguém ousava mais profetizar se a classe operária
ia seguí-los numa cruzada anti-oficial onde o castigo, por colaborar
com medidas de forças "ilegítimas", pode conduzir ao licenciamento.

Esse texto mostra, melhor que o do Sátiro, o tecido ambíguo da enunciação no


discurso burguês. Bem que no começo haja uma ancoragem bem nítida em relação à situação de
enunciação ("Sábado passado") o discurso é em seguida habitado por uma multitude de
enunciadores não identificados que apreciam, avaliam, modalizam. O discurso se desenrola
percorrendo esses pontos de vista ao mesmo tempo múltiplos e anônimos.

(3) Homogeneidade/homogeneidade sentencial

O semanário popular é, de fato, também ao nível do texto, homogêneo: só fala de um evento.


A nota do semanário burguês motivada por um evento particular fala ao mesmo tempo, na maioria
dos casos de outros eventos. O discurso burguês constrói uma rede de eventos dentro da qual ele
coloca aquele que é objeto principal do texto. Poderíamos dizer que o discurso popular é um tipo
de expansão aspectual de um evento: ele trabalha os detalhes temporais, os lugares, os
personagens, as testemunhas oculares, o "suspense". Se há vítimas, ele as apresenta uma a uma. O
discurso burguês, pelo contrário, fala de uma pluralidade de eventos que são ao mesmo nível que o
evento de referência e não os aspectos desse último.
Essa diferença praticamente só aparece no corpus da Coruja. Ele se desenhou claramente para
nós na análise de outros corpus e no percurso da amostra. No texto consagrado à Coruja há apenas
alguns indícios, quase imperceptíveis, da construção dessa rede (indícios que só poderiam ser
reconhecidos com tais na luz de um conhecimento adquirido sobre outros textos). Trata-se de
certas marcas temporais, no último parágrafo: "cinco horas depois de ter..."; "durante toda a
semana passada..."; "enquanto que...". É através desses tipos de ligações temporais que o discurso
burguês coloca em ligação uns com os outros os eventos diferentes do qual ele fala. O semanário
27

burguês limita-se assim a assinalar que esses eventos estão em ligação de simultaneidade ou então
de anterioridade ou posterioridade, mas não avalia suas ligações além da marca temporal.
Eis um exemplo, extraído de outro corpus:

(72) O presidente encontrava-se no sul, inaugurando


simbolicamente obras que suponhamos serão realizadas um
dia (...). Ao mesmo tempo, um conselheiro amigável do
general Castro Sanchez (...) dava sua refeição número 12 ou
13 (...). Simultaneamente, o PDG da Fiat argentina (...)
anuncia ao presidente da Nação que sua empresa (...). Os
dirigentes peronistas deixaram inteiramente de lado a questão
do golpe de estado, mas fizeram um longo relato sobre o atual
governo, insistindo particularmente sobre o problema sindical
e social: ação do presidente Illia visando aprofundar a divisão
operária; ação do ministério do Trabalho para fazer obstáculo
à unidade da CGT. Mas 24 horas depois dessa refeição, os
primeiros tiros soavam em Avellaneda, e os dirigentes
sindicais entendiam que, na dura realidade do presente, não
eram evidentemente os beneficiários do governo atual,
deixando de lado os prognósticos do próximo.

É apenas no sexto parágrafo que a primeira referência é feita ao evento do qual se trata no
título ("Os primeiros tiros"). O evento aparece tecido em um conjunto complexo e é esse conjunto
que, aparentemente, dá-lhe sua inteligibilidade. Aparentemente: porque as ligações entre esses
eventos não são confirmados de uma forma explícita, nem tampouco explicitamente avaliadas.

(4) Colocação em sequência discursiva

Toda economia do discurso popular é construída, já dissemos, sobre a linearização narrativa


de onde o ponto de referência é a imprensa. O discurso desenrola-se assim de uma maneira
ordenada, sob a forma do inquérito do jornalista. Trata-se então de um discurso relativamente
unidimensional e às vezes repetitivo (as declarações das testemunhas se sucedem: a sequência de
perguntas e respostas podem encher páginas). O discurso burguês, ao contrário, é caracterizado
pela colocação em forma de um sistema de articulações inter-frasísticas que são relativamente
indeterminadas, fortemente ambíguas e às vezes até mesmo contraditórias.
Esse funcionamento não é estranho, claro, ao funcionamento das marcas do enunciador-
jornalista e à falta de ancoragem entre as marcas de enunciação e ao sistema de marcações
temporais, do qual já foi questão. O "E de fato" que comentamos acima é um bom exemplo disso.
O "Mas" que introduz o último parágrafo de nosso último exemplo (72) é outro, particularmente
marcante. O parágrafo imediatamente anterior ao "Mas" diz que os dirigentes peronistas fizeram
severas críticas ao governo: acusaram esse último de fomentar a divisão da classe operária, de
impedir a unificação da CGT. Porém, o fragmento introduzido pelo adversativo nos diz que o
evento de violência em questão fez entender aos dirigentes sindicais que não eram os beneficiários
do governo. Em boa lógica, esse evento apenas confirmaria as acusações. De fato, o parágrafo
anterior ao "Mas" nos mostra que os dirigentes já o tinham entendido, já que acusavam o governo
desde antes do evento. Encontramos de novo a sequência "normal" trocando o "Mas" por uma
simples conjunção "E" ou até por um "de fato". Chegamos à conclusão de que utilizaram um
ligador marcando uma oposição ou um contraste onde teriam que ter marcado uma corroboração.
Já falamos de articulação inter-frasística porque não é sempre necessário que se trata de
ligadores propriamente dito (do tipo: de fato, por consequente, então etc.). A ambiguidade pode
simplesmente resultar da colocação em sequência de duas frases, uma após a outra. Nesse caso, é a
sequência de duas frases, marcada pelo branco semântico do ponto, que gera um fenômeno
particular. Há bons exemplos no nosso corpus. É o fim do texto.

(73) Durante toda a semana passada, e enquanto... Sua mãe morreu


durante o parto, depois de três horas de esforço.

Olhemos agora a última frase. Ela parece importante, ela conclui o texto. Ela nos faz saber
que a Coruja é órfão, que nasceu durante um parto difícil, onde precisamente sua mãe morreu. O
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conjunto do texto trabalhou essa idéia desde o começo: "As marcas do passado". Porém, a
construção discursiva é tal que é impossível determinar qual o enunciador que se encarrega da
interpretação segundo a qual os atos criminais que Francisco Rudaz cometeu na idade adulta pode
ter ligações com seu nascimento traumático e com a falta de mãe. Nos parágrafos anteriores,
quando tratava-se de um discurso relatado, tinhas aspas; é assim que as declarações de algumas
testemunhas foram reproduzidas no segundo parágrafo. Aqui não há aspas. Os dois pontos depois
da frase concernindo ao relatório dos médicos definem claramente o status da frase que segue os
dois pontos: estamos autorizados a interpretar a frase "trata-se de um maníaco sexual, que carrega
traumas desde o berço" como expressando uma idéia contida no relatório médico. Depois, há um
ponto, seguido da última frase. Qual o estatuto desta e qual o tipo de fronteira marcada pelo ponto?
Duas leituras parecem possíveis: ou essa última frase vem do relatório médico (o que não me
parece evidente) ou então trata-se de uma informação acrescentada pelo semanário, alusão a um
fato da história da Coruja que seria de corroboração do que foi a conclusão dos médicos
(corroboração que, por consequência, não seria afirmada como tal). A questão parece indecidível.
Em todo caso, se preferirmos a segunda leitura, ela é de toda forma suficientemente imprecisa para
deixar na sombra a posição do semanário no que diz respeito a essa hipótese sobre as ligações entre
o trauma na infância e o comportamento atual do personagem. Se preferirmos a primeira leitura, é
ainda mais claro que o semanário não se encarrega de nenhuma conclusão, porque essa deve ser
voltada para o conteúdo do relatório médico. Num caso como no outro, constatamos que a equação
inicial: "Rudaz: as marcas do passado", ela mesma, é ambígua porque produzida pelos dois pontos
permanece no fim, intacta. Entre a ambiguidade do começo e a ambiguidade do encerramento,
aconteceu talvez outra coisa que não tem nada a ver com Rudaz, nem com o medo das mulheres,
nem com a navalha. Adiantamos logo uma hipótese: e se essa maquinação do discurso burguês
tivesse por resultado neutralizar a referenciação, desligar o discurso dos objetos dos quais ele faz
de conta falar (a atualidade), para abrir assim o espaço de um funcionamento outro?
Tentamos, chegado a esse ponto, encarar alguns problemas mais gerais.
Primeiro, a ambiguidade da qual acabamos de falar, do mesmo jeito que o "flutuamento" da
enunciação, características dos semanários burgueses, não parecem ser ressentidos na recepção. De
fato: (a) a leitura, se podemos dizer, "imediata" ou "não analítica" desses semanários; (b) os
resultados de certos inquéritos que fizemos junto aos leitores na época da constituição do corpus;
(c) o impacto cultural desses semanários na Argentina, durante o período estudado (1960-1970);
(d) em geral, a importância não negligenciável que eles têm no quadro da imprensa de informação
nos países industriais; enfim, tudo parece indicar que esse discurso está longe de produzir um
efeito de imprecisão ou de ambiguidade no leitor. Muito pelo contrário: esse último não somente
tem a sensação de mergulhar na intimidade mesma do que acontece no mundo, mas também tem,
além disso, o sentimento de ser respeitado na sua liberdade de julgamento.
Há já vinte anos, Hans Magnus Enzensberger tinha descrito certos aspectos da linguagem de
Der Spiegel (um dos primeiros modelos do discurso burguês semanário nos países industrializados
do Ocidente). Seu trabalho era um tipo de comentário intuitivo (ele não apresentava nenhuma
análise de textos) contaminado, além do mais, por uma atitude crítica um pouco ingênua. É então
um pouco difícil de avaliar o sentido exato dessas observações. Algumas delas, entretanto,
parecem encontrar algumas de nossas conclusões, ao nível do funcionamento textual e também ao
nível do efeito de sentido. Enzensberger afirma que Der Spiegel "mascara as coisas das quais ela
fala". Mas ele reconhece que, de outro lado, Der Spiegel "dá ao leitor a impressão de ser capaz de
refletir". Eis, então posto em outro termos, essa decalagem entre o funcionamento textual tal como
aparece na análise das regras de produção e o efeito de sentido na recepção.
Como pode ser que as regras de construção discursivas, comportando ambiguidades
sistemáticas, apagamento da enunciação e mesmo às vezes articulação contraditórias, possam dar
lugar ao nível da recepção a uma leitura que ao mesmo tempo dá o sentimento de compreender (e
até de compreender melhor que quando se lê outros discursos da imprensa) e não ser um receptor
passivo?
Parece-me que essa decalagem entre produção e reconhecimento só é paradoxal em
aparência. Primeiro, a posição do analista que se coloca em produção para descrever as regras de
geração discursiva não coincide com a posição do leitor-consumidor do discurso: "gramática" de
produção e "gramática" de reconhecimento nunca são idênticas. A questão da ideologia é a das
marcas no discurso de suas condições de produção; o efeito de sentido do discurso concerne à
questão do seu poder: estaríamos errados ao confundir essas duas questões. De outro lado, o
funcionamento da enunciação e das articulações inter-frasísticas no discurso burguês é apenas um
aspecto da economia de conjunto desse discurso: esse último opera essencialmente sobre a base do
29

efeito de reconhecimento. O leitor é imergido nessa cumplicidade cultural que exige dele, além do
mais, o deciframento de todas as alusões e os subentendidos que foram semeados ao longo do
discurso. A quadragem não é explicitamente avaliativa, não julga os eventos, tem sempre um jeito
ao mesmo tempo descritivo e exemplar do "homem da navalha". O discurso constrói, além disso,
um tecido múltiplo de palavras relatadas e de coisas ditas, apagando ao mesmo tempo as marcas
que poderiam permitir reenviar essas palavras ao semanário mesmo como local de enunciação: esse
conjunto de procedimentos cria um espaço interno onde o leitor pode então colocar sua "liberdade
de julgamento"? Quando ele fala de um evento, o semanário burguês fala também de muitos outros
eventos dos quais ele sugere, sem afirmá-lo em algum lugar, que estão em ligação uns com os
outros. Esse rede eventual serve ao mesmo resultado global: descreve-se o tecido da qual a
atualidade é feita, mostra-se sua complexidade, sem falhar, sem impor uma conclusão. O leitor é o
receptor do discurso que faz o percurso da complexidade do "real", tem assim o sentimento de
compreender mais e melhor sem ser o destinatário de uma avaliação ideológica qualquer. Falando-
lhe de um evento, contam-lhe às vezes coisas que aparentemente não têm nada a ver com o fato em
questão: convite a mobilizar sua lucidez de leitor, convite a compreender que o "real" é feito de
laços insuspeitos entre os eventos e que é lá, nesse discurso, que lhe falam dessas conexões não
manifestas. A mediação do jornalista é, na maioria das vezes, apagada: o contato com esse real-já-
conhecido torna-se ao mesmo tempo complexo e direto. A rede dos ligadores e dos laços inter-
frasísticos coloca em cena ao mesmo tempo sua complexidade e sua compreensão, sem jamais
engajar a responsabilidade do semanário numa avaliação precisa ou em argumentos dos quais o
sentido seria cristalizado e não equívoco. Mesmo se, às vezes, ele tem o sentimento de não
compreender direito, o leitor encontra sempre no efeito de reconhecimento uma familiaridade
provável, já-lidos e já-vistos, que estão lá para fazê-lo dizer: "Isso, finalmente, nós o sabíamos". A
atualidade, qualquer que seja, junta-se assim em última instância à intuição de classe.
Isto dito, qual o efeito dessa descrição? Porque pelo tom de nossas observações talvez terá se
advinhado que demos a elas uma importância que ultrapasse muito o quadro histórico que foi
nosso ponto de partida. Tem que tentar então precisar as condições dessa ultrapassagem.
Enquanto descrição de um funcionamento discursivo historicamente determinado, é evidente
que só nos parece avaliável primeiro para o contexto e o período nos quais o estudo foi feito.
Temos que tratar então, a esse respeito, com a colocação em lugar do discurso dos semanários
burgueses de informação na Argentina, nos anos sessenta (o primeiro semanário correspondente a
esse modelo aparece em 1962). Ao mesmo tempo, uma exploração mesmo fragmentária dos
semanários de informação em outros lugares do mundo conduz inevitavelmente à convicção de que
os semanários burgueses obedecem a uma mesma economia discursiva, além, é claro, das nuances
e das modulações nacionais. Isso não tem nada de surpreendente: o modelo tem suas origens
históricas em alguns países capitalistas avançados (o Time para os Estados Unidos, Der Spiegel
para a Europa) e se expandiu em seguida em outras regiões do mundo. Na maioria dos países da
América Latina, o modelo aparece pouco a pouco ao longo dos anos sessenta. Essa aparição
corresponde então ao período de consolidação-legitimação, sobre o plano cultural-ideológico, dos
novos setores da grande e pequena burguesia provenientes do processo de penetração imperialista:
internacionalização do mercado interno, colocação progressiva de capitais estrangeiros nos ramos
dinâmicos da estrutura industrial. Na Argentina, esse processo já tinha começado nos anos
cinquenta e se intensificou durante a presidência de Arturo Frondizi (1958-1962). Podemos dizer
que no começo dos anos sessenta, as estruturas econômico-políticas da dependência já estão
perfeitamente no lugar, a burguesia tendo abandonado toda ilusão nacionalista. Esse processo é
acompanhado, como é conhecido, por um desenvolvimento rápido, ao nível do imaginário
ideológico, de todos os fantasmas mass-mediáticos da sociedade de consumo, desenvolvimento
que não corresponde, claro, à situação estrutural de cada país, mas que é necessária para alargar o
mercado interno de consumo, reforçando assim a distorção própria à situação de dependência. É no
momento da cristalização desse contexto que aparece o semanário burguês de informação, e é em
relação a essa conjuntura que podemos compreender seu poder: adaptando um modelo de discurso
nascido nos países avançados, ele instaura um domínio imaginário na ordem da cultura, para uma
burguesia que praticamente perdeu todo o domínio autônomo do aparelho produtivo, e que tenta
em vão, ao longo dos anos sessenta, estabilizar o aparelho político sem abandonar os ideais
"democráticos". O peronismo, uma vez proscrito, essa burguesia tem ao mesmo tempo, em direção
às classes populares, um outro discurso: o do semanário popular, o único local onde, dentro da
imprensa de grande circulação, se expressa um populismo extremamente vago: valorização da
"vida operária" e do "sindicalismo", acompanhado de uma visão dramática-catastrófica, totalmente
despolitizdada, da sociedade.
30

Acrescentamos agora algumas observações sobre as possibilidades de generalização além


desse quadro conjuntural preciso.
O discurso burguês considerado nos seus mecanismos mais fundamentais se orienta, me
parece, em direção a um tipo de paradoxo. É aqui que podemos entender suas tendências mais
profundas, seu laço orgânico com o capitalismo industrial, o plano sobre o qual ele trabalha
verdadeiramente o inconsciente de classe. Porque ao limite, o discurso burguês tende a traduzir a
atualidade sob a forma do já-conhecido, a transformar a informação (paradigma mesmo do
discurso apoiado sobre o "novo", segundo um modelo mais clássico) em discurso sobre o já-
sabido, a transmutar a informação em não informação. De onde a passagem a um modelo
narrativo, que é o da ficção literária, culminação necessária, sobre o plano da narração, do efeito de
reconhecimento.
Nesse nível, o evento é apenas uma material maleável e dócil para ilustrar leis obedecendo
totalmente à dinâmica do imaginário ideológico. Desse ponto de vista, a partir do momento que
transpassam a soleira de um semanário moderno de informação, as tradicionais depeches das
agências tornam-se literalmente pretextos.
Entretanto, esse paradoxo não é um paradoxo em si. Porque seria totalmente falso concluir
que nos textos dos semanários burgueses encontra-se apenas invenções fantasiosas. Acusar o
discurso burguês de invenção, de "deformação do real", seria o cúmulo da ingenuidade: essas
acusações (como as por exemplo de Enzensberger) implicam necessariamente o retorno ao que
seria um discurso "verdadeiro" ou "objetivo", um discurso onde transpareceria o "real" da
atualidade. Assim seria ingênuo dizer que os semanários ditos de "qualidade" contenham pelo
menos menos "deformações" que os semanários burgueses "modernos". Tudo isso não tem nada a
ver com o nosso propósito: os mass media são os produtores do "real" e não reprodutores (ou
deformadores, o que é o mesmo). Por consequência, trata-se de um processo de transformação
histórico dos discursos. O paradoxo do qual falamos não é um paradoxo em si, porque só pode ser
definido como relação contraditória entre duas ideologias: de um lado, precisamente, a velha
ideologia da imprensa de "qualidade", com toda sua deontologia sobre a "objetividade", a
"liberdade de informar e de se informar", a "liberdade de imprensa" e todo o resto. É desse fundo
clássico que esse novo tipo de discurso se desliga. Ele visa um paradoxo, porque tende a dissolver
a ideologia clássica para instaurar o que é, do meu ponto de vista, o discurso verdadeiramente
harmônico com a sociedade industrial desenvolvida: a atualidade como espetáculo.
O que acabo de dizer implica, enfim, duas coisas. De um lado, que a decalagem entre
discurso burguês e discurso popular, tal qual o analisamos, abrange de fato uma decalagem
histórica: o discurso popular é mais próximo do modelo clássico que o discurso burguês. Isso não
implica necessariamente que essa distância entre o discurso dirigido às classes populares e o
discurso burguês tende a diminuir ou até mesmo periga desaparecer. Mas é certo que para se
adaptar ao verdadeiro nível de desenvolvimento da produção discursiva das sociedades industriais
avançadas, o discurso popular é obrigado, ele também, a transformar-se, mesmo se não se
aproxima tanto de seu outro, o discurso burguês.
De outro lado, um atraso considerável existe, ao nível do discurso da imprensa em relação ao
desenvolvimento das estruturas econômicas e sociais dos países capitalistas industrializados. Em
outros termos: a ideologia clássica sobre a "objetividade", essa ideologia fundada sobre a sacro-
santa distinção entre fatos e opiniões não é nem um pouco aquela que corresponde ao capitalismo
plenamente desenvolvido. É apenas nos últimos quinze anos que aparece, pouco a pouco, uma
nova forma de discurso que desenha a tendência fundamental: a atualidade inteira transformada em
"mise en scene", produzida, se podemos dizer, como realidade funcional para o mercado de
sentido.
Voltamos uma última vez a nosso corpus. Porque em relação às hipotéses sobre as tendências
profundas de uma certa produção discursiva não se pode esquecer que todo um texto é sintomático:
num local específico de um texto pode aparecer uma operação ou um conjunto de operações que à
luz de uma hipótese mais geral sobre as regras de gerações desse texto mostra-se como um tipo de
modelo condensado, um tipo de maquete que resume certas propriedades cruciais da "gramática"
discursiva. Uma marca de ligação, uma operação referencial, um encadeamento que eles mesmo
podem não ser particularmente significantes, adquiriram assim na luz das condições gerais de
geração do texto onde aparecem as características de um sintoma. No fim do texto do semanário
burguês consagrado à Coruja, caímos sobre essa frase:

(74) Rudaz foi capturado enquanto dormia sobre papéis...


... cinco horas após ter dado o último golpe de navalha.
31

Recusamos numa primeira abordagem achar nele qualquer coisa de especialmente


interessante. Essa frase conteria, entre outras coisas, uma idéia que poderíamos claramente
expressar da seguinte forma: "Rudaz foi capturado cinco horas depois de (ainda) ter atacado" ou
então "cinco horas antes de ser capturado, Rudaz tinha (ainda?) atacado uma mulher", ou então
"Rudaz foi capturado cinco horas após um ataque que devia ser assim o último". Vemos talvez já o
que pode ter de interessante nessa passagem: não nos parece nenhum pouco evidente que qualquer
uma das leituras possa dar conta do texto. A questão decisiva é, claro, a interpretação da expressão:
o último golpe de navalha. Esse golpe de navalha é o último em relação a uma coleção "de golpe
de navalha"? Podemos responder logo: ele é o último no conjunto de golpes de navalha que Rudaz
deu. Assim interpretado, entretanto, o texto fica curiosamente tautológico, porque é evidente que
não podia ter sido capturado cinco horas após um golpe que não fosse o último. É precisamente
essa leitura que seria feita, sem perigo de tautologia, dizendo: "Rudaz foi capturado cinco horas
após ter (ainda) dado um golpe de navalha". Nessa ótica é então a captura que, retrospectivamente,
faz de um novo golpe o último, ou se queremos, o fato da captura (não prevista no momento do
golpe) transforma "um golpe a mais" em "o último golpe".
Nossa hipótese é então que esse texto admite não menos que duas leituras. Uma consiste em
reconhecer, por assim dizer, que o efeito retroativo da captura sobre o golpe, esse tornando-se o
último. Mas então a frase, tal qual a encontramos no texto, é um tipo de tautologia. A outra leitura,
a que nos parece a mais sintomática (bem que em todo rigor, a leitura tautológica o seja também),
é paradoxalmente a mais literal: Rudaz, de fato, foi capturado cinco horas após ter infligido o
último golpe de navalha. O último golpe e não o seu último golpe, nem tampouco um último
golpe: esse golpe era o último de toda uma eternidade, era o último no momento exato em que
acontecia; esse golpe leva, não a Francisco Rudaz, indivíduo singular, protagonista acidental de
um fait-divers, mas ao homem da navalha, ao eidos. Esse golpe era o último, se podemos dizer, em
uma narração de gênero borgesiana. É por isso que essa leitura é a mais literal: Rudaz deu o último
golpe de navalha. Cinco horas depois foi capturado. Arrancado ao tempo contingente do fait-divers
pela lógica do destino romanesco, a Coruja já está imóvel, incorporado à galeria de retratos de um
certo imaginário.

A Coruja, Epílogo

Mesmo cenário que antes,


mas duas semanas depois.

(75) Luiz Rudaz, o pretenso Sátiro, compareceu diante do juiz. Ele voltou atrás sobre
todas suas declarações anteriores e declarou-se inocente. Decidiram afastar a Brigada
de Avellaneda desse processo, e o prisioneiro foi transferido para La Plata. É possível
que ele seja liberado rapidamente.

(76) Denúncia de torturas!


A detenção do pretenso Sátiro ameaça provocar um escândalo. (...)

O homem que durante algumas semanas tinha encarnado alguma coisa como imagem
de "inimigo público número 1" devia chegar bem escoltado (como sempre) ao escritório do
juiz M. Romulo Dalmaroni. Seu processo retumbante está agora nas mãos de um novo
magistrado. (...)
(...)
Entre os que esperavam, encontravam-se M. Santiago Carnevale, que tomou a defesa
do pretenso Sátiro. Falando com os jornalistas, ele fez certas afirmações que, se elas se
confirmam, podem dar vez a um escândalo. - Assim que fui designado como advogado
defensor de Ruz - diz ele - tive a certeza que tinham torturado o meu cliente para arrancar-
lhe a confissão de sua culpabilidade (...)

(77) Um grave testemunho.


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Apesar do fato de a justiça não ter dito sua última palavra, a opinião pública não
duvida da inocência de Rudaz.
Así recolheu um sério testemunho quanto à verdadeira identidade do misterioso agressor
noturno (...)
Segundo a opinião de vizinhos responsáveis, o Sátiro não seria outro que o filho de
um médico bem conhecido de Avellaneda, que era associado, há alguns meses, a um
episódio de tipo extremista que tinha acontecido no parque Lèzama. Esse jovem foi
mandado pelos pais para a Europa (o país do destino seria a Alemanha) quando esses
últimos verificaram até que ponto o desregulamento psíquico do qual ele sofre é grave. O
testemunho acrescenta que o pai do verdadeiro "Sátiro" estaria disposto a indenizar as
vítimas de seu filho.

(Fragmentos extraídos do semanário Así, de 6 de junho de 1967).

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