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http://jus.uol.com.br/revista/texto/5793
Publicado em 10/2004
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Já a discriminação que os espartanos tinham para com os deficientes físicos, que eram
atirados no rio quando nasciam, seria repudiada pelo conteúdo normativo da Lei Federal
nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, que dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de
deficiência e sua integração social. Em juízo só se admitiam depoimentos obtidos sob
tortura, como ver-se-á mais adiante, o que obviamente objurgado por nossa Lei Federal
nº9.455, de 7 de abril de 1997, que dispõe que é atividade criminosa constranger alguém
com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental,
com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou terceira pessoa,
prescrevendo-se, inclusive, penas de reclusão aos agentes de tais crimes. A práxis grega
seria também repudiada pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada pela
Organização das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. É que na Grécia clássica
as pessoas não nasciam livres e iguais em dignidade e direitos. Além disso, as pessoas
não tinham o direito de ser, em todos os lugares, reconhecidas como tais perante a lei. De
igual modo, nem mesmo os sacralizados textos filosóficos gregos teriam aceitação; por
exemplo, pela Convenção Sobre a Abolição do Trabalho Forçado, adotada pela
Organização Internacional do Trabalho em 25 de junho de 1957 e ratificada pelo Brasil em
1965. A xenofobia grega seria repelida pela Convenção Internacional sobre a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação Racial, adotada pela Resolução 2.106-A (XX), da
Assembléia Geral das Nações Unidas, em 21 de dezembro de 1965 e ratificada pelo Brasil
em 27 de março de 1968. O escravismo helênico seria também censurado pelo Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotado pela Resolução nº
2.200-A (XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas em dezembro de 1966, que entrou
em vigor em 1976, e que foi ratificado pelo Brasil em 1992.
Entre nós essa historicidade dos direitos, esse sentido evolutivo, é também alvo das
cogitações de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, que reconhece, no entanto, e
sucintamente, sem maiores comentários, convicção multissecular da existência de um
justo independente da vontade humana, no legado grego [12] . José Francisco Rezek
também concebe sentido evolutivo para os direitos, nominando-os em gerações [13] ,
valendo-se da premissa para conectá-los a proteção internacional. De modo similar pensa
José Afonso da Silva que percebe fio condutor temporal e cliométrico, norteando a
formação histórica das declarações de direitos[14] . Alexandre de Moraes também aceita
esse evolucionismo, radicando os direitos fundamentais na Magna Carta inglesa [15] ,
lembrando também Celso Lafer [16] que, porém, com base em Hannah Arendt, aceita
noção de descontinuidade, conceito que implode o historicismo hegeliano-marxista [17] . É
que Hannah Arendt percebe criticamente a história, repelindo todas as imparcialidades,
que reputa decorrentes de manobras ideológicas, ensejadoras de força decorrente do
poder [18] , louvando, a propósito, a narrativa histórica helênica:
Em primeira vista o presente artigo aparentemente nega toda a doutrina historicista
construída em torno dos direitos humanos, refutando o historicismo com base em Karl
Popper e em Hannah Arendt [20] , embora, bem entendido, aceitando imprestabilidade
conceitual de se exigir implemento de direitos humanos pelo mundo grego, como condição
para sua aceitação histórica. A posição helênica na história do pensamento carece ser
dimensionada de forma mais crítica. Não há por parte do artigo arrogância de se refutar
todo o legado ático. Trata-se de convocar profunda reflexão. Os gregos não eram como
nós somos, e portanto houve solução de continuidade na feitura da tradição ocidental, o
que mitiga as teses historicistas. Ou ainda, o escravismo grego exige repulsa, o que
volatiliza a idolatria apologética em torno da Grécia.
O artigo não constata direitos humanos na tradição grega de feição conservadora, que
radica em Sócrates, Platão e Aristóteles. E o faz, efetivamente, por conta do regime de
escravidão e de limitação de direitos femininos, tônicas da vida grega. Inegável a interface
entre democracia e direitos humanos. Assim, em perspectiva contemporânea:
A sociedade grega era escravista. Ao homem de pensamento era reservado o tempo livre,
o ócio com dignidade, utilizado para a elevação e emancipação, para a contemplação do
belo, para a discussão em torno do útil e do justo. Aos escravos eram reservadas tarefas
todas, pelo que, em sentido kantiano, tais pessoas (escravos, que o ordenamento aliás
não considerava pessoas) eram meios e não fins, do que a definitiva evidência de que a
Grécia clássica não conviveu com os direitos humanos. Assim:
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O ócio será combatido pela ideologia vitoriana do século XIX, recuperando-se na última
quadra do século XX, sobremodo após as obras e entrevistas de Domenico de Masi, para
quem o ócio é criativo. A especialização e dedicação exclusiva a determinada atividade de
trabalho cretinizam o homem [23] . Mudando o que deva ser mudado, ócio e retórica são
temas cujas trajetórias são similares e convergentes. Cultivadas por gregos e romanos
sofreram críticas no medievo e na idade moderna. Max Weber chega a vincular o
desenvolvimento do capitalismo à ética protestante que repudia o ócio [24] ; trabalhar seria
forma de se glorificar a Deus. O final do século reabilitará ócio e retórica, aquele
necessário para plena realização humana, essa última, gerência do diálogo, do possível,
do político.
Mário Curtis Giordani reconhece que o ideal de liberdade democrática não provocou nos
gregos sentimento contundente de supressão da antinomia entre homens livres e escravos
[26]
. O escravo recebera a condição com o nascimento, com a inadimplência e com a
captura em guerra. Lembre-se ainda o jocoso caso de Menécrates de Siracusa, médico,
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"[27] . O escravo era
despido de toda personalidade e não podia em princípio contratar, embora substituíssem
os patrões em negócios, comprando, alugando, empreitando [28] . Reconhecia-se,
excepcionalmente, a capacidade contratual e conseqüente responsabilidade civil do
escravo preposto, nos empreendimentos de comércio marítimo [29] . Embora legalmente
protegido contra ultrajes e violência [30] , o escravo só podia comparecer em juízo, como
testemunha, se submetido à tortura, porque se acreditava que só a força da dor poderia
arrancar-lhe a verdade [31] .
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Para o filósofo grego, assim, a culpa pela condição do escravo radicaria no próprio
escravo, pelo que o mesmo seria dotado de "tão pouca alma" e, ainda, de outrem. E para
demérito dos escravos, Aristóteles os comparou aos animais:
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Fustel de Coulanges escrevera sua obra no século XIX. Assimilara Atenas a Roma e
enfocara a antigüidadesob prisma prioritariamente religioso. Justificava a escravidão no
fato de que a mesma seria essencial para o implemento da democracia. Não admitia que
cidadão ateniense pudesse perder tempo com tarefas que não exigissem a arte de
governar. Ainda é referência para o estudo das instituições clássicas, embora defasado no
método, conclusão abordagem. Típico intelectual etnocêntrico do século XIX, Fustel de
Coulanges colaborou para mitigar a realidade do escravo no mundo ático:
Gustave Glotz (que tinha Fustel de Coulanges como mestre) publicou obra na década de
20, expondo o milagre grego em toda riqueza de pormenor, abordando a escravidão de
maneira sutil, provocando indisfarçada simpatia no leitor:
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1
Norberto Bobbio, / E , pág. 2.
2
Thomas Carlyle, L # H , pág. 497 e ss.
3
Norberto Bobbio, / "
especialmente pág. 143 e ss., na avaliação que
Bobbio faz sobre as formas de governo em Hegel.
4
Norberto Bobbio, 5 > + , pág. 26.
5
Norberto Bobbio, E / , pág. 95.
6
Norberto Bobbio, > E , pág. 17.
7
Perry Anderson, 5 H
HIJ, pág. 81 e ss.
8
Norberto Bobbio, > + ý , pág. 15 e ss..
9
Boaventura de Sousa Santos, + 8
*
, pág. 235 e ss.. Ainda, Boaventura Sousa Santos, O Discurso e o Poder,
pág. 17 e ss..
10
Michael Waltzer, E D 0, pág. 109 e ss.
11
Michael Waltzer, / M, pág. 322.
12
Manoel Gonçalves Ferreira Filho, E
H , pág. 105.
13
José Francisco Rezek, E > +.", pág. 212 e ss..
14
José Afonso da Silva, ý E ý +, pág. 153 e ss..
15
Alexandre de Moraes, E ý, pág. 57.
16
Alexandre de Moraes, op. cit., pág. 58.
17
Celso Lafer, / C" , pág. 33.
18
Hannah Arendt, " A-, pág. 13.
19
Hannah Arendt, / + H, pág. 81.
20
Significativamente tratam-se de dois intelectuais judeus, geograficamente deslocados
por causa da 2ª Guerra Mundial. Karl Popper foi para Nova Zelândia e depois para a
Inglaterra. Hannah Arendt fora para os Estados Unidos.
21
Flávia Piovesan, D E
, pág. 29.
22
Cassiano Cardi, + H, pág. 197.
23
Domenico de Masi, 5ý
pág. 45 e ss..
24
Max Weber, = + / ý, pág. 25 e ss..
25
Jean Jacques Rousseau, E " 5 H E
pág. 122.
26
Mário Curtis Giordani,
K6, pág. 184.
27
Mário Curtis Giordani, op. cit., pág. 188.
28
Mário Curtis Giordani, op. cit., pág. 189.
29
Mário Curtis Giordani, op. cit., pág. 190.
30
Mário Curtis Giordani, op. cit., pág. 191.
31
Mário Curtis Giordani, op. cit., pág. 190.
32
Mário Curtis Giordani, op. cit., pág. 195.
33
Mário Curtis Giordani, op. cit., loc. cit.
34
Mário Curtis Giordani, op. cit., loc. cit..
35
Augusto Magne, K
>#1 K6 , págs. 88 e 89.
36
Marilena Chauí, 5 6 > , pág. 26.
37
Peter Garnsey, > J , especialmente capítulo II,
TheoriesofSlavery, pág. 107 e ss..
38
Peter Garnsey, op. cit., pág. 11.
39
Peter Garnsey, op. cit., pág. 16.
40
Moses I. Finley, / K6 , pág. 105.
41
Aristóteles, Política, pág. 2.
42
Aristóteles chama de despotismo o poder do senhor sobre o escravo; de marital, o poder
do marido sobre a mulher; de paternal, o do pai sobre os filhos. Aristóteles, +, pág. 9.
43
Aristóteles, op. cit., loc. cit..
44
Aristóteles, op. cit., pág. 10.
45
Aristóteles, op. cit., pág. 11.
46
Aristóteles, op. cit., pág. 13.
47
Aristóteles, op. cit., pág. 14.
48
Aristóteles, op. cit., loc. cit..
49
Aristóteles, op. cit., loc. cit..
50
Aristóteles, op. cit., págs. 16 e 17.
51
Aristóteles, op. cit., pág. 21.
52
Nedilso Lauro Brugnera, / , pág. 103.
53
NedilsoLauroBrugnera, op. cit., pág. 115.
54
Antony Andrewes, K I J
pág. 151: "No easy generalization is possible about the
relations between slave and master in the Greek world, since the slave¶s view, as usual, is
not known".
55
Moses I. Finley, C , pág. 147: "Personnedansl¶Antiquité ne
proposaunetroisièmevoil, à savoir quel¶esclavagedevraitêtreaboliparcequ¶alètaitmauvais."
56
Fustel de Coulanges, ý , pág. 266.
57
Gustave Glotz, ý K , pág. 212.
58
Walter Benjamin, >, pág. 256.
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