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SUMÁRIO
SUMÁRIO
1 TEXTOS.............................................................................................................. 2
1.1 Tipos de Textos..................................................................................................2
1.2 Textos Temáticos e Textos Figurativos.............................................................3
1.3 O Encadeamento de Figuras ou de Temas.........................................................5 7
2 DESCRIÇÃO...................................................................................................... 7
2.1 Apresentação......................................................................................................7
2.2 O que é um texto descritivo................................ .............................................. 8
2.3 Características lingüísticas da descrição............................................................10
2.4 Textos descritivos.............................................................................................. 11
2.5 Considerações Finais......................................................................................... 12
3 NARRAÇÃO.......................................................................................................17
3.1 Elementos Básicos do Texto Narrativo.............................................................17
3.2 O Espaço na Narrativa 1.................................................................................... 18
3.3 Tempo Narrativo 1.............................................................................................19
3.4 Foco e Discurso Narrativo.................................................................................19
4 DISSERTAÇÃO.................................................................................................28
4.1 Apresentação.....................................................................................................29
4.2 Considerações a Respeito de Topologia Textual...............................................30
4.3 A Argumentatividade.........................................................................................31
4.4 Estratégias Argumentativas do Texto Dissertativo............................................33
4.5 Os Diferentes Graus de Produtividade Argumentativa..................................... 34
4.6 Inferências Pragmáticas..................................................................................... 35
TEXTOS
1.1 Tipos de Textos
a) NARRATIVO:
Observe no texto narrativo um processo de transformação que faz um ou mais
personagens passarem de um estado a outro, estado final transforma o estado inicial, num
sentido positivo ou negativo ou, ao contrário, ele confirma e/ou completa o estado inicial.
b) DESCRITIVO:
O texto descritivo procura reproduzir uma imagem, evocando elementos que se situam
no espaço.
Subúrbio
O subúrbio de S. Geraldo, no ano de 192.... já misturava ao cheiro de estrebaria
algum progresso. Quanto mais fábricas se abriam nos arredores, mais subúrbio se erguia em
vida própria sem que os habitantes pudessem dizer que a transformação os atingia. Os
movimentos já se haviam congestionado e não se poderia atravessar uma rua sem desviar-se
de uma carroça que os cavalos vagarosos puxavam, enquanto um automóvel impaciente
buzinava lançando fumaça. Mesmo os crepúsculos eram agora enfumaçados e
sanguinolentos. De manhã, entre os caminhões que pediam passagem para a nova usina,
transportando madeira e ferro, as cestas de peixe se espalhavam pela calçada. vindas através
da noite de centros maiores.
(LISPECTOR, Clarice. A cidade sitiada. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1982. p, 13.)
c) INFORMATIVO:
O texto informativo serve para prestar dados e informações acerca de algo, reduzindo
o desconhecimento do estado das coisas. Distancia-se, pela sua transparência e objetividade,
do uso artístico da linguagem.
Niterói
Passear em Niterói pode ser muito divertido para as crianças, principalmente nos fins
de semana, quando as barcas estão vazias. O trajeto leva 20 minutos e as saídas são entre 6h
e 23h. As embarcações têm capacidade para 2000 pessoas e a passagem custa Cr$ 30,00.
Este serviço regular entre as duas cidades completou 155 anos no mês passado e, no Museu
das Barcas, em Niterói, foi organizada uma mostra comemorativa que conta um pouco a sua
história.
(SCHOWB, Liliane. Curtindo perto do Rio. Jornal da Brasil. 5 dez. 1990.)
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d) ARGUMENTATIVO:
A argumentação comporta geralmente três etapas: uma idéia diretriz, os argumentos
que a justificam e as provas (ou exemplos). Muitos textos não apresentam estas três etapas
necessariamente nesta ordem; outros falham nos argumentos e provas. Por isso é bom
estarmos atentos para não sermos convencidos por idéias falsas.
São Paulo
Que aconteceria, entretanto, se se conseguisse dar de repente, a todos esses párias
uma moradia condigna, uma vida segundo padrões civilizados; à altura do que se ostenta nas
grandes avenidas do centro, com seu trânsito intenso, suas lojas de Primeiro Mundo e seus
yuppies esbaforidos na tarefa de ganhar dinheiro? Aí está outro aspecto da tragédia, também
lembrado por Severo Gomes. Explica-se: São Paulo é o maior foco de migrações internas,
sobretudo do Nordeste; no dia em que as chagas da miséria desaparecessem e a dignidade
da existência humana fosse restaurada em sua plenitude, seriam atraídas novas ondas,
migratórias, com maior força imantadora. Assim, surgiriam logo, num círculo vicioso, outros
focos de miséria.
(CASTRO, Moacir Werneck de. Alarma em São Paulo. Jornal do Brasil, 9 mar, 1991)
e) INJUNTIVO
A frase injuntiva é a que exprime uma ordem para que alguém a execute (ou não). O
texto injuntivo (ou apelativo) exemplifica o uso da função da linguagem chamada conativa.
Florianópolis
Visitando Florianópolis. não deixe de ver no centro da cidade a Praça XV de
Novembro, da figueira centenária, o palácio Cruz e Souza. a Catedral Metropolitana e a
Câmara dos Vereadores, além de um conjunto arquitetônico representativo de diversas
épocas da urbanização de Florianópolis.
(Folheto turístico. Fundação Pró-turismo de Florianópolis)
b) A vaidade é beleza aparente que se exibe, brilha e seduz; é vigor, arrojo, orgulho que
crêem tudo poder; é a presunção de perpetuidade que valoriza os brilhos exteriores e
momentâneos. Mas ela não tem importância porque a morte é certa. É efêmero o que motiva
a vaidade.
Os dois textos dizem basicamente a mesma coisa:
a) mostram o que é a vaidade, isto é, como se manifesta.
b) afirmam que a vaidade é algo sem importância porque a morte vai acabar com tudo o que
motiva a vaidade.
Apesar disso, os dois textos são diferentes. Onde reside a diferença? O primeiro usa
mais termos concretos: “rosa”, “manhã”, “púrpuras”, “planta”, “galeota”, “nau”, “Fênix”,
“penha”, “ferro”, “tarde”. Embora nele haja termos abstratos, são os concretos que
determinam o sentido do texto. O segundo utiliza mais palavras abstratas: “beleza”, “vigor”,
“arrojo”, “orgulho”, “perpetuidade”, “morte”, “importância”. Para perceber bem essa
distinção, observe que o primeiro texto, para dizer que a morte é certa, relaciona a cada um
dos termos um instrumento que executa uma ação que conduz à destruição: o rochedo
(“penha”) faz o navio ir a pique; a tesoura (“ferro”) corta a planta, o sol (“tarde”) faz a rosa
murchar.
Aos elementos concretos presentes no texto chamaremos figuras. Aos abstratos,
intitularemos temas.
Definindo melhor, figuras são palavras ou expressões correspondentes a algo
perceptível no mundo natural: substantivos concretos, verbos que indicam atividades físicas,
adjetivos que expressam qualidades imediatamente perceptíveis pelo sentido (cores, formas,
etc.). Por exemplo, “rosa”, “planta”, “sulcar”, “navegar”, “dourada”, “florida”. Quando
falamos em mundo natural não estamos falando só do mundo realmente existente que nos
cerca, mas de qualquer realidade criada pela imaginação humana: um homem voador, criado
na ficção científica, é uma figura. As figuras servem para representar o mundo. Temas são
palavras ou expressões que não correspondem a algo perceptível no mundo natural:
substantivos abstratos, verbos relacionados ao mundo interior (amar, raciocinar, etc.) e
adjetivos que exprimem qualidades não físicas. Por exemplo, “arrojo”, “orgulho”,
“valoriza”, “motiva”, “emocional”. Os temas são termos que servem para organizar,
categorizar, ordenar a realidade.
Os textos podem ser temáticos ou figurativos. Quando dizemos que um texto é
temático ou figurativo não queremos dizer que ele seja construído só com temas ou só com
figuras. Um texto será temático ou figurativo quando for predominantemente e não
exclusivamente elaborado com temas ou figuras. Assim, o soneto de Gregório de Matos
apresentado no começo da lição é figurativo, mas contém termos abstratos como
“presunção”, “presumida”.
Os textos figurativos produzem um efeito de realidade e, por isso, representam o
mundo, são a imagem do mundo; os temáticos explicam as coisas do mundo, ordenam-nas,
classificam-nas, interpretam-nas. Os primeiros criam um efeito de realidade porque trabalham
com o concreto; os segundos explicam, porque operam com aquilo que é apenas conceito.
Nos textos que iniciam este capítulo, isso fica evidente: enquanto, no primeiro, a vaidade é
representada pela rosa no esplendor matinal, pela planta viçosa na primavera, pela nau que
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navega ufana e a morte, pela tarde, pelo ferro e pela penha, no segundo, temos a explicação do
que é a vaidade (presunção de não morrer; vigor, etc.) e de que a morte é certa.
Temático e figurativo são dois níveis de concretização do sentido, isso significa que o
texto temático não tem uma cobertura figurativa, mas o texto figurativo tem um nível
temático subjacente. O leitor ingênuo permanece no nível figurativo e não é capaz, como faz o
leitor mais avisado, de perceber os significados abstratos que estão sob os termos concretos.
Aí então acha o soneto de Gregório de Matos uma bobagem porque - pensa ele - a vaidade
não é rosa, pois vaidade é um termo abstrato e rosa, um termo concreto. Não percebe o
abstrato sob o concreto: penha, ferro e tarde significam morte; abril, primavera, pois é o mês
em que essa estação começa no hemisfério norte.
Para entender um texto figurativo, é necessário apreender o tema subjacente; para
compreender um texto temático, é preciso entender o grande tema que dá coerência aos temas
menores, parciais.
O texto acima é figurativo. Contém as figuras “sol”, “dia”, “dura”, “luz”, “noite
escura”, “sombra”. Mesmo os termos “formosura”, “tristezas” e “alegria” estão aqui
concretizados: as coisas formosas, os acontecimentos tristes e alegres.
Como achar o tema que está por baixo das figuras desse texto, ou por baixo das figuras
de qualquer texto?
Uma figura não tem significado em si mesma. Cada uma delas implica idéias muito
variadas, não traduz noções precisas. Assim, por exemplo, a figura “sol” poderia tanto
expressar a vida, quanto a morte. Se uma figura é tão imprecisa a ponto de indicar temas
opostos, quando se sabe que o tema encontrado é adequado ao texto?
O que dá sentido a uma figura é seu encadeamento com outras. Como num texto tudo
é relação, as figuras coordenam-se, organizam-se numa rede. Perceber o sentido de um
conjunto articulado de figuras é perceber o sentido do tema subjacente a ele. Como cada
conjunto expressa um tema, pode-se dizer que é ele que dá sentido às figuras. Assim, O “sol”
expressa “vida”, quando estiver em oposição a outras figuras como “tempestade muito
grande”, “nuvens negras no céu”, “inundações”, “destruição de casas”, etc.; exprime
“morte”, quando estiver ligado à “ausência de chuva”, “plantas crestadas”, “gado morto”,
“marrom”, “calor intenso”, etc.
No texto acima, “sol” não está manifestando vida nem morte. O tema do texto é a
transitoriedade daquilo que tem valor positivo. Como se chega a esse tema? De um lado estão
as figuras “sol”, “luz”, “formosura”, “alegria”, de outro, estão “noite escura”, “tristes
sombras”, “contínuas tristezas”. As primeiras indicam elementos positivos e as segundas,
negativos. Percebe-se isso, porque as segundas é que são acompanhadas de qualificativos de
valor negativos: por exemplo, “tristes”. As figuras “se segue”, e “morre” indicam a
transformação das primeiras (as positivas) nas segundas (as negativas) e “não dura mais que
um dia” revela a curta duração dos elementos positivos. Daí se conclui o tema do texto: a
efemeridade das coisas boas; o caráter passageiro de tudo que é bom.
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inteligência e o primeiro termo da oposição é que é positivo. Observando o que é comum aos
sub-temas, chega-se ao tema geral do texto: O excesso da racionalidade sufoca o sentimento e
conduz a perdição da humanidade.
Assim como as figuras se encadeiam em conjuntos organizados, também o fazem os
temas. Para apreender o tema geral, é preciso perceber esse encadeamento dos temas e
depreender a unidade subjacente à diversidade. Os encadeamentos temáticos também devem
manter uma coerência interna. Quebrá-la significa construir um texto incoerente ou alterar o
tema geral.
Suponhamos, por exemplo, que estejamos dissertando sobre a função que tem o
Estado moderno de proteger as pessoas mais indefesas. Poderíamos enunciar os temas da
educação das crianças e dos cuidados com sua saúde. Se disséssemos que um sistema de
aposentadoria seria dispensável, que o Estado não precisaria ocupar-se dos velhos, o texto
seria incoerente.
Se estivéssemos falando da excelência do serviço público e introduzíssemos o tema da
gorjeta aos funcionários, estaríamos alterando o tema geral, que então seria: O serviço público
é bom para quem pode corromper.
Os temas e as figuras pertencem ao léxico de uma língua. Léxico é o conjunto de
palavras da língua. O léxico tem diferentes áreas: as gírias (vocabulário utilizado por um dado
grupo social); os regionalismos (vocabulário de uma dada região); os jargões (vocabulários
específicos de ocupações profissionais): os estrangeirismos (vocábulos estrangeiros
incorporados à nossa língua); os arcaísmos (palavras caídas em desuso); neologismos
(termos recentemente criados). Para criar certos efeitos de sentido, um autor pode escolher
temas ou figuras de uma dessas regiões especiais do léxico. Por exemplo, muitos arcaísmos na
boca de uma personagem pode caracterizar uma época ou ridicularizar a personagem que
ainda os utiliza.
É, pois, preciso, além de atentar para o encadeamento de figuras ou temas, levar em
conta a região do léxico a que pertencem.
DESCRIÇÃO
1 Apresentação
Vamos abordar o texto descritivo, sob o ponto de vista da sua produção e
funcionamento discursivo, com base na idéia de que um texto se define pela sua finalidade
situacional – todo o ato de linguagem tem uma intencionalidade e submete-se a condições
particulares de produção, o que exige do falante da língua determinadas estratégias de
construção textual. Em cada texto, portanto, podem combinar-se diferentes recursos
(narrativos, descritivos, dissertativos), em função do tipo de interação que se estabelece entre
os interlocutores. Nesse contexto teórico, o texto descritivo identifica-se por ter a descrição
como estratégia predominante. Inserindo-se numa abordagem mais geral sobre os mecanismos
de elaboração textual, com base nos conceitos de coesão e coerência, o trabalho pedagógico
de leitura e produção do texto de base descritiva deve partir dos seguintes pontos:
O texto de base descritiva tem como objetivo oferecer ao leitor / ouvinte a oportunidade de
visualizar o cenário onde uma ação se desenvolve e as personagens que dela participam;
A descrição está presente no nosso dia-a-dia, tanto na ficção (nos romances, nas novelas, nos
contos, nos poemas) como em outros tipos de textos (nas obras técnico-científicas, nas
enciclopédias, nas propagandas, nos textos de jornais e revistas);
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A descrição pode ter uma finalidade subsidiária na construção de outros tipos de texto,
funcionando como um plano de fundo, o que explica e situa a ação (na narração) ou que
comenta e justifica a argumentação;
Existem características lingüísticas próprias do texto de base descritiva, que o diferenciam de
outros tipos de textos;
Os advérbios de lugar são elementos essenciais para a coesão e a coerência do texto de base
descritiva, permitindo a localização espacial dos cenários e personagens descritos;
O texto descritivo detém-se sobre objetos e seres considerados na sua simultaneidade, e os
tempos verbais mais freqüentes são o presente do indicativo no comentário e o pretérito
imperfeito do indicativo no relato.
também na sua atitude, na sua predisposição afetiva em face do objeto a ser descrito. Desta
forma existe o ponto de vista físico e o ponto de vista mental.
observador, as suas preferências. Isto faz com que veja apenas o que quer ou pensa ver e não
o que está para ser visto. O resultado dessa descrição é uma imagem vaga, diluída, nebulosa,
como os quadros impressionistas do fim do século passado. É uma descrição em que
predomina a conotação.
Ao descrever um determinado ser, tendemos sempre a acentuar alguns aspectos, de
acordo com a reação que esse ser provoca em nós. Ao enfatizar tais aspectos, corremos o risco
de acentuar qualidades negativas ou positivas. Mesmo usando a linguagem científica, que é
imparcial, a tarefa de descrever objetivamente é bastante difícil Apesar dessa dificuldade,
podemos atingir um grau satisfatório de imparcialidade se nos tornarmos conscientes dos
sentimentos favoráveis ou desfavoráveis que as coisas podem provocar em nós. A consciência
disso habilitar-nos-á a confrontar e equilibrar os julgamentos favoráveis ou desfavoráveis. Um
bom exercício consiste em fazer dois levantamentos sobre a coisa que queremos descrever: o
primeiro, contendo características tendentes a enfatizar aspectos positivos; o segundo, a
enfatizar aspectos negativos.
c) Descrição de pessoas
A descrição de personagem pode ser feita na primeira ou terceira pessoa. No primeiro
caso, fica claro que o personagem faz parte da história; no segundo, a descrição é feita pelo
narrador, que, ele próprio, pode fazer ou não parte da história.
Calisto Elói, naquele tempo, orçava por quarenta e quatro anos. Não era desajeitado
de sua pessoa. Tinha poucas carnes e compleição, como dizem, afidalgada. A sensível e
dessimétrica saliência do abdômen devia-se ao uso destemperado da carne de porcos e
outros alimentos intumescentes. Pés e mãos justificavam a raça que as gerações vieram
adelgaçando de carnes. Tinha o nariz algum tanto estragado das invasões do rapé e
torceduras do lenço de algodão vermelho. A dilatação das ventas e o escarlate das
cartilagens não eram assim mesmo coisa de repulsão. (Camilo Castelo Branco, A queda dum anjo)
“Estávamos sobre a pedra do Calvário. Em torno, a capela que a abriga, resplandecia com
um luxo sensual e pagão. No teto azul-ferrete brilhavam sóis de prata, signos do Zodíaco,
estrelas, asas de anjos, flores de púrpura; e, dentre este fausto sideral, pendiam de correntes
de pérolas os velhos símbolos da fecundidade, os ovos de avestruz, ovos sacros de Astarté e
Baco de ouro. [...]. Globos espelhados, pousando sobre peanhas de ébano, refletiam as jóias
dos retábulos, a refulgência das paredes revestidas de jaspe, de nácar e de ágata. E no chão,
no meio deste clarão, precioso de pedraria e luz, emergindo dentre as lajes de mármore
branco, destacava um bocado de rocha bruta e brava, com uma fenda alargada e polida por
longos séculos de beijos e afagos beatos.”
NARRAÇÃO
4) Foco narrativo: Ponto de vista ou foco narrativo, não importa o conceito que se adote. O
primeiro é mais adequado ao jornalismo e o segundo a literatura, embora na teoria literária
que os utiliza os dois se confundam.
A partir dessas situações, o redator deverá saber criar um texto objetivo (sem ser
telegráfico) e intenso (sem melodramas excessivos). E, para adoção de um ponto de vista
crítico, nada de discursos panfletários, adjetivosos. Os próprios fatos, às vezes, contêm, em
seu simples narrar, a crítica de si mesmos.
2. O Espaço na Narrativa
Os acontecimentos abordados pela imprensa não acontecem num limbo etéreo, mas
num espaço determinado. Neste item vamos estudar o espaço dos acontecimentos, recriados
nos textos veiculados pela imprensa. Vamos observar algumas convenções para a recriação do
espaço segundo José Fiorin e Francisco Savioli (Para entender o texto, 1990):
os fatos narrados ou os personagens podem ser distribuídos pelo narrador por lugares distintos
do texto;
para demarcar os vários planos de oposição espacial entre estes lugares, o narrador instala
balizas organizadoras do espaço: o aqui oposto ao aí e ao lá, ou o lado de dentro oposto ao
lado de fora;
se o narrador tomar, num eixo vertical, o que está no alto, como uma das balizas
organizadoras do espaço, fazendo deste ponto o seu aqui, em conseqüência, o que estiver no
baixo será o lá. Se, num eixo horizontal, tomar o que está na esquerda como o lá, o que estiver
na direita será o aqui;
de qualquer forma, haverá sempre nos textos demarcadores, palavras que servem para
delimitar os espaços;
os demarcadores são, basicamente: adjuntos adverbiais de lugar (aqui, ali, lá, no alto, em São
Paulo, etc.), substantivos que denominam espaço (pátria, Brasil, exílio, etc.) ou palavras que
designam deslocamento de personagem (saída de casa, ida para Bahia, etc.).
3. Tempo Narrativo
Nós já falamos das vozes narrativas, já vimos alguns exemplos (conto, filme). Agora
vamos tratar da questão do tempo na narrativa, que vocês já têm uma idéia de como funciona
no cinema (flashbacks, elipses, etc.). O tempo na notícia e no jornalismo diário é sempre o
tempo presente. No jornalismo interpretativo, nas reportagens o tempo é uma questão mais
complexa. Você pode falar do presente, procurar as causas no passado e apontar para o futuro.
Ou ainda, tratar de um evento que aconteceu em 1980, (este será o seu presente histórico) e
partir dessa referência para falar do antes e do depois.
Em primeiro lugar vamos ver a questão do alcance:
Alcance é a distância do afastamento do tempo em direção ao passado, ao futuro ou entre
ambos, medido a partir do que, no texto, é considerado o plano do presente. Ex; Semana de
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Normalmente os planos de tempo são introduzidos por demarcadores: tempos do verbo (está,
estava); adjuntos adverbiais (no mês de dezembro) e estações climáticas (no último inverno).
Presente histórico é o tempo verbal que aproxima fatos do passado, designando-os como se
estivessem ocorrendo no presente. O tempo presente na narrativa não é necessariamente, o do
momento da produção do texto. Se você está relatando algo que aconteceu em 1968, esta data
é o seu tempo presente, você pode falar do que aconteceu antes e também do que aconteceu
depois, a partir dessa referência.
Além disso não existe só o tempo cronológico. Muitas vezes vamos encontrar outros
tipos de tempo numa narrativa:
1) Tempo psicológico: Não tem correspondência com medidas temporais objetivas porque é
composto por uma sucessão de estados internos, subjetivos. Assim, nele, o passado e o
presente são momentos imprecisos, fundidos.
1. Foco narrativo
Contar (ato de narrar) ou como contar (o estilo pessoal) implicam uma determinada
posição do narrador com relação ao acontecimento. Assim, o narrador pode assumir três
pontos de vista na narrativa.
caso, a narrativa, elaborada em 1ª pessoa (eu – nós), tende a ser autobiográfica, memorialista
ou confessional.
Lembre-se: não se confunde autor com narrador. O autor tem existência real, é uma
pessoa que existe fisicamente. O narrador é uma personagem criada pelo autor para contar a
história.
Coloquei-me acima de minha classe, creio que me elevei bastante. Como lhes disse, fui guia
de cego, vendedor de doces e trabalhador de aluguel. Estou convencido de que nenhum
desses ofícios me daria os recursos intelectuais necessários para engendrar esta narrativa.
(Graciliano Ramos)
b) Narrador observador
O narrador observador simplesmente relata os fatos, registrando as ações e as falas das
personagens; ele conta, como mero espectador, uma história vivida por terceiros. É a narrativa
escrita em 3ª pessoa.
O Campos, segundo o costume, acabava de descer do almoço e, a pena atrás da orelha, o
lenço por dentro do colarinho, dispunha-se a prosseguir o trabalho interrompido pouco
antes. Entrou no escritório e foi sentar-se à secretária. (Aluísio Azevedo)
c) Narrador onisciente
O narrador onisciente ou onipresente é uma espécie de testemunha invisível de tudo
quanto ocorre, em todos os lugares e em todos os momentos; ele não só se preocupa em dizer
o que as personagens fazem ou falam, mas também traduz o que pensam e sentem. Portanto,
ele tenta passar para o leitor as emoções, os pensamentos e os sentimentos das personagens.
Um segundo depois, muito suave ainda, o pensamento ficou levemente mais intenso, quase
tentador: não dê, elas são suas. Laura espantou-se um pouco: por que as coisas nunca eram
dela? (Clarice Lispector)
2. Discurso narrativo
Na composição de um texto narrativo, o narrador pode reproduzir a fala da
personagem, empregando as seguintes possibilidades: discurso direto, discurso indireto,
discurso indireto livre.
a) Discurso direto
No discurso direto, o narrador reproduz na íntegra a fala das personagens ou
interlocutores. Geralmente essa fala é introduzida por travessão.
— Bonito papel! Quase três da madrugada e os senhores completamente bêbados,
não é?
Foi aí que um dos bêbados pediu:
— Sem bronca, minha senhora. Veja logo qual de nós quatro é o seu marido que os
outros querem ir para casa. (Stanislaw Ponte Preta)
Oi, brother! Você que manja de uma leitura legal, tem mais é que entrar numa
tremenda curtição! Nada de moleza, malandro! Num dia de sol beleza como esse, pegue a
sua mina e faça um programa diferente. Se a galera está noutra, vocês podem ir ao clube ou
mesmo ao bosque curtir uma leitura maneira.
***
Para não perder informação alguma, capitão punha a orelha na boca de cada
interlocutor
Perguntava:
— Mas esse dicumento num é farso?
— Nhor não — dizia o correio — Eu tive com o major Chiquinho; e ele falou pra mim
que a letra é dele e que vai pagar até a entrada da seca, no mais tardar.
(Bernardo Élis)
Nem sempre o autor indica de quem são as falas, já que elas se esclarecem dentro do
contexto. O exemplo abaixo ilustra essa possibilidade:
O Paranóico só fala no telefone tapando o bocal com um lenço. Para disfarçar a voz.
— Podem estar gravando.
— Mas você ligou para saber a hora certa!
— Nunca se sabe.
(Luís Fernando Veríssimo)
O diálogo acelera a narrativa, levando o leitor a entrar em contato direto com as
personagens. O narrador apenas dá indicações sobre quem fala. Além de imprimir mais
dinamicidade e realismo à narração, o diálogo presentifica a história. Os traços lingüísticos do
discurso direto revelam a identidade cultural e social da personagem e, ao mesmo tempo,
oferecem elementos para sua caracterização psicológica.
Segundo Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português
Contemporâneo), “no plano expressivo, a força da narração em discurso direto provém
essencialmente de sua capacidade de atualizar o episódio, fazendo emergir da situação a
personagem, tornando-a viva para o ouvinte, à maneira de uma cena teatral, em que o
narrador desempenha a mera função de indicador das falas. Estas, na reprodução direta,
ganham naturalidade e vivacidade, enriquecidas por elementos lingüísticos tais como
exclamações, interrogações, interjeições, vocativos e imperativos, que costumam impregnar
de emotividade a expressão oral”.
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Estilo 1
— Que tal o carro? — perguntou João.
— Horroroso! — respondeu Antônio.
Estilo 2
João perguntou: “Que tal o carro?”
Antônio respondeu: “Horroroso!”
Estilo 3
— Estou vendo que você adorou o carro, disse efusivamente João.
— Você está redondamente enganado, retrucou Antônio.
b) Discurso indireto
No discurso indireto, o narrador exprime indiretamente a fala da personagem. O
narrador funciona como testemunha auditiva e passa para o leitor o que ouviu da personagem.
Nessa transcrição, o verbo aparece na 3ª pessoa, sendo imprescindível a presença de verbos
dicendi (dizer, responder, retrucar, replicar, perguntar, pedir, exclamar, contestar, concordar,
ordenar, gritar, indagar, declarar, afirmar, mandar etc.), seguidos dos conectivos que (dicendi
afirmativo) ou se (dicendi interrogativo), para introduzirem a fala da personagem na voz do
narrador.
Observe nos exemplos seguintes os discursos indiretos grifados:
“Ele começou, então, a contar que tivera um sonho estranho.”
“Todos se calaram para ouvi-lo e ele, muito sério, perguntou qual era o assunto. Informado,
prosseguiu dizendo que estava profundamente interessado em colaborar.”
“João perguntou se ele estava interessado nas aulas.”
DISSERTAÇÃO
Considerações a Respeito da
Tipologia Textual
A Argumentatividade
Estratégias Argumentativas do
Texto Dissertativo
Estrutura Sintática de
Subordinação Elaboração de Parágrafo
1. Apresentação Dissertativo
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Quando queremos defender uma idéia e convencer nosso interlocutor / leitor de nosso ponto
de vista, devemos elaborar um tipo de texto que consiga apresentar com clareza nossas
hipóteses, justificá-las com base em argumentos, refutar contra-argumentos, exemplificar e
encaminhar para conclusões. Enfim, com base em reflexão e raciocínio, orientamos nosso
interlocutor / leitor na direção que consideramos a mais acertada. Esse tipo de texto é
chamado dissertativo, e corresponde ao que nós conhecemos como um texto científico, um
editorial de jornal, um arrazoado jurídico.
Nesta unidade, abordaremos algumas características da produção do texto dissertativo,
com base na constatação de que a perspectiva do enunciador é a de um conhecer conceitual,
que envolve reflexão e raciocínio, e que se apóia no genérico, no abstrato para levar ao
ouvinte / leitor o conhecimento pretendido. Aliado a essa perspectiva de conhecimento,
vamos encontrar no texto dissertativo, de maneira explícita ou implícita, uma intenção
argumentativa, com o objetivo de influenciar, persuadir, convencer o interlocutor, fazendo-o
crer em algo, aderir a uma opinião.
Esse caráter eminentemente argumentativo faz com que o texto dissertativo possa ser
caracterizado como o momento de arregimentação de grande número de recursos lingüísticos,
que criam estruturas mais complexas do que as exigidas em textos de base narrativa ou
descritiva.
Não partimos, com isso, de uma visão de tipologia textual que considere, para cada
texto, um só gênero. Ao contrário, trabalhamos com a suposição de que um texto se define
por sua finalidade situacional, por sua intencionalidade, argumentatividade, e se submete a
condições particulares de produção; portanto, para construí-lo, o falante faz uso de gêneros
distintos, combinando-os em função de estratégias discursivas.
Resumindo, pretendemos demonstrar que:
quando conversamos ou escrevemos, estamos quase sempre tentando convencer nosso
interlocutor ou leitor, ou seja, estamos sempre defendendo nossas opiniões e procurando
formar a opinião do outro;
para elaborarmos textos que encaminhem o leitor/ouvinte a determinadas conclusões,
precisamos desenvolver a capacidade de reconhecer e produzir argumentos lógicos;
existem determinados recursos lingüísticos que nos ajudam a argumentar, tornando o texto
produzido mais convincente.
Injunção Dizer como fazer, requerer uma ação, levar à realização de uma situação.
Esses tipos de texto mantêm determinadas semelhanças entre si, principalmente no que
diz respeito ao tempo de ocorrência no mundo real: a dissertação e a descrição apresentam
simultaneidade das situações, enquanto a narração e a injunção exigem seqüencialidade.
Narração e injunção são essencialmente discursos do fazer (ações) e do acontecer
(fatos, fenômenos). A descrição é essencialmente o discurso do ser e do estar, enquanto a
dissertação é o discurso do ser e do conhecer.
Uma outra semelhança que deve ser apontada diz respeito à presença, nos três tipos de
texto, do ponto de vista ou da opinião de quem os produz, seja de forma explícita, seja de
forma implícita. Segundo Platão e Fiorin (1991), “o que distingue um do outro é o modo
como esse ponto de vista ou essa opinião vêm manifestados: na dissertação, o enunciador de
texto manifesta explicitamente sua opinião ou seu julgamento, usando para isso conceitos
abstratos; na descrição, o enunciador, pelos aspectos que seleciona, pela adjetivação
escolhida e outros recursos, vai transmitindo uma imagem negativa ou positiva daquilo que
23
descreve; na narração, a visão de mundo do enunciador é transmitida por meio de ações que
ele atribui aos personagens, por meio da caracterização que faz deles ou das condições em
que vivem, e, até mesmo, por comentários sobre os fatos que ocorrem. Todo texto narrativo é
figurativo, e, por trás do jogo das figuras, sempre existe um tema implícito. (...) Geralmente,
para depreender a visão de mundo implícita nas narrações, é preciso levar em conta que, por
trás das figuras existem temas, por trás dos significados de superfície existem significados
mais profundos.” (Platão e Fiorin, 1991)
Discurso da transformação
O locutor tenta influenciar, persuadir, convencer o interlocutor, fazendo-o crer em algo,
realizar algo ou agir de certo modo, procura levar o interlocutor a aderir ao seu discurso.
Discurso da cumplicidade.
O locutor considera que o destinatário concorda com ele, adere ao seu discurso, é seu
cúmplice.
3. A Argumentatividade
Com base nos critérios definidos por Travaglia, o texto dissertativo deve ser
caracterizado por seu caráter eminentemente argumentativo. Discutiremos, inicialmente,
portanto, o conceito argumentatividade Koch, em Argumentação e Linguagem, define a
argumentatividade como a característica essencial da interação social que se dá por
intermédio da linguagem humana – todo ato de linguagem possui traços que o identificam
com o ato de argumentar. Nesse contexto teórico, o texto dissertativo pode ser definido como
um texto altamente argumentativo, reunindo estratégias lingüísticas de grande complexidade:
estruturas sintáticas predominantemente subordinadas;
uso de formas verbais que marcam a hipótese;
maior grau de indefinitude do sujeito;
vocabulário mais abstrato;
temporalidade presente, futura, habitual;
alta freqüência de conectores coesivos e de operadores de modalização.
questões gerais: questões de caráter geral, que não gozam da unanimidade de um axioma,
exigindo, portanto, algum tipo de comprovação no caso de se tentar defender alguma hipótese
em relação a suas características;
propriedades atribuídas a uma pessoa, coisa ou lugar conhecido, tanto pelo locutor, como pelo
interlocutor, e que, portanto, exigem também um esforço do locutor para comprovar as
afirmações apresentadas:
propriedades atribuídas a si mesmo, que, por serem de conhecimento apenas do locutor,
apresentam baixa probabilidade de contestação:
propriedades factuais, que, na escala de produtividade argumentativa, seriam as menos
comprometedoras para o locutor, já que não podem ser conferidas nem questionadas.
6. Inferências Pragmáticas
Quando observamos um fato ou ouvimos uma frase, tiramos certas conclusões a partir
de dados que se encontravam implícitos, ou seja, contidos no fato ou na frase. Não é
necessário que todas as idéias sejam explicitadas para que possamos tirar nossas conclusões.
Por exemplo:
a. “Flamengo vende seus melhores jogadores” (podemos concluir que o clube está em crise
financeira, pois a palavra melhores é inaceitável dentro de circunstâncias normais)
b. “Só agora sai a lista dos convocados para a Seleção” (a presença de só agora faz supor
que Brasil está atrasado para a Copa)
c. “Indústria demite dois mil funcionários só este mês” (o alto número combinado à expressão
adverbial só este mês leva o leitor a deduzir que as indústrias estão em crise)
Podemos tirar essas conclusões porque as frases apresentam indícios que serão
completados por nosso conhecimento da realidade brasileira, do contexto sócio-cultural-
econômico em que vivemos. Estamos, portanto, sempre complementando e interpretando o
que vemos e ouvimos com nosso repertório de informações.
COESÃO
Apresentação
Pragmática Temporal
Referencial
Frásica
Interfrásica (junção)
Gramatical Temporal
Referencial Anáfora
Catáfora
Coesão
30
Reiteração
Lexical Sinonímia
Substituição Antonímia
Hiperonímia
Hiponímia
1. Coesão Gramatical
Faz-se por meio das concordâncias nominais e verbais, da ordem dos vocábulos, dos
conectores, dos pronomes pessoais de terceira pessoa (retos e oblíquos), pronomes
possessivos, demonstrativos, indefinidos, interrogativos, relativos, diversos tipos de numerais,
advérbios (aqui, ali, lá, aí), artigos definidos, de expressões de valor temporal.
De acordo com o quadro antes apresentado, passamos a ver separadamente cada um
dos tipos de conexão gramatical, a saber, frásica, interfrásica, temporal e referencial.
• Coesão Frásica – este tipo de coesão estabelece uma ligação significativa entre os
componentes da frase, com base na concordância entre o nome e seus determinantes,
entre o sujeito e o verbo, entre o sujeito e seus predicadores, na ordem dos vocábulos
na oração, na regência nominal e verbal. Exemplos:
1) Florianópolis tem praias para todos os gostos, desertas, agitadas, com ondas, sem ondas,
rústicas, sofisticadas.
Concordância nominal
todos os gostos
(pron.) (artigo) (substantivo)
Concordância verbal
Florianópolis tem
(sujeito) (verbo)
Concordância verbal
31
voz é
cantoras têm
Também em relação à regência verbal, a coesão pode ficar prejudicada se não forem
tomados alguns cuidados. Há verbos que mudam de sentido conforme a regência, isto é,
conforme a relação que estabelecem com o seu complemento.
Por exemplo, o verbo assistir é usado com a preposição a quando significa ser
espectador, estar presente, presenciar.
Exemplo: A cidade inteira assistiu ao desfile das escolas de samba.
Entretanto, na linguagem coloquial, este verbo é usado sem a preposição. Por isso,
com freqüência, temos frases como: Ainda não assisti o filme que foi premiado no festival. Ou
A peça que assisti ontem foii muito bem montada (ao invés de a que assisti).
No sentido de acompanhar, ajudar, prestar assistência, socorrer, usa-se com proposição
ou não. Observe: O médico assistiu ao doente durante toda a noite. Os Anjos do Asfalto
assistiram as vítimas do acidente.
No que diz respeito à regência nominal, há também casos em que os enunciados
podem se prestar a mais de uma interpretação. Se dissermos A liquidação da Mesbla foi
realizada no fim do verão, podemos entender que a Mesbla foi liquidada, foi vendida ou que
a Mesbla promoveu uma liquidação de seus produtos. Isso acontece porque o nome
liquidação está acompanhado de um outro termo (da Mesbla). Dependendo do sentido que
queremos dar à frase, podemos reescrevê-la de duas maneiras:
a) As baleias que acabam de chegar ao Brasil saíram da Antártida há pouco mais de um mês.
No banco de Abrolhos, uma faixa com cerca de 500 quilômetros de água rasa e cálida, entre
o Espírito Santo e a Bahia, as baleias encontram as condições ideais para acasalar, parir e
amamentar. As primeiras a chegar são as mães, que ainda amamentam os filhotes nascidos
há um ano. Elas têm pressa, porque é difícil conciliar amamentação e viagem, já que um
filhote tem necessidade de mamar cerca de 100 litros de leite por dia para atingir a média
ideal de aumento de peso: 35 quilos por semana. Depois, vêm os machos, as fêmeas sem
filhote e, por último, as grávidas. Ao todo, são cerca de 1000 baleias que chegam a Abrolhos
todos os anos. Já foram dezenas de milhares na época do descobrimento, quando
estacionavam em vários pontos da costa brasileira. Em 1576, Pero de Magalhães Gândavo
registrou ter visto centenas delas na baia de Guanabara.
(Revista VEJA, nº 30, julho/97)
b) Como suas glândulas mamárias são internas, ela espirra o leite na água.
(idem)
c) Ao longo dos meses, porém, a música vai sofrendo pequenas mudanças, até que, depois de
cinco anos, é completamente diferente da original.
(idem)
d) A baleia vem devagar, afunda a cabeça, ergue o corpanzil em forma de arco e desaparece
um instante. Sua cauda, então, ressurge gloriosa sobre a água como se fosse uma enorme
borboleta molhada. A coreografia dura segundos, porém tão grande é a baleia que parece
um balé em câmara lenta. (idem)
e) Tão grande quanto as baleias é a sua discrição. Nunca um ser humano presenciou uma
cópula de jubartes, mas sabe-se que seu intercurso é muito rápido, dura apenas alguns
segundos.
(idem)
g) Várias publicações estrangeiras foram traduzidas, embora muitas vezes valha a pena
comprar a versão original.
(idem)
33
i) Como guia de Paris, o livro é um embuste. Não espere, portanto, descobrir através dele o
horário de funcionamento dos museus. A autora faz uma lista dos lugares onde o turista pode
comprar roupas, óculos, sapatos, discos, livros, no entanto, não fornece as faixas de preço
das lojas.
(idem)
l) A Igreja e a prefeitura estimam que o shopplng deve gerar pelo menos 1000 empregos.
(idem)
Conectores:
• e (exemplos a, d ,f) - liga termos ou argumentos.
• porque (exemplo a), já que (exemplo a), como (exemplos b, f)- introduzem uma
explicação ou justificativa.
• para (exemplos a, i), a fim de (exemplo f) - indicam uma finalidade.
• porém (exemplos c, d), mas (e) , embora (g), no entanto (h) - indicam uma
contraposição.
• como (exemplo d), tão ... que (exemplo d), tão ... quanto (exemplo e) - indicam uma
comparação.
• portanto (h) - evidencia uma conclusão.
• Depois (a) , por último (a), quando (a), já (a), ao longo dos meses (c), depois de cinco
anos (c), em seguida (f), até que (c) - servem para explicar a ordem dos fatos, para
encadear os acontecimentos.
• então (d) - operador que serve para dar continuidade ao texto.
• se (exemplo i) - indica uma forma de condicionar uma proposição a outra.
• não só...mas também (exemplo i) - serve para mostrar uma soma de argumentos.
• na verdade (exemplo j) - expressa uma generalização, uma amplificação.
• ou (exemplo j) - apresenta um disjunção argumentativa, uma alternativa.
• por exemplo (exemplo m) - serve para especificar o que foi dito antes.
• também (exemplo n) - operador para reforçar mais um argumento apresentado.
34
Há, neste trecho, apenas uma coesão interfrásica explicitada: trata-se da oração
“Quando se irritava com alguém, não media palavras”. Os demais possíveis conectores são
indicados por ponto e ponto-e-vírgula.
b) Madre Teresa de Calcutá, que em 1979 ganhou o Prêmio Nobel da Paz por seu trabalho
com os destituídos do mundo, estava triste na semana passada. Perdera uma amiga, a
princesa Diana. Além disso, seus problemas de saúde agravaram-se. Instalada em uma
cadeira de rodas, ela mantinha-se, como sempre, na ativa. Já que não podia ir a Londres,
pretendia participar, no sábado, de um ato em memória da princesa, em Calcutá, onde
morava há quase setenta anos. Na noite de sexta-feira, seu médico foi chamado às pressas.
Não adiantou. Aos 87 anos, Madre Teresa perdeu a batalha entre seu organismo debilitado e
frágil e sua vontade de ferro e morreu vitima de ataque cardíaco. O Papa João Paulo II
declarou-se “sentido e entristecido”. Madre Teresa e o papa tinham grande afinidade.
(Revista VEJA, n°36, setembro/97)
que, seu, seus, ela, sua referem-se a Madre Teresa.
princesa retoma a expressão princesa Diana.
papa retoma a expressão Papa João Paulo II.
onde refere-se à cidade de Calcuta.
Há ainda outros elementos de coesão, como Além disso, já que, que introduzem,
respectivamente, um acréscimo ao que já fora dito e uma justificativa.
c) Em Abrolhos, as jubartes fazem a maior esbórnia Elas se reúnem em grupos de três a oito
animais, sempre com uma única fêmea no comando. É ela, por exemplo, que determina a
velocidade e a direção a seguir. Os machos vão atrás, na expectativa de ver se a fêmea cai
na rede, com o perdão do trocadilho, e aceita copular. Como há mais machos que fêmeas,
elas copulam com vários deles para ter certeza de que engravidarão.
(Revista VEJA, nº30, julho/97)
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d) Ele foi o único sobrevivente do acidente que matou a princesa, mas o guarda-costas não se
lembra de nada
(Revista VEJA, nº 37, setembro/97)
e) Elas estão divididas entre a criação dos filhos e o desenvolvimento profissional, por isso,
muitas vezes, as mulheres precisam fazer escolhas difíceis.
(Revista VEJA, nº 30, julho/97)
Nas letras d, e temos o que se chama uma referência catafórica. Isto acontece porque
os pronomes Ele e Elas, que se referem, respectivamente a guarda-costas e mulheres
aparecem antes do nome que retomam.
Temos neste período uma referência por elipse. O sujeito dos verbos dispunha e levava
é A expedição de Vasco da Gama, que não é retomada pelo pronome correspondente ela, mas
por elipse, isto é, a concordância do verbo – 3ª pessoa do singular do pretérito imperfeito do
indicativo – é que indica a referência.
Existe ainda a possibilidade de uma idéia inteira ser retomada por um pronome, como
acontece nas frases a seguir:
a) Todos os detalhes sobre a vida das jubartes são resultado de anos de observação de
pesquisadores apaixonados pelo objeto de estudo. Trabalhos como esse vêm alcançando
bons resultados.
(Revista VEJA., nº 30, julho/97)
O pronome esse retoma toda a seqüência anterior.
2. Coesão Lexical
Neste tipo de coesão, usamos termos que retomam vocábulos ou expressões que já
ocorreram, porque existem entre eles traços semânticos semelhantes, até mesmo opostos.
Dentro da coesão lexical, podemos distinguir a reiteração e a substituição.
• Por reiteração entendemos a repetição de expressões lingüísticas; neste caso, existe
identidade de traços semânticos. Este recurso é, em geral, bastante usado nas
propagandas, com o objetivo de fazer o ouvinte/leitor reter o nome e as qualidades do
que é anunciado. Observe, nesta propaganda da Ipiranga, quantas vezes é repetido o
nome da refinaria.
Outro exemplo:
1. Sinonímia
a) Pelo jeito, só Clinton insiste no isolamento de Cuba. João Paulo II decidiu visitar em
janeiro a ilha da Fantasia.
38
b) Aos 26 anos, o zagueiro Júnior Baiano deu uma grande virada em sua carreira.
Conhecido por suas inconseqüentes “tesouras voadoras”, ele passou a agir de maneira mais
sensata, atitude que já levou até a Seleção Brasileira.
Patrícia, a esposa, e os filhos Patrícia Caroline e Patrick são as maiores alegrias desse
baiano nascido na cidade de Feira de Santana “Eles são a minha razão de viver e lutar por
coisas boas”, comenta o zagueiro.
Na galeria do ídolos, Júnior Baiano coloca três craques: Leandro, Mozer a Aldair. “Eles
sabem tudo de bola, diz o jogador. O zagueiro da Seleção só questiona se um dia terá o
mesmo prestígio deles.
Deixando para trás a fase de desajustado e brigão, o zagueiro rubro-negro agora orienta os
mais jovens e aposta nesta nova geração do flamengo.
(Jornal dos Sports, 24/08/97)
Este tipo de procedimento é muito útil para evitar as constantes repetições que tornam
um texto cansativo e pouco atraente. Observe quantas diferentes maneiras foram empregadas
para fazer alusão à mesma pessoa. Dentro desse parágrafo, observamos ainda outros
mecanismos de coesão já vistos anteriormente: sua, ele, o, que retomam o jogador Júnior
Baiano, e deles, que retoma os três craques.
c) Como uma ilha entre as pessoas que se comprimiam no abrigo do bonde, o homem
mantinha-se concentrado no seu serviço. Era especialista em colorir retrato e fazia caricatura
em cinco minutos. No momento, ele retocava uma foto de Getúlio Vargas, que mostrava um
dos melhores sorrisos do presidente morto.
(Wander Piroli, Trabalhadores do Brasil)
d) Vestia um camisolão azul, sem cintura. Tinha cabelos longos como Jesus e barbas longas.
Nos pés calçava sandálias para enfrentar o pó das estradas e, a cabeça, protegia-a do sol
inclemente com um chapelão de abas largas. Nas mãos levava um cajado, como os profetas,
os santos, os guiadores de gente, os escolhidos, os que sabiam o caminho do céu. Chamava
os outros de “meu irmão”. Os outros chamavam-no “meu pai”. Foi conhecido como Antonio
dos Mares, uma certa época, e também como Irmão Antonio. Os mais devotos o intitulavam
“Bom Jesus”, “Santo Antonio”. De batismo, era Antonio Vicente Mendes Maciel. Quando
fixou sua fama, era Antônio Conselheiro, nome com o qual conquistou os sertões e além.
(Revista VEJA, setembro/97)
Os vocábulos assinalados indicam a sinonímia para o nome de Antônio Conselheiro.
Por ser um parágrafo rico em mecanismos de coesão, vale a pena mostrar mais alguns deles.
Por exemplo, o sujeito de vestia, tinha, calçava, levava, chamava, foi conhecido, fixou é
sempre o mesmo, isto é, Antônio Conselheiro, mas só ao final do texto esse sujeito é
esclarecido. Dizemos, então, que, neste caso, houve uma referência por elipse.
39
e) Depois do ciclo Romário, o Flamengo entra na era Sávio. Pelo menos é essa a intenção do
presidente Kleber Leite. O dirigente nega a intenção do clube em fazer de seu atacante uma
moeda de troca “No ano passado me ofereceram US $9 milhões e mais o passe do Romário
pelo Sávio e eu não fiz negócio”, lembrou. Segundo Kleber, o jogador tem categoria
suficiente para se transformar em um ídolo nacional. Por falar em prata da casa, o
presidente do Flamengo, apoiado por Zico, vai apostar nos jovens valores do clube para o
segundo semestre. Ele acha que, mantendo a base, com Sávio, Júnior Baiano, Athirson,
Evandro e Lúcio, o time rubro-negro terá condições de chegar às finais do Campeonato
Brasileiro e Supercopa.
(Jornal dos Sports, 24/08/97)
As expressões assinaladas em negrito se referem à mesma pessoa. Na verdade, temos
em dirigente um sinônimo de fato, enquanto as outras substituições podem ser chamadas de
elipses parciais, embora todas remetam ao presidente do clube carioca. Existe igualmente
sinonímia entre Sávio, atacante e jogador.
f) Penando para tentar reduzir a conta dos direitos e benefícios dos trabalhadores, todo
governante europeu hoje em dia baba de inveja dos Estados Unidos - o país do cada um por
si e o governo, de preferência, bem longe dessas questões. Pois foi justamente na terra do
vale-tudo entre patrão e empregado que 185000 filiados de um sindicato cruzaram os braços
neste mês e pararam por quinze dias a UPS, a maior empresa de entregas terrestres do mudo.
(Revista VEJA, setembro/97)
Não podemos deixar de apontar que, neste exemplo, os sinônimos escolhidos para
Estados Unidos se revestem de um juízo de valor, são denominações de caráter pejorativo.
2. Antonímia
É a seleção de expressões lingüísticas com traços semânticos opostos.
Exemplos:
a) Gelada no inverno, a praia de Garopaba oferece no verão uma das mais belas paisagens
catarinenses.
(JB, Caderno Viagem, 25/08/93)
3. Hiperonímia
Por hiperonímia temos o caso em que a primeira expressão mantém com a segunda
uma relação de todo-parte ou classe-elemento.
4. Hiponímia
Designamos o caso inverso: a primeira expressão mantém com a segunda uma relação
de parte-todo ou elemento-classe. Em outras palavras, essas substituições ocorrem quando um
termo mais geral - o hiperônimo - é substituído por um termo menos geral - o hipônimo, ou
vice-versa. Os exemplo ajudam a entender melhor.
a) Tão grande quanto as baleias é a sua discrição. Nunca um ser humano presenciou uma
cópula de jubartes, mas sabe-se que seu intercurso é muito rápido, dura apenas alguns
segundos.
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b) Em Abrolhos, as jubartes fazem a maior esbórnia. Elas se reúnem em grupos de três a oito
animais, sempre com uma única fêmea no comando. É ela, por exemplo, que determina a
velocidade e a direção a seguir.
(Idem)
c) Dentre as 79 espécies de cetáceos, as jubartes são as únicas que cantam - tanto que são
conhecidas também por “baleias cantoras”.
(Idem)
d) A renda de bilro é a mais conhecida e criativa forma de artesanato catarinense.
(JB, Caderno Viagem, 25/08/93)
f) Dado que, entre os assentados, é expressivo o número de analfabetas, pode-se ter uma
idéia de quanto é difícil elaborar um projeto ou usar novas tecnologias Com pouco dinheiro
e escassa assistência, eles costumam usar sementes de qualidade baixa e voltar-se para a
produção de consumo familiar. Mesmo entre os instrumentos de trabalho mais corriqueiros,
também há escassez brutal, e a maioria dos assentados não dispõe nem mesmo de uma pá ou
de uma picareta. Entre eles, ainda que os sem-terra tenham escolhido a foice como um dos
seus símbolos de luta pela reforma agrária, o instrumento mais comum ainda é a velha
enxada.
(Revista VEJA, n° 29, julho/97)
Hiperônimos Hipônimos
(termos mais gerais) (termos mais específicos)
baleias jubartes
animais jubartes
cetáceos baleias
artesanato renda de bilro
litoral norte praia, ilha, enseada
instrumentos pá, picareta, foice, enxada
Vale a pena apontar também a coesão lexical por sinonímia, entre assentados e sem-
terra (exemplo f) e entre jubartes e baleias cantoras (exemplo c). Os pronomes eles (caso
reto) e se (caso oblíquo) são exemplos de coesão gramatical referencial, pois remetem aos
assentados.
Coerência
41
podemos notar que as quatro primeiras não oferecem qualquer problema de compreensão.
Dizemos, então, que elas têm coerência. Já não ocorre o mesmo em relação às duas últimas.
Em As árvores estão plantadas no deserto, há duas idéias opostas, uma contraria a outra. Em
A árvore está grávida, há uma restrição na combinatória ser vegetal + grávida, o que não
ocorre em A mulher está grávida, em que temos a combinatória possível ser racional +
grávida.
Examinemos agora as frases:
a) O pássaro voa.
b) O homem voa.
A frase a tem um grau de aceitação maior do que a frase b, que depende de uma
complementação para esclarecer qual o meio utilizado pelo homem para voar - O homem voa
de asa deita, por exemplo. A combinação de homem com voa tem outras significações no
plano da conotação: O homem sonha, o homem delira, o homem anda rápido. Neste plano,
muitas outras combinações são possíveis:
As nuvens estão prenhes de chuva.
Sua boca cuspia desaforos.
com o pronome eu
há uma restrição, porque o
vocábulo menos indica exclusão de
1 b) Todo mundo destrói a natureza
uma parte do grupo, portanto, neste
menos todo mundo
caso, não pode ser combinado com
todo mundo, que indica o grupo
inteiro
mas introduz uma idéia oposta, que
2 a)Todo mundo viu o mico-leão,
é perfeitamente aceitável, porque
mas eu não
todo mundo se diferencia de eu
mas introduz uma idéia oposta, que
é inaceitável porque o conteúdo da
idéia introduzida por mas não é o
2 b) Todo mundo viu o mico-leão, contrário da idéia anterior. Assim, a
mas eu não ouvi o sabiá cantar primeira parte Todo mundo viu o
mico-leão não pode ser combinada
com eu não ouvi o sabiá cantar
por intermédio do vocábulo mas
o uso de apesar de pressupõe a
3 a) Apesar de estarem derrubando presença de idéias contrárias,
muitas árvores, a floresta sobrevive qualquer que seja a ordem:
negativa/positiva, positiva/negativa.
o uso de apesar de pressupõe a
presença de idéias contrárias,
3 b) Apesar de estarem derrubando
qualquer que seja a ordem:
muitas árvores, a floresta não tem
negativa/positiva, positiva/negativa.
muitas árvores
Daí a incoerência da frase b em que
ocorrem duas negativas simultâneas
Estas observações mostram que a coerência de uma frase, de um texto, não se define
apenas pelo modo como elementos lingüísticos se combinam; depende também do
conhecimento do mundo partilhado por emissor e receptor, bem como do tipo de texto em
questão. Podemos ainda dizer que, nas frases de letra b, os elementos de coesão não foram
usados de forma adequada, por isto não contribuíram para estabelecer a coerência.
O trecho abaixo
Observe finalmente:
Se está difícil sobreviver aí na cidade, imagine aqui.
Numa primeira leitura, esta mensagem parece vaga: aqui aponta para várias
possibilidades de significação, entretanto cada uma elas claramente se opõe a “cidade”. Mas,
se situarmos esta frase como introdutória ao texto sobre a Mata Atlântica, o sentido fica mais
explícito, sobretudo se a frase for acompanhada da imagem de um habitante da Mata
Atlântica.
2. Tipos de Coerência
Em obra na qual discutem as estratégias cognitivas de compreensão do discurso, Van
Dijk e Kintsch (1983) falam de coerência local e de coerência global. Enquanto a primeira se
refere a partes do texto, a segunda se refere ao texto como um todo. Embora já tenha sido dito
anteriormente que a coerência diz respeito à intenção comunicativa do emissor, interagindo,
de maneira cooperativa, com o seu interlocutor, acontece de, em um mesmo texto, ocorrerem
partes ou passagens com problemas de incoerências – incoerências locais no caso – que
acabam por perturbar a compreensão daquela passagem. A presença de uma incoerência local
pode não prejudicar a compreensão do texto, mas é claro que assim não será se houver um
grande número de problemas desse tipo.
Ainda na obra citada, os autores apontam alguns tipos de coerências, a saber,
coerência semântica, coerência sintática, coerência estilística, coerência pragmática.
• Coerência Semântica
Refere-se à relação entre os significados dos elementos das frases em seqüência; a
incoerência aparece quando esses sentidos não combinam, ou quando são contraditórios.
Exemplos:
1) ...ouvem-se vozes exaltadas para onde acorreram muitos fotógrafos e telegrafistas para
registrarem o fato.
O uso do vocábulo telegrafista é inadequado neste contexto, pois o fato que causa
espanto será documentado por fotógrafos e, talvez, por cronistas, que, depois, poderão
escrever uma crônica sobre ele, mas certamente telegrafistas não são espectadores comuns
nessas circunstâncias.
Ao lado deste, há um outro problema, de ordem sintática: trata-se do emprego de para
onde, que teria vozes exaltadas como referente, o que não é possível, porque esse referente
não contém idéia de lugar, implícita no pronome relativo onde. Cabe ainda uma observação
quanto ao tempo verbal de ouvem-se e acorreram, presente e pretérito perfeito,
respectivamente. Seria mais adequado os dois verbos estarem no mesmo tempo.
3) Educação, problema universal que por direito todo indivíduo deve ter acesso.
A inadequação, parece-nos, se deve ao fato de não ficar claro qual é o antecedente do
pronome que. Da maneira como foi escrita a frase, o antecedente é problema universal, e,
neste caso, a incoerência semântica está na não-combinação entre os sentidos de ter acesso e
problema. Um problema precisa ser resolvido, solucionado, mas não ser alcançado, que é o
sentido de ter acesso. É muito mais provável que o autor desta frase tenha pensado que todo
indivíduo deve ter acesso à educação, mas, da forma como ordenou as palavras, causou
ambigüidade com relação ao antecedente do que.
Ainda dentro deste tipo de coerência, lembramos que o pouco domínio do sentido dos
vocábulos e das restrições combinatórias podem também gerar frases com problemas de
compreensão, como as que seguem:
• Coerência Sintática
Refere-se aos meios sintáticos usados para expressar a coerência semântica:
conectivos, pronomes, etc. Exemplos:
1) Então as pessoas que têm condições procuram mesmo o ensino particular. Onde há
métodos, equipamentos e até professores melhores.
A coerência deste período poderia ser recuperada se duas alterações fossem feitas. A
primeira seria a troca do relativo onde, específico de lugar, para no qual ou em que (ensino
particular, no qual/ em que há métodos...), e a segunda seria a substituição do ponto por
vírgula, de maneira que a oração relativa não ocorresse como uma oração completa e
46
2) Na verdade, essa falta de leitura, de escrever, seja porque tudo já vem pronto, mastigado
para uma boa compreensão, não precisando pensar.
Há, nesta frase, vários problemas que prejudicam a sua coerência. O primeiro é o não-
paralelismo entre leitura (nome) e escrever (verbo); seria desejável, por exemplo, dizer falta
de ler, de escrever, ou falta de leitura, falta de treino de escrita. Depois foi empregada a
conjunção seja, que geralmente se usa para apresentar mais de uma alternativa: seja porque
tudo já vem pronto, seja porque não há estímulo por parte dos professores; usada
isoladamente, ela perde o seu sentido alternativo. Talvez o autor estivesse querendo dizer seja
porque tudo já vem mastigado; a elipse da conjunção na segunda expressão foi inadequada.
Percebemos, ainda, que o sujeito essa falta de leitura acabou não se juntando a nenhum
predicado, e a frase ficou fragmentada. Por último, não foi explicitado o termo que pode
preencher essa função.
(As frases usadas como exemplos foram produzidas por alunos recém-ingressos na
universidade.)
• Coerência Estilística
Percebemos, pelos exemplos citados abaixo, que este tipo de coerência não chega, na
verdade, a perturbar a interpretabilidade de um texto; é uma noção relacionada à mistura de
registros lingüísticos. É desejável que quem escreve ou lê se mantenha num estilo
relativamente uniforme. Entretanto, a alternância de registros pode ser, por outro lado, um
recurso estilístico.
Leia este poema de Manuel Bandeira:
Teresa, se algum sujeito bancar o
sentimental em cima de você
e te jurar uma paixão do tamanho de um
bonde
Se ele chorar
Se ele ajoelhar
Se ele se rasgar todo
Não acredita não Teresa
É lágrima de cinema
É tapeação
Mentira
CAI FORA
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• Coerência Pragmática
Refere-se ao texto visto como uma seqüência de atos de fala. Para haver coerência
nesta seqüência, é preciso que os atos de fala se realizem de forma apropriada, isto é, cada
interlocutor, na sua vez de falar, deve conjugar o seu discurso ao do seu ouvinte. Quando uma
pessoa faz uma pergunta a outra, a resposta pode se manifestar por meio de uma afirmação, de
outra pergunta, de uma promessa, de uma negação. Qualquer uma dessas seqüências seria
considerada coerente. Por outro lado, se o interlocutor não responder, virar as costas e sair
andando, começar a cantar, ou mesmo dizer algo totalmente desconectado do tema da
pergunta, estas seqüências seriam consideradas incoerentes. Exemplo:
Para quem fez a pergunta, não pareceu nem um pouco incoerente a resposta obtida.
Entretanto, a frase de B não é a resposta, é simplesmente um pedido de tempo para depois dar
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3. Texto e Coerência
Cada tipo de texto tem sua estrutura própria, por isso os mecanismos de coerência e de
coesão também vão se manifestar de forma diferente na superfície lingüística, conforme se
trate de um texto narrativo, descritivo ou dissertativo-argumentativo.
1. Texto narrativo
No texto narrativo, a coerência existe em função, sobretudo, da ordenação temporal.
Tomemos como exemplo o conhecido poema A pesca, de Affonso Romano de Sant’Anna, em
que não há elementos coesivos. No entanto há coerência em função de uma seqüência
temporal depreendida não só da ordem em que foram colocados os substantivos, mas da
escolha de vocábulos de campos semânticos relacionados à pesca.
A pesca
o anil a garganta
o anzol a âncora
o azul o peixe
o silêncio a boca
o tempo o arranco
o peixe o rasgão
a água aquelíneo
a linha ágilclaro
a espuma estabanado
o tempo o peixe
a âncora a areia
o peixe o sol
2. Texto descritivo
No texto descritivo, a coerência se estabelece, sobretudo, em função de uma ordenação
espacial. Quem descreve procura percorrer os detalhes daquilo que descreve, seja uma pessoa,
seja um cenário, seja um objeto, obedecendo a uma seqüência, com a finalidade de auxiliar o
leitor/ouvinte a compor o todo a partir dessas informações parciais. No trecho abaixo,
extraído de “Vidas Secas”, temos uma série de atos que, se alterada, prejudica a coerência do
texto.
Com respeito a essa ordenação das informações num texto descritivo, é interessante
assinalar que a ordem em que são percebidos os objetos ou os componentes de uma cena pode
determinar a organização linear das seqüências usadas para descrevê-los, como no parágrafo
abaixo:
Entretanto, isto pode não acontecer, ou seja, a ordenação é feita a partir da seleção das
informações julgadas relevantes, como no texto abaixo:
3. Texto dissertativo-argumentativo
No texto dissertativo-argumentativo, é muito importante para a coerência a ordenação
lógica das idéias. As possibilidades de correlacionar os argumentos decorrem dos operadores
lógico-discursivos empregados. Há conectores específicos para se expressar as diferentes
articulações sintáticas - causa, finalidade, conclusão, condição etc - e eles devem ser usados
adequadamente, de acordo com a relação que se quer exprimir ao desenvolver uma
argumentação. E ainda muito importante, com respeito à coesão, uma combinação cuidadosa
dos tempos verbais empregados.
Observe:
Depois que um rolo compressor passou pelo cinema brasileiro, alijando-o
intempestivamente do mercado, é bom saber que existem fórmulas ao
alcance de diretores, produtores, roteiristas e artistas para retomar o
diálogo. O mercado consumidor tem fôlego, mas tende, por distorção
natural, a se voltar para o filme estrangeiro. Precisa de boa sacudida que o
faça retomar o caminho de casa, desde que, evidentemente, o produto da
casa satisfaça suas expectativas.
Temos, neste parágrafo, os conectores mas (idéia adversativa) e desde que (condição),
que no podem ser substituídos por conectores de outro sentido, sob pena de alterar o que se
quer expressar. As expressões é bom saber, evidentemente têm a finalidade de introduzir e
reforçar os argumentos. Finalmente, lembramos que o uso do conector desde que pede o
emprego do verbo no modo subjuntivo, tempo presente, o que foi feito pelo autor do texto
(desde que ... satisfaça). O mesmo se verifica na frase anterior: Precisa de boa sacudida que
o faça... E importante, pois, escolher os conectores adequados, quando o objetivo é
argumentar de maneira coerente e coesa.
EXERCÍCIOS
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BIBLIOGRAFIA
1- COSTA VAL, Maria da Graça Ferreira. Redação e Textualidade. São Paulo, Martins
Fontes: 1991.
2- Fávero Lopes, Leonor Coesão e Coerência Textuais. São Paulo Editora Ática 2005
3- GARCIA, Othon M. Comunicação em Prosa Moderna. Rio, Ed. Fundação Getúlio Vargas:
1976.
4- KOCH, Ingedore G. Villaça. Argumentação e Linguagem. São Paulo, Cortez: 1993.
5- _______, A Coesão Textual. São Paulo Editora Contexto 2004
6- PLATÃO E FIORIN. Lições de Texto: Leitura e Redação. São Paulo, Ática: 1996.
7- VANOYE, Francis. Usos da Linguagem, Problemas e Técnicas na Produção Oral e
Escrita. São Paulo, Martins Fontes: 1982