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Euclides da Cunha: Uma Odisseia nos Trépicos FREDERIC AMORY Assi ocorre que no mundo algumas pessoas giudam a manter os en circulando-s, eoutras tontars depois apage- cada uma delas tem algo com o gue se ocupar ir i eimenson, ad sumer bialpa error d gang cg adver Iitast sidan vid ad utrydia aptur fei sim orroribus Hof suo huerirtoeggiu nockud ad iia. Anni Mao sobge im manuscrito compilado por Jon Erlendsson, padee Peontamenteensinar-Ibe-i 2m agraciados ante pela Musa belies 2 Bie, x dens iografia intelectual (Euclides da Cunha Uma Odisseia nos Trépicos) pode ser chamado este livro que vem precncherde snodo inadiavel uma facuna na vasta bibliogra- Ga do grande eseritor brasileiro, justamente cem ‘anos apéis sua eragiea morte, Em meio a tants arrativas sobre a vida de Euclides, esta obra de Frederic Amory possui mahiplos méritos, mas principalmente o de apresentat os pantos altos ¢ Daixos de ume trajetoria humana das mais fasci- ‘nantes, com exemplar conhecimento de causa, rigorosa pesquisa e andlises minuciosas de seus textos mais relevantes. Tais andlises ilursinam sobremancira 0s temas recorrentes ¢ 28 técnicas de escritura de seus ensaios ¢ ainda nas ajudam a entender com maior elareza as correntes fi Tos6fieas que influenciaram © pensamento de Fuclides. Movendo-se entre apreciagoes eriticas mais gencralizames ¢ outtas do tipo close rea- ding, Amory mantém excelente equilibrio entre 05 epis6dios historicos da vida do biografado ¢ sua produgio ensaistica. Daqueles 0 leitor se de- parard com gracas surpresas que revelam dados da conturbada existeneia do eseritor brasileiro, © que foram ado 56 revisitados mas também reavaliados, Neste sentido, € bom ue 0 leitor se prepare para retomar temas como o da sexua- fidade do Jovem ¢ do maduro Euclides, de sua irascibilidade, de suas "fugas” de uma realidade familiar que se tornara insuportavel ¢ das con- tadigoes de suas ideias, Por outro lado, cansard prazer notar 6 destague que Amory ia geniali- dade de Euclides que, vivendo em condigdes tao precitias, construiu um império do saber. Fuclides da Cunha; Uma Odisseta nos Te6ph os identifica anda tragos estilisticos da escritura enelidiana que nus fazem ver o quanto obrilhante escritor fluminense sabia utilizar sua linguagern em favor da melhor expressio ¢ da clareza dos conceitos. Tendo pendor para a filologia, mente aberta para a historia das ideias, gosto apurado A Rosaura Escobar, que me introduc no mundo des eulidiancs, a Leopolde M. Bernucs (que me gion através dewe meno até este lore EUCLIDES DA CUNHA: UMA ODISSEIA NOS TROPICOS ” Frederic Amory Tradugao Geraldo Gerson de Souza Aeelie ditorial Copysigit © 2009 Federie Amory Diteitos reservados protegdos pela Let go de y de eerie de gt pi ‘daa reprodugio total ow paca em autriayo, por escrito da eitora Dos Internacionas de Catalgaso na Publics io (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Bras) Amory Frederic aides da Camb: Una Oise nes Trips! Frederic Amory teadugio Geraldo Gecson de Sours. Coin, SP: Atel Editorial, 2009, ISBN 978-85 7480-408 Bibiogaia Cunha, Buses da, 1866-1909 2. Esrtores brasiios ~ Biograia 1. Tia, 9.07009 cpp-928.499 Indices para catilogo sistema 1 Bncstaes baler vida cobra 928.699 Dissitos eer ‘Areuit Enirosta trad da Aldea de Carapicubs, 87 t709-300 ~ Granja Viana ~ Cots SP "Tle a) 62-986 smacliecombr/ateie@atelicombr Printed in Brac oi five o dept legal 7 Sumario heeekg Leer, Jarra /2o/o Apresentagio ~ Leopolde M. Bernueci © Preficio : 7 1.Cenas da Infincia : see et 2, Uma Espada Lancada ao Solo 3B 3. Ondas « cee a 4- Os Peimeiros Imerkidios Jornalisticos 6% 5.Os Dias de Exército e a Engenharia Civil 7 6.Na Estrada para Canudos . - 99 7-Canudos € 0 Fim da Guerra eee 8.A Ponte e o Livro cee ey 9. Or Sertes: Temas e Fontes 5 6s 10, Os Sertées: A Narrativa : 183 ,Mareando Passo... . + « . rr) 12, A Mais Longa Jornada. . - , 7 13, Contrasts ¢ Confrontos : : 2st 14, Pera versus Bolivia 5 sees 285 15, Os Ultimos Dias Boe 309 16. Duas Provagées a 17.0 Declinio. , ne 18.4 Margem da Historia wes 359 Observagies Finais 5 5 wer Carta do Rio Purus 395 Bibliografia.. . . 5 c 0 oe Apresentagao IMA DE SUAS CONFERENCIAS N’Os Herdis, 0 historiador britanico Thomas N Care dee oc conse gu ise eee on idades; em seguida, aprimorando essa definigio, ogra também redimensio~ nar o seu papel para « Histria da seguinte maneir (© poeta que s6 se pode sentar numa cadeira e eompor estincias, nunca fari uma estincia que valha muito, Ele nto poderia cantar 0 guerrero heroico, nfo ser que, pelo menos, fosse também um guerreizo heroico, Creio que ha nele o politico, o pensador, 0 leislador,o lés0~ fo;~ num ow noutro grau ele podia ter sido ist tudo, ele € isto tudo. [..] Petrarca e Bocaccio ‘exeoutaraim missbes diplomaticas e, 20 que parece, muito bem: € fil de erernisso, pois haviam feito coisas mais dfces do que esta! Essas palavrzs poderiam muito bem servir para entender a personalidade complexa de Euclides da Cunha. Ele que foi poet te politico e gedlogo, com espantosa demonstragao de conhecimento em todas essas engenheiro, jornalista, historiadoy, militan~ freas, chegou também, jé nos tltimos anos da vida, a aceitar missées diplomiticas, como participante ativo, seja como consultor e relator. Esses encargos lhe valeram, logios como chefe da Comissio Brasileira de Reconhecimento do Alto Purus na Amazonia; ¢, em situagdo de arbitragem territorial, ainda sob a batuta do Bardo do Rio Branco, enderam-Ihe um livro sobre assunto semelhante (Peru versus Bolfvia). Se Carlyle estiver cometo, Euclides passou no teste, pois sentar-se numa cadeira ¢ somen= te compor estancias é algo que ele, definitivamente, nunca péde ou quis fazer. A sua “engenhariafatigante”, que detestou durante todos os anos em que teve de trabalhar nessa profisslo, paradoxalmente deve té-1o ajudado de alguma forma a ser notavel poligrafo que chegou a ser. Dificil seria imaginar um Euclides somente escritor sen tado varias horas no seu gabinete de trabalho, isolado do mundo. seo Contrariamente ao que ele pensava que Ihe pudesse favorecer ~ cancentragio ab- soluta nos estudos, dedicagao exchusiva a sua arte de escrever ~ as outeas atividades ligadas principalmente as ciéncias o colocaram ao rés-do-chio, como também foi 0 caso de seu infeliz convivio familia, € claro, Para seus Biogréfos que até hoje se con~ centram nessa visio do Euctides heréi, escritor famoso, mas maltratado e imolado pela vida, sesta um tinico conselho: nfo separem 0 grande homem de suas misérias, ‘mas enfoquem a grandioeidade do individuo. assim mais ou menos como procede o bibgrafo americano Frederic Amory, neste nhecimentos profundos sobre Histéria e historiografia, este apaixonado euclidianista axto que agora apresentamos, Dono de co- comesou a estudar a vida € a obra de Euclides no comego da década de 1960. Desses dos anos até 0 inicio deste, quando a morte infelizmente o levou, a sta dedicagio a0 autor d'Or Sertées foi sempre continua, embora entremeada de outras atividades lectuais que claramente atestam a refinamento de seu espirito:classivista, professor de literatura medieval inglesa, solar respeitadissimo de literatura nérdicas (Noruege € Islandia) e, nas horas vagas, amante da obra de Euclides. O seu afeto pelo Brasil, pela inte nossa cultura, nossa gente ¢ literztura ficou emblematica e delicadamente gravado ‘numa tinica frase de uma de suas varias ¢ ordenadas pastas que deixou nos seus arqui~ vos: “My Brazil”. Nada mais cazinhoso do que esse gesto de alguém que dedicou tantas noites a entender um dos nossos maiores escritores, E “entender” é a palavra correta, porque estudar Euclides e sua obra pede anos de estudos, humildade e paciéncig, coisas todas que ele possuia. Eucides da Cunha: Uma Odiveia nos Trépicos no & mais uma, nem qualquer bio- ‘grafs do nosso escritor, falecido ha cem anos. Trata-se de um estudo impar da vida € obra de Euclides como até agora nio tinhamos visto, Se as contribuigdes de ou- tuos bidgrafos, tais como Eloy Pontes, Francisco Sylvio Rabello, Olimpio de Sousa Andrade, Roberto Ventura, sio inegaveis, em ne~ ‘ancio Filho, Leandro Tocantins, nnhuma delas houve tanta preocupaio, por perte de seus autores, de, como nesta ago- 1a, confrontar as problemticasfontes de informagoes, de oferecer uma compreensio cabal do posicionamento filoséfico e politico de E 1 seu casamento conturbado e, sobretudo, de ler, como s6 ele pode fa mais herméticos do biografado, Essas qualidades da presente biografia nfo bastam clides, de reencenar 0s fatos ligados é-1o, 08 ensaios para dar conta do rigor, esmero e erudigdo com que Frederic Amory escreveu a vita de uum escritor maior. Sendo os fatos que entram nela invariavelmente seetivos,e sempre filtrados pela subjetividade do bidgrafo, esse novo estudo sobre a vida de Euclides deixar marcas fortes na imensa bibliografia euclidiana sempre tio prejudicada de mitologias, Na verdad, seu mérito maior se deve 20 trabalho de desmitificar, sempre respeitando-o evidentemente, 0 escritor. Penso que isso s6 foi possivel pelo esforgo do bidgrafo de manter-se & distancia do seu objeto de esraco. O ato de ser estrangeiro pode sem divida té-lo ajudado; codavia, conhecendo a mente aguda, profundamen- 1 Fi LEOPOLDO M. aERNUCCE Prefacio ENSO QUE OS LEITORES MAIS CETICOS DESTA BIOGRAFIA jé estario ten- P= imaginar 0 que ela poderé conter de novidade. A estes dou razaio. Como © bidgrafo é um norte-americano,a ousadia de escrever mais uma biografia de Euclides da Cunha € algo em que, certamente, eles estario pensando, Se eu civesse sme dirigindo agora aos letores de lingua inglesa, para os quas esta biografa foi origi- nalmente escrta, poderiam encontrar nela subsiios para uma compreensio cabal da ‘ida de um dos maisimportantes escrtores latino-americanos. Todavia,o resultado das sminhas pesquisas sobre a vida de Euclides se destina ao pblico de Kingua portuguesa, principalmente do Brasil, pais que amei durante toda a minha vide e que frequentei dlesde os anos do segundo pés-guerra, Deixando de lado o atrevimento do bidgrafo, devo dizer-Ihes que do modo como as coisas se apresentam neste momento, ndo existe uma biografia de Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha completa ¢ confidvel em uaisquer linguas. Evidentemente, os esforgos dos estudiosos brasileiro que estuds- rama vida do nosso biografado tém produzido os melhores resultados e, certamente, nenhum deles no mundo anglo-saxfo pode até hoje equipari-los. Foi pensando nesse “timo piblico que encarei o desafio de sanar essa falha nos nossos estudos de autores brasileios importantes do final do século x1x ¢ comego do xx, época em que, por razbes que desconhecemos, alta cultura brasileira foi premiada com grandes nomes nna literatura € na historiogrefia. O que € mais pesaroso ainda € que, com excecio de tum punhado de especialistas nos Estados Unidos, publico de fala inglesa desconhece até hoje os nomes de alguns desses ilustres intelecuais brasileiros. ‘Quem consultar 0s textos biogrificos esritos no Brasil a partir das vésperas da Segunda Guerra Mundial iri deparar-se com muitas cenas de encontros de Euclides com 0s amigos ~sobretudo em Sto José do Rio Pardo -, bem como com cenas fami- liares com os dois fhos mais velhos, mas ~fato notavel ~ dificilmente encontrar al- gum vislumbre daesposa, Ana Ribeiro, filha de um conhecido general. ssa anomalia ‘uma omissio ou virtual supressZo da mie de seus filos pelos interessados na vida de wes Buclides, tem sido tio comum que Adelino Brandio, um dos seus tiltimos bidgrafos, no sentiu compunglo em apresenti-ia aos enores braslsicas através de uma série de ficgdes psivologicas (em Aguas de Amargura’), Tal situasao, tao peculiar, de exclusio de Ana de Assis das olhates piblicos foi causada pela crenga generalizada de que foi ela, com seu romance com o eadete Di- lermando de Assis, a grande responsivel pelas mortes violentas da marido ¢, mais tarde, do flho favorito, Quidinho (Buelides Junior). No entanto, detxando de lado os motivos dos bidgrafos de Euclides, permanece o fato de que pouguiesima coisa sobre «la chegou até os pesquisadores de hoje. Portanto, por falta de informasio sobre Ana « sobre seu rumoroso affair com Dilermando, fomos levados a compulsae foates duvi~ dosas ou seja, os dois livros do amante, escritos anos depois pare defender-se perante 2 opinido publica, ¢ 0 volume de Brando citado acima com todas as suas feyies n0~ ‘velescas, Como jf observei em outro estudo, “[a]iguma perspicaz.feminista brasileira devers vir a investigar este casamento ¢ clarifcs-lo”, Por outdo lado, fama da linguagem literria de Os Sertes, mesmo para os leitores brasileiros,é um tanto negativa, o que de modo algum se justifica. © que os incomweda éavariedade e abstrusidade do vocabulirio do autor, especialmente o mimero elevado de palavras dificeis referentes as ciéncias naturais, como na primeira parte “A Tere” ‘Aliés, alguns leitares ongulham-se perversamente da quantidade de diciondrios que tém de compulsar para cettificar-se do sentido que o autor pretendia dar a esses set- ros. No entanto, essa preocupagdo com 0 “léxico mental” euclidiano é excessiva, Um gedlogo profissional, Glycon de Paiva Teixeira, pesquisou a terminologia ciemifica de Os Sertos, cortigindo-a ¢ elucidando-a, € chegou & conclusio de que “[...] a recons- tituigdo convence, mesmo ao mais apaixonado admirtdor do escritor, que sua culrara {lac Euctides} nio alcangava nem o espisito, nein o método da geologia...”. Mas, aeres- centa o gedlogo com muita razao, [n}fo é nesta cigncia, que reside a imortalidade de seu genio, Muitos gedlogos escreveram ¢ escreverdo piginas mais acertadas sobre a geologia da Bahia e nao serio lembrados pela posteridade™. E ele est inuito certo; 1s cientistas, none-amesicancs ou brasileros, geralmente nfo trataram Euclides com tanta generosidade, No seu conjumo, para mim 0 “léxico mental” de Euelides néo € muito maior do que 0 de seu amigo, o prolifico romancista Coelho Neto, ou mesmo do que daquele Ftcrateur, Raw Pornpe's, que moreen tragicamente ainda jovem. Nao disponho, po- 1. Adelino Brandi, Agus de Amarpur, Rio de Jair, 1990 2. Dublicao em Leopoldo Bernucsi (ong), ican Cigna, Contocdsia em Eualdes da Cano (Sto Paulo, Edusp 2008), 0b o titulo de “As Biograia de Bcider 3. CE este breve enstio de Glycon de Paiva Teixeira, “Geologia de Canudos em Ox Sete, Digeto Beonsmics, 24, pp Bh dee. de 195, “Ldem, pp 5-66 %6 %H PREDERIC AMORY rém, de estatisticas verbais comparativas sobre o aspecto quantitativo dos léxicos dos autores brasieiros no periodo clissico, do final do século x1x a0 comego do xx. De todo modo, sé € possivel fazer com sucesso aniliscs estilistcas sobre as bases Jexicais de escritores quando eles, como Rabelais’ ou James Joyce, se inebriaram coma riqueza de seus repert6rios de palavras, Decididamente, Euclides nio foi um desses escritores ¢ seus estilismos geralmente estio presos & sua sintaxe, Sua pritica literdria € a mais comum de estilo sintdtico, e, como saber todos aqueles que leram muitos de seus tex~ tos, as verdadeiras dfculdades com seu “falar dificil” nfo residem no “léxico mental” mas nas experiéncias sintéticas que tenta Até os dias atuais, apesar dos grandes movimentos linguisticos da América do Norte e da Franca, pouquissimos estudos foram feitos sobre os estilismos sintiticos de Euclides. Conhego em especial um estudo da lavra do brasileiro Modesto de Abreu, Ext e Personalidade de Euetides da Cunbat, que, com referencia 20 estilo sin vvai muito além da gramética da estrutura frasal e contenta-se em abordar algumas categorias semanticas de itens léxicos. Em rapidas palavras, a tendéncia estilfstica dos textos de Euclides, que tem inicio «em seus primeiros ensaios para jornal com o simples estilismo das frases com “fins -surpresa”, chega ao auge em Os Serties, com hibeis exibigées de frases epifiricas € anaféricasrepetitivas’. Nesse mesmo tom, evidentemente, também nos deparamos com elaborados “finais-surpresa” de frases, como na sentenga rauito elogiada que descreve a perseguigéo de um vaqueiso a uma boiada que estourou, e termina. com a palavra “o vaqueiro”. Mas as repetitivas construgées paratiticas, nao importa & extensia, nao apresentam qualquer problema sério para o leitor, porque se desenvolvem num tinico plano sintético, Tem-se apenas que continuar lendo. Contudo, quando Euclides preci- sou escrever, em 1997, a cansativa monografia sobre as divergéncias territoriais entre a Bolivia eo Peru, que o governo brasileiro tentava mediar,teve de recorter, para a esti~ lizasao de seu texto, aquilo que, na sua opinizo, era um estilo apropriado & chancelaria, € mudou do plano paratitico para o plano hipotitico de muitos niveis sintiticos do discurso, Infelizmente, a0 contritio de Rui Barbosa ou de Joaquim Nabuco, Euclides tinha potico controle sobre a “fases-monstro colocadas nessa monografa que, inevi- tavelmente,extraviava o leitor antes de chegar ao final. De vez em quando, as modifi- 5.CE meu artigo espcime, inspira nos textos de Leo Spitzer ede Erich Auerbach sobre ete autor, “Rabelis"Hurvicane Word-formations and ‘Chaotic Enumeration Lens and Syntax”, Etudes rabii~ enn 9p 81-7298, 6. Rio de Janeiro, 1953. CE, além dese, estado mais recente de Neveu Corréa,*A Tapesatia Lingus ica de'Os Sexe, A Taperaria Linguistica de Or Setere Ouers Estuds, Sa Paulo 1978, ppt 2. Modesto de Abreu chama-as "Repetto ¢ Paisindeto", Estilo Penonalidade... pp. 189-190 8. CE Obra Completa, ed. Afranio Coutinho era. (Rio de Janeiro, 1956), wl. ng 179:“Estouo da Boiads” BUCLIDES DA cUNHA: UDA ODISSELA NOS TROFICOS H° 17 cages sintiticas que relativizam os sujeitos de suas frases sobrecarregam-nas com uma mirfade de frases subordinadas que as expandem em miltiplos sominais, de modo que ‘0 maximo que ele pode fazer € pontuar o pesado actimulo de palavras com um trago antes de conseguir lidar com os verbos e objetos da frase seguinte ~ geralmente a ser carregada também de muitos modificadores. Tenho certeza de que suas pesadas cons- trusdes hipotiticas marcaram-no entre scus colegas escritores como um estilista (em termos clissicos) “asidtico”. Assim, na virada do século xx no Brasil, Joaquim Nabuco, angou a famosa objesao de que Eucldes escrevie “com cip6”. Ndo obstante,porém, ‘ua desequilibrada hipotaxe foi preservada em seu repert6rio estilistico tanto quanto os “finais-surpresa” de suas frases. Um culto admirador, Leandro Tocantins, achou justo, entretanto, elogiaro estilo de Peru versus Batvia por seus “periodos impeciveis”. Nio estariam fora de propésito uma ox duas palavras sobre os principais temas dos textos do Euclides maduro, Como ainde na juventude aprendeu com Benjamin Cons- tant e outros mestres de mesmo ponto de vista o programa do positivismo, admite-se comumente no Brasil que Euclides foi toda a vida um positivista, com base no dito popular de que uma vez positivist sempre serd positivista. Na histéria do positivismo tanto na Europa quanto no Brasil, porém, essa fidelidade ao programa foi rompida constantemente pelos préprias pasitivistas. Na verdade, nfo ha provas, a0 longo de toda a vida de Euclides, de que ele tenha adotado; pelo contrétio, ha provas um tanto diretas de que tenha sido adverso a essa doutrina, Como ele mesmo escreveu 20 sliplomata Oliveira Lima em 5 de maio de 1909, principio, quando estudante, chegara aadmirar Auguste Comte por sua “matematica” (isto é,a geometria analitica), mas,em ‘outros aspectos, 0 fundador do movimento o aborrecia, e, a partir de 1892, comecara a distanciar-se da *minoridade” religiosa da seita brasileira!®. Pouco menos de seis meses depois, ao fazer a resenha de O Brasi? Mental, do portugués José Pereira Sam~ palo, renunciou enfaticamente @ qualquer lealdade ao positivismo brasileiro em favor do evolucionismo spenceriano™, A conversio sua e de outros homens a contribuigio Como em Eudes da Canta eo Paras Peri, , cd, Rio de Jancire 197 p 222 Seo leitorqui- ser somparar com ese imerecida clogio os longs periods inicias da monografa, eles esto citados no capitulo 14 abaiso (p28) 10, Carta a Oliveira Lima em Obra Completa, vol 1, 9.706. A matemitia de Comte nio era tio sprecada na Franga como no Brasil fa grande biograia de Comte excita por Mary Pickering ol. 1, publicado até agora (Cambridge, Eng, 1993), p.$85:"Ainda asim, [Paul Tannery] teve de admitir que ‘Comte nio etava to hem informado sabre os novos desenvalvimentos nas cincia» matematicsefsias ‘Consequentemente, mesmo os cientistes da épaca de Comte nio 0 levaram muito a xi". Sobre ofito Ge Eucldes ter evitado a minora religiosa dos postivsus braileros, ef. também “Din « Dis", Obra Completa vol 1p 58: pertencemos & minors ilastre dos que com ums abnegagio notve, vue todas a preceitos do nove dogma...” LCE Obra Completa, ol 1,pp 408-goq,na paste 11 da senha: “Basta a afirmativaincontestivel de ‘que, em nossas indagages centificas, preponderam, exclusives em toda a linha, o monismo germanico € ‘© evousionisma inglés. 18 Hh yREDERIC AmoRY BSIBS RSE z CRT WUE ES ERE EER TT or se saore ae ee 3+ Spencer ao darwinismo social foi reconhecida publicamente em 189: pelo poeta e ado Luis Murat, que decretou set Spencer “incontestavelmente o pai espiritual 3e zados nés"™, Esse abandono paradigmatico de Comte em favor de Spencer tinha ESversas razdes,mas a principal delas foi que Comte, mesmo que se possa consider 320 fundador da Sociologia, ainda assim nao tinha qualquer uso para as novas teorias ‘lug tais como foram introduzidas por Darwin, Alfred Wallace e Spencer; seu senor € que elas apenas fossem desarranjar “a permanéncia das espécies Essa virada de Euclides para as ideias evolucionistas inglesas, afastando-se de Comte ¢ do pottvismo francs, pode parecer um movimento Iigico, mas debxou sizumas consequéncias bastante indesejaveis, ou seja, 0 racismo inerente ao darwinis~ social, que na realidade nao aparece no sistema positivista de Comte. Por diversas vezes, nos ensaios posteriores de Euclides e em sua grande obra, suas discussdes sobre 2 sociedade © o avango ou regressio social slo tingidas ora com matizes mais leves, ora com matizes mais escuros de racismo", Esse “defeito” tem sido sugerido por alguns ranto na teorizagio social inglesa quanto no préprio carter de Euclides, mas apesar isso nao se deve concluir que seja ele um rematado racista. Vejamos melhor a questio, Na segio “O Homem’ de Os Sertées, sob o titulo de “Um Paréntese Irritante”, o autor se permite saborear um exemplo impertinente de um racist vulgar com relago as risturas de negeos e brancos nas regiées litoraneas:“...] @ mestigo [..] é menos que ‘um intermediitio, é um decaido, sem a enexgia fisica dos ascendentes selvagens, sem a altitude intelectual dos ancestrais superiores”". Essa declaragdo ¢ daquelas que se podem ouvir facilmente nas zonas urbanas do litoral do Beasil,c nao se precisa de né sahuma fonte literéria europeia do século x1x para corrobor como se tivessem safdo da boca de Euclides, Guilhermino César sugeriu que talvez o falante nesse contexto, que se considerava um tanto fantasi isto de cel ta, de tapuia e grego”, estivesse em parte caracterizando a si préprio como 0 mestigo la. Tomando as 9 ilegitimo'®, Existe, porém, uma explicacdo mais ampla, que nao desculpa a erueza da citagao acima. 12.Apud Wilson Martins, Hiutiria da ntligéciaBroiirs, Sto Paso, 978 0 4.403 18. Como afrma Leszek Kolakowski, the Alienation f Reson: A History of Pasticst Taught, ta N.Guterman, Anchor Books, Garden ity. ¥¥, 1969, p59; do mesmo modo, Pickering, Auguate Cont, vol. 1,596 14. Observemse em especial of ensaio sobre os odisdlos peruanos em "Confito Inviive,” Obra Comet, vols pp.5-159, "Contrasts e Confienta,” pp. ssh e"Os Cauchetos pp. 235-2550 con ‘asio do enstio sobre oclima, Um Clima Calunizd"p.as3, A Sego "Um Paréneses eitante"na parte “0 Hoomen? de Or Sertes, Ova Completa, vo, pp. 6-168, tem um matin racist anda mai explicit. 1. Obra Completa wo. 119167 14. Guilhermino Césaz,“A Visao Prospectiva de Bucldes da Cunhoem Easier da Camba, confexéa- «ia pronunciad na Faculdade de Plosofa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (966),pp.36-37 (com refeéncin atodescrgio potica de Euclides em Obra Completa vol 15.656) EUCLIDES DA CUNHA: UMA ODISSEIA Nos TRPICOS #19 Se, coma deve-se fiver, comparatmos as ideias de Euclides sobre as chamadas “ub-ragas" brasileira com as qualficagbes europeias contemporineas de nacionalida- e, teremos uma visio bastante difeeate de seu pretenso racismo, A questfo com que se deparava Euclides era a seguinte: se a unidade de raga foi estabelecida na Europa “civlizada” pela singularidade de uma Ginica raga osiginl (de preferénc a ariana),ou entio por alguma caracteristica equivalente como infegridade de sangue, como podem assim sociedades multirraiais, como a do Brasil aleangar uma unidade ea nacionali- dade que a ranscenude? Essa 6 uma daquelas questes que, como dizem os franceses, so mal colocadas. Entretanto eja qual for a questio, devemos admitie com Euclides que os brasilciros “no tém unidade de rape fe] talvex nunca a terfo” de fato, a0 menos 20 longo do litoral brasileiro; porque, nio sendo assim, teriamos que fazer como ele faz, ou se, clevar uma rasa mestiga no interior do pats 3 preeminénci racial e ansiar que na raga mais antiga do sertio exteja 0 nicleo do Brasil como nago™. Dai sua lovficagio da mistura entre o indio €o portugués (0 mameluca) ea cotrespondente rejeisio daguela entre o negro ¢ 0 portugués (0 mulato), Mas essas respostas unilate- rais nunca bastariam para alguns de seus colegas; com efeito, logo que Os Serfes foi publicado, um critico apressou-se a apontar 2 ambivaléncia do autor na questo da raga entre a pretensa falta de unidade racial dos brasileios e “a rocha viva da nossa raga’ nos sertbes, aquela mesma rocha que os soldados republicanos em Canudos te- iam explodido com cargas de dinamite se pudessem'*. Até onde se sabe,o nico eseritor europeu racista que Euclides seguiu abertamente foi o austriaco Ludwig Gumplowica,cuja obra Rasenkamp foi traduzida para o fran- 8s € lida pelo nosso biografado”, ¢ que desenvolveu a tese no muito nova de que a Ita racial entre 0s forts 0s fracos era a fora morriz da histéria mundial Por alguma. ratio, Euclides, como confessou a Coelho Neto™, agradou-se desse “Gumplowicz terrivelmente sorumbstico” que satisfez profundamente seu pessimism sobre o futuro ddo Brasil. Ne parce “O Home de Or Sertés, onde Euctides apresenta Gumplowice 20 leitor na segdo “Uma Raga Forte’ ele mostra também como um elemento étnico vigoroso pode destruir um mais fraco como o mestgo, nfo apenas pela forsa bruta, » como a comunidacde mestiga de Canudos foi destruida, mas sim, de modo mais efcaz, pelo influxo pacifico de uma civilizas superior que pode suprimi-lo”. Numa era de imigragio multitudiniria e de importagio de equipamento tecnoligico e produtos de luxo da Inglaterra e de outros paises da Europa, Euclides, como Graga Aranha, 1 Repito aqui parte de meu artigo "Historical Source and Biographical Context Arserian Sais, 3, pp. 083-684, 1996 ‘8, Obra Complete, v0.14, 9-479 19-0 liv de Gumplowice fos publicado er x waduaid pars o francs por C. Base em 1893 20. les Compe, wp. 648 2. Hem, 988 ermal of Latin 20 Hh PREDeRIC aMORY preocupava-se com a integridade nacional do pats, Provacade pelo crescimento do comércio internacional ¢ pelis ondas de imigrantes vindos da Europa, que desagra daram a seu nativismo”, cle sutilizou a erua teoria da forga nua de Gumplowiez de modo a realgar a ameaga maior, na sua opiniio, da miscigenagio dos imigrantes com >. is INEUISES da civlizagio europeia ao Brasil, ou em busca de. matérias-primas ou para a construgio de ferrovias. Depois que Os Sertés foi dado a pablo, Buclides sbandonou a tediosa profist0 de engemheito civil, bem como as esperanas de algum dia juntar-se ao corpo docente dda nova Escola Politécnica de Sao Paulo, cujo dretor ele haviainsuizdo impruden-<* temente com as duras crticas que fer a seu programa cientifico, Depois deste timo revés, aproximou-se do Ministério do Exterior, entio chefiado pelo Bario do Rio Branco, José Maria da Silva Paranhos, que procurava um homer dedicado para dirigic ‘uma comissio mista de brasileios e peruanos com o objetivo de explorar as cabeceiras do rio Purus em territério peruano e estabelecer o tragado final da fronteira entre 0 Peru e 0 Brasil desde a nascente desse afluente do Amazonas, Felizmente, Buclides saiu-se muito bem aa entrevista com © Bario em Petrépolis, embora tenhha sido este quem mais falou, e 0 timido candidato ganhou o posto em razio, em grande parte, dos méritos de seus ensaios. No entanco, Buclides nfo era um homes talhado para suportar os attasos da che- sda do equipamento da comissio em Manaus e 0s rigores de uma viagem pelo rio e, durante o ano que pastou nessa exploragio, perdeu a saide tanto fisica quanto men- ral, Além disso, tinha pouquissimno conhecimento de navegagio a barco pelo Purus «quando o rio estava na estagio morta, ¢ assim sofreu alguns graves percalgos. Em sua maioria, os peruanos conheciaet meihor que ele o rio ¢ sabiam manejar muito bem seu barco ¢ eanoas, Ainda assim, foi ele © sua reduzida tripulagao que, no final, chegaram primeizo ao trecho superior do Purus. Viram entio que, por mio existir qualquer rio peruano que despejasse suas dguas no Purus,este podia ser reclamado totalmente pelo Brasil, de acordo com lei internacional da virada do século xx. Suas palavras de triunfo neste feito merecem mengio: (Os nossos olhos deslumbrados abrangiam, de um lance tts dos maiores vales da Tears © naquela dilatasio maravithosa dos horizontes,bunkados no fulgor de uma tarde incomparivel, © gue eu principaimente distingu, irompendo de tés quadrants dilatados € trancando-os inteiramente ao su, a0 nore a leste~ foi a imagem arrebatadora da nossa Pitia que nunca imagine! tao grande”. 22, CE. atig "Nativiens Proviso", Ora Completa vl. 1, Pp. 87-90. 18 Oirs Compla vl. s08, Deve-scorrigi a palaves"wanscand’ do texto orginal paratrancan- oT, como aparece na segunda edi du Obra Completa (993), 0-195 EUCLIMES DA CUNWA: UMA ODISSEIA Nos TROPICOS 3 2 A siibita ampliagao da imagem de seu pats nas cabeceiras do Parus na Peru tema- tou usm caso de amor desesperado com a Natureza tropical do Brasil, pela qual, como declaeou, estava ‘perdidamente apaixonado”, e sobre a qual, en seu cérebro doentio, pairava o fantasma equivoco de sua falecida mie na forma da “culher de branco” que, na rdua viagem rio acima, havia povoado suas noites com tristeza, medo ¢ desejo. Nio exagero dizer que o estreito ambiente rural de sua infincia solitiria passada perto do angico da Fazenda Sto Joaguitn, de onde fazia arengas 20 gado, alargou-se como ondas nurs lago para finalmente engolfar no abrago de sua paixao todo o Brasil do Centro, do Nordeste e do Norte. E como acabou enlanguescendo no Rio moder: nizado, depois de ficar isolado dos “desertos” da Natureza brasileira! Mas a visio que teve do Brasil estando em territério peruano foi o climax de suas experiéncias no rio Purus,e dessas alturas tudo comesou aie rio abaixo por esse Leto tortuoso, com uma pansa de curta estada em Manaus, ¢ depois para casa, de barco a vapor até o Rio, que vivia nas vascas dat modernidade. Pensara em escrever um livro sobre o Amazonas e seu afluente meridional, o Purus, 20 qual daria o titulo de Paratse Perdida,além de outros projetos literirios, mas nada realizou desses planos, salvo al- {guns magaificos artigos sobre os rios Amazonas e Purus. De volta 20 Rio de Janeiso, tomara-se 0 ajudante indispensivel do Baro do Rio Branco, que em seguida encar- regou Euclides da elaboragio de mapas da Bacia Amazénica e de diversas regides por onde penetravain os bolivianos eos peruanos; pedira-The também que escsevesse aseca monografia Peru versus Bolfvia,na qual o autor procurava decidir historicamente uma disputa extraterritorial entre 0s vizinhos do oeste do Brasil em favor da Bolivia. (Seus argumentos foram ignorados pela comissio de sebitramento argentina, que atribuiu & ceada uma das nagdes a metade do territ6tio em litigio.) Assim, suas obrigagdes oficiais com os mapas ¢ a monografia afistaram salvo de alguns ensaios ocasionais. Emre 0 Barto e sua esposa infel, naturalmente pre- feria a companhia do primeiro e de seus amigos leais no Rio, “Nao cuidam de mim’, queixava-se ele de sua vida doméstica desordenada pela familia. restante da historia seré contada ua presente biografia. Aqui eu quis apenas Buclides da Cunha que encontramos; porque até agora he a atengo de seus escritos mais pessoais, resumir num s6 08 muitos apresentei ao leitor 0 Euclides engenhieiro civil e pretenso gedlogo, o Euclidesestilista de Kunsiprosa, 0 Buclides positivista na juventude ¢ evolucionista na vida madura, 0 Euclides repérter de jornal e historiador da Guerra de Canudos, e o Euclides explo rador do rio Purus. Sao essas as personae que a maioria dos leitores melhor conhecem. ‘Mesma assim, existe ainda outro que niio ¢ tio aparente, Refiro-me a esse Euclides autor de intimeros ensaios republicados em seu segundo livre, Contrasts ¢ Confrontes, 24. Em conversa com Coelho Neto como este confirnou em Lier de Prt, Sto Paslo 18, p24. a2 9 PREDERIC AMORY ‘em particular aquele sobre o Kaiser Guilherme 11 e as colénias alemas do Sul do Bra- _SE*; outro também sobve a “missio” imperial da Ruissia ao extremo Leste do pais"; finalmente, um outro sobre a expedisio semimilitar britanica ao Tibete™”. Em cada um desses textos, escritor deve ter tido uma grande fortaleza mental para enfrentar a pouca familiaridade com um dado assunto estrangeiro ou um personagem hist6rico, tnunca vacilando ém seu papel jornalistico de comentarista internacional ~ outra perc aa sua, No que se refere aos Estados Unidos, em disso, suas observagdes een Contras ‘es ¢ Confronto#® sobre a América do Norte no inicio do séeulo xx e sobre Theodore Roosevelt a nés parecem perfeitamente racionais, embora talvez no compartilhemos de sua admiragao por Teddy Roosevelt, que, nas palavras desse mesmo presidente, “hits te line bard’ como um “verdadeira” americano. Quio impossivel &, entio, que um hhomem tio multifirio quanto Buclides pudesse aigum dia terse encetrado na “visio do litoral”, como chamou o brazilianist Robert Levine™ a estreita perspectiva das po- ppulagGes comuns do litoral, os carioeas, que conheciam apenas as praias arenosas do Brasil e a velba cidade praiana do Rio de Janciro, hora de relembrar com gratidio dos nomes daqueles, vivos ou mortos, que me ajudaram nas pesquisas feitas no Brasil sobre a vida ¢ a obra de Euclides, a partir da ddécada de 1970. Entre os vivos devo citar Rosaura Escobar, « filha mais nova de Fran- cisco Escobar, que me introduziu no mundo dos euclidianos € me presenteou com viirios livros valiosos e documentos pessonts refativos a seu pai e a0 proprio Euclides, José Bicalho Tostes, que foi casado com uma neta de Euclides; na geragio mais nova, os professores José Carlos Barteto de Santana, que se especializou na formacio ‘entifica de Euclides, e Leopoldo M, Bernucci editor de wen texto cotaleence ano tado de Os Serties. Dos que ja se foram, o principal ¢ Olimpio de Sousa Andrade, autor de uma das melhores biografias de Euclides, que conta a vida do autor até a publicapao da pri- meira edigio de Os Serts, biografia que a morte de seu autor deixou inacabada; 0 professor César Guithermino, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, um 25. Ona Completa vol spp. 0-3 © 14-8 2 Idem, pp 14-14. 1 Ide, pp. sagt, 28, Ide, pp. 169 _guias observagies morlazes sobre a opin 10 Ideal American’ cf. pp 66-169, "Selidariedade Sul-Americana’, com al~ dos norte-amercanos a tepeito das “ser repli” da Anica Latins, 29. Acapresio vem da spuinte frase de Roosevelt "In doing your workin the great world its ste plan 10 fillowa rule Ponce bean? on the Fas Feld: Donk isch, dat il ie ine Bar” A frase Signiicao esiritoinexoravelmenteperseverane epostvamente combativo do americana, s0.Em Fale of Pars ea. ee RUCLIDES DA CONHA: UMA ODISSEIA Nos TROPICOS #25 hhomem de letras no sentido mais amplo da palavra; o dr. Oswaldo Galott, natural de Sio José do Rio Pardo e um renomado euclidiano; Adelino Brandio, advogado e autor de iniimeros artigos ¢ vitios livros sobre Euclides; e, mais recentemente, 0 professor Roberto Ventura, da Universidade de So Paulo, morto lamentavelmente tio jovem postumamente por amigos deixando inacabada uma biografia de Euclides, publica brasileiros do autor Conchuindo, quero agradecer & minha querida esposa sora do Departamento de Alemao da University of C: durante os cinco anos (2001-2006) em que escrevi a maior parte desta biografia e ain- da me recuperando de grave doenca; ela e nosso amigo, Leopoldo Bernueci, fizeram tudo o que podiam, milhares de pequenas tarefas, para tornar mais ficeis a escrita e as referéncias fora da biografia. Agradecimentos especiais devo igualmente a Jordina Elaine C. Tennant, profes fornia, Berkeley, seu apoio Guitart, especialista em linguas romanicas tradutora na ONU, por ter sedigitado e formatado o manuserito de meu ivro; por fim, estou endividado a Geraldo Gerson de Souza pela bela e exata traduo que fer do meu texto. 24% PuuDERIC AstonY Toe me HEF OERA a PRE 2 UCLIDES RODRIGUES PIMENTA DA CUNHA, autor de um dos maiores l= E- jamais escritos nas Américas mas,‘ronicamente, pouco apreciado fora do Brasil, nasceu em 20 de janeiro de 1866, a fazenda dos avs, chamada Saudade, em Santa Rita do RIS Negro distrito do municipio de Cantagalo, no nor- deste do Estado ~ entio provincia ~ do Rio de Janciro, O local de seu nascimento era uum povoado do vale do Baixo Paraiba, banhado pelo rio de mesmo nome que corre na diregio leste por todo o interior do Estado. Segundo nos informa Aires do Casal no inicio do século x1x7, alguns lugares do municipio de Cantagalo, na data em que foi algado a municipio (18:4), ainda eram habitados por remanescentes dos indios coroados, depois desta data ‘poucos em mimero, pusilinimes, ¢ aliados com [seus] conquistadores”, ou seja, os descendentes dos mineiros vindos do porto do Rio, em busca de ouro em Cantagalo, nos meados do século xvi. Em estado selvagem, os indios da localidade, os coroados ¢ seus inimigos naturais, os agressivos putis, inicial- mente haviam oposto feror resistencia &tentativa de colonizagao dos homens brancos, 1.A aceitagio de Os Serés pelos Ieitoresestangeiros fi pequena antes e depois da onda detadusoes dese livro no final da Segunda Guerra Mundial. Vents, por explo, os raros estos de norte-ame~ ‘Montero Fanos ingles, tchecosealemes sabre olvo sew autor, que vém relacionados em Reis, Biblograi de Eade dt Cana Rio de Jao, 171, sob os mimes 118, 184, 186-189, a7s8: Um recente ebutoprestado a Os Svs no exterior, as a publiago de ua tadusio em espanol es € romance do ecritor peruano Mario Vargas Ll La Gun dal Fin del Mundo (Barina, 198i ua versio feconaizada de seu tema a "guerra ntte.a governo repubicano do Brasil eum der religion, Antonio Conselhio,e seus segsidores nos sertes da Bahia, Sobre a intertextalidade de Os Serie La Guera cf Leopoldo M. Berauzi, iors de a Malestendide (un Extudia Ttetualde La m | Mund de Marigot) New York, eter Lang 2980. R Marner Wascrman, “Maro Vargas Llosa, Eulies da Cunha andthe Strstegy of Inereataliy", Pu, 083), pp bona, May, 1993, Ane sgor, oa tao espanhola de Or Screéaraquela que aleangou maior eeptviiade. CE.a {udiciosa conelusio do eniio de Gilbert Fee, "Eocides ds Cana, Revelaor da Reldade Brailes, ‘Gh IPE co inuodugio de Obra Completa de Bucldes d5 Cink, eA. Cutis wo. 1p. 2, Manuel Aires do Casal, C sa Brac (St, reimpe Sao Paul, 1945) ol Msp 4. ies 08 cariocas, como eram chamados na lingua tupi, No entanto, os colonos brancos acabaram por conquistar 0s voroados e, em alianga com estes, venceram os puis; dai por diante, nio foram mais perturbados em seu trabalho de batear ouro e escavar, por ‘meio século, os mortos de Cantagalo a procura do precioso met 6 veios auriferos até que exauriram a terra, onde, no comeso do século 1x, vivia na saquearam todos ‘miséria uma popullasao mista de indios, mamelucos, brasiliros portugueses € escravos negros. Na segunda década desse século, porém, a terra cabriu-se de cafezais, eo café, cuja produgio tripticou no Vale do Parafba da década de 1830 & de 1860°, tomou os antigos assentamentos mineiros do interior da provincia do Rio muito mais ricos do que tinham conseguide com 0 ouo. Euclides da Cunba nasceu e foi criado numa época de grande prosperidade para sua familia; no entanto, teve a inflincia seriamente perturbada por tragédias familia- res. A mie, Eudé ‘una, filha de pequeno cafcicultor de Cantagalo, ‘morreu ainda jovem de tuberculose, deixando o filho Euclides com trés anos de idade a filha Adélia com apenas doze meses. As duas criangas foram entregues aos cuida- dos da tia materna, Resinda de Gouveia, que as levou para avila serrana de Teres6 ia Moreira da polis, um belo lugar ao sul de Cantagalo; no entanto, Dona Rosinda também veio « falecer menos de um ano depois e, desse modo, em 187, a outra irma Moreira, Laura Garcez, assumiu os cuidados dos dois érfios ao lado de seus dois filhos (um destes adotado), na grande Fazenda Sio Joaquim em Sio Fidelis vila situada um pouco acima e a leste de Cantagalo, A morte da mie perturbou para sempre as lembrangas ‘que Euctides guardava dela. Ja no funeral, para espanto das pessoas mais velhas da familia, chorou copiosamente junto ao caixio: vva que iriam levi-la para ser enterrada viva‘, Mais tarde, por volta de seus trinta anos de vida, uma pés-imagem da mae como a “dama de branco” influenciowthe a visio. Seu distirbio psiquico, mesmo quando niio estava “ m sua dor e insompreensio, imagina- sndo coisas,” tornou-o um ho- ‘mem excepcionalmente supersticioso, ainda mais s¢ levarmos em conta que gostavt de ser considerado, profissionalmente, um homem de ciéncia, 0 que na verdade era, se nio por atureza, pelo menos por ser formado em engenharia e ter ecebido uma boa educagdo geral. Amigos e conhecidos proximos dignos de confianga dizem que Euclides tinha medo de fantasmas, principalmente da fantasmagerica figura materna que Ihe apareceu num meio-dia, quando ia para o trabalho em Sio José do Rio Pardo (Sto Paulo), onde reconstruia uma ponte, ¢ outra vez em Manaus, em seu retorno da 3. Alguns dados sobre a produto sparecem em Syhsio Rabello, Fue da Cunha 2.ed, Rio de Jane 11966, p10, Tadavia, com a exaustio do slo, produgioeafeira da vale do Paracas verticalmente 1a década de 180; cf Emilia Vor da Cost, Da Sozal 2 Colona, Sao Pl, 1966, p22, 4 Historie latads em Eloy Pontes, Vida Dramatic de Eudes da Conha, Rio de Janeiro, 938, ps 26% FREDERIC AMORY Budéia Morera da Cunha, mae de Buches da Cunha. nucLIDES DA CUNWA: UMA ODISSEIA Nos TROPICOS ¥¢ 27 expedisio de reconhecimento 20 alto Amazonas’. Além desses sintomas neuréticos de-um trauma de iafincia, desenvolveu na escola militar uma moléstia pulmonar com complicagbes tuberculosas, que o deixou virias vezes acamado no periodo de 1887 4 "899, mas que nao The foi fatal, como fora no caso da mae. te", dizia um colega nos meados da década de 1890, “alvez wm ‘doente imaginsrio’ mas de fato doente™ pai de Euctides, Manuel Rodrigues Pimenta da Cunha, que sobreviveu & esposa © 20 filho,¢ origindrio de familia luso-brasileira de comerciantes de escravos de Salva~ ddox, Bahia. O avd paterno da familia Cunha, o velho Manuel Rodrigues, era um por- Sle eca um homem doen- ‘tugués dono de um navio negreiro, o “Pestana”, que na primeira metade do século x1x realizou feequentes ¢ infimes viagens entre as costas da Africa Ocidental ¢ os portos de Salvador ¢ Rio de Janciro, Sua esposa, Tera Maria de Je baiana com quem, dziam,o neto Buclide® se parecia no fisio e no temperamento. Esse easal luso-brasileiro tinha uma boa situagao financeira,o suficiente para realizar constantes viagens de lazer a Portugal, até que, numa dessas jornadas 20 pais natal, ‘maride morreu inesperadamente. Dona Teresa logo contrait novas nipeias —com um baiano, Joaquim Pereira Barreto ~ mas os dois filhos mais velhos do primeiro casa~ mento, Manuel e Antonio, nao se entenderam muito bem com o padrasto e acaberam era uma fazendeisa deixando a casa, por volta de 1660, para tentar a sorte na entio florescente provincia do Rio de Janeiro. O comércio de escravos com a Africa Ocidental fora abolido a partic de 1850 por proibigdo da Inglaterra, secundada por leis brasleias, mas isso no interrompeu o planitio Ge café na provificia do Rio, realizado agora por excravos que antes eram empregados nas minas de ouro de Cantagalo, Manuel empregou-se como guarda-livtos e perito contador da nova riqueza agricola no vale do baixo Paraiba, enquanto o irmao Antoni dade financeira da Corte, tal como o Rio era conhecido na época. Nas suas andangas dle fzenda em fazenda na regido cafeicultora de Cantagalo, como auditor financeiro, Manuel acabou encontrando a filha de Joaquim Alves Moreira, Dona Eud6xia, com quem veio a casar-se. No dote que a jovern trouxera pare o casamento vinha incluida {oi trabalhar como amanuense numa empresa da comuni~ ‘uma pequena fazenda em Santa Rita do Rio Negro. Sem divida, o jovem guarda «Sobre sua grande supestigio co suds da funa,"A Faria de Euclydes:Testemunbos", Dom Garmarr, 105.1, sai de 194, € Olimpio de Sousa Andeade, Hissr eIntopretag de “Os Sorta’, 2, $30 Paul, 1966, pp. 25-224 6 Disse-o Teodoro Surapai em x99, rtm dscursoproferido no Testisuto Geogrifico ¢ Histrica da Bahis,"A Memoria de Buslides da Canta no Decimo Aniversisio de ua Morte, Reva do Institute Gengraphio « Hise da Baba, n. 4,108 9.254, Sobre a constant hemoptine de Euckides, cf. Sousa Andrade opt, p77, Dilermazdo de Asis, Traétia da Piadae, Rio de Janie, 19$2 99.1521 ecarta indita da espose de Eucides, Ana Ribeiro da Cunha (4 de fevereiro de 99, cleo Familia Escobar) “Euclyes tem estido bem docat, teve uma congestio pulmonar pond mito singe pela boca, Durante noite elle passa bem, forém fica muito nervoso" 28 PREDERIC AMORY Manuel Rodrigues Pimenta da Cunha, pat de Eucides da Cunha, EUCLIDES DA CUNHA: UMA ODISSEIA Nos TROPICOS 4 29, -livros baiano nao tinha intengio de ficar para sempre contando o dinheiro dos outros a, que dispersou sua familia, alterou qualquer intuito que pudesse ter tido de tornar-se, como 0 sogro, um cafeicul- tor em Santa Rita. Durante a doenga final de Dona Eudéxia, quando ela ja no podia ppermanecer em casa ¢ 0 casal ¢ os filhos tinham de ficar com as irmas dela, Manuel no vale do baixo Paraiba, mas a morte prematura da espé vendeu a fazenda de Santa Rita’. Seu relacionamento com os filhos apés a morte da esposa tornou-se cada vez. mais esporidico, E verdade que sempre manteve contato com eles enguanto se mudavam de uma tia materna para a outra, mas, segundo parece, nunca viveram sob 0 mesmo teto enquanto os filhos eram menores. Em Sio Fidélis, Dona Laura ¢ 0 marido, coro- nel Magalhaes Garcez, administraram uma grande fazenda, onde Euclides e sua iema foram criados 20 lado dos primos, No verio,a familia se mudava para a casa da cidade, onde o coronel, que chefiava uma facyio local do abolicionista Partido Liberal, fazia fanuel, que prestava servigos de guarda-livros para trés firmas seus contatos politicos da cidade, limitava-se a vistar os filhos na residéncia dos Garcez. Quando, em 1874, Eulides iniciou os estudos priméios com os dois primos em Sio Fidélis, é possivel que © pai tena visto com mais frequéncia, mas trés anos depois a familia Cunha voltou a dispersar-se. Manuel, convencido pelo isméo, assumiu um cargo lucrativo rum banco da Corte; Euclides, por desejo da avé parerna, foi mandado a Salvador por arn ano (177-1878) para estudar€ Adeliapermanecee com dona Laura em Sio Joa- a desse ino o poem ora perdido, escrito por Euclides com o signiticativo titulo de “O Orfto™ Em 18/8 ou 1879, Buclides acompanhou o pai a cidade do Rio de Janeiro para frequentar outras escolas e, como sempre, ficou alojado com parentes, dessa vez.com o tio paterno Ant6nio e sua esposa Carolina da Cunha, Somente depois ‘que Manuel conseguiu poupar com seu trabalho no banco e na contadoria dinheiro suficiente para comprar, por volta de 1890, uma fazenda de café, Tsindade, em Belém do Descalvado, a cerca de duzentos quilometros ao norte da capital de Sio Paulo, é que ele sua familia tiveram um lar proprio. Satisfeita sua ambigao na vida, Manuel passou o resto dos dias curtindo sua viuvez em Trindade, As constantes remogées do jovem Euclides de lar adotivo para lar adotivo ¢ de ‘escola para escola na provinciana Rio de Janeiro e em Salvador (Bahia) estabeleceu 0 padrio do chamado “nomadismo” de sua vida profissional 1m contraste com a cstabilidade da vida do pai. Apos mais de um ano de viager nhecimento ao alto Amazonas, seu pai tardiamente admoestou-o por earta (13 de de- ia expedicao de reco- ‘zembro de 1906) sobre sua presteza em viajar para qualquer lugar do interior do Brasil, 7, Sousa Andeade (pct poopriedade de seve avis cet local de nascimento, a0 sitio de seus pais em i ) £0 Unico dos bidgrafos de Bucides que junta a fazenda Saudade, a Riss "ato partcalarizado em A Fain de Euclyes", Dom Cas jo PREDERIC AMORY sama missio qualquer, sem se preocupar com o sustento ¢ 0 cuidado da esposa ¢ dos =. ou do velho pai”. Nao obstante, este mesmo vivera longe dos filhos ganhando seu sustento como guarda-livros, também mostrara desejo de que o fio se formasse em engenharia militar na Escola da Praia Vermetha. No que diz respeito as auséncias > las, apesar desta falsa impressio de contraste entre pai efilho, os dois eiveram algo em comum na juventude: escrever poesia, Manuel, que tinha sensibilidade literéria € ‘boa cabeca para ntimeros, compusera uma comovedora elegia pela morte de Castro Alves (871), popular “poeta dos escravos” e o incensado “poeta condoreito,” cuja fmagem na elegia € a de uma guia que voa nas alturas” ‘Agi um da trja i da ara, Vi o mundo straws da névon ecu Da negra cena, Valsjou, or instante, sobre ter, SoprouTheo vendaal, que a morte ener, Perdeu-se no buleo! ‘A clegia de Manuel, com esses bons versos oi lembrada pelo ilho, como tum poe- a ocasional digno de citagio em seu discurso de recepgo na Academia Brasileira de Letras, para a qual fora escolhido pouco tempo antes" A correspondéncia entre pai e filho no auge da carreira de Euclides raramente toca no passado, com se estivesse esquecido ou continuasse doloroso, mas, nas cartas ‘0s amigos € conhecidos do periodo de 1903 a 1904, 0 escritor rememora certas cenas da infancia no Rio provinciano que assinalam seu desenvalvienento emocional. Numa ‘que esereveu em 22 de margo de 1903, dé gragas por ter tido a oportunidade de viver nos arredores salutares de seu primeiro lar adotivo, naquela “alpestce Teres6polis, onde passei os mais verdes anos [1869-1870] € me criei, de sorte que a adorivel vila forma © censrio mais longinquo das minhas recordagdes e das minhas saudades. E natural aque dat s6 me venham emogdes superiores..""2, Um ano depois (14 de fevereiro de 1904), confidenciou, de maneira mais critica a Machado de Assis « impressio de in- facia que tivera da cidadezinha de Nova Friburgo, povoada por muitos imigrantes suigos alemies, um centro comercial a meio caminho entre Camtagalo e Teres6polis que, durante uma excursio com o pai, ele ¢ a irma tinham visitado, "Mesmo dessa 9.0 text dessa cary aparece em Dilermando de Assis, pp. 11920. 19, Composto em 1874 «publica, no ano seginte no Aman Lat Brsilireimpresso em Por- tugal,« poems inteito aparece em “A Familia de Buclydes", Dom Carmora i 1 CE 0 por-eseito 2 caren que enceven 20 pai (42 de setembro de 1903) em Obrs Compa, ol. 1, p63 "2 dem, 9637 RUCLIDES DA CONHA: UMA ODISSEIA Nos TROPICOS J 32 encantadora Nova Friburgo tenho uma impressio exagerada. Foi a primeira cidade que eu vis € conservo-the neste rever na idade viil, uma impressto de exianga, a ima- gem desmesurada de uma quase Babilénia...”?, Um bicho do mato, ele tirarf seu personagem, como confessa em outra carta (em data) do mesmo ano, dos pequenos fazendeiros ¢ agricultores “brancos pobres” das provincias. “Além disto fui sempre um timido; nunca perdi esse trago de filho da roga que me desequilibra intimamente ao tratar com quem quer que seja"™, Numa dedicat6ria em versos (1903) assinou com am oreio como “Este caboclo, este jagungo manso,/ Misto de celta, de tapaia e grego"™, ‘mas o ar interiorano de mal-estar social nfo era totalmente uma afetaglo literdsia de ‘um autor nacional Nio temos, em suas cartas, qualquer mengZo a seu segundo lar adotivo en Fidélis. Contam, porém, que seu maior prazer em Sio Joaquim era contemplar um io de quatro montanhas, o Valio dos Milagres, que se podia svistar melhor do alto de um angico, em frente da “casa grande” da fizenda. Quando 0 vale grandioso na conjun © gado era artebanhado nos campos a tarde e trazido para os curras, Euclides, ien~ pregnado das maravilhas do vale, costumava discursar aos bois do alto de seu poleiro, gritando-thes “discursos fogosos, apelos, exortagées, em que se imiscufam histérias que as mucamas narravam"™®, Como em sua excitagio havie 0 perigo de que cle viesse acai, um eseravo negro acabou pondo fim a essis performances serrando o velho an- ico, Estas e outras declaragées, que haveriam de ocorser na sua vida, nfo so menos indicativas de seu amor & natureza ¢ sua solidao sem palavras. © campo que Euclides conhecia, desse modo, na idadle mais impressionavel, em toda a sua beleza nas redon- dezas de Sto Fidelis ¢ Teresopolis, jf era para ele a patria, gracas & forte influéncia que cxerceu sobre sua imaginagio”. 18, Obra Complete vol. mp. at 14 Idem, p 640. 1s. "Dediatéria Licio de Mendongs", Ofra Completa ol 1, p. 636. Dos versos dessa dedicate ‘io se devia trae a conclusio de que o autor estavasugecndo alguma mistura 4° iadioe pormagués nos ascendentes de familia, como 8 aicendéneia inetga de sua avs patern, que pode ter sido pare indi. 1s, Pontes, 18 17. CE Gilberto Feyre, Perfil de Bucs ¢ Otros Pes (Rio de Janeixo, 1944, p ag." impostvel separar Bulides desea paisagem-mfe materna que ve deia interpsetar po ele {quanto de seu narisismo, como por ingém mais” sto através de seu amor ARAPMORAR ARTS & med ee uf 2 Uma Espada Langada ao Solo "MA FOTOGRAFIA! NO ALBUM DA FAMILIA cuNHA mostra Euclides com I ] ddez anos de idade e foi tirada provavelmente por um fotdgrafo profissional no iltimo ano em que o rapazinho frequentou a escola de Sio Fidelis. Vesti- o.com bastante formalidade, inzongruéncia,como “um cavalheiro e um intelectual”, aparece de pé junto a uma escrivaninha empunhando com s mae direita o dorso de um livro, mantido contra o tampo desse mével. A sobrecasaca, abotoada contra o peito, desaparece de ambos os lados, como se quisesse mostrar por voltas de uma corrente de relégio feita de ouro, presa a um botio do colete por um grande pendente também de ouro. As calgas, compridas demais, juntam-se embaixo caindo em dobras sobre os sapatos. A ponta de um lengo branco ressalta do bolso su- gravata-borboleta cabelo molhado, escovado para baixo, € partido exatamente ao meio, O menino que jixo um colete e duas perior esquerdo; em torno do pescogo um colasinho de bico e un falava com tanta excitagiio aos animais do Va 10 dos Milagres esta irreconhecivel nessa foto, salvo pela angistia visfvel nos olhos. Nao é incomum, no Brasil do século x1x, vestiras criangas com exagero num costume inglés ou francés*. O livro na mao direita de Buches jé antecipa, simbolicamente, o convivio com os livros ¢ os beneficios da ‘curopeizagao na sua vids intelectual. Mas nio foi s6 0 vestuirio da crianga [brasileira]: a educagao toda teeuropeizou-se 20 contato maior da col6nia e, mais tarde, do Império [do Brasil], com as ideias € as modas inglesas e francesas, E aqui se observa um contraste: o contato com as modas inglesas ¢ francesas operou, principalmente, no sentido de nos artifcializar a vida, de aos abafir 0s sentidos ¢ de nos tirar dos olhos o gosto das coisas puras e naturais; mas © contato com as 1. Reprodusida com muita Frequéncia, como em Dor Caxmuara, 20 2. Sobre as roupas das eriangasbrsileirae na pc do Impéio, cf Gilberto Fret 6, ea Rio de Janeito 198, vol 1, pp. 88 € 35, 5.Ver adiante p34 Subrdore Musam= wuw 34 of PReDeRIC AMORY ‘Euclides da Cunha quando cianga ides ede face 4 aC Sao eqn favo Jame ma pode ai ‘owes ace aia Pat = Com dei Reni deses Ay col ent am emer a — {deias [europeias), ao contro, nos tcouxe, em muitas pontos, nogies mais exatas do mundo «da propria natureza tropical. Uma espontaneidade que a educasio portuguesa e clerical fizera secar no brasileio! Accuropeizacio da cultura superior luso-brasileira propagou-se para o interior indo da Corte para as cidades cafeeiras da provincia do Rio, agora enriquecidas. Entre elas, Siio Fidéls hacia superado, na metade do século xvi, todas as outras na produgo © exportagio de café, uma preeminéncia econdmica que Ihe foi conferida pela localizagio favorivel 3 beira da parte navegsvel do Baixo Paratba, que transportava para o Rio de Janeiro a maior parte do café produzido na reg io leste da provincia, ou para consimo na cidade, ou para reembarque para o exterior“. Em tetmos culturais, a cidadesinha podia orgulhar-se de seu teatro ~ onde se podia assstir& representagio de algumas ppecas por companhias portuguesas em visita -, de duas orquestras ¢ de trés jornais bissemanais, que, ao lado das noticias dfrias, publicavam pegas beletristicas da autoria de cidadios com veleidades literitias. Na cidade, o Club dos Aventureitos possuia uma biblioteca cujas prateleiras exibiam obras francesas ¢ ingleses,além das portuguesas’ Para esse refigio havia imigrado, em exilio politico, vindo da itha da Madeira, um por- tugues liberal, bem-educado, Francisco José Caldeira da Silva, que instalow na Casa Gamboa uma escola particular ~ 0 Colegio Caldeira ~ destinada aos filhos de fizen- deiros ¢ comerciantes, onde ele e seu corpo docente ensinavam Gramitica Portuguesa, Retéricae rudimentos de Latim, Francés ¢ Inglés. Poi no Colégio Caldeira que Eucli- des e seus dois primos aprenderam as primeiras letras em diversas kinguas A pose € os trajes de Buclides vistos na fotografia simbolizam as aspiragbes soci culturais que a familia alimentava para ele, mas nem por isso dev se inferir gratui- tamente que tum menino de de7 anos, talentoso como era, tivesse tido acesso imediato aos recursos intelectuais de Sio Fidélis. Afirmagoes segundo as quais ele, ainda estu- dante da escola prim: nha conhecido os hersis da Revolugdo Francesa a0 ouvir as discuss6es politcas do tio, coronel Garcez,¢ de seu mestre-escola, ot tinha lido real- mente Voltaire, Rousseau, Montesquieu, L. tine, Hugo, e de Musset na biblioteca ddo Clube da cidade ~ essas afirmagdes no passam de clogios vios*. Euclides ainda ‘no estaria preparado, escolasticamente, para ler ou entender a histdria da Revolugio Francesa ¢ a literatura romantica. 3. Freyte, Sbrados¢ Macomber volt pp. 31-36. 4. Sobee a prosperiade ea cultura de Sao Vids durance 2 infincia de aides, A, Ribeiro La rego, O Hamem ea Sera, Rio de Jancito, 1950, 9p. 207-208, ¢ Ely Post pp 20-2 5-0 acerv das biliotzcs pablcas do intsior da provincia da Rio, em #873, 6-4 consti, em sa maior parte de obras em portugues sobre agricaltura, hist étiea ees, Primitivo Moacyy dl natrapo a Provinias, Se Paulo, 1939, vol. 1, pp. 262-263 6. CEE, Pontes pp. 23-33,¢ Sousa Andrade, Mitra ntrpetata.. P19 €19 RUCLIDES DA CUNHA: UMA ODISSEIA NOs TROPICOS #35 | Apos ter-se formade 99 Colégio Caldcira, iniciou sua educagao secundria em Salvador ¢ na cidade do Rio de maneira irregular, porque a famifia mito se decidia sobre quais escolas ele deveria frequentar em seguida. Em Salvador, durante 0 ano escolar de 1877-1878, cursou o Colégio Bahia, dirigido por Carneiro Ribeiro, am pro- fessor secundiério de “gramitica filossfica” [= nocional?)’, e por seu assistemte, 0 c6- nego Lobo; depois, vigjou para o Rio de Janeiro, onde esvoagou sucessivamente pelo Colégio Anglo-Americano (ou Brasileiro), de José Pacifico da Fonseca, em #8793 em 1880-1882, por outros dois colégios, o Vitbrio da Costa e 0 Menezes Vieira, este mais famoso; ¢ finalmente, em 1883-1884, pelo popular Colégio Aquino, diigido por um virtuoso pedagago, Jodo Pedro de Aquino. Atualmente, essas escolas ¢ seus diretores rio passam de nomes para nbs, com excegao do Colégio Agjuina,que granjeou alguma fama no final do século x1X gragas a seus professores. O colega de escola de Euclides no Aquino, Escragnolle Déria, pintou sea disetor com as seguintes cores: “Educou gratuitamente alunos sem conta, Meigo até a Ligrima, puro e generoso, severo como 0s justos, grave sem ridicule, sempre todo de preto, com um charuto a fumegar entre conhecen a funda as pobrezas envergonhadas do Rio" O baixo prego da mensalidade € 0 alto nivel de ensino levavam estudantes como Buclides a essa escola, Em especial, dois professores do Aquino —o historiador Theo philo das Neves Lea formaram com suas aulas a mente do adolescente Euclides, is, de onde desprendia a mais sossegada das vores, 0 Dr.Jodo Pedto de Aquino € 0 matemitico Benjamin Constant Botelho de Magathaes ~ Na verdade, foi Neves Leto quetn iraprimiu nele a impostincia histérica de Danton (6 heesi dos positvistas brasleiros), de Marat, Robespierre e Saint-Just na Revolusie ‘Francesa, de tal mado que,em seu primeiro ano de escola, o menino foi instigado a es- crever um soneto sobre cada um deles?. As ligbes que aprenden sobxe a Revoluco Fran cosa seeip aplicadas,em seus artigos de jornal ¢ em Os Serts,rebelito de Cenudos de 1896 ~"A nossa Vendeia™®. Quanto ao professor de matemstica, Benjamin Constant,é ‘mais conhecido na histéria cultural e politica do Brasil como o propagandista do posi- tivismo francés, que ideciogicamente levay 0s militares a0 poder no governo provisério da Repablica (1889-1891), sob a bandeira positivista de Ordem e Progresso. 2. Sua espcialidade de aco com Primitivo Money, ol. 11, 0.57 &, Bxcragnolle Deri, "Buelydes da Cunha’ so volume memorial da autoris de witios autores, Por Protec Adora: In Memoriam de Bue de Cota, Rio de Jansine 933,940 Sobre ess série de vonetos, fa caret afirmagto de Francisco Vendacio Filho no efbogo bi fico reprodusido ma inteodusio de Obra Compe de Buclides da Cunha, vol tp 34 18.Cr. os doe artigos com exe tuo publcados no jonas © Bada de S. Plo 4 de marge 17 de ju Iho de 897, Or Sefer ed, Betts, pp, 318365 ~ como em Ora Complete, wl.12 pp ss-s8,ea5t€ respectiamente. A fonte francesa da anslogia entre Venda ¢ Canudos pode ter sido o romance de Victor Hugo, Quarre-cingt-tcize sobre o qual fA. Brandho,"Eclids eVictoe Hug, Emilia de reader Euclidian, tp. 543 198; Li M.Bernuce, “A Nossa Venda?” A Imitgtode Senter, pp. 25-8 36% pREDERIC Amony Euclies da Cunha aos doze anos. No entanto, nos dias de escola de Euclides, como nos informa Escragnolle Déria', “[nJaquele tempo nfo delineava repsiblicas, nem mudava o futuro, constrata poligonos, resolviaincdgnitasalgébricas” nas classes do Colégio Aquino. Na Escola Normal do Rio de Janeiro, para mulheres, Constant tinha até entio uma reputagio puramente académica por ter-se absorvido nas abstrusidades da matemétiea, a ponto de esquecer a capacidade e até mesmo a presenca de suas alunas. Na Escola Normal, nas palavras ia enchendo o quadro-negro de figuras, enquanto mur- de outro comentarista™, “el murava um incompreensivel monélogo”, a0 qual as mocinhas, conhecedoras de seu jeito, nfo davam a menor atengo, mas ocupavam a hora de aula com outras coisas, es" ‘tudando, copiando as ligdes, ou fazendo croché. A hora chegava ao fim, mas néo para 0 obrigada a ‘mestre Benjamin Constant, cuja diretora escolar porta da sala de aula chamar-the @ atengio trés ou quatro vezes por dia por estar excedendo o horitio, Essa qualidade de todo complacente do matemstico extasiado e do impassivel professor, ue sempre falava por cima das cabesas de seus alunos € nao tinha, como meste, ou: 14,*Buclyes da Cun, em Por roti Ader oP. 12,0 homem de lets Jot Medeiros e Albuquerque, aad Ur Lider Mititas", Bute da Cunbae Outres Bude, Rio de Janeto 196, p-1 Peregsino, "Benjamin Constant, 1128 opinides politicas a nip ser uma aversio pessoal a0 Imperador Dom Pedro 11 por nfo nomed-lo rapidamente para uma cadeira universiiria na Escola Milita, instruiu Euclides em matematica para os dificeis exames de ingresso na Escola Politéeniea e iniciou-o na filosofia de Auguste Comte, mas sem nunca té-lo convertido num posi- tivista confesso. Enquanto frequentava a escola secundéria na cidade do Rio, de 1879 a 1883, Ev clides, segundo um decreto ministerial de 1879, era obrigado a fazer testes de profi- cincia de seu rendimento escolar. Passou nos exames de Portugués (1879), Geografia, Francés, Retorica e Historia (1880), Inglés e Aritmética (1881) e Geometria (1882), mas fracassou no exame de Latire (e883), talver porque, no Colegio Aquino, estivesse mals interessado em escrever poesias do que em estudar a lingua ea literatura da Roma an tiga. De qualquer modo, seu mau aproveitamento em latim nao o impediu, mais tarde, de ler por si préprio os elissicas gregas e romanos em tradugio®. Temendo que esse poctar de seu sobrinho o impedisse mais tarde de frequentar o curso de engenharia, 6 tio Antonio € 0 pai consultaram o diretor do Aquino sobre o rendimento escolar de Euctides, ¢ sentiram-se aliviados quando souberam que seu rebento era excelente aluno de Matemstica e de Histéria. Entre seus tentamesliterdrios da juventude, podemos deter-nos um pouco em seu primeivo texto em prosa, “Em Viagem’, que dirigiu aos categas do Colégio Aquino, Escragnolle Déria e outros, e foi impresso na primeira pagina do jornal escolar O Demecrata (4 de abril de 1884)", Opondo-se ao projeto de estender trilhos de trem através do Brasil central, na década de 1880, 0 breve texto é uma rejeiyio impiicita de ssa fstura carreira de engenheiro, Jé na abertura seu estilo é bastante “euclidiano"™. “Meus colegas", comega com certa agitagio, “[e}screvo-vos as pressas, desordenada- mente... Guiam-me a pena as impresses fugitivas das multicores ¢ variegadas telas de uma aatureza esplendida que 0 tramway [isto é para a escola] me deixa presenciar 1 Por exemple, Taciides eTicit, Uma passgem de 4 Historia da Guero Plone, 2 aparece studs numa nota tere eigso de Os Sete (Ohra Compt, wo. 1,99. 93-98ve num disso proferdo no Instituto Histérico e Geogrifco Brasileiro hi uma tefertnca a Anais, 54 (Obra Compe, tol. 1,p425). Exqulo e Esipides si nomeados uma vez no ensaio sobre a revolts naval Keay de 93 1894 (lr Completa, vols, pp. 2918), mas nd cit obras esses autores, salvo urna eeu “Feo ( 0: Pera) de Esquils€possvel que Buctides no tena ldo tata aga grega quanto pens Nicolas Sevcenko,a Literature coma Mist: Puts e Cras Cultural na Republica ed, Sa Pat, 68,9204 pet, oP . o-vos As presses, desordenadarment” (ct) com frases semelhantes em seus dexpachos enviados de Canudoe: “E postivel que das nosaseépidas de um dito, em que of periodos no se alinham corretos, disciplinadose calmamente meditados,ressurabrem exagero” (Obra Complet, wl. 1 p.$08)s¢ ema Os Sees *O que eerevemos tem o tao defétoso desaimpressio isola Aa, desfavoreid, ademas, por wm meia contrapost 4 serenidade dy peasament,rothidopelasemogdes tas civlizadores e construtores de nayio do Novo Mundo e aqueles do Velho Mundo, maquinadores € politiqueiros. Dai por diante, em seus eseritos", a Ordem ¢ julgada Principalmente por sua boa atuagio no Brasil Sua aversio inicial aos jesuftas no era sem relaglo com os primeiros tenteios religiosos fora do Catolicismo institucional, com vimos no ji citado “A Flor do Car~ cere” e em outros poemas como “A. Rit” (1888), “Lirismo a Disparada’ (18892) e, em cspecial,"A Cruz da Estrada’ (188)). Nesse wlsimo poem", dedicado a um colega da Colégio Aquino, o poeta atua como um guia e um intérprete do simbolo da cruz nos sertées brasileitns, sob a fice de estar buscando Deus ne local, emboea sind fonge de ter uma visio dessas regides: Se vagares um dia nos sert Come hei vagado— pitida, dntence, Em procura de Deus ~ da fé ardente [Em mein das saides.., ‘Se sondares da selva 4 entranha fria Aonde dos cipds na relva extensa Nosdalma embala a crensa Se nos sertes vagaresalgum dia Companheiro! Has de ve- [ie.,a cruz) 9. Obra Compl, vl 1, p12. Sobre ese ens, ilbero Freee, Pepi de Buches pp see, 10. CE Os Sorte, em Gbra Completa, vel. 11, p. 15, bem como algumas obserasies desfwvories, peste dts 1.°A Cruz da Esrads" (Obra Compl, wl. p63) inspire mis estrofes in tuo Alves Boa Vista" (em sus Obra Compote E, Gomes, Rio de Janeiro pho, po), a deaneins de umn poeta palo” que pasea ploy camp 12, Obra Complete, vo. yp. 637 ins do poema de Cas 4 noitnba 4K PREDERIC 5MORY Nessas paisagens visionérias 0 “palido” poeta tem uma certa semelhanga com aque~ les “pilides atletas” da Igreja Catdlica, os jesuitas, que na estrofe inicial de “Rebate” contemplam diante dos olhos uma simples miragem de Deus, por cima do “existir no vasto Saara enorme”, mas iludem-se intelectualmente pensando que conhecem a Deus e “co'a razio sondais a profundez dos Céus™, “A Cruz da Bstrada” como o verdadeiro crente que nada tem a nlo ser sua fé em Deus , enquanto nosso poeta vé-se em a dirigi-lo em suas peregrinagées espirituais. Deus € 0 Ignoto e, como ele chegou a incia, jncognoscivel; sua implicagdo era, enti, mais do que pensar, em altima in menos necessidade de fé Perder a {é ou, pior, renunciar a ela era para esse buscador igualar-se ao “bruto, ¢ vil descrente” de “A Flor do Cércere”, um prisioneiro de si mesmo, ou antes 2o ateu sofisticado de “A Ris” que deve alienar-se totalmente de si mesmo. Como ateu, Eu- clides mal é reconhecido na persona de “A Rie", que manifesta sua descrenga numa autoironia byroniana, num riso incontrolivel e em lagrimas arrependidas. © poeta precisa exercitar-se para personificar um “spleenético” milord anglais sob a infuéncia de seu descontentamento: [iad entrincheirando-me entre Uma cangio de Byron E um cilix de wgnat.., Assim —eu resolv, inditerentee fio, Cheio de orgulho spleen ~ como umn bangueio inglés, Sepultaena ronia 0 pranto meu sombrio...4 Alimagem da descrenca meio reprimida é tio inventada quanto parece pouquisi- mo caracteristiea de Buclides, mesmo na pessoa de um incrédulo Tomé Por outro lado, o humor voltairiano da irreligiosidade em “Lirismo 8 Disparada” < mais espontineo, mais brincalhao. Esse poema lirico descreve a perda da graca do Céu por um sonhador como o Uriel de Emerson, por ter desrespeitado a Deus. Os serafins, os guardas-noturnos dos céus, prendem-no ébrio de sonhos no boulevard da Via Lactea, ¢ os santos, escandalizados, apedrejam-no com estrelas.Jé que para ele a divina Providéncia € responsivel por essas indignidades, prometeu junto com Voltaire © Comte a nunca mais pér os pé: na praga azul do firmamento — os corpos celestes entrariam em colapso total e a Besta apocaliptica daria coices, cle se gaba, se eles 0 13, Obra Completa, vol. 1p. 632 14 Td p69: EUCLIDES 9A CUNHA: UMA ODISSELA NOS TROPICOS FE 55 fizessem algum dia. Mas,entrementes, como um profano mortal privado dos céus, ele cera f¥ apenas no othar de sua amada: Deus néo the fiz falta onde ela esta A dificuldade da crenga religiosa numa era cientifica como a de Buclides fez. com ‘que se Ihe tornasse cada vez mais impossivel acreditar, como fizera até entio, ou na Igreja Catdlica visivel ou na invisivel, apesar de ter sempre respeitado o Catolicismo dos colegas brasleiros. Contudo, como alguns de seus poemas jé proclamam, foi impe- lido quase com ardor fehl, na juventude, a buscar algo em que pudesse acreditar nia sabi dreito 0 qué. Mais earde na vida, teve de resguardar-se de criticas as suas crencas seligiosas taaco dos livre-pensadores que conhecia quanto dos membros mais eaélicos de sua familia. As dolorosas respostas aos detratores de ambos os lados podem dar-nos a medida de suas crengas futuras ‘Na quarta campanha de Canudos, quando cavalgou pela primeira vez por agueles sertées prefigurados de “A Cruz da Estrada”, foi dar mum hospital de campo e capela de franciscanos alemaes,em Cansancio (Bahia) onde assistiu a uma miss, de joelhos um gesto espontineo de solidariedade espiritual com os franciscanos alemaes, que, aio obstante, sentia a necessidade de justifcas,em seu dirio de campanha, 20s “com panheiros da impiedade”, 20s livre-pensadores. “Nao menti as minhas crengas", ele os adverte, eno trai a nossa fé, transigindo com a rude sinceridade do filho do sertia™ Nesse di engas”e “nossa fe" esto igualmente acima de qualquer censura Qual era o nicleo de suas crengas no chegariamos a saber até seus tltimos anos de vida, logo depois de ter sido recebido no Instituto Histérico e Geografico de Sao Paulo,em novembro de 1903. No dia 22 desse més, fez uma profissio de fé de sua dacta iguorentia em carta particular enderegada 20 romancista Coelho Neto, numa reasio a algumas insinuagSes de atefsmo, provavelmente da parte de membros da familia: “Entio... eu nao ceefo em Deus%! Quem te disse isto? {...] Nao. Rezo sem palavra rho meu grande pantefsmo, na perpétua adoragao das coisas; e na minha miserabi~ lissima e falha cigncia sci, positivamente, gue hd alguma coisa que cu nd sei... Ai esti, neste bastardinho (e é a primeira vez, depois da aula priméria, que 0 escreve) a mi- sha profissio de fé"”. Em resumo, igual a muitos intelecruais de mente cientifica do final do steulo xix, Euclides gravitou, através dos anos, em tomo de uma espécie de agnosticismo ~ um agnosticismo panteistico que admite os mistérios tanto de Deus quai da nacureza, Voltando mais uma vez-a Ondas,nio precisamos estender-nos sobre sua poesia de amor adolescente pela simples razio de que, surpreendentemente, pouca coisa esere- ‘yeu sobre esse tema nessa coletines. © mais juvenil de seus poemas de amos que sait 15. Obra Completa, wl 1. Bp. 650-51 1a Ldemvol.14 539 dem, p 638 6 9H peEDERIC AMoRY Missa em Cansancio publicado, “Tristeza” (1883), é uma composi¢lo de época que segue totalmente os mo- delos romanticos francés e brasileito'®, eo nico poema, um soneto petrarquiano,“Ri- mas” (1885),em que uma dama entrega-se aele completamente com um beijo,refere-se ‘to pouco a alguma mulher de seus sonhos ou de carne e sso, que, no momento de seu casamento (to de setembro de 1890), pde dedicar os versos 3 noiva (com o nome de “Soneto”), sem Ihe mudar uma tnica palavra®. A sexualidade de Euclides durante a adolescéncia parece ter sido virtualmente sublimada em seus trabalhos escolares , como na poesia lirica cortesa do comeso da Idade Média, a mulher é apenas metoni- smizada retoricamente em seus poemas de amor como 08 “ibios amados”,ou 0s olhos negros que inflamam o desejo, estando ela prépria distante dele e desencarnada. ‘No entanto,a ars peetica de Euclides, um poems em duas versoes —“Ultimo Canto” (1886) e “Fazendo Versos” (r887) — que resume sua pritica poética, merece um exame literisio. A primeira versio do poema foi feita para ser recitada na Escola Militar um piblico constituido de cadetes com senso critico agudo", antes que publicasse sua segunda verso na Revista da Familia Académica, em janeiro de 1888, Em ambas as versées,o poeta volta a fingir uma velhice prematura diante de seus vinte anos, como aparecera no tiltimo verso de "Mundos Extintos", citado atras, mas agora essa atitude tem a apoid-la uma lembranga da morte da mie: “Mui cedo ~ como um elo atroz. de luz e p6 / Um sepulero ligara a Deus minbvalma...”.A autoexpressfo tinha deconten- der com fortes inibigdes nessa sua alma cativa. De um lado, desse seu lamento, entre as cenas campestres de sua infincia, corren, “[cJom a légrima primeira, a primeira angio”. De outro lado, porém, sua dor era assim mesmo capaz de irrtar-se contra essas efusdes poéticas;¢, por isso, na primeira versio de sua poética (“Ultimo Canto”) cle termina inconclusivamente com um desejo: “[...] eu teria um imenso prazer / Se podendo domar, curvar,forcas, vencer / O cér'bro € 0 coragio, fosse este tltimo canto 7 O fim de meu sonhar, de meu cantar.."™, Estes versos voltam a ecoar as palavras do fragmento de seu didtio de 1886 (citado atris, cap. 2, p. 42), onde registrou sua luta 18,Cf com Ora Complete, volt. 63,08 poems “Triste” de Alfed de Musser (ere complies Pars 19, vol. 159.234) e "Tita", de Fagundes Varela (Peesias Completas, Sto Palo, 956, pp. 60-63 € 169-61) e"Tisteza", de Gonsalves Dias (Poesia Complete Pros Exelbids M. Bandeira eo, Rio de Janeiro, 1959 Pp 19.Cf em Obra Completa, ol, pp. Sgt 6s2.A exiliaso do poema é ade Petratea no famoso soneto 134"Pace non eo, 20. As duas verses aparecem em Obra Completa, vol. 1, pp. 632-640 © 42-63. Lend esses textos, podemos dscarr a opniso de Souse Andrade, Hitria Interpret... 33, de que Ondas “alo sustentadiante da mai ligeiea aalise 2A primeiraversiofidedicadaa us colegaca Escola Milita Morea Guimares,quceriamaietardeum «xiticomilitaradbrso de O Sete e pode ver em Or Sete: uszr Cris (Rio de Jair, a904) pp. 70-88. 22. Ura Compl, vo. 1s P63 643, 2 Idem. sf 9k PREDERIC AMoRY para conter os sentimentos de raiva contra seus colegas nas primeiras semanas de aula za Escola Militar. Agora, sio seus sentimentos de saudade da mie e a poesia que the inspira sua perda que ele deve sufocar; mas, evidentemente, nem esses sentimentos nem aqueles ele eve total poder de controlar a seu bel-prazer. Na boa forma romantica, o jovem Euclides como poeta-eritico nfo distinguit entre a natureza e @ arte ao fazer que a (sua) poesia nascesse espontaneamente de cemogdes humanas ou das circunstincias da vida. Se a poe: pressio de softimento ou de alegria, e os poemas concebidos nesses devaneios dos sertdes podem ser personificados como "filhas selvagens / Das montanhas, da luz, dos céus ¢ das miragens™, entio, na segunda versio de sua postica (“Fazendo Versos”), 0 poeta-critico nao precisava mostrar-se to insatisfeito por sus arte ser “natural”, isto ela mesma, uma ex 6 inspirada na natureza, eampouco devia preacupar-se em demasia com a tecnicidade da versificagio. Os vos da verdadeira poesia nio se levantam e caem a propésito das cesuras ¢ dos pés métricns, Nao queria ele as restrigBes neocléssicas do francés Boi- Jeau nem do portugués Feliciano de Castiho, mas a liberdade sem peias € o fogo da imaginagdo de um Victor Hugo e dos rominticos franceses!?* Dois ensaios, publicados na Reise a Familia Academica —"Criticos", de maio de 1888, e “Heréis de Ontem’, de junho do mesmo ano -, complementam a ars poetica do jovem Euclides com outras reflexdes sobre a literatura oitocentista da Europa e do Brasil. A ars poetica é umn minimanifesto romantico com uma revelasaio zutobiogrifica da principal fonte emotiva de sua poesia, enquanto esses dois textos de critica alon- gam-se sobre o valor humanitério da literacura, o papel cultural dos escritores numa nnagio ¢ 6 nove realismo social do romance em oposigi 1a poesia, Em “Herdis de Ontem’, Euclides recorda os poetas brasileitos do periodo somantico ~ Gongalves Dias, Castro Alves e Fagundes Varela ~a quem exaltou como “os brilhantes educadores dos nossos corasdies"™em nio menor grau do que 0s pensa~ dores e Iegisladores do Brasil oitocentista. Mas, na década de 1880, jf tinham passado 10 a0 velho idealismo romantico havia muito os dias desses herdisliterarios, como ele sabia, o Parnasianismo franco- -brasileiro era o movimento poético da vez ¢ o realismo social francés, enunciado pela primeira vez-ao mundo luso-brasileiro por uma conferéncia de Ega de Queirés”, dominava, através da intermediagao literécia do romancista portugués, o romance no Brasil e deixava insipido o gosto pela escrita mais romantica. 24 Obra Completa vol. pe 630 6 25. Nao obstane, como observa Sousa Andrade, MigiriaeInerpreapi,.. p23, Beles seguia em sua versifcago at mesmas regras que ee citicamenteeacaresia.Todavia, 0 extreme formalisms dos ‘purnasianos estar além de sus capacidades poticas (como diz Ely Poatesp) 24. Obra Completa, vl p $2, 17. "Realsmo como Nova Expressio da Arte," una apresenasio orl, sem texto, reconstnsa por Anténio Salgado em Hlstria das Confrincis do Casino (py), Lisboa, 293 RUCLIDES BA CUNHA: UMA ODISSEIA NOS TROPICOS #59 Essa mudanga de gosto induziu Euclides, este romantico tard, a eserever outro ensaio, “Criticos”, no qual sao contrapostas as escolas concorrentes do Romantismo do Realismo de maneira tal que € possivel airmar que Romantismo é rauito mais 6 contrapeso do que a inverso do Realismo, De um lado, os idealistas romnticos devem lembrar-se de que 0 romancista realista “é as vezes obtigado 2 descobrir um quadro ‘mais livre que muitas vezes surge entre outra coisa elevada’, por exemplo, a poesia r0~ rmantica; mas, de outro, os realistas que sto insensiveis & sublimidade de Victor Hugo quando cria Jean Valjean ~ uma monstruosidade humana para eles ~ devem entender que,se semelhante fendmeno, monstruoso ou sublime, nunca vive realmente, "pode e deve exist, por direto artstico, Insistindo, assim, na aceitabilidade do tipo crimino- so mais do que real de Hugo em Les Misérables, Buclides no estava apenas escudando uum idolo literério contra o ataque dos crticos, mas também defendendo um principio da arte, o principio hugoano do sublime-protesco, que seria grasts modo o equivalente romantico do Realismo na Franca. Embora estivesse do lado dos idealistas ¢ contra a tendéncia predomiaante de Realismo na literatura fin desgcle, seu objetivo em todo 0 seu ensaio, "Criticos’,era por um freio nos excessos doutrinsros tanto dos romanticos quanto dos realistase, se possivel, enfiar um pouco de senso nos “anaifibetos da arte” do mundo todo®. Apesar de algumas reservas subsequentes acerca da mentalidade *pouco cientifica” de Hugo como homem de letras (em “Divagando”, 13, de 24 de rmaio de 1890)", a admiragio de Euclides pela arte em verso e prosa do autor francés nunca esmoreceu, © proprio sublime-grotesco introduziu-se lenta ¢ cuidadosamente no estilo antitético de Os Sertbe2® Poderia parecer igualmente que sua propria poesia estendia-se a essa obra que alcanca o seu mais alto climax, como o faz 0 poema inacabaclo “O Paraiso dos Medio- cres", de 1896, mas basicamente ela era incompativel com sua arte em prosa, a que sempre era uma coisa A parte, feita para a acasido. Isso apenas equivale a dizer que Buclides era um poets ocasional ¢ informal, que podia usar a forma do soneto muito tem mas nada de exato em termos mais técnicos. Em sua vida artistica madura, zepu- daria sudemente Ondas com uma “observagio fundamental” sobre suas tentativas pos ticas primigenas, mas ja como um escritor em germinagio na Escola Militar sentira a necessidade de um meio mais flexivel de expressio em prosa e visualizava a frente 28. Obra Complets, vot P10 2. Idem pP 5°56 $0. Coma, sor exemplo, no oximono“Hércules-Quasimodo", Obra Completa, ol 1.70, na des ctigao da constraczo do templo em Canudos (pp. 25-226), ambos citados or Adetino Brando em seu artigo sobre Hugo e Eulides em Enciopéia de Etudes Pucidianos, 0 tp 29-38 398 "a. Obra Completa, el 1, pp. 654-655- Comparem-se os prime vers do poema com alongs frase de*A Tess, Oda Completa, vole sp. 8° tera, porém, permansceelvada, alongando-eeem planus mplas ete, ver cap m1, p.25 planes uma carreira jornalistica no toma-li-di-c4 da vida quotidiana™. Isso nio era tudo que ha -m seu novo programa literario, que estava repleto ademais com o mais elevado id térica francés, onde anotou: “Eu tenho um fanatismo tio insensato pela palavra, pela tribuna que, faga embora o que fizer de melhor para a sociedade, terei cumprido mal no humanitério, como ele mesmo expressou nas margens de um manual de re ‘0 meu destino se nio tiver ocasio de, pelo menos uma vez, eguer a minha palavra sobre a fronte de qualquer infeliz, bandonado de todos..." Esse desejo, embora extravagante, Ihe seri concedido, e mais de uma vez. 22." "Quanto a min, arescenta Escldes, sou ser im jomalista. Mas vo ter de care ‘bengal a todo o momento pars defender minhas ideas Em conversa com Moreira Guimares, confor= sne ita Umberto Peregrino em Dom Cusmarra, 1, p.ayicl para o meso efeito a frases com que termina sex ensao “Ceticos", Ora Completa vo. 1p. 20. Quando Euclides diz mais tarde em Atos ePalaras’ 2 bra Completa vot p.54),"Nao nos destinamos& imprenss’,encontriva-se no limbo profsional ¢ sscava prestes a er reintegrado no exéct, 5. Obra Compl, vol. 1, p. 52. Eneonta-se aqui o germe daquilo que Nicolau Sevcenko chamow ur como missio"na escrita de Bucldes. Ver N. Seveenko, Literatura come Mise, 192.10 EUCLIDES DA CUNHA: UMA ODISSEIA NOS TROPICOS ¥ 61 4 Os Primeiros Interlidios Jornalisticos ANDO, NO FIM DE 1888, NOSSO “cADETE DA ESPADA"— ou “da baione- ta? foi recebido, no circulo republicano de jornalistas do jornal A Provincia de Sia Paulo, por seu editor-chefe, Jlio de Mesquita, a cidade de Sio Paulo constitu pequeno reduto do republicanismo, como se o futuro do pais,em termos politicos e econdmicos, jé coubesse a essa cidade de cerca de quarenta mil almas ou menos". A total aboligo da escravatura ~ em 13 de maio ~ nfo prejudicou, como fizera 1a provincia do Rio de Janeiro, a cultura cafecira paulista, de ver.que agora o trabalho livre dos imigrantes, empregados a parts de 1870 a0 lado dos escravos?, substitufa qua~ se totalmente a mao de obra servil. Nessa provincia, 2s plantagdes feitas no rico solo roxo nio se afogavam no mercantilismo da monarquia central nem deviam aos bancos sua estabilidade econémica,a qual era assegurada pelos reinvestimentos de capital em outras empresas, bem como nas préprias fazendas?. Com efeito, acolhida que 0 editor-chefe e o pessoal de A Provincia de Sdo Paulo deram a Euclides foi o primeiro passo para que a familia do escritor' decidisse mudar-se 1.CE Raymando Faor: "Jo rpublicanismo, expraiando-se peas cidadesefrzendas de Sio Paulo, leito para engrossa e crescer [...] De Sao Paulo, a dguastanshordam para Minas Gers £0 Rio Grande do Sul, mantida 8 Corte em isolamento, dada a proximidade da provincia conservadors slo Rio de Janezo[..”. Os Denes do Pader, Porto Alegre, 1985, ol 11, p. 42. Sobre aacolhida de Euclides pela cidade de So Paulo cf Sousa Andeide, HisriaeInteprtap. pp 37 ©. 2 Sohne a imigrago para Sto Psulo no tlkimo tego do século XIX, cf Edgar Carone, A Replica Felha, Sto Paulo, 1975, 0. spp 1. 2, Acerca das vantagensecondrmicas, paitiase socials de Sto Paulo yobre o Rio de Jancio cf outa vex Fao, volt pp. 4-466, 462-464, 6 em especial, pp.sa6-508.Sabeeo espitito progress dos pau lista na década de 2880 ef Emilia Viot da Costa, Da Monarguia@ Repibza: Momentos Desrvoy S80 Peulo, ron pp. 390 €s.¢ 32-36 também sobse a diversificaso da capital polit do ca asa inde cf, Francsco Foot Hardman & Views Leonard, Hiscéria da India edo Trabalho no Braril, S30 Pao, 1991 PPS “Sua ima, Adela deiara a fimia Garcez em Sio Fidelis ea fazenda Sto Joaquim pace acomps- shar 0 pai a Sto Paulo como governanta do Rio paraa lorescente provincia paulsta,O clima politico elterrio da cidade de Sio Paulo poderia ser um bilsamo para as sensibilidades ainda puras de Euclides, mas foi a promesta de grande prosperidade oferecida pela provincia que levou o pai, Manuel, um guarda-livros,a deixar poucos anos depois o Vale do Paraiba e comprar modesta fazenda «em Belém do Descalvado, a cerca de duzentos quilémetros da capital paulista, para nela plantar café. restante da familia imediata poderia pecmanecer em Sao Fidélis,assistn do continua decadéncia da provincia do Rio; mas Manuele, depois,o proprio Buclides iriam misturar sua sorte com o futuro estado de Sao Paulo, um plantando café e 0 outro construindo pontes ¢estradas por toda a regigo, Ficou para tris o Vale do Paratbe, ance Enclides cresceu e seu pai um dia escriturou os livros dos cafe afindar-se-ia cada vex mais em dividas e entraria em decadéncia, tal como Euclides a viu na iltima vez, c 1902, “entre as ruinas” das plantagées ao longo do solo do alto Vale’ ‘Contudo, no intervalo entre uma carreira e outra,o ex-cadete, alvo da admirasio do eultorescariocas a regio corpo de imprenta de Sio Paulo, 20 associar-se ao jornal A Provincia de Sao Paulo, nada mais tinha em mente que escrever sobre o colapso da monarquia ealcangar um piblico mais amplo com sua mensagem politica ainda demasiado académica, lio de Mesquita «estava muito entusiasmado com seu novo colaborador, 2 quem saudou pelas colunas do jornal como um “mogo de muito talento ¢ de vasta ilustragio™, mas timorato Euclides conhecia melhor a si mesmo e suas limitagdes, como confessou a Mesquita em ousro ‘momento (em carta sem data, de 18902): “Apesar de uma mocidade revolucionatia, sou tum timido. Assusta-me qualquer conceito diibio ou vacilante””. Por isso, nos prime’~ 10s artigos que escreveu para A Provincia, suas ideias sobre a politica brasileira recor~ sem inguestionavelmente aos “ismos” que, no seu entender, slo nessa época as certezas “cientificas” de qualquer discussio bem-informada dos fatos piblicos — por exemplo, 0 paralelismo historico entre as evolugdes francesa brasileta (afastadas uma da outra cexatamente cem anos),0 positivismo de Comte ¢ 0 evolucionismo de Darwin Spencer: Contudo,o brithantismo intelectual de suas apresentagGes podia ser tio artificial quanto sua ignorincia de que « politica de bastidores realmente existia,e as pessoas e os fatos frequentemente desapareciam diante das abstragGes de sua argumentalo. “noviciado”™ de Euclides na imprensa durou do final de 1888 & metade de 1890 © compreendeu quatro séries de artigos, comesando com “A Patria ¢ a Dinastia” e S."Bntre as Raina Obra Compe, vl, pp 84-18 como em Cantrastes« Cofomtn publiad Drimeizamente em O Estado de , Paul,8 de seterbro de 1902,com um texo ligciramente diferente, sob titulo "Visando”. «. pd Eloy Pontes. 6, 2. Obs Completa, ol. 1, p. os Walnice N, Galvio & Oswaldo Galati, Corenpondnie de Buds da Guna Sto Paulo, 1997p. 120, atibuem aera carta a data de 1900. ‘Termo que di titulo ao conjunto dos primeitos artigo jonnalisicor de Bucldes organizado Souss Andrade em Obra Completa, vols PP. 54% €8. 64 FRRDEKIC amonY sab fete > por ~Questées Sociais” em dua tes ¢, depois, com “Da Corte”, “Homens de Hoje” em duas partes, e uma cronica partes; continuando com “Atos ¢ Palavras" em oito par sem titulo sobre uma tentativa de assassinato de Dom Pedro 1; assim concluindo com *O Ex-Imperador”,“Sejamos Francos”e “Divagando” em quatro partes’. Todas, com excecao do uiltimo trio, foram publicadas em A Provincia de Sao Paulo antes da queda da monarquia (depois disso esse vetusto dirio passou a chamar-se O Esta~ do de S. Paulo, como € até hoje); 0s trés tltimos artigos foram publicados no jornal republicano carioca Demeeracia (uma folha de vida curta). As primeiras duas séries de artigos, até “Atos ¢ Palavras”, foram escritas em Sao Paulo, e as demais no Rio de Janeiro para onde 0 autor retornou mais ou menos no final de janeiro de 1889 a fim de retomar a vida militar que deveria chamar nossa atenglo nesse fluxo de escrita jornalistica € nao tanto ‘0s momentos fugazes de historia que deles defluem quanto a concepsio mental do jovem joalista nessa fase de desenvolvimento intelectual, nun soal, sublevagio do pais ¢ incerteza geral. Isso porque 0 dominio que tinha sobre suas spoca de crise pes- ideias era com certeza um pouco mais firme do que aquele sobre os acontecimentos {que ocorriam & sua volta, Quando, por exemplo, a revoluglo republicana finalmente se consumou, Euclides foi pego completamente de surpresa, assim como a maioria dos cariocas"® e, mesmo estando no Rio de Janciro, dela tomou conhecimento somente no dia seguinte, 16 de novembro. No entanto, ao escrever os artigos acima citados, segundo s a instrugio escolar € seus préprios talentos, tinha em mente acima de tudo a matemética e« rigorosa apli- cago da ciéncia & histéria © a vida social. Evidentemente, sua nogdo de ciéncia no cra exatamente a nossa, de vez que era fundamentalmente matemética¢ inteiramente deterministica, e como tal estava muito aquém da verdadeira ciéncia social, apesar dos atavios doutrinarios com que Comte, ou Benjamin Constante os postivistas brasilei~ ros adornaram-na, Na obstante, ao debater suas ideias nos artigos, ele se conscienti- zou um pouco tarde de que o formalismo matemitico da ciéncia nfo podia incluir-se nos imprevisiveis processos da historia ow nas fantasias do comportamento humano (0 que na verdade teria sido excluido); mas, durante a maior parte de seu noviciado, ‘mostrou-se um rematade comtiano, que acreditava na supremacia intelectual da mate~ mitica ¢ prezava a invensio da sociologia pelo autor do Spstéme de poitigue postive 4. Com exclusio da ernics tobe atentado contra a vida do Imperadon as quateo aie de artigos rtado vem reprodusia em cto reimpresas em Obra Completa, vol. pp 43s a exbniea sobre 0 Ploy Pootes, 4 Vide Dramdtca....pP-97-10- 10, Dia-e comumente que o catia asstn &revalugio "bertifcado Lobo em earta comentada por Sézgio Buargue de Holinds, & sonforme observa Aristides jes a Bra, Rio de Janez, 1969, ppg tz, ‘Quaisquer que fossem as prevengies que pudesse ter tido contra si mesmo em ca- Dinastis"e “Qu 6 se sent livre, como também proficiente o bastante para dar aulas & monarquia ¢ a0 piiblico leitor sobre a sociologia e a evolucio. Todos devem aprender (em “A Pi- tria e a Dinastia”) que a evolugdo é uma lei do cariter bastante positivo das ciéncias stdes Sociais”, no riter privado, nos primeiros artigos, “A Patria sociais, mas gloriosa em seus objetivos, pois é ela quem traz a revolusdo, 0 progresso © a civilizacio para o Brasil, como antes trouxera para a Franga. [0] seu curso, como est ¢ fatal, nexorivel, nao ha tradisdo que The demore a marcha, nem revolugdes que a perturbem 1. E, ja que ela esté voltada para 0 futuro, ento com cada avango nes- sa direc, 0s reacionarios na monarquia que tém a cabega no passado serio sempre empurrados para tris, quer queiram quer nfo, em pleno século xx, como covardes batendo em retirads. Dizem que a democracia brasileira (como em “Questées Sociais") foi purgada do partidarismo pelo consércio das ciéncias ¢ pelo pendor natural de “nosso tempe~ ramento”, que a revestiu de toda a ligica das dedusées cientificas, de modo que nio mais a apreendemos como um tipo de governo, mas como uma conclusio filoséfica que somos obrigados a aceitar. Em termos comtianos, “a democracia é, pois, uma teo~ ria cientifica inteiramente desenvolvida, simboliza uma conquista da inteligéncia, que a atingiu na Sociologia [a maitiscu observasdo metédica da vasta escala da fenomenalidade inferior sintese final de todas 6 de Euclides) depois de se ter avigorado pela 8 racionais (podemos assim dizer), Um democrata pode ser formado politicamente como um gedmetrs (1), assim iz Euclides, mas felizmente a histéria nacional tem uma presenga marcante em sua educagio: outrora instigado devidamente pelo “velho cazrancismo” da dinastia Bra~ ganga-Habsburgo de Dom Pedeo 11 e seus ancestrais, ou pela heroismo dos lideres ‘executados de levantes locais do passado, na Minas Gerais do final do século xvitr € asileiro deve ser ele mesmo, no Pernambuco do inicio do século x1x, 0 republicano historicamente, um revolucionatio. A continuidade da hist6ria ¢ o claro carter pro- positado da evolugio podem ser personificados para ele na imagem de Pascal sobre a hhumanidade: um individuo gigantesco tinico que percorse a passo largo as idades"™. O hiiperracionalismo desses avangos politicos nto é muito surpreendente, pois Eu- clides continua sob as asas de Benjamin Constant, seu antigo professor de Matematica «€ um arquipositivista; ¢, como tantos intelectuais brasileiros de seu tempo, como disse a respeito de si mesmo (numa carta @ também estava “nessa época [final da década de 1880] sob o dominio cativante de Au- Lticio Mendonga, sem dia nem més, de 1904), 1 lve Completa, vl. 1, 9.544 Ter, 546. 18 Ldom pp 54-507. gusto Comte™, Alusdes as obras Sintese Subjetiva e Curso de Filosofia Pasitiva desse autor" aparecem com frequéncia no jornalismo de Euclides até final da década de 1880, € o programa positivista comtiano de reforma social através da cineia o predis- pés, subsequentemente, a voltar ao exército em novembro de 1889 para iniciar a car- reira de engenheiro. Todavia, a partir de 1890, durante grave crise financeira do novo governo republicano, o nosso escritor perdeu todo o respeito pelo seu “antigo fdolo”, Benjamin Constant, em virtude de sua politicagem ¢ favoritismo como ministro da Guerra no gabinete™. Aos olhos do protegido de Constant, essa foi a primeira fissura na superficie do positivismo brasileiro Uma segunda série de artigos de Euclides ~ “Atos e Pelavras", em oito partes ~ sai no jornal A Provincia a parti de janeiro de 1889. Agora avertando a mao, mesmo ne~ gando ser um jornalista, Euclides optou por atenuar “o estilo campanudo e arrebicado” de sua eserita!”e fazer alguma justiga & oposiglo, nem que fosse porque ela a todo o tempo estava-se tomnando menos séra ¢ os republicanos estavam fadados a vencer cedo ou tarde. Portanto, entre os monarquistas, é mostrada (na parte 11) sua indulgéneia até ‘mesmo para com a brutal Guarda Negra constituida de escravos libertos e capociras, que exam contratados sub-repticiamente por um funcionrio conservador do Governo para hostilizar as reunides de republicanos e dissolver as manifestagdes estudantis de solidariedade & Repiiblica. A maior parte dessa unidade, diz. Buclides com uma certa mordacidade, apenas “saiu da exploragao dos semborei"— pelo decreto de 13 de maio de 1888 ~“para a exploragio dos eceravos"— isto 6, dos conservadores. “‘Demais”,acrescen- ta, “a raga negra, em sua esséncia nimiamente afetiva, harmoniza-se admiravelmente & latina, profandamente vinculada & nossa sociedade — constituindo-a quase...". Desse ponto de vista, a Guarda Negra era uma abesragaio social da politica partidéria No outro extremo da monarquia, ao pé do trono, Euclides nio pode deixar de apreciar (na parte 1v) as boas qualidades do Imperador, que em seus anos de declinio tinha-se dedicado a estudos diversos tais como astronomie linguas seriticas, tal qual 14, Obra Completa, vol. p. 6. 1s. Pars referéncae comparativasconsulte-se mew arigo "Euclides da Cunha and Bruiian Post- ism em Lase-Braziian Review (Summer 1993),36(9, PP. 99 © 92:24 16, Consultem-s techos de uma carta esr 40 psi e itada por Soust Andrade, Histriae Inter pret. P56 7. Obre Complets, vo. 1,549 18. emp. 53. Em 7 de mao € 15 de juno de 2095, Jol Bicalho Tostespublicou em © Demeerata «na Foe de S. Paulo, respectivamente, dss verses de um documento que Exclides, junto com dois ‘outros individuos de mesma opinito, um do Rio Grande do Sul e outro do Cears, drigiu contea a Confederagio Abolicionista, numa critica justficivel a suas propostis para promovero bem-estac dos sscravoslibertos (de 13 de maio de 1888) Esse documento de rigoatestaindiretamentealgumas cengas 4 Euelids a respeito dos negros, em particular o fato de“ raga preta africana ser muito superior em aetividade & raga branes" EUCLIDES DA CUNWA: UMA ODISSEIA NOS TROPICOS FE 67 um rei-fil6sofo que pretendia ser. No irdnico cumprimento que Buclides the fez como. homem de espitito ele seré capaz de avaliar a forya do evolucionismo historico de Spencer na “marcha retilinea e imutivel das leis naturais da cvilizagio"” e pode entio julgar por si mesmo se seu regime se harmoniza com essas leis ou no. Contudo, justa- mente porque o Imperador era tio sibio e bom, isso jé prova para Euclides o quanto 0 Império é mau, deixando & parte seu governante. Outros elogios a seu “espirito”e & sua austeridade sio um pouco insinceros partindo de nosso colunista, que vé na sevolugio, a0 tempo desse benigno potentado, um oportunism justficivel, plenamente endos sado pelo Zeitgeist. Felizmente para todos os brasileitos, a revolugio seria incruenta € 6 destronamento do Imperador, calmo e digno. Acomodagées como essas& oposigio afrouxaram e constringiram, alternadamente, « propria posigdo ideolégica de Euclides como apologista republicano. Embora seus adversirios dissessem que um conceito socioligico de Republics, que deve ser gover- nada segundo os prinefpios positivistas do dever € do direito, era bom demais para ser verdade, cle objeraré (na parte 11) que a sociologia é uma ciéncia que est em sua infincia e ainda € incapaz de decidir a viabilidade do canceito ~ um depreciamento da cigncia social em desconformidade com sua insisténcia nels em “Questdes Sociais 1” No entanto, se, para efeitos de argumento, devia concordar com seus antagonistas (na parte v2t) de que nfo existe essa coisa de partido republicano, era apenas para exaltar o republicanismo acima da politica, a uma quase-doutrina religiosa como o dogma da “Igreja”positivista oficial”. A devogio ao ideal da Repiblica nao podia ir muito mais, Jonge na diresio do positivismo puro. Sobre a reconsideragio final da monarquia, por fim, descobre (parte vil) que a velha sociedade imperial est morrendo “naturalmente, comicamente™, de pura inanigl0, seu fervor revolucionério esfria um pouco,e ele realinha seus paralelos franceses& his- ‘ria brasileira. Nao o vulcdnico Danton com sua grande oratéria, mas, antes, a genia- lidade eémica do ancien régime, Mole, serie « presenga mais adequada na derrocada politica da monarguia brasileira ~“ hilasiante dégringolade”, na previsio de Buclides”. Ainda assim, a vacilante instituigio conseguiu sustentar-se por quase mais outro ano sob a decidida lideranga do Visconde de Ouro Preto na chefia do gabinete ‘Ao término dessa segunda série de artigos, Euclides estava de volta a sua provincia natal, Rio de Janeiro, onde passou a primeira semana de feverciro de 1889 com a tia eo tio, os Garcez,e com a inma Adélia, em meio as cenas rurais da infiincia, agora visivel 19, Obra Completa vl.) P55 2M. Idem, p58:°A peopagands epublicana toricamente tem, antes de rado,o cater doutrndro de arm sporti. 21 dem 9.360 22 Idem, 539. 68 4 raepenic AMoRY mente deterioradas, 1 fazenda Sao Joaquim, em Sao Fidelis, Em seguida,sumou para a capital ealojou-se temporariamente no bairro de Sao Cristévio,afim de preparar-se Escola Politécnica 0 para os exames de adaptagio em diversas cigncias e completar na ceusso de engenharia civil, que tinha interrompide desde 1885-1886, Na segunda sema- na de maio,jétiaha prestado todos os exames, mas, seja 0 que for que o dissuadiu, ha FREDERIC AMORY chefe de operétios e de homem de letras, visando quase o ideal dessa vida intensa, da qual trarou superiormente o extraordinario Roosevelt em seu timo livro"™, Na Su- perintendéncia, apesar de todo o seu esfargo e dedicacao it maneira do sexto trabatho de Hercules, foi promovido uma nica ver, a chefe do distrito de Guaratingueta, em 2.de dezembro de 1901. esse periodo de constantes viagens e trabalhos de construgio teve a inesperada compensagio de conhever um futuro ¢ importante colaboradar na composigio de Os Sertis isto é, Teodoro Sampaio, uma das figuras intelectuais mais respeitadas do Brasil do final do século x1x. Entre 1894 € 1905, Sampaio conheceu Euclides em Sio Paulo, nos primeiros anos de sua carreira de engenheito,¢ egistrou um desses momentos: De volta de seus srabalhos de campo, erazix am ax de eSdia 4 teat-the uma repugniincia invencivel. Nio que a vida ativa de engenheiro The pesasse; mas porque no encontrava na fanglo, como exercida, a superios elevacio, capaz de o libertar da pasmaceira de uma técnica aque the parecia duvidosa. [...] Mas 0 Buclides, na sua vida de engenheiro exrante pelasregides do Oeste de Sio Paulo, me desaparecia por longo tempo. Era uma raridade quando me surgia de improviso em casa a contar-me a sua odisseia e a maldizer 0 seu tédio que jé se prolongara por muito tempo™, Mas, felizmente, durante a escrita de Os Sertées, quando Euclides mais precisou de sev conhecimento das pessoas e dos kageees da interior da Bahia, os dois homens voltaram a encontrar-se mais de uma vez em Sio José do Rio Pardo. Outro grande desapontamento profissional de Euclides, com o qual terminaremos este capitulo de sua vida, nfo foi na carreira téenica que seguiu, mas numa que Ihe foi negada, a de professor da Escola Politécnica de Sio Paulo, fundada em 1892-1893”. Para comegar, Buclides cometeu um deslize no momento em que a Politécnica estava sendo organizada, ao publica, em 24 de maio e x de junho de 1892, dois artigos em 0 Exstado de 8, Paulo™, nos quais eriticava 0 programa pedagdgico da Escola criado por Anténio Francisco de Paula Souza, fundador e futuro disetor da instituigao, Parte dessa critica foi susctada inevicavelmente pela origem francesa e pela tendéncia po- 34. Ora Ganpca ol p.6 55 Sumpaio data esse encontro do comego de pa em "A Meme de Euclid da Cans no Desimo Anivessio de sua Mor", p. 247-28; mas Sousa Andeade (Hira Interop.) sredia que os dis omente podiam terse encontado ent oil de 199 0 comeso de 89 a4 Tenor SunpuiaA Meméia de Bes da Cun p24 27 Esa tie eta fi recoastidarecentmente por Bato de Santana, Cio ¢ Art ap sn Bstuder Aeron, p57 ch seu artigo "Bucs da Cus a Escola Poicnic de Sto Pal 1900) pp 97196 181 Em Obra Completa v.19. EUCLIDES DA CUNHA: UMA ODISSEIA NOS TROPICOS H€ gf Teodoro Sampaio. o2 % PREDERIC AMORY itivista da Escola Politécnica do Rio, ao contrisio da recente Escola de Sio Paulo, de conformidade com a formagio educacional de Paula Sowza, era uma recriagio ‘rasileira da “Technische Hochschule” alema ou suiga ¢ no tinha uma concepsio positivista (ainda que alguns professores fossem positivistas). Assim, a Escola do Rio bascou-se, em termos positivistas, na matematica a partir da qual se deduziam apli- .6es a determinados problemas técnicos, enquanto a Escola de Sio Paulo era mais :ndutiva e preocupava-se empiricamente com um conjunto de ciéncias aplicaveis as artes mecanicas ¢ as indtstrias™, ides tinham No entanto, é oportuno afirmar com franqueza que as eriticas de F © propésito deliberado de insultar Paula Souza e sua proposta curricular para a Poli- técnica. E possivel que os defeitos de Paula Souza tenham sido acentuados, mas ele «ra origindrio de uma familia antiga e ilustre¢ tinha viajado para os Estados Unidos a Europa, onde estudou na Eidgendssische Technische Hochschule de Zurique, em 861-1863, na Technische Hochschule de Karlsruhe, graduando-se nesta em 1867. Em 1900, durante sua administragio da Politécnica, uma facgio de professores positivistas da Paulo feito por uma comissio chefiada pelo norte-americano Orville Derby, mas Paula cola havia ditigido fortes criticas ao levantamento geogrifico do estado de Souza, sempre sensivel a reputacio da nova Politécnica, defendeu a Escola. com isso indispas-se com o amigo Derby: E bem possivel que o epissdio tenha tornado o funda dor da Politécnica mais cauteloso a respeito dos positivistas hiperciticos da faculdade. Seja como for, 08 ataques de Euclides ao seu programa curricular para a Escola tinham ‘o mesmo espirito negativo que usaram para criticar o levantamento de Derby A opiniao de Euclides, expressa em seu primeito artigo, era que, desde a revolugao sientifica dos séculos xv11 € xvii, 0 legisladores tém-se ocupado das reformas da educasio, as quais, embora merecedoras de elogios, foram de realizagio extremamen- te dificil, como esta exemplificado de forma “eloquentissima no desastroso projeto” de Paula Souza, aprescntado ao Congresso do estado. Pode-se observar mais direta- mente a futilidade da reforma pedagégica se compararmos a uniformidade altamente segulamentada e estéril das universidades francesas com a vibrante independéncia e a intercompetigdo da Hochschulen alema, muito mais fértl em ideias navas do que a rotina estagnada de todo o sistema universitrio francés". O programa de Paula Souza ~“uma coisa desastrosa”-, se for transformado em lei (como o foi), ind desfigurar “de ‘um modo deplorivel a feigao superior da nossa mentalidade™* a9. Barreto de Satan, Cina e Arts. 40. Gina Completa, vol. 1, p. 387-88. A admirago pelo ensino superior na Alemanba nto é nati- salmente,m ato de espeito pela formasio de Paula Souza, as, ants, um indicio do quanto Beles inha-seafatado da antiga delieasio da alte culo francesa. 1. Lem 938 Essas critics, de forma bastante surpreendente, slo o prekidio de uma revisio no ‘mais das vezes verbal do vocabulério técnico usado por Paula Souza em sua proposta essas “incorregdes imperdodveis”, Assim, na frase “matemiticas e ciéncias aplicadas is artes ¢ indistrias’, mateméticas* devia virno singular, nao no plural, por sera tnica ciéncia a adquirir, num de seus ramos, a Mecinica, um caréter de inteira unidade” (2); e “artes indistrias” € uma combinagio redundante. Além disso, “geometria plana e no expago” deveria restringir-se a “geometria espacial’, ¢ € possivel que “geometria su- perior” denote geometria diferencial e integral, mas em si mesma a expressio é vazia, etc. Na mistura de matérias que se devem ensinar na Politécnica no curso de trés anos, Euclides procura (como um antigo estudante positivista que foi) alguma classificasio hierarquica, como nos escritos de Comte ou de Spencer, que os sistematizasse de al- gum modo, mas em vio, Observou, porém, que no curriculo da Politécnica, que ele amplia sob varias justificativas, foram esquecidas a astronomia (‘a base cientifica da geodésia”), a biologia, a economia politica e a “engenharia geografica’(2)* segundo artigo, escrito cerca de uma semana depois, enfatiza alguns pontos ventilados no primeiro, como, por exemplo, o cariter vazio do termo “geografia supe- rior", a auséncia da astronomia no curriculo e a inefcécia de uma reforma legislativa da educagio universitiria sem uma orientagio filos6fica. Tolamente, Euclides achou ‘que, depois de esperar alguns dias por uma resposta a suas eriticas ~ por arbiteirias € obscuras que tivessem sido ~ e de continuar sem receber qualquer refutagao, mas apenas o siléncio, estava “limpidamente provada a incompeténcia’ de Paula Souza em seu programa da Politécnica. Chegou mesmo a fantasiar que o amor pelas ideias que adotou nessa critica com certeza o absolveria, como critico, de um ressentimento pes- sozl ao investir contra o projeto da Politécnica, que, como o colunista expés “linpida mente”, no € praticével para © grandioso fim a que visava. (Anda assim, o Congresso do estado aprovou o projeto tal como foi apresentado,) Contudo, Euclides ainda nio estava totalmente satisfeito com sua exposiglo, porque duvidava de que a sociedade brasileira estivesse pronta para tolerar ou entender “esse grande ideal de um preparo filos6fico comum, presidindo a todas as atividades” (cientificas) e ser necessétio or- sgtnizar de modo adequado o ensino da ciéncia na nova Escola. Um preparo “dificil e longo” sera este, e nao sob 0 efeito de generalizagbes apressadas e combinagdes fceis, que “a intima solidariedade das cigncias nfo faculta™®. Duas preocupagies, agora mais metodolégicas, absorviam-lhe a mente: um simples dado das ciéncias exige muitas vezes uma miriade de consideragbes, ou um julgamento pratico. De um lado, por exemplo, o conceito nuclear de calor na geologia pressupde, 12, Oba Completa 1 pp 389-590 4. Idem, pp. 398302, jelativa wachou witrdtias: Ro, mas yuzacm tas que to pes- impida- mmgresso nda no wiedade preparo sitio or “dificil e ts faccis, 1 simples gamento ressupde, para explicé-lo, um conhecimento de quimica, fisica, astronomia ¢ matemitica. De ‘outro, a pritica da agricultura a que o agrénomo deve aplicar-se tem pouco a ver com as ciéncias superiores do cilculo infinitesimal, da mecanica ou da astronomia, de que le pode prescindir incondicionalmente ao fazer um julgamento, Por tiltimo, a indés tria brasileira, que esta nascendo, nfo deve presumir que € original em seus processos ‘quase cientificos, porque j dispde de tantas boas invengdes em paises estrangeiros (isto na Europa e nos Estados Unidos) que pode importar.No total, a educagao poli- técnica no Brasil continua a ser completamente remodelada e diferenciada muito bem de acordo com as diferentes carreiras cientificas, ao passo que a indiistria brasileira, na virada do século xx, ainda est na infincia, eo projeto da Escola Politécnica constitui “uma tentativa eminentemente civilizadora, ainda que mal baseada™* Nio é de admirar, portanto, que, mais tarde, quando Euclides decidiu seriamente candidatar-se a uma cadeira (em junho de 1892) nessa infamada instituiglo, Paula Souza nao the tenha prestado atengao. De 1892 a r904, com a ajuda das pesquisas de Barreto de Santana, podemos acompanhar a continua rejeigao de Euclides entre 6s candidatos ao cargo de professor da Escola, No comeso, em resposta 2 algumas cartas (que nao chegaram até nds) que escreveu a Teodoro Sampaio, esse amigo dew 4 reconfortante opinigo de que, nos dois primeiros anos de curso, haveria duas cadei- ras, uma de engenharia civil e outra de artes mecainicas, as quais seriam preenchidas por nomeagio; posteriormente, seriam preenchidas outras cadeiras por concurso entre os candidatos, mas de modo algum “a politica” interferiria no resultado", O velho correspondente de Euclides, Reynaldo Porchat, que talvez. tena tido uma premonigio de alguma composigdo interna em seu favor, escreveu-lhe, em 26 de novembro de 1893, dando-Ihe uma opinio contrivia, a de que na verdade o fator “politico” do favoritismo iria pesar na escolha dos candidatos*”, Nesse meio tempo, em outras cartas 20 amigo Joao Luis Alves, de Campanha, Euclides ressaltava que o objetivo de sua candidatura era uma cadeira em mineralogia e geologia: ele estava “absorvido pelo estudo da Mineralogia, vivendo numa éspera sociedade de pedras™*. Ele mesmo resumiu nos seguintes termos as oportunidades e as desvantagens que tinha diante de si®. _H. Sobre as origens das indistriasbrasleirasveja-se as obras clisics de Stanley Stein, Te Brazilian Ceton Manufacture: Teste Enterprise tan Undedcecoped Ares, rg0-r9so, Cambridge, Mass, 957.0 Warren Dean, Te Industralizaden of Sto Paul, Austin, 969 45. Obra Completa, vol: P. 392-95 46. A-cara de Sampo, de 19 de agosto de 893, €citada por Jost Carlos Barreto de Santana, Ciznea Arts p5. ‘7 Acara de Porchat tani &ctada por Barreto de Santana, Citneia «Arts pp. 38-9. ‘6 Carta de a3 de abil de 196, em Galvio 8 Galo, Corepondncia de Eucider da Chrba, 9. . Idem pp. 95-98 BUCLIDES DA CUNHA: UMA ODISSEIA Nos TRAPICOS 95 Jo cidadio A, cheio de isioa convicc, baseado em anteriores exerplo,ftos pasa dos com outros, afirmava-me que isto de concurso em S, Paulo no valia nada, endo invaia~ velmente nomeado persona grate do governs, ..]- Logo aps 0 cdado B,confidencialmente, fazia alusio & minha seta positivist fu, positivist!) ea bir especial de algumas iniéncias pelos que a [a scita positivista] professam. /O cidadio C, lembrava-me artigos meus, de 92, 9 Bade (de S. Pele, em que combati energicamente a mancia pela qual foi organizada a Escola [Politénica, ets. Um outro, comunicavi-me a exstencia de terivel adverse, um dos primeins geslogos do Brasil, dsefpulo brag dirt de Goris ee et. /Tmagina que imenso esfargo para ficar a cavaleiro de cudo isto. Nesse actimulo de opinides, a do cidadio A, que representava Porchat, era com certeza & mais correta ¢ no menos que a do cidadto C, quem quer que fosse ele. O discipulo do francés Gorceix, que chefiava a escola de minas de Ouro Preto ~ isto €, Francisco de Paula Oliveira ~ era de fato um “terrivel adversirio”, visto que também cra favorito de Paula Souza, mas, come aconteceu, cle recusou a oferta da cadeira de rmineralogia ¢ geologia que Euclides eobicava. Depois disso, porém, a cadeira foi ofe- recida 2 outro candidato que a aceitou. Euclides, imperturbado, perseverou na ilusio de que,em algum momento de sua vida, haveria um lugar para ele na Politécnica De 1896 para 1897, Paula Souza mudou os procedimentos da escolha do candidato. Inicialmente, algumas cadeiras deviam ser preenchidas por nomeagio, de acordo com as dotagdes oryamentirias do Congresso do estado, como Sampaio dissera a Euclides, as restantes seriam distribuidas por concurso aberto entre os candidatos, a medida que fossem entrando mais recursos do estaclo. Mas agora, como em 1896, Paula Sou- 2a pensava que um concurso livre e aberto apenas “traria males para a instituicéo € para 0 justo progresso de nossos trabalhos"™ ras restantes da Escola foram preenchidas somente por nomeaglo. Teoricamente, por essa norma, Euclides poderis ter tido melhores possibilidades de obter a tio sonhada ®,¢, consequentenrente, em 1897 as cadei- cadcira visto que, em iikima andlise, as nomeagies seriam apresentadas 20 governo do estado para a aprovacio final,c esta seria determinada politicamente sem Ievar em conta a importincia cientifica dos candidatos votados originalmente. Esss opsio, para melhor ou para pior, encorajou Euclides a manter sus candidatura até 0 amargo fim, quando finalmente a retirou por fal de apoio dentro da Escola Nesse meio tempo, porém, comerou a mudar de ideia com respeito a manter a cor- rida em fusea dessa cadeira. Entre outras coisas, em abril de 1896 sua esposa Ana caiu ‘numa profunda apatia, que os médicos diagnosticaram como antipatia fisica x0 clima de $0 Paulo,¢ recomendaram uma mudanga de ambiente, para outro focal. marido, 50, Boro de Santana, Citi etre. 6, 96 9 FaEDERIC AMonY dei spor hada para fim, lima sido, para melhorar os humores de Ana, pensou em levi-la a Salvador (Bahia), pars vsitar 6s pais,em quem no punha os othos havia quatro anos. Conforme informou ao amigo cde Campanha, dr. Bueno Brandio, “[tJodas essas coisas, como se prevé facilmente, per~ turbam enormemente o curso das minhas aspiragées” a uma cadeira na Politéenica®. Dois meses depois, screveu a Joao Luis Alves, “[yJejo muito comprometido o meu concurso; estou vendo que sito me inscreverei”™ ‘Todavia, nos cinco anos seguintes, durante os quais os Cunba viveram principal mente em Sio José do Rio Pardo, enquanto Euclides reconstruia a ponte sobre o rio Pardo e compankha sua famosa histéria da “guerra” de Canudos, Os Sertées, ele encon- trou tempo para voltar a pensar no “negécio da Politécnica”. A fama repentina que envolveu o livro granjeou-lhe amigos até mesmo dentro da Escola ¢ eles faziam pres- ses a fim de que voltasse « apresentar sua candidatura™, Podemos contar entre esses amigos um que pertencia & Escola, Manuel Garcia Redonda, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, ¢ 0 outro que era funcionério da Secretaria do Interior do Estado de So Paulo, Henrique Coelho. Os dois empenharam-se firmemente em apresentar a Escola,em 104,25 quali acdes do amigo a uma cadeira, que entregaram pessoalmente nas méos do vice-reitor, Francisco Ramos de Azevedo, uma pessoa que também se mostrava muito cordial com Euclides. ‘Ainda assim, sua candidatura no prosperou, apesar dos boatos tranquilizadores de que ia muito bem. Unra suposta discussio entre Garcia Redondo ¢ Paula Souza ~ se € que houve ~ apenas serviu para desacreditar as boas informagdes. Entio,em 7 de agosto de 1904, Euclides escreveu ao amigo de letras, o romancista Coelho Neto, com Jimpaciente igonia: ‘Quanto 4 Politécnica: ja tudo admiravelmente ~ cu queria, o governador queria muito, a congregagio queria muitissimo a minha nomeagéo, porém, a tims hora razdes muito séras, «muito honestas, obrigaram-me a escrever ao st, Garcia Redondo uma cana que er, afinalo rompimento das nossas relagbes.(..,] Renunciei desabridamente a pretensio [de obter uma cadeiral. Mas muitos ndo me entendem neste ponto, de sorte que talvez ainda seja surpreendido ‘coma nomeagao™, Devido uma circunstancia inescrutével, porém, sua nomeacio fora prosrogada para uma data fotura ¢ indeterminada, tio disrante que deixou de acreditar nela, ¢ 51. Carta de 28 de abril de tghsem Galvio & Galo, Correspondence de Eudes da Comba, 96 52. Cues de 3 de juno de 1896, idem, p98. 3. Vejan-se,em Oia Compl vo. 11 pp-615 iy, as cartas de 2a de feverera dee ede ng de mao de igo2,a Alberto Sarmento © Francisco Escobay,respecivament, ‘4. Veja-se Galo & Galo, Corerpndincia de Eusies da Cura, p28 EUCLIDES DA CUNHA: UMA ODISSEIA Nos TROPICOS 5 97 acabou por desistir de todas as suas pretenses, Nas sessbes de votagio da congee- gasio da Escola, como st ficou sabendo, recebeu apenas um voto, ou nenhum, dos politéenicos supostamente “amigiveis’. Por isso, s vésperas da viagem para o Ama zonas, com a Comissio Mista Brasileiro-Peruana, esereveu a outro amigo, dizendo~ -lhe que mito seria nomeado para a Politécnica, até porque a tinica cadeira que poderie tersido sua obrigava-o a ensinar, entre todas as coisas, ciéncia veteindsia: “La esté no Regulamento, Eu b...”. A Zoologia nao era afinal um ramo da ciéneia que aprecias~ se, desistiu para sempre de comrer atrés de uma cadeira na instituigao, “[E] foi uma solugio belissima"™ Agora, concluindo, se alguém quiser levantar a questio itresistivel de saber por que um homem que havia produzido um livro da maior importincia nacional sobre 2 “guerra” de Canudos, que abrira para ele as portas do Instituto Histérico e Geogrifico Brasileiro e da Academia Brasileira de Letras, granjeara-Ihe amizades entre os profes- sorts da Politécnica e 0s funcionsrios do governo do estado, ¢ promovera-o a chefia da Comissio Brasileira, do governa federal, para tracar as fronteiras do alto Amazonas coma os peruanos,¢ ainda assim 0 desditoso autor fora incapaz, depois de anos de intl tentativa, de ingressar na corpo docente da Escola Politécnica de Sto Paulo ~ bem, como assegura Barreto de Santana’, resposta mais simples deve ser a de que Ant6- nio Francisco de Paula Souza, o fandador e diretor da Escola até sua morte em 1917, bloqueou todas as vezes sua admissio, sobretudo por causa de duas citicas juvenis de Buclides, publicadas consecutivamente no jornal O Evtade de 8, Paula, nos meados de 1892. Com esse daloroso anticlimax termina a série de acontecimentos, civis ¢ milita~ res, que teve inicio nesse ano. 55, Vejacee a cata « Henrique Coelho 9 de Setembro de oy em Obra Compl, vol p65 56, Cara de sterbro de gay 2 Pino Bares, em Galezo & Galoes, Correspnbia dt Eels da Cana, 9.334 ‘7. Barreto de Santana, Cita ¢ Are pp. 70-72 vr por bre @ rifico vrofes- fia da einatil = bem, pAnto- mm 1917, renis de ados de milita- p.6s5 Bucs da 6 Na Estrada para Canudos XAMINEMOS UM POUCO MAIS © TRABALHO jornalistico de Euclides em 1892-1893, no qual vamos colher alguns dos primeiros ecos dos tremores so- itis detonados pela chegada a Canudos de Antonio Vicente Maciel, o Con- selheizo, 0 consultor religioso dos sertanejos, que o acompanharam a esse refiigio de- solado ¢ logo transformado em pequena cidade, No entanto, nesses anos aminosos que encerram o “noviciado” jornalistico de Euclides, devemos deter-nos por um momento sobre sua profciéncia come jornalst, que foi aval de ofcio, Joie Lusa do formal do Comercio (ens Ia com simpatia por um colega jo de 22 de agosto de 1909)". Apesar de seas muitos textos, volumosos ¢ em grande parte jornalisticos, parece que Buclides cscrevia com muito esforgo e lentido, pelo menos quando tratava de incidentes banais ‘ou quotidianos: ‘Uma de suas preocupasées, a sua verdadeira preacupasio era a “certeza", Certeza do que ‘pensava e do que dizi; queria sempre examinar a fundo,esquadrinhar as ulkimas miniclas, ver ‘com 05 olhos,apalpar com os dedos [..] esmesmo quando contava simplesmente um epis6dio presenciado, um caso de que fora simples espectador, parecia,apesar da sua surpreendente faci- lidade de expressio,escolher, uma por uma,as frases ¢ analis- es de proferidas, para ver se elas traduziam de modo fel a certeze de sua observagio. Buclides[...]escrevia com grande Tent; [..] er.» seu método natural de medit ~ cada pensamento ¢ cada periodo, para que -temensio destes correspondess exatamente ao alcance daqueles Curvado sobre uma mesa perto de Luso, fmando cigarros ¢ escrevendo muito ‘entamente linha por linha um obituitio encomiéstico de Machado de Assis (data- Tao 2 Idom,p. 20. trabalho de wealiaszo aparece seimpresso em Eloy Pontes, Vide Dramatics pp 200 ie 99 do de 2g de setembro de 1908), como uma renda aitida e delicada nas maos da mais paciente das bordadeiras’, passou mais de tr€s horas articulando uma noticia de duas colunas a ser publicada no dia seguinte no Jornal? Nao s6 08 amigos de Euclides sabiam de sua obsessiva maneira de escrever, mas tle também tinha uma teoria da composigio que enunciou a Luso em con ‘mantiveram sobre um colunista que escrevia com demasiads ficilidade mas tinha pouca substincia e profundidade. Ainda assim, Euclides confessou sua sincera admirasio por esses tipos literitios fluentes': “Pelo menos, em refagio a mim préprio, obrigam-me a reconhecer-hes esta superioridade. E que eu sou como certos pissaros que, para despedir 0 voo, precisam de trepar primeiro a um arbusto. Abandonados no solo raso e mu, de nada Ihes servem as asa e tem que ir por ali fora & procura do seu arhusto, Ora, 0 meu arbusto & o Fato.” Cabe lembrar, esse contexto, 0 famoso verso de Baudelaire que compara 0 poeta com o albatroz: “Ses ailes de géant empéchent de ‘marcher...”. Todavia, € evidente que nao era qualquer “fato” que servia para Euclides algar voo ~ tinha de ser mais sugestivo do que factual, Portanto, o “fato” no obituario de Machado de Assis era um adolescente estranho e desconbecido que se aproximou do leito do moribundo romancisea, ajoethou-se, beijou-the a mio e desapareceu na noite. Em contrapartida, quando Jilio de Mesquita, de O Estads de S. Paulo, pedi a Euclides que cobrisse um incéndio na cidade, ele protestou apés tentar inutilmente eserever alguma coisa: “Ora, seu Mesquita, mandar-me fazer uma noticia de incéndio €0 mesmo que mandar Turenne cagar tico-tico”’. Um incéndio no era com certeza © tipo de “fato” de Euclides, ¢ 0 acontecimento teve de ser coberto por um repérter ‘mais prosaico. Voltemos agora & longa série “Dia a Dia’, em 27 partes, publicads no jornal O Estado de S, Paulo de 29 de marso a 3 de juho de 1892, num periodo de mais ou me- nos is meses*, Fundamentalmente, podemos resumir da seguinte forma o contesido heterogeneo da série: positivismo (29,3/29.6.1892); darwinismo (6/13.4.1892); a Ven- deia dos monarquistas ¢ antirrepublicanos (6.4.1892); protestos politicos e punigdes (7f8/24.4.1892,18.5.1892);ciéncia versus religio (20.4.1892); industrilismo e socialismo (27.4/15.892); iteratura versus ciéncia (8.1892); os bacterianos “analistas da matéria viva" (15.1892); Feira Mundial de Chicago (15.1892); € 0 fin de siéle(12.6.1892). Esse bloco de textos jornalisticos é tematizado intermitentemente pelo darwinismo e pelo spencerismo, enquanto 0 comtismo € 0 positivismo sio deixados a uma distincia re- verente, como a ideologia de pequeno grupo de crentes devotados no Brasil. 2. Eley Pontes, p. 208 fo bituio em Obra Compt, 0.1 pp. 457-48 som, p. 203 5.Syvio Rabello, Fulides de Cua, ps. Em Obra Completa vol. 1 pp 85-636 100 FREDERIC AMORY positivismo, como seria de prever, esté-se esvaecendo rapidamente na formagio intelectual de Euclides, que por duas vezes’, nessa série, se preocupa em ressaltar que no é adepto da “religito positivista’, mesmo que possa admiré-la& distancia e deplore (os ataques aleatérios que Ihe sio feitos. Ainda assim, nao abandonari seu camino para defendé-ta, pois, como afirmou antetiormente, em “Divagando [111]"(citado no cap. 4, P75), esté decidido a construir uma filosofia prépria que no final se tornaré “uma definigao da altitude maxima da consciéncia” (o que quer que isso signifique), nascida de um conhecimento mais amplo do mundo®. Nao obstante, esté pronto a clamar contra a associagio que © pow faz entre a destruigio irresponsivel de uma Jmagem de Cristo a sala do ji num edifieio da Capital federal (Rio de Janeiro) ¢ 0 comportamento dos positvistas, apenas porque estes adotavam usa posiglo anticris- 18. Eem outro ensaio de 29.6.1892 aflge-se com os ataques desleais 20 fundador fran «8s da filosofia positiva, que aos olhos de Euctides so muito mais um apedrejamento do que uma lita franca e aberta, Além disso, as atividades desprendidas dos seguidores de Comte merecem simpatia mesmo daqueles que, como 0 escritor, acharm-%e muito afastados das crengas que os motivam. Por outro lado, em virios contextos de “Diz « Dia"o darwinismo reafirma-se con- tra 0 positivisme esvaecente. Repetindo uma linha de argumento que usou em “Da Penumbra 11”, Euclides afirma no artigo de 13.4.1892 que as sociedades (como a do Brasil) evoluem por meio de um perpétuo confiito darwiniano entre @ adaptagéo a novas condigdes de vida e uma hereditariedade conservadora que as repele € rechasa No tocante & hereditariedade conservadora, longe de ensinar os brasileiros a respeitar as leis preservar a autoridade, que é um requisito mais da reptblica que do regime :mperial, monarquia, quando abandonou o pais, eixou-o em estado de crise, dando o a0 desrespeito as leis ¢ & expansio de agitages crimiaosas no meio social. Mas Euclides tem uma razodvel certeza de que os supostos criminosos do Brasil republi- paso que o goverador bia voltouadespachils Cadaver 0. Obra Completa, vl. 1,99 609-6, Idem p55 62.A principal ont de Bucs € x monogeaia de Jose C. de Carvalho sabre transporte do sietco- 0 Bende do ierioe da Baia pra itor: Metre de Bane, io de Jer 88, con uns nga ist do seria ano plo batnico JM. Caminhod gp 29s texto onde Bndiersbebernrse rement,Aefeéncn a Sunt Hair in Obre Completa, ol. ttp.s76 por exemplo,é tna de Cai Soi GE Mtr.) Ob Compl, ps8 BUCLIDES DA CUNTA: UBLA ODISSEIA Nos TROPICOS HE 1a, aso violenta de um mar intesior no Periodo Terciétio™, era 0 cendrio perfeito para a guerra de guerrilha dos sertanejos. Lé o jagungo estava em seu elemento caético, hha persegui-lo no seio de uma natuseza que © criou & sua imagem ~ barbaro, impe- tuoso € abrupto"*, Além disso, o iluminismo religioso do final da Idade Média, com seu desprezo igual pela vida e pela morte, hava fortficado com “a heroisino mérbito « inconsciente de hipnatizado e impulsivo™* Até mesmo a geologia da terra lhe for necerd a rmunisto na forma de salite para a formagio de pélvora e grios de quartzo para as balas 2 serem disparadas por hacamartes ou espingardas de pederneira. Bsse -gundo artigo termina corretamente com uma énfase sobre 2 necessidade logistica de estender as bases secundaria de operasao desde o fronte em Canudos até a firea de preparagio atris de Monte Santo. Logo apésa publicagio desse artigo, Euclides voltou mais uma vez casa de Teo doro Sampaio, num espitito “mais animado, Era outro, € tinha como que um vago pressentimento de que o seu destino ia mudar””. De fato, fora persuadido, nio sem algum esforco, por Jilio de Mesquita, diretor de © Estado de 8. Paulo, a cobsir, como repérter do jomal,a guersa de Canudos e fora nomeado adido 20 Estado-Maior do sministro da Guerra, marechal Carlos Machado de Bittencourt. Sua momentinea haesitago antes desse encargo deveu-se possivelmente & relutancia em complicar ainda mais a posigo ji comprometida do sogro em Salvador ao interferir de algum modo na politica bélica do governador baiano**, De qualquer modo, procurou Sam- paio para pedir-Ihe emprestado um mapa e notas sobre a regido de Canudos, que seu amigo havia cartografado em 3878. Contudo, a promessa de flio de Mesquita, nunca cumprida, de publicar um liveo de Euclides sobre a “guerra” de Canudos® foi pro- vavelmente apenas um estimulo para induzi-lo a cobrir a quarta¢ iltima campanha como repérter in loca, No devido tempo, no inicio de agosto de 1897, solicitou uma licenga & Superintendéncia de Obras Piiblicas de Sao Paulo e, depois de confiar a esposi e 0s filhos aos euidados do pai, na fazenda de Belém do Descalvado, Buclides cembarcou no “Espirito Santo”, no Rio, no dia 4 de agosto, para Salvador, para fazer seu relato sobre a “guerra” Dispomos de dois documentos autobiogrificos dessa jornada, dirios de sua via- ‘gem de navio e por trem ¢, finalmente, a cavalo até o campo de batalha de Canudos. 5 Obra Completa, 01,9. 380 6. dep (Teodoro Sampaio,*A Meméria de Bycldes da Cunha’ pp 248-249 ‘8 Conforms diz Sousa Aadeate, Hira eIterpraas. p02. 69."[.] Bste trabalho seri por ns publicado em volume™~ assim dizia a nota impretsa no Bade de Paul cde 50 de julho de 857, citada por Sousn Andrade, Hiei InterPret, 302. a 9h eneperre astony foi pro- jcampanha tou uma Be confiar @ Ho, Eucides ic,para fazer ws de sua via~ ‘de Canudos. Lisi, Clima ress no Esta de Unt desses didtios,intitulade Caderneta de Camps” por Sousa Andrade, € um caderno de meniorando escrito para uso particular e contendo todas as espécies de material documentirio: passagens sobre a vida € @ linguagem dos sertanejos, alguns trechos nagrativos e notas sobre as quatro campankas do governo, poemas ¢ cartas dos serta- nejos, esbogos da regiio de Canudos etc. O outro difrio, também editado por Sousa Andrade em Canudos ¢ Inéditos ¢ denominado Canudos”, & uma narrativa continua, cronolégica, de sua viagem zona de guerra, que, no entanto, se detém antes da san- grenta vitéria total das forgas do governo sobre o povoado religioso, Foi escrito para consumo dos leitores do Evtado de S. Paulo, Junto com esses documentos, Euclides ‘também enviou ao jornal, com frequ a, grande niimero de telegramas sobre 0 pro- ‘gresso da “guerra’”. Entre todas essas comunicagées para si mesmo e para os outros, estamos interessados principalmente no dito Canudes ara Euclides, pouco habituado a viagens maritimas,9 percurso do Rio a Salvador levou quatro dias “de verdadeiea cortura” antes de aportar na “bizantina” capital da Bahia”. Embora Salvador fosse o local de nascimento de sua familia paterna, onde ainda viviam uma tia e um tio, Honéria e José Rodrigues Pimenta da Cunha,ele trans- forma a cidade numa Bizancio ficcional —e a si mesmo num “grego antigo”™*—e munca faz. meno aos parentes, apesar de ter ficado por erés semanas na casa deles antes de partir para o interior com o marechal Bittencourt ¢ sua comitiva. Junto com nosso epéster viajow no vapor um colega correspondente do jornal 4 Noticia, um corpo de tropa € um imponente canho, o Canet, que se destinava “a contraminar as minas saidoras que existem no solo de Canudos"”, apesar da dificuldade, ns opinio de Eu slides, dea astar suas duas toneladas pelos cazninhos préximos a0 povoado, Na saida porto do Rio, um reateitrante soldado jogou-se ao mar, mas desacorgoadamente ‘oi retirado da 4gua por outro vapor menor que entrava na bare Nessa época, segundo as estimativas militares oficiais, as forgas que enfrentavam 0 rcito em Canudos eram “nia [..] mais de duzentos homens””, caiculos certamente Zemasiado inferiores e passiveis de revisdes para cima. Toda vez que os homens do scito republicana se mostravam deprimidos devido as dificuldades que se thes de. avam, eram prontamente alevantados pelo “nosso grande ideal ~ a Repiiblica”, que ‘7 Editado por Sousa Andrade, nao muito satisfioriamente, mm Sio Paulo, em 175. Dagut prs sera sada «forma abreviad Cadernet. LEm Oh Completa vol38, pp Agp-72 = Pablicados 20 pé da pigna do texto de Canadas aqui referdos como Telgramas Obra Completa, vl. 31 Canadesp 494 “+ dem, p18, CE 08 ver0s sobre si mesmo que dedicay a Laicio de Mendonca em Ora C2 3-636: "Bstecaboclo[..]/ Miso de cl de epuiaegaeg. dem. 9.494 Coders Gina Completa, vol iy Tegrames, p49 EUCLIDES DA CUNMA: UMA QBISEEIA NS TROPICOS FH Esbocos de Bnclides da Cunha em sua cademneta de campo da Guerra de Cenudbs. 14% PREDERIC Astony em seu cariter abstrato Buclides munca teria pensado ter amplitude tal que pudesse sraduzir em “sintese admiravel as nossas afeigGes”e, desse modo, ser capaz de “animar consolar tanto". Portanto, a pagina do diario de 7 de agosto termina com um grito Sincero ¢ profundo: “A Repiiblica é imortal!”” “Trés dias depois chegou ao jornal outra mensagem de seu didrio: a visio dos sol- dados feridos que voltavam da linha de frente, claudicando pelas ruas de Salvador,em mntraste com os recém-chegados, “entusiastas” e prontos a seguir para a luta. Esse cexpericulo misturado induziu Euclides a ‘percorrer”(Spercorti-os todos” uma expres- 30 de tempo de guerra de sua prediles2o™) todos os hospitais atopetados de feridos, ¢ ficou impressionado com a generosidade que os salvadorenses demonstravam para com eles. © general Savaget, comandante da segunda coluna da quarta expedigao, sambém fer uma visita aos feridos; sua presenga teve um efeito galviinico sobre seus ‘homens depauperados, que lntavam para sentar-se nas camas, erguiam os bragos con- vulsivamente e aplaudiam-no. La fora, os que se aprestavam para parti para a linha thegado batalhio paulista, eam até mais ruidosos em seu de batalha, como o recé Fervor bélico enquanto passavam marchando, Essas cenas de sentimento patriético ‘patético e festivo em Ganudos obstruem a visio de outras ocorréneias, mais sombrias, de violencia em Salvador, os choques entre a soldadesca e a policia, os ataques aos ‘bondes, as invasdes de casas particulares, os assaltos a pessoas indefesas, as lutas com pedestres e donos de botequins, as insolénciasdirigidas a mulheres desacompanhadas ete." Foram essas as reagdes imediatas dos soldados & derrota da terceira expedigio, nas, como Euclides mostra, as tropas republicanas também podiam confraternizar-se polidamente com os habitantes da capital baiana. Contudo, a morte de Moreira César e a fuga das forgas da terceira expedigo fo- am responsiveis, no entender dos oficiais de estado-maior da quarta, por oferecer oicistmente,apesar de todos os avisose de todas as opinies em contririo, que o ~2batho era de primeira ordem e que as éguas do rio podiam crescee a vontade, porque 2 poate saberia cumprir seu dever..."" bee as placas de mics ef C. Frederic Hart, Gly and Phyl i (impr. Huntington, New Yorks 7) pp a8 at, 2m pp. 46-147. Se, como pensava Gilbert Freyre (Pee Budyds, p40), Orville Desby deu a "grande ajuda tenia em geology, iso deve ter sido feito em grande parte através de Sampaio, “Ek Pucyes op 49-48 zodoro Sampai,"A Meméria de Eucldes da Cunha’, 254 = Yer Gama Rodrigues, Buide d Cunha Engondsire pp 449-560 nd Gana Rodrigues, ,cit, pp 444s; sobre as opinibes de otros jw cf, mesma fnte, raphy of Bra Albert EUCLIDES DA CUNMA: UMA oDISSEIA NOS TROPICOS Fe c49 Euclides, que tinha supervsionado o inicio da construsio em maio de 1896, bem antes de sua viagem a Canudos, junto com a comissio de investigag#o do ministro da Gruecea, sentiu-se a obrigao de reconstruir aquela massa derruida de metal e pedra, depois de ter-se certificado de que uma das causas da queda fora defeitos no rebita- mento. Pode-se dizer que muita Agua passou por baino da ponte antes que se pudes- sem iniciar a sério os reparos, na segunda metade de 1898. Primeiro, Euclides teve de negociar com a burocracia da Superintendéncia para que fosse o tinico supervisor da construgio; depois, em margo do mesmo ano, ele, esposa € os dois flhos tiveram de Instalar-se numa casa de Sao José (a atual Casa de Cultura Euclides da Cunha); ¢,por tftimo, teve de mandar fimpar um local de trabalho & margem do rio perto da ponte suida, construir uma cabana para si mesmo de “velhas” chapas de zinco (que ainda hoje esti de pé) e colocar nesse local todos os materials necessicios para a obra. [No que diz respeito a reconstruslo, que demorou trés anos, ¢ imprescindivel dizer aque a5 partes rebitadas da superestrutura de fertotiveram de ser desmontadas n0 local ‘onde haviam caido na agua, suspensas pega por pega até a terra seca,a fim de serem desamassadas manualmente aquelas que estivessem tortas, € depois remontadas. E {que ea caro demais substituir in foto a superestrutura de ferro forjada na Alemanha. Caleulou-se que a desmontagem implicava cortas, a frio, cerca de oito mil rebites~um rnimero assustador"S € a documentago de Antonio da Gama Rodrigues sobte esse projeto nao dé qualquer indicagao de que as fetramentas ou instrumentos usados na cobra fossem de algum mado mecanizados,a no ser ums “talhe automética”™. A axio de obra era composta de quinze homens ou um pouco mais, principalmente imigran~ tes italianos, que, segundo parece, trabalharam sem uum guindaste e com ferramentas smanuais comuns Enquanto esses openitios desmontavam a superestrutura pega por pega, seu chefe navegava pelo rio numa balsa tstando o fando do leito com uma vara afim de deseo: brir um terreno mais adequado para colocar um novo pilar no lugar do rachado. Bssas “sondagens”, no finsl bem-sucedidas, deixavam todo sujo o diligente engenheiro, que 6s transeuntes viam no local da obra “ora servindo-se de canoas, ora a pé,sem chapéu. Pelos barrancos, todo molhado, com 0s sapatos enlameados, fazia sondagens, obser- vvagbes, célculos, mantendo sempre a firme convicio de ter achado o que procurava"™*, Um quatio bastante diferente, este de Euclides em dia de trabalho, dagucle do ele- sgante repéirter entre seus confrades na chegada a Monte Santo (cf. cap. 7, p.144)! 14. Estatva de Vendncio Fiho cada poe Sylvio Rabello, Buds da Combs, ps. 45. Ver lista de Seramentas erm se9 Facidr do Cand: Enger pp. 69 ¢ W-Tp es resume de Sousa Andeade, Mitra eInterpretgd.. pb, 14. Com diz Jodo Modesto de Casto num "Depoimento Escrit indi, itado por Sowa Andrade, HiriaeIerpretaan..9.183 yo 9 PREDERIC AMoRY 1896, bem ainistro da ale pedra, no rebita se pudes- les teve de vervisor da siveram de aha);,por da ponte ainda hoje sdivel dizer fas no local nde serem rontadas, E Alemanba, ebites— um + sobre esse s usados na 2A mio re imigran- ferramentas sayseu chefe mde deseo thado, Essas snbeieo, que vem chapét. gens, obser- uuele do ele petal! to resumo de Sousa Andrade, Ponte arrinada, A ponte reconstruida BUCLIDES DA CURMA: UMA ODISEEIA NOS THAMCOS A ss (Cabana de Buclides da Cunha em Sio José Enclides da Cunha em uma balsa em Sio Jose Uma ver determinado, pelas sondagens,o local mais duro do fundo do rio, 0s cai- xxGes de madeira, dentro dos quais seriam consteuidos os pilates de granito, puderam ser abaixados até quatro metros no lugar e esgotados com bomba. Alguma outra cons- ‘trugio preliminas, como o langamento de uma “ponte-piloto” sobre caval es por sobre © rio, prolongou até o final de outubro de 1898 0 servigo de fundagio"”. No entanto, 1no final do ano,o engenkteito dispunha de muito mais tempo, durante a supervisto da alvenaria ¢ instalagdo dos pilares, para retirar-se para sua cabina e continuar a escrita de Os Sertés, principalmente porque a construsio estivel desses pilares no rio tomou todo o ano de 1899. Dai em diante, a reconsttugio da ponte e a escrita do livro caminharam pari passu durante os dois anos ¢ meio seguintes. A superestrutura de metal, remontada, foi recolocada sobre os pilares — presumivelmente em partes ~ nos meados de 1900. Fi nalmente, depois que Euclides, segundo se diz, testou sua durabilidade mantendi embaixo dela numa pequena ilha proviséria (como um construtor de pontes faz num conto de Alexandre Herculano"*), a ponte foi considerada um sucesso e devidamente reinaugurada em 18 de maio de 190s Quante seus relevantes servigos, o engenheiro foi promovido, pelo governo do estado, a chefe de outro distrito de obras puiblicas na vizinhanga de Sao Carlos do Pinhal (perto da fazenda de set pai) ¢ também recebeu uma homenagem piblica da Camara munici- pal da cidade de permaneceu por cem anos, até hoje, sem mudangas, enquanto sua antecessora caiu em sua obra literiria, Os Sertées, foi terminada no mesmo més desse ano, Por Jo José do Rio Pardo, e de seus cidadaos um tacémetro”. A ponte dois me Agora, dentro desse esbogo cronolégico dos melhores anos da curta vida de Eucli- des, seria deixar uma falsa impressio supor que 0 engenheiro-autor, que, notoriamente, co livo duraré enquanto o portugués for uma lingua viva, xa avess0 a muitas das facetas coloridas da vida brasileira ~ banquetes, celebragies e jie de vivre de modo gerak® — simplesmente se enfurnasse 0 dia todo em sua cabana ‘a escrever, ou supervisionasse seus operdcios italianos & distancia, sem sequler partici 17. Deparamo-nos aqui com outradivergéociaente a fntes.Baseio-me no clato de Sowsa Andrade (sore Interpret... pp. 83-14) sole» construct da ponte, que se fandamentos nam artigo pd bicado por Gama Rodrigues no oenal A Gazeta de Rio Purdeyem 27 de setembra de 15 as um relat da Secretaria Estadual ds Agricultura, citado por José Aleixo Irmo (Euclid da Cua e o Seis, pp. 36-59), contradiao relato anterior e data de meados ce 1900 a construo da “ponte-pilotos cp. seceivoperigrat, 1s. CE Gama Rodrigues, Paces da Cuma: Engen, p82, 19, Sousa Andrade, Mitra «Interprets... pp. 292 © st, € Gama Rodkigues, Ba Engonbira, 8 2a. Vejam-se a reserve de Gilberto Freyre (Poy de Budde, psi) sobre as entipatas de Buclies a es26 "boa coisas" ¢ 0s eomentirios de Teodoto Sampaio tA Meméria de Bucldes da Cunha’ ed. Neves, 14) (eitadosacima, p. 149) sobre seu comport de Cans: 0 mesa dejan, a eeeen puderam utracons- por sobre >entanto, srvislo da pari passu nada, foi 3900. Fe ntendo-se s faz num ‘idamente seano. Por fo,a chefe (perto da 9.8 ponte ide oriamente, ebragdes € sua cabana wucli- ver partici- usa Andrade im artigo pas sam elatSrio Saal otc 8 tes de Cubs de Bucides a saed. Neves, si da vida social de Sio José, ainda hoje uma das comunidades mais entreligadas do ‘or de So Paulo, Essa impress produziria um quadro totalmente errado de sua 123 real nessa cidadezinha, que no final do século x1x mostrou grande crescimento 20 a0 afluxo de imigrantesitalianos e as ligagdes por trem com Santos, facilitando rtagio de sua produsio de cafe™ Embora possa ter tido seus ressentimentos nativistas acerca das ondas de italianos ‘negavam aS 10 Paulo nos anos 1880 ~“{FJalta-nos a integridade étnica que nos the de resisténcia diante dos caracteres de outros povos" — Buclides teve o bom -<250 de discuti-Ios na imprensa em ver de aplicé-los irracionalmente nos italianos se #22 equipe de trabalho, Entre esses valorosos operiios estavam Torquato Coli, que lutado pela Repablica em Canudos, onde também fora designado brevemente cuidar do repérter de guerra, Euclides; Atilio Piovesan, que manuseava a bomiba razz esgotar a dgua dos caixdes; Agostinho Rossi, o mestre pedrero, pau para toda de Euclides; e, cima de todos, 0 guarda do local de trabalho, o velho calabrés, 0 marinheiro, Mateus Volota, a quem Euclides se afeigoou, Nenhum membro 22 squipe exemplifica melhor as relagbes do engenheiro com os italianos do que Ma- quando a Camara municipal deliberava sobre uma recompensa monetiria de um de réis para Euclides, junto com a homenagem verbal que Ihe seria prestada, pediu que o prémio fosse mudado para uma pensio de setenta mil-réis mensais == Lwvor de Volota,a fim de que o trifego sobre a ponte reconstruida fosse mantido jonando a contento; ¢ assim foi feito durante um ano ¢ meio até que o guarda orreu, em fevereiro de 1903, de febre-amarela® Os italianos que tinham imigrado para trabalhar no Brasil, como sociedade esera~ “s2 que até pouco tempo antes era, trouxcram consigo, naturalmente, suas prOprias bre 9 trabalho livre, as quais foram expressas em movimentos e organizagbes, ‘sstalistas em quase todas as cidades litordneas do pats anfitrito, Essas ideias, que += do anarquismo de Balsinin 20 socialismo normativo de Marx, foram combatidas criminadamente pelo governo e pelas classes diigentes do Brasil nas capitais do sab; mas, de: maneira bastante significaiva,essas mesmas ideas entracam pelo jor € chegaram a Sio José sem multa resisténcia e inspiraram a organizayio Ver a anise completa da histria de Sao José em Sousa Andrade, Hise « Interpret... 169, [No ensaio“Nativismo Provisério" de 1907, em Obna Completa, vol. p18, CE artigo em “Dia 2 de 6 de julho de x65, ss cespectivamente 29, Pace Aleiuo lomo (p. 1), uma boa sugestio de Sousa Andrade (pp. 271 € 8}. memsagen vem seimypressa em Obra Compl, 7.529 sn. Naturalmente, Imo neg peremptoriamente que Bucldes sj o autor dese dacumento, que est reimpreso ein Ofra Campleta, vo. 1p. $38 com a dats erada de ede mao de #899, 3. Conforme observa Evarsto de Moraes Pho na introdusdo sus antologia de esrtores socialist 1y6 3 PREDERIC AMORY sabalho,o ‘anotivel noenco- ‘bar — nas sais sobre que acon- estudioso 1960, que, rs, Sylvio cialismo yessa € a atenvada aveniade e deixado be queele sua pena quando 1 Pardo de tum jornal teria tido rar que,20 uclides foi Lageo”. Victor Leo tore Iter da Caunba, be Ocriticn pssepnse sagen vem nto, que ests Creio que podemos concluir que Euclides foi parte interessada no socialismo ita- sno que surgiu sua volta, mesmo que nao tenlhz sido atraido para o campo socialista A seguinte reminiscéncia de Pascoal Artese parece-me sustentar de forma vivaz a selagio distante e incerta de Euclides com os italianos politicos de Sao José: ‘Terminada « sesso, embro-me bem quando o saudoso Francisco Escobar disse: ‘amanhi seo Dr. Euclides vamos redigir 0 manifesto da significasio da festa de de maio”. No dia se~ te quando caiu a noite,cumprimenti o de. Buetides da Cunha, que estava enquadrado num cela de sua residéncia,¢ esse [cavalheiro] de repente me chamous"Artese, aqui esto manifesto eu 0 Chico [Escobar] terminamos de escre Ele me entregou apenas duas colunas, Eu, meus inquietas dezenove anos de idade, esperando um manifesto colossal com que junsara oral, the disse admirado: “Apenas isso2” Ele me respondeu: “Vi, est tudo af" ‘0 “manifesto” mencionado devia ser lido a0 povo rio-pardense na festa socialista 40 "Dia do Trabalho” de 1901”. Se houve limitagGes politicas a suas interagdes com a comunidade operiria italiana ima com Escobar ¢ com 0 ciculo brasileiro de litera~ os que gravitavam em torno desse hider no softeu quaisquer restrigbes. Disse muito 448 Sto José, sua amizade mais i ‘sem um erudito,José Calasans, que "Os Sertées € um livro de uma equipe. Uma obra de autos colaboradores. Livro que Euclides fez questo de ler para virios amigos”, No slo de Escobar encontrou pela primeira vez uma plateia maior para seu livro, mes Gepois que foi publicado, uma plateia critica que respondia as leturas com suges~ . objesbes ¢ aprovagio, como nao tinha recebido antes nas fases de pré-publicago ie seu texto, a nio ser de Teodoro Sampaio, Além dessa colaborasio textual, o grupo i José também trouxe para ele literatura especializada e informagoes do Rio, de So Paulo e de Salvador, para documentar ou ihuminar suas teses. Nessa audiéncia amigivel incluia-se © advogado baiano José de Oliveira Leite, fe morreu jovem, mas nio antes de transmitir de Salvador para 0 autor valiosas informagées sobre a longa histéria baiana do seu estado nativo. Outro amigo leal que deixou uma série de artigos escritos posteriormente € publicados na Gazeta do Ris Pardo sobre sua amizade com Euclides foi José Honério de Silos, um eidado da ‘csleirs, 0 Soaliimo Sativa p45, CE as jiciosasobservages sabre o socialism de Euclid fetes ntxprete marasta do pensamento de Euclides, Clovis Moura, Inia ao Posament de Eudes 2 Conba, pp 12-144 12 Extra do joral Rasnba de 10 de abril de 1935, por Sousa Andeade, Hiri e Interpret... 1, Segundo Aleixo Irmo, Eudes da Cone, 54, Cade a partir dem mannscrito de Calarans por Joxé Carlos Barreto de Santana, Gifasiae de Feira de Santana/Sio Palo 2001p 4 EUCLIDES DA CUNIA: UMA ODISSELA Nos TRAPICOS He 57 pequena cidade ¢ colaborador do texto de Or Sertes na seco “Estouro da boiada™™. Un terceiro amigo, Waldomiro Silveira, um contador de estérias e homem do interior (da vizinha Casa Branca), que nunca tinha visto o mar, mas que lera extensamente a literatura portuguesa e brasileira, emprestou 0s clissicos portugueses, Camilo Castelo Branco e Alexandre Herculano, a Euclides, cuja colegio de literatura portuguesa € brasileira era diminuta, “apenas subjetiva"™, Um amigo que nao pode ser esquecido Josio Modesto de Castro, 0 memorialsta que registrou em pagina inédita as atividades, didrias de Euclides, iterdriase tecnoligicas ~uma fonte biogréfica findamental para esse perfodo de sua vida No entanto, o chefé desse circulo merece um esbogo biogrifico mais completo, de vez que Francisco Escobar era um homers incomum, tanto quanto o proprio Euclides. A principal diferenga entre eles era que Escobar nada escreveu de muito consequente, por forea de sua convic do de outros dons artisticos rmineiro, nascido em 1865 na pequena cidade de Camanducaia, no sudeste de Minas Gerais, e em grande parte um autodidata. Ainda na adolescéncia, aprendera latim to bem que seu professor teve de suspender as aulas depois de dois meses porque © aluno jétinha dominado tudo o que o professor sabia da lingua. Sua irmé ensinou-he as primeias letras ¢ miisica, em especial de piano. Desse seu inicio educacional seus 4o de que nfo tinha “nada de novo para dizer”; mas era dota- académicos diferentes dos do novo amigo. Escobar era estudos ramificaram-se em vii direses dura ¢ a adolescéncia: para mais latim também grego sob a diregio do classicista monsenhor Francisco de Paula Rodrigues; para o conhecimento de outros instrumentos musicais (Rauta, harpa e violino); para a paleogeafia portuguese; ¢, finalmente, para o direito, seguindo os passos do pai. Além disso, ainda bem jovem, tornou-se um bem equilibrado colecionador de livros” A um prodigio como esse € um pouco dificil atribuir méritos intelectuais de- masiados que ele mesmo nao se teria arrogado. Assim, Vendncio Filho lembro de t8-1o ouvido falar, ‘por volta de 1925", de psicologia freudiana, da nova estética de Croce, do neopositivismo de Wilhelm Ostwald e Exnst Mach, das filosofias de Bergson e William James, da pedagogia de Montessori etc. — tudo isso e mais “com plena autoridade sobre o assunto [em pauta]"*, Poder-se-ia muito bem espantar-se com o aleance dessa rememoragio, porque o proprio Escobar nio poderia ter ponti- 38. Ver, por exemplo, Ora Completa, vo. 1, p79, onde a palvea“embolados” foi mma sugestto de Silo. 36. Expresso obscura de Silveira, ctada por Sous Andrade, HitsiaeDerprta.. P19 ansaco Escobat" mn Digete Eso iso Exaba, Belo 1, Sobre Escobar vejao ensio de sun filha, Roseura Bscob,“ omic, 18, pp. 84-90, marjovabril de 1966, ¢o livrinho de Manuel Casasants, Fra Horizonte 1d 3. Venuncio Filho, A Glivia de Bue de Cun (29), di: mais de quinge anos sri’ cf, Sousa Andrade, HisériaeInexpretae.. 80, sobre a data de 1935, 0 ano da morte de Escabae! inda™. terior niente a Castelo ecido é vidades tal para leto, de uclides. quente, adota- vbar era Minas a latim orque 0 rou-lhe val seus latim e drigues; bsparaa i. Alem rais de- brou-se cestética ofias de antar-se + pont esto de ef Sous Francisco Fscobas, ficado como “autoridade” em tanta coisa. Ainda segundo sua filha Roszurs, pode-se muito bem acreditar que Escobar era um poliglota, sendo fluente em diversas linguas rominicas ¢ em inglés e detendo profundos conhecimentos de latim e grego, mas as Jiseas de vendas péstumas de sua imensa biblioteca nto trazem qualquer indicio de que soulbesse aleméo, um conhecimento que ela também the credita”. linda assim, sua incansivel curiosidade intelectual era extraordinria e granjeou- -Ihe muitos admiradores na época, entre eles o proprio Rui Barbosa, Barbosa, Escobar, 6 tutor de Nabuco, o Bario de Tautphocus, ¢ outros polimatas semelhantes eram 10 caracteristicos em sua raridade e erudig0 quanto os ntimeros deprimentes de anal- fabetos no Brasil da vir ras nao necessiriamente ricas, passavam diligentemente pelas escolas publicas para chegar até & educagio superior e poder instruirse ainda mais e mals, ao passo que as pobres massas analfabetas nem mesmo conseguiam entrar aa escola. Assim, o sis ceducacional com suas muitas falhas“ fevou alguns aos cumes do conhecimento por si préprios e destinou a maioria a um analfabetismo ¢ ignorincia perpétuos. Uma historieta musical sobre Escobar tem um encanto particular: ele gostava de tocar piano & tardinha na casa do irmao em Cartaneucaia e, num desses eventos, quando tocava provavelmente Beethoven ou Bach, uma aranha deslizou pela parede 4a sala de estat, como se quisesse ouvi-lo melhor. Francisca, sua esposa, observou na hora: “Até as aranhas gostam de ouvir o Chico tocar™*, Esse homem, com seus dons ratos ¢ grande modéstia, era, a semelhanga de Orfeu,itresistivel a todos, até mesmo as proprias aranhas, ¢, portanto, era o amigo ideal para Euclides, que precisava da presenga ¢ do conselho de uma natureza to atracnte e simpatica. Escobar foi guem conseguiu para ele, entre outros livros, uma cépia rara do primeizo volume da Flora Brasiliensis de Carl Friedrich von Martius, a qual traduziu algumas passagens do lati para incluir em Os Serties®; em outra ocasiio, intercede em nome do en- ‘genheito exasperado junto a0 dono de um barulhento bar italo-brasileito perto da casa dos Cunha para conveneé-lo a mudar-se para outro lugar; e podemos ter quase certeza de que Escobar atraiu o antigo para algum tipo de cooperagio com sua mi- litancia socialista no Clube “Os Fithos do Trabalho”, mesmo que fosse apenas para ‘uma ajuda literdria os. "Francisco Escobar, p86 Bla graciosmente, me perma nerocar a iste de vend, que devem ser companidse com ax da biblioteca de Bucides, que me foram cedidas pelo dt. Osvaldo Gabe “4. Vero capitulo antigo mas conve! sobs “a tag da educapsopilcaem FL. Berlin, Fats Aas ma Formay Brsileine, St Pasl, 154 3p 4. Casysanta, Franco Baar, p. assis chp. 7:“Bscobarpareiadotado de uma vara magica para asa ais" 42. Ver Obra Completa, vo. pt: "desevtus astral). sia hors." frases extras do rated de Martins, so % FREDERIC AMORY sa, pode-se sas linguas ‘go, mas as. cio de que granjeou 1a, Escobar, serum tio es de anal vas familias iblicas para asso que as 2,0 sistema vento por si ele gostava res eventos, pela parede tbservou na 1 seus dons até mesmo rrecisava da ar foi quem sae da Flora assagens do sme do en- 10 perto da 0 ter quase apenas para cerinc, Fares ra migica pasa fas do wad © menor dos grupos, porém 0 mais importante, dentro do qual Buclides viveu Sao José foi, naturalmente, aquele formado por sua esposa e pelos dois fllos, =resmo que ele ¢ seus bidgrafos dificilmente fagam alusio aos membros da familia, st perto do final de sua vida no Rio. A maior tensio que pesava sobre sua familia ¢ scbre © proprio Euclides era 0 nomadismo de seu modo de vida, pois nunca podia er quando e para que outro municipio do estado de Sto Paulo seria chamado 2 sxecutar mais um projeto de engenharia. Sio José do Rio Pardo, Lorena, Guarujé ram essa 8 a8 pequenas cidades do estado as quais a familia 0 acompanhou: nunca -ava muito tempo num lugar, com excegao de Sao José nunca possuia uma casa as acampava nas casas de outros como ciganos, nunca conseguiu guardar coisas modo adequado, sem lugares para livros © roupas, nunca se estabelecew ~ foi ‘ito exaustivo esse modo de vida sem raizes ¢ sem descanso, Até mesmo Euclides jentava a sorte da “pobre da familia arrastada nestas mudangas continuas...”®. Além da reconstrugio da ponte sobre o rio Pardo, construim cutras novas sobre o =o Paraiba em Sio Paulo, mas, como sabemos, elé mesmo odiava a vida errante de -geaheiro civil ¢ teria dado quase tudo para abandoné-la, E ainda assim, ele ¢ a Similia nunca mais estariam to bem como em Sao José, onde passaram trés anos, Como reconstrutor da ponte, era admirado pelo povo da cidade e vivia cercado de =uitos amigos, os quais foram o primeiro piblico representative de seu livro. Gragas :.e3sa acolhida, Sao José teve um efeito benigno tanto sobre ele mesma quanto sobre ‘esposa, que lhe deu um terceiro filho, Manuel Afonso Ribeiro da Cunha, nascido => final de janeiro de 1go1. Por outro lado, em Siv José Euclides tinha-se tornado mais temperamental, mais =2:v00¢ perturbadlo interiormente; lembrema-nos das palavras de Teodoro Sampaio: “za um doente,talvez imaginério, mas de fato doente”, Depais que 0 sogro, 0 general Sslon Ribeiro, morreu, em 10 de janeiro de 1900, Buclides mudou-se da casa onde zeneral tinha estado um dia em visita a familia Cunha, ¢ assustou-se com 0s trajes Zenebres da esposa, um vestido preto de Iuto pelo pai, como se nesses trajes ela fosse “antasma do pail O brilho de olhos de gato no escuro do quarto & noite também © =eixava alarmado. Esses sintomas psicolégicos de perturbagdo interior foram o preli~ ode uma estranha experiencia que sofreu depois, numa manbit em que se dirigia a abalho na ponte. ‘Contando uma de suas experiéncias a0 romancista Coelho Neto", dectarou antes =£ mais nada que costemna observar “essas coisas de longe, como espectador apenss”. ‘Mas teve de confessar que, um di, cha gassado +. Cituda por Syvio Rabello, Eushides de Comba, pase que dic ser uma observagio verbal fita a> +72 Vicente de Carvalho; nfo atestada nas cates que Buclides the escreteu ‘4. Esse lato space em Coelho Neto rede Pratap 247 PUCLIDES DA CUNHA: UDA ODASSEIA NOS TROPICOS #16 [oa] um mau momento, e 0 que mais é: em plenodia, com o sol a pin [...] em S.José do Rio Pardo, quando [...] andava a construir a ponte. Descia[...] a cavalo uma ladeira, quando [sentiu} o animal refugar, aos arrepios.Procutando 0 motivo daquele espanto, [avistou] embaixo uma mulher de branco, debrusada # cancela de uma casa, que [...] sabia achar desabitada. A medida que [... se] aproximava como se 0 vulto se dissolva, eevaecendo, e quando [defrontou] com a cancela, da tal mulher... em sombra! No entasto, essa imagem misteriosa nunca desapareceu realmente, pois, em data posterior, em outubro de 1905, em Manaus, apés longa e cansativa viagem de explo- rasio das cabeceiras do Amazonas, Euclides foi de novo atormentado pelo fantasma, enquanto recuperava as forgas de um ataque de maliria, no “chalé” de um amigo, Al- berto Rangel, que se encontrava em Paris, para onde escreveu, um tanto brejeiramente, sobre “Tétemelle dame en blanc / qui voit sans yeux et rit sans lévres™®, Depois que se apoderou de sua consciéncia, a imagem da mulher de branco continuou a obseda-lo nesses alojamentos, que partilhava com outra pessoa, um amigo mais jovem, o tenente Firmo Dutra, Nessas recorréncias psiquicas,a mulher, agora de véu branco, caminhava «em sua diregio como se quisesse dizer algo, ¢ as visbes adquiriram coloridos sexuais. De fato, no rio Purus,afluente do Amazonas, onde a selva Ihe tinh parecido,& noite, cheia de murmiirios e sussusros de outro mundo, a dama havia flutuado até ele em suas asas,fazendo gestos como se quisesse fazé-lo falar com ela, vestida na mais leve das roupas brancas,¢ incongruentemente portando tum clarim, Com as idas e vindas da mulher & noite no “chalé” de Rangel, Euclides s6 conseguia conciliar 0 sono se ‘mantivesse uma vela acesa ao lado da cama. Vez por outra, confessou essas alucinasées a seu colega de quarto, Firmo Dutra" © que temos a fazer com todos esses acidentes fantasmagéricos? Ocorreram-nos algumas explicagées, incoerentes ou contraditérias, que poderio ser classficadas em ordem decrescente de plausibilidade, Primeiramente, nao deve haver diividas sobre a snatureza supersticiosa de Buclides, que ele mesmo atesta tanto em Sao José quanto no Amazonas“ Depois,o“anjo" do Amazonas est vestido numa leve toupa de seduczo e acena para cle com uma espécie de convite, como um aliciamento sexual. Em tetceizo lugar, apés a morte da mae, ele reteve dela no apenas uma imagem na forma de uma mulher de branco, mas também algum resquicio psiquico de culpa infantil por sva 45, Carta a Rangel, de 20 de maryo de 1995, em Galvio 8 Galo, Corrrpondinia de Eucides de Gunba,p. 277. Os verso da poesia francesa sdo de Maurie Rolinat da segunda metade do século x1x Sobre o pape dessesimbolista nos eiculs literiios do Ria ver Beto Beoca, 4 Vide Litera no Brasil 12900, Rio de Janie, np, ts, Sobre essas assombrasdes, vee Sylvio Rabello, Euless Cumbs, pp. 277278 49. Rabello, op its p35 Mesmo um reden-rour de Buelides com uma prostiuta de Manaus fo: patna” José do quando embaixo iad A frontou) um data 2 explo- igo, Al- ‘amente, is quese sedi-lo tenente mminhava sAnoite, éele em nis leve e vindas sono se vcinagr -adas em \s sobre 3 panto no sedugio e a terceiro ade uma 1 por sua Bide da seco 1x am Bras ‘Mangus fot morte. ses fatores tornaram mais complexa a imagem do “anja” amazonense, que the apareceu nao exatamente como uma mulher sedutora mas como o préprio anjo da ‘morte, portando um clarim e advertindo-o de que “a estrada do cemitério ja chegou a porta da fazende™*, Além disso, 0s versos do poeta francés que ele citou transforma ram a imagem da mulher na caveira simbolo da morte, No entanto,em quinto lugar, aparigio feminina em José do Rio Pardo pode ter sido uma verdadeira experiéncia mistica, O cavalo que montava sent, de forma independente, a natuteza sobrenatu- ral da figura feminina a0 portio, e refugou diante dela; compare-se 0 empacamento da burra de Balaio em Nuimeros 22: 22-5, Finalmente, se Euclides era um homem doente, imaginatio ou real, como Teodoro Sampaio asseverou, suas fantasias podiam ter-se originado de alguma doenga psicolégica ou fisiea ndo-especificada. De todas as cexplicagées anteriores nenhuma devia ser deixada de lado, mas apenas uma oa sais das inicinis serio realmente coerentes para a maioria dos estudiosos de Euelides a ex plicapio religiosa final pode ser igualmente relevante, mas nenhuma dessas citadas tem muita forga em tempos pés-freudianos ¢ amplamente secularizados como 0s nossos para explicar 0s mistérios que o assediavamn, Este nosso capitulo termina com um vislumbre desconcertsnte,a partir de outro Angulo, da mentalidade um tanto enigmética de Euclides que, como agora devemos compreender, tinha passado do positivismo para o darwinismo social e depois resva~ tado para o misticismo e a superstiglo, Uma palavra final sobre suas crengas religiosas mos dele duas decleragSes principais sobre elas, uma em prigina do dirio de 5 de tembro de 1897, na estrada para Canudos, © a outra numa carta posterior @ Coelho Neto, de 22 de novembro de 1903, Ao registrar seu comparecimento a missa em Cansangi0, Bahia, oficiada por dois Zranciscanos alemaes, ele explodiu num protesto contra os “companheiros de impieda- ‘que poderiam zombar dele por essa exibigao de ‘no menti as minhas erengas nfo trai a nossa fe, transiginde com a rude sinceridade do filho do sertao...”(citado 0 cap. 7p. 127). Aqui ele nao proclamn ra apenas sua ortodexia catélica, mas também Ainhava-se com 0 sertanejo sincero mas erédulo, Muitissimas vezes, chamar-set a = mesmo de caboclo. Mas, 20 escrever a Coelho Neto, queixa-se em outros termos: ~Entio...eu nio creio em Deus?! Quem te disse isto? Puseste-me na mesma roda dos Engularesinfelizes, que usam do ateismo como usam de gravatas— por chic, € para se zarem ares de sibios... Nao, rezo sem palavras,no meu grande panteismo, na perpétua =foragio das coisas; e na minha miserabilissima e falha ciéncia se, positivamente, que alguma coisa que eu nao se...” CE Roberto Ventura, “Mena Sdetinn'p. 18. Obra Completa vol, 9. 638 UCLIDES DA CUNMA: UMA ODISSEIA Nox TROPLCOS HF 265 Em suma,essa éa confissio de um panteista ¢ um agnéstico, mas nio nega a outra declaracdo que endossa de forma explicta a fé humilie do homem do sertio com toda 4 sua sinceridade como uma peda de toque da saa prépria Nio precisamos duvidar dessas declaragdes do engenheiro-autor nem torcer seu sentido para algo que nunca pretendeu dizer, mas por tris delas reside, psiquicamente, tum mundo de dor, t2o supersticioso e doloroso quanto qualquer das crengas visio~ nrias dos seguidores de Antonio Conselheiro, ¢ somente aqueles que conviveram intimamente com Euclides em Sto José, ao longo do rio Amazonas, ou em outro lugar perceberam essa su2 agoni sempre o dr. Euclides aplicado no trabalho ¢ infatigivel, o engenheiro que salvou a ponte sobre o rio Pardo, ¢ mais no plano privado, o futuro autor de um grande livro. Assim, nessa ordem, foi encarado por seus operisios italianos e pelos brasileiros do cireulo de Escobar em Sio José. nterior. Em outras citcunstincias, em piiblico, foi 164 94 PREDERIC AMORY aoutra mtoda ver seu mente, outro ico, foi alvou a fe livto leos do 9 Os Sertées: Temas e Fontes SCREVENDO A UM AMIGO MEDICO, ainda em Belém do Desealvado, um pouco recente ataque de hemoptise, Euclides terminava a carta com as seguintes palavras:“olho para as paginas em branco do livro que pretend escrever € parece-me fs vezes que nfo realizaria o intento. Nio obstante, aquela feliz conjungio de fatos bons e maus levara-o a Sio José do Rio Pardo para reconstruir uma ponte arrastada pelas uas e, nessa cidade, cercado de uma oda de intelectuais que tomaram a peito 60 seu projeto e gragas & boa vontade dessas pessoas, Euclides adquiriu condigoes de cexecuté-lo com sucesso enquanto supervisionava a reconstrugio da ponte. Fora, na verdade, um precioso momento de coopera¢do que nunca mais iria repetir-se, como aconteceu no Rio, muito tempo depois, quando sonhou inutilmente escreves, sozinho, ‘outro livro, o Purato Perdido, sobre suas exploragées das fronteiras brasileras no alto Arnaaomas. Juntaremos aqui, neste capitulo, os fio literérios que levaram & escrita de Or Ser- 1005 ¢ examinaremos algumas das fontes ¢ temas dessa obra-prima, que Euclides, re- trospectivamente, descreveu a um estudioso argentino como “aquele livro barbaro da ‘minha mocidade ~ monstruoso poema da brutalidade e da forga ~é tio destoante da maneira tranguila pela qual considero hoje a vida, que ev mesmo as vezes custo a en tendé-1o", Como Euclides, muitos autores sentem-se “distanciados” de seus préprios livros, depois que os escrevem, mas nés, a0 contririo, estaremos tentando aproximar~ os dessa obra de arte que é Os ert Tinos referimos (no cap. 8, p.147) ao primeiro rascunho do capitulo 3 da sesio“O Homem’~ a histéria dos vaqueiros do Nordeste e sua comparasio com os gatichos, 1.Carta aad: Domingos Jaguar, 25 de dezembro de 9p, em Calvi & Galot Correytendencia de Buide da Cana, p85, 2. Obra Conplita, vol.1,p, 68 cata a Agustin de Vedi ie 5 1b0 Sul — ¢ jé Fzemos mengio também fs feituras da sega “A Terra’ que o autor fez a Teodoro Sampaio ¢ as reagies do amigo 2o estilo altamente técnico na escrita (cap. 8,p.148)- Alm disso, mais recentemente, Leopoldo Bernucci publicou, cam todos os seus acséscimos e cortes, um rascunho bastante eru de“A Lua’, que 9 autor esereveu, centre 1698 € 1902", para o editor e proprietirio do Jornal de Noticias, mas que nunca pretendeu publicar no joral baiano. Assim, identificamos aqui os niicleos das trés partes em que se divide Os Sertés, rascunhos preliminares que foram preservados € melhorados ou simplesmente rejeitados pelo autor, a exemplo do que ocorreu com o Ultimo rascunho de “A Luta’ Considerando que alguns dos textos jornalisticos de Euclides do primeiro quartel de 1898 tiveram profimnda infludncia sobre esse lvvo, devia ser levados em conside- ragio junto com seu trabalho nessa obra. A palestra que proferiu, em 5 de fevereiso deste mesmo ano, no Instituto Hist6rica e Geogrifico de Si Paulo, “Climatologia dos Serties da Buia”, com relacio 8s secas periédicas no estado, deveria ocupar um lugar definido nas paginas de"A Tera’. Contudo, nao precisamos deter-nos em sua resenha favarivel da vradugdo porta sguesa de Reite nach tropschen Brazilien, obra de aucoria de uma princesa da Baviria, junto com sua rejeiga0 da maioria das outras literaturas de viagem sobre seu pais, que ele comsiderava “especies de navelas sem enredo” Segundo parece, “Climatologia dos Sertées da Bahia” foi refundido e publicado em trés partes, pela primeira vez, em O Estado de S. Paulo nos dias 29 ¢ 30 de outubro e 1° de novembro de 1900, s0b o titulo geral de “As Secas do Norte”. Depois disso, passagens inteiras desse artigo foram transferidas pelo autor para itens da primeira parte de Os Sertées,cap. 4: ou se, para “As Seeas”, “Hipéteses sobre a Génese das Secas”, “Como se Extingue o Deserto”e “O Mastirio Secular da Terra’ No capitulo “As Secas”, com o intuito de demonstrara regularidade desses fen6- menos « cada nove a doze anos, foram copiados os anos de seca que o senador pelo Ceari, Tomas de Sousa Pompeu Brasil, alistos para os séculos xv1tt € x1x°. O item “Hlipoteses”acolheu, ainda no artigo, a refutasto da hipétese do Bardo de Capanema, segundo a qual as secas correspondem a alternagio das manchas solares; e, sob a ex pressio inglesa dynamic cooling, apresenta-se novamente uma outra hipétese, a de F. M. Drnenest; segundo 2 qual essa temperatura seca pode ser deflagrada nos sertées 4. Esimativa de Bernucci em conversa pesoal. Sobre o testo do msciho, ver set iro, A misc des Semis, p95 4 pad Sousa Andeade, Hira e Inerpretat. p13 Bor alguma razio esa esenha mio Sa. incluida na Obrs Complete de Puchdes. A esenlie ausisads crtunhamente DX ora Formula mater sica de Leibnit, que fo eleldada por Eusides uma déeada anes em "Homens de Hoje" (Obva Compan volt, p. 56) 5. Compatese, em Obra Completa ol 1, pp.st-1b, com vol. 1,pp 489-490, 266 > raBoeRIS aMoRY autor fez cxita (cap. a todos 0s gue munca vs das tts servados € iro quartel rn conside~ e fevereiro imatologia ocupar um so portu- da Bava, su pais, que sologia dos «ver, em O sob o titulo stigo foram mu seja, pars 1 Deserto"e esses fend enador pelo a3. 0 item rtese, a de F, nos sertOes ivr, Tita sesenba nt fot mula macem’= {Ona Completa, 10s pela frente sazonal das calmarias equatoriais. Este item conclui com um longo erto do artigo sobre a queda de chuvas no Nordeste®, Os dois iltimos itens, “Como << Extingue o Deserto”e“O Martirio Secular da Terr’, sio simplesmente uma repeti- 2 continua do iltimo tergo do artigo”. Todas essas passagens transferidas constituem es pertinentes a “A Terra’, que confirmam a concepsio pluralista de Euclides a do clima do interior da Bahia, Como ele ressaltou sabiamente, 0 observador =entifico nio deve prendes-se exclusivamente “a uma causa Giniea"* que possa propa- = as extremas mudangas climiticas no “poligono das secas", como ¢ chamaido boje a io das secas do Nordeste. Fundamental para sua teorizagio social na segunda parte de Os Serttes, “O Ho- ,€ outra resenha®, também em trés partes, sobre o livro O Brasif Mental, de do critico portugués José Pereira Sampaio Bruno —um volume onde o resenhis- zoasidecava tudo errado. Em suas invectivas contra esse critico, os principios evo- -=vos do desenvolvimento humano ~ reafirmados fortemente aqui~ cruzam-se pela ‘rmneira vez com a ideologia racial pessimista do sociélogo galego-austriaco Ludwig 3 zmplowicz, “aquele ferocissimo génio saxénico..”,“terrivelmente sorumbitico™, 2: zuem Euclides, ainda assim, confessou-se diseipulo. A etnomaquia, ou luta das le Gumplowicr acentua fortemente o pessimismo racial de Euclides na “Nota nar” a seu livro, que prevé a extingio das “sub-raas” do Nordeste brasilei- = zela eivilizagao dominante da costa't, Tanto 0s comentadores norte-americanos 12220 os brasileizos ficaram chocados com “as concepgées racistas de uma antio~ ografia de que Baclides nunca fugit 2, mas nunca se aprofundaram bastante sus Zhates do suposto racismo do autor. Seja como for, pode-se afirmnar mais do que 2zccessa que Gumplowicz foi o tinico teérico de ragas europeu que Euclides adotou _=AcExente, ¢ 0 racismo que aparece no notério “Um Paréntese Ievitante” em “O Ho- nec nil se deve nem um pouco ao opiisculo “A Loucura Epidémica de Canudos", Compare-se Ohne Compt, wt, pp 46 s7-18 com Obra Completa vol. 490, 49% 493-495 sa alemio F-M, Druener, citado no primi tergo do ensaio (Ot Compt, vol. yp. 488) 0 "9 Clima do Bra (1898), ura obra pioneca de climatology cf na . 24 dete obra eta hipstese amente ou "dynamic colng” balan (eterecia de Leopoldo Bernice em suz segunda edigio = Sect, Sto Palo, 2003.14, 0-26) apare-sem lira Comper, volt, pp. 33-196 com vol, pp 43-496. Em suas edges de Or ct nadveridamente, na se deu conta dessus transfe 7 Completa, volt p.490;€ vl 1, p16 Obra Complets 0.1, Pp. 399-412, publicadoFiginalmenteem soa de julho de 1898, 0 jornal 8. Pale 3 relapao asus opines sobre Gumplowier vejamse scars que Bucldesescreweu a Araipe de Fevereiro de 1903, € a Coelho Neto, de 7 de agosto de 194, em Obra Compt, wo. Complete, ol p9.99-94 € 68. E,Shidenote, Blick ince White: Race and Nationality in Brazilian Thought p86 do psicélogo forense haiano Raimundo Nina Rodrigues”, Volearemos em breve sa delicada questio, Nao sem alguns reparos ao estilo de escrita de Bruno, Euclides apresenta,na primei+ raparte de sua resenha, sua propria €corrente Metanschawung evolutiva da hiseéria da nacionalidade. No seu entender, hi algo de paleontsiogo em todo historiador que se vé diante dos restos esqueléticns do passado aos quais tem de dar uma aparéncia da vida anterior. No provesso histérico, presume Euclides, 3 medida que uma raga se unifica rum cariter nacional diferente, ao mesmo tempo tum complexo de ideias eristaliza- -se em sealizayées intelectusis que manifestam °as qualidades que a aparelham para adaptae-se a0 ambiente da civilizagio geral.[..] nas quedas e ascensies das tagas [ha] as mesmas vicissitudes que assaltam os organismos inferiore ante as variagbes do meio cosmoligico”. Todavia, quando novas ragas europeias e americanas emergem “como um {ato de selegio natural, por um acordo permanente com as condigies geras da vita, *,essas condigdes devem, necessariamente, ser muito complenis pare esas novas tom nacionalidades, como a do Brasil, "que se formam, compactindo uma civilizagio em que rio colaboraram”. No caso brasileiro, sua conformao social € perturbada ainda mais pela fusio de diversos efementtos £tnicos,e também ‘pela preliminar forgada de [eriae] uma sub-raga de tipo ainda indistinto”. Seja como for,se os brasileros realmente evolui- sunt historicaraente como wma entidade auténoma e no assimilaram, parasiicamemte, ‘o resultado de esforgos estranhos, a comprovagio desses critrios, pensa Euclides, setia «o melhor meio de “definir uma feigao nacional” para seu pais, Mas, infefiament, Bru- no pensava de modo diferente ao empreender a historia das ideias no Brasil Pazece que seu resenhista esperava pelo menos uma definigio semelhante “de nos- sa fisiologia especial em funcio do meio e dos componences éeaicos que convergem na constituigio da raga, ¢ fogo depois, auma escale ascensional’, ele tenta apreender “o trago mais vivo de nossa feico hiedrica sobre que reagem agueles, (mesmo que] atenuados pelo infhaxo inevitive) de cilizagio geral”. Em seguida, Bruno poderia ter sbordado “e nossa psicologia [nacional] ~ o que somos, o que temos feito na ciéncia «nas artes, sesummindo umas ¢ outras as escolas floséficas que adotamos: ~ 0 Brasil ssas complicagdes aduzidas puderam os feitores mental, em suma”™’. Mas nenhuma basileiros de Bruno apreender em seu livro, F o bastante no tocante 4 primeira parte da resenha, que voita, na segunda, & dis- cutida questo do positivismo brasileizo, uma filosofia que, segundy Bruno, o Brasil foi buscar na Franga muito antes de adotar qualquer outro mode de pensar de Portugal 18, Reimgresso exe Se lin As Calletividades Amormaes, Rio de Janeito1939 pp. So-T7 comparcrase 8 pP. 65-66 do opisculo com Obra Completa val. pp 66-68 14, Obra Completa s0l. 1,29. 399-406, 15. ke, 9p 428-409. 168 Sf pREDERIC AMORY bmoum fl,cm pe novas jemque da mais tesa revohai~ mente, kes, seria te, Bru- ide nos- wergem vender wo que] leria tes > Brasil Ieitores adi ral fO1 ortugal. E evidente, indiretamente,a partir das crticas de Euclides, que o autor portugués no apreciava nem entendia a Slosofia de Comte, sistematizada como era numa hierarquia das cigncias e nas trésfises do desenvolvimento intelectual europeu. Nao entraremos ‘em detalhes sobre o contretemps entre 0 autor eo resenhador no que se refere 3 filosofia comtiana e as cigncias europeias, porque a questio mais importante € que, salvo uma minoria diminuta de cultistas comtianos no Brasil do fi al do século, 0 pais ja tinha abandonado o positivismo e passado para outrasfilosofias mais adequadas aos tempos perturbados da Repiblica e & sua nascente industilizagio, “Basta a afirmativa in~ contestivel de que em nossas indagacGes cientificas preponderam, exclusivos em toda a linha, 0 monismo germanico ¢ o evolucionismo inglés”. Quando a grande maioria dos representantes da geracao de Euclides ocupou-se do positvieme, nao ultrapassow se da ‘Sintese Subjetiva’ [de as piginas da ‘Filosofia Positiva’, da ‘Geometria Analit Comte]. [...] Uma minori {Comte]""® Temos aqui nova declaraga0 de Euclides sobre a rejeicio do positivismo pela elite intelectual brasileira em favor do darwinismo social e da filosofia alema diminutissima aceitou todas as conclusdes do pontifce monocausal, especialmente a de Emst Haeckel, Naturalmente, esa declaragao inclu 6 proprio Euelides em sua referéncia. A terccira parte da resenha chega, finalmente, a questio racial do Brasil, que 0 reser supde ter rescivido com 2 tese de Gumplowicz, segundo a qual a luta das racas 6%a forga motriz da historia". Rejeitando a alegacao de Bruno de que a literatu- 1a brasileira desenvolveu-se por reagio a0s escritos portugueses, seu oponente rerrica que cle deveria ter dito ago, e to intelectual” brasileiss que o préprio Euclides eritica um pouco mais tarde em outro texto"®. Mas quais s20 essas “causas superiores"? Como se verifica, esto embburidas na 0 reagaio, de “causas superiores” sobre a “organi hist6ria racial do Brasil, que Euclides compara urn tanto curiosamente com a histéria nacional anglo-amsericana. De acordo com isso, diz. que escritores ingleses e norte- -americanas, como Dickens e Washington Irving, sio “perfeitamente uniformes até ‘mesmo nos iltimos detalhes da linguagem’, principalmente porque na América do Norte o anglo-sasio, com seu individualismo entranhado, manreve-se de parte tanto dos “peles-vermelhas” quanto dos “negros”, nada alterando do cariter nacional por igenacao [!], a0 passo que 0 brasileiro de raga mestiga conserva em seu papel cultural um antagonismo mais antigo entre os primeitos calonizadores portugueses 05 indios de cuja mistura ele em tltima instincia descendeu, Como escritores bra- 16. Obra Copia, vl, p40, 1, Citagao ex do original slemdo, Raxentampf Innsbruck, 1s, p28, obra que Buclides lew ‘uma tradugio francesa de Charles Baye feta uma década depos: La late det rac, Pai 853, 9-3. 1. Sobre a critics &“organiaaso intelectual imperft” do Bras, compare-se Obra Completa vol, -4nicom Obra Completa, vo. 1, p28. EUCLIDES DA CUNNA: Una ODISSEIA Nos TRARICOE A 169 sileitos, “[Flatalmente ~ havemos de dissencis” da literatura portuguesa na medida cem que o velho antagonismo racial ainda pulsa no sangue mestiga dos brasileeos. “A uniformidade de linguagem’ como a existente entre portugueses € brasileiros ~ isto €, 0 parceiro forte e 0 fraco na colonizagio do Brasil ~ apenas ressalta“o contraste das tendéncias [culturais] naturalmente diversas” neles, permitindo que aqueles que estao nas coléniae rejeitem frequentemente sua dependéncia cultural da pétria-mfe antes mesmo de se declararem independentes dela em termos politicos. no meio dessa argumentagéo que aparece pela primeira vez 0 nome de Ludwig Gumplowice, “que & como que uma transfiguragio de Hobbes refundido & luz do darwinismo”,¢ € apresentado, naturalmente, com sua tese da luta das ragas ~ ou seja, “a tendéncia imanente a todo o elemento forte para subordinar a seus designios os inais fracos com que enfrenta..."”. Sob os ditames dessa tese sombria, Euclides ob- secva mais verdadciramente que as restrigfes raciais na América do Norte levaram “zo esmagamento do pele-vermelha c a0 isolamento sistemitico do negro”, enquanto no Brasil a mistura entre os colonizadores portugueses € os indios indkziu, através de sucessivos conflitos, a formaso de uma sub-raca, embora um tipo que para Euclides ainda € indistinto®. No entanto, em Or Sertées, ele oscila entre duividas de que “[nlfo temos unidade de saga. Nao a teremos, tlvez, nunca” e afirmagées a0 contririo de que "[a}tacava- te a fundo a rocha viva da nossa raga {com dinamite em Canudos]"; “faldemais, entalhava-se 0 cerne dé uma nacionalidade™, Essa contradigio em tomo da raga brasileira foi apontada, imediatamente, por um critico de tivo, a quem Buclides res- pondeu com uma longa nota de rodapé aa segunda edigio de 1903, que se dissipa 4105 poucos numa metifora geol6gica artificial para a formagao da raga brasileira a partir dos estratos humanos fixos (“rocha viva") nos sertdes”. Além do mais,embora também cite a tese de Gumplowicz sobre a luta das ragas depois de “Um Paréntese Irritante” (em “O Homent") sobre a deficiéncia racial dos mestigos, sua prépria crenga 1a superioridade da sub-raca do sertanejo, que “é antes de tudo um forte”, mistura clacamente Gumplowicz ¢ sua tese com a explicagao de que essa sub-raga do interior fora, diferentemente dos mulatos do litoral, fortalecida pelo “abandono [...] benéfico” durante séculos ¢ niio tivera uma civilizagao “superior” enfiada pela garganta abaixo para enfraquecé-Ia. Por isso, 0 sertanejo pode ser “um retrégrado; nfo é um dege- 1s, Una parfiase em Obra Complots, wl) pp at-4t de uma frase de Rasnbamgf p. xx: “Todo element nico ot social ms pederoso uta dentro de seu campo de poder paca fazer co que elemento ‘mais fracolocalzade fora dele ou que oinvada sire a seus objetivos” CE. La te de rey 159. 2. CE Obra Compt, ol, 400, como citad acim 2, Compare-se Obra Compt, vol 1, 140, 0m 49 22. Obra Completa v0.1, Pp. yan yo % rrepente aMtony nerado”, totalmente capaz de enfrentar as forgas invasoras da civiizagio costeira do Brasil”, Algo da admiragio anterior pelo iadio no romantismo brasileiro do século x influenciou essa linha de per Resumindo a argumentayin de Euclides até esse momento, podemos agora ver claramente que, entre 0s t6picos introduzidos em sua resenha de O Brasif Mental ~ por exemplo,o evolucionismo inglés, o nacionalismo brasileiro, 0 positivismo franco~ -brasileiro ea Rassenkampfde Gumplowicz -,0s dois mais proveitosos para seu modo de pensar foram o darwinismo social origindrio da Inglaterra e a Rassenkampf de Gumplowiez. Foram essas as premissas fgidias para seu grande livro sobre os serebes ¢ sobre a “guerra’ de Canudlos. Devemos enfatizar mais uma vez que Os Sertées,como mostramos alhures™, era, em primeiro lugar, um tratado sobre 2 raga ou sub-ragas uerra” de Canudos (culminando, a bem da verdade, num protesto alto e bom som contra ela). Como ele brasileiras € somente em segundo lugar era uma narrativa da % disse no preficio & primeira edigio: “Intentamos esbosar, palidamente embora, ante © olhar de futuros historiadores, os tragos atuais mais expressivos das sub-ragas ser- tancjas do Brasil”, Obviamente, para essas finalidades o darwinismo social ¢ a luta das ragas eram-Ihe instrumentos particularmente ites, apesar de seus inconvenientes, © 0 positivismo ja nio tinha importincia, pois tanto estava fora de moda quanto era inapiicavel. Embora 0 evolucionismo spenceriano que ele empregava habitualmente, com seu corolirio lamarckiano dos atributos herdados™, fosse totalmente diferente do modelo darwiniano, aparentemente Euclides nio tinha consciéncia da diferenga entre os dois em scus textos, via em Spencer o aliado légico de Darwin, mesmo que colocasse a seu alcance instrumentos darwinianos como a seles30 natural odemos discerie facilmente, como muitos nio o fizeram, que Euclides tinha duas Vises da sub-raga “indistinta”: numa dessas visbes, ela poderia tomar-se a raga dese~ jada com “n” maidisculo para garantir a legitima nacionalidade do Brasil ¢, na outra, poderia privar o pais desse titulo por causa da desuniao e da inferioridade da raga. ¥. que ele, apesar do respeito que tinha pela tese da luta das ragas do “ferocissimo génio saxénico”, duvidou apenas da miscigenacio costeira de um ponto de vista etnocéntrico, 28, Obra Completa wo. tp. 266-70. 24, Ver mew artigo, "Historia! Source and Biographical Contest in the Interpretation of Bucldes da (Cuninas Os Sete” Jo val of Latin American Stas, 8, pp 675 © 679,299 25. Obra Completa, vo. 18,993 46. Numensao curt bihante de Otto E. Landaa publiado em SvenfcAmerianp.19,de mar 50 de 1995 suntentou-se convineentemente que a evolusaolamarckitna nunca more com T: D.Lysenko, eu Gime defensor, mas & perfeitamentedefensivel hoje no nivel molecult na reprodso das ctérias « plasmidics. "Como os genes das bactéris ou dos plamisostveram miles de anos simsemas coordenados, seas bancoe de gene podem contri um nova hospedeim plenamente desea de matages ra desenvalver vido capacidades ~ como a fotossntese~ gue leviriam éons part evr novamente ae leatériasconjugadas com selegdo neural” 20 mesmo tempo em que elogiava ¢ defendia « mestigagem do sertio baiano por ser a formadora da “rocha viva de nossa raga” aura visio etnoperférica®”. Mas por que esse duplo padrao de formagio de raga no Brasil? Emibora, como dissemos, ele professasse lealdade exclusivamente a um te6rico curopeu da raga, os racistas ¢ teéricos da raga da Europa como um todo propaga- ram amplamente a doutrina especiosa de que 0 tinico padrio de nacionalidade era a singularidade do tronco racial (eg, ariano) ou algum aspecto pscudobiol6gico (por exemplo, “integrité de sang"), deixando com isso sociedades multirraciais do. mundo cotonial ~ sociedades como a do Brasil ~ fora da comunidade das nagbes. Por iso, Euclides, aparentemente, tinha duas alternativas diante do enigma da raga: ou dever~ -se-ia admitir que os brasileizos, apesar da Repiiblica, eram um povo sent nay unidade racial (pelo menos ao longo do litoral de seu pais); ou, entio, poder-se-ia clevar um tronco mestigo do interior & preeminéncia racial, condenar a mestigagem da costa por ser uma experiéncia rim de eonsequéncias desiguais ¢ afirmar que 0 tronco mais antigo do sertio era o verdadciro cerne da nacionalidade brasileira, Seja como for,0 problema da raca, tal como foi formulado no final do século x1x, era totalmente falso em si mesmo, ¢ nao havia uma solusio real para ele. Embora Buclides fizesse 0 iaximo para encontrar uma solugio satisfatéria, o fin de séle foi uma época particu larmente yuim para delinear alguma hipstese vitvel sobre rasa Os brasileiros ¢, mais recentemente, os norte-americanos, como dissemos acima, apressaram-se a acusar de racismo o autor em suas excursbes raciais pela etnia de seus compatriotas, Na verdade, no item "Ui Paréntese Iritante", com sua énfise sobre 0 desequillbrio psicolégico, 0 baixo indice de reprodusio e a degeneracio do mulato, temos & primeira vista uma boa amostra do racismo vulgar que nao honra de modo alguna o aucoe, As mesmaseriticas foram feitas 20 mulato por Nina Rodrigues, jé ci- tado (p.167)..Mesmo assim, vigora aqui algo mais do que um eacismo grosseiro: como 6 percebeu com corresio 0 estudioso rio-grandense Guilhermino César [.--]sendo [Buclides] 0 neto de uma mulher baiana de acentuados tragos indios (eavtis?] de urn traficante pornygués de escravos, cle se sensu marcade por ue inferioidade racial 27. Cf. Fredesic Amory, “Historical Source and Biographical Context”, pp. 6s 28 Idem, pp 685-684 29. Compare-se com Ora Camplta, wl. tt, pp 46-168, 9 comentitio de Raymond Pith (Human Type, New Yerk/London, 9, p. 208) sole a Semicasta que, "como s© diz vlgaemente, ‘tem 08 vii ‘de ambos os puis eas virtues de nenkum dees’. Na medida em que iso €werdadeic 860 se deve ‘principalmentenio ao fito de ser un mestigamas ao ambiente social em que o mesg ¢criado Fala de ‘edycagaoadequada[..]Sbsticuls 2 livre relago com a gente de sew pai ou de sa ma, dfeuldades we iver casas, tudo ten s destue sua contin ¢ sus autoestims,eiacspaciti-o a ter ums vida soi! ‘estivel. O prope preconctita social que condena a insabilidace da sericita€ a cast del We PREDERIe amony + racial HHomen se deve Fata de — a social iada em consequéncia de cruzamento, Como escritor,refere-se continuamente ao problema dda mestigagem, [...] Mas isso no € rudo. Falando de si mesmo, define-se assim [como um imestigo[: “Este caboclo, este jagungo manso ~ misto de celta, de tapuia€ rego.” Em resumo, nesse trecho marcado de observages racistas que é “Um Paréntese Irvitante”o autor expressa em parte seus pr6prios tumulto e instabilidade internos ‘nip uma implausivel inferéncia ad hominem. Livre finalmente dos embaragos da raga, Euclides pode, em “O Homem, vaguear pelas terras nordestinas, em busca dos lugares histéricos que possam ter sido o bergo da “miragem fugitiva de uma sub-raca, efémera talvez”. De passagem, toca de leve nna questio da influéncia do ambiente sobre as populagdes humanas migratétias, que sejam mais “evilizadas” ou menos (por exemplo, ot 0s portugueses ou os brasileiros). Em sua opinigo, se os migrantes mais bem dotados, mais ‘civilizados" (os portugueses) foram afetados adversamente pelo ambiente, entio o povo fraco, como as sub-racas que povoavam o interior do Brasil, deviam a fartiori ser suscetiveis & diversificagio Etnica sob 0 impacto da ambiente,“Ao calor ¢ luz, que se exercitam em ambas [as ragas],adicionam-se, entio, a disposigio da terra, as modalidades do clima e essa agzo misteriosa que dif undem os virios de presenca inegivel, essa espécie de forga catal aspectos da natureza”™, Essas generalidades sio vagas € obscuras, mas a busca histérica de clides dos primeiros centros de povoamento no interior da Bahia é muito mais significativa © meritéria, Nos terrtirios asolados pels secas do Norte da Buia, que foram explorados por dois movimentos, 0s bandeirantes, para cagar escravos indios,¢ 06 jesuites, que proce glam "seus" indios em “redugdes” ou aldeias indias com (5 povos nativos em seguranca “para a nossa histdria"™ até a metade do século xvi. is 08 dltimos conduziram Contra os jesuitas aventureiros, 0s catadores de ouro € os eseravistas de Salvador e de Sti Paulo insinuaram-se pelos sertbes baianos ao longo do curso do rio Sao Francisco, 4 partir de sua nascente ou de sus foz. Esse poderoso rio, denominado “um unificador étnico™, bandeirantes¢ 0 jesuitas,na verdade todos aqueles que ndo quiseram refazer seus passos de volta 20 litoral ou 20 planalto de Sio Paulo. Essa imensa regio torn: juntou-se a outros do interior e reuniu, em sua gigantesca curve do nocte, os no século s0. Bin “A Visto Prospectva de Buclides da Cunha, separata de Enis da Canbo (Posto Alegre, 1966, pp 36-37), serie de contereaciassobeeo extitor brat, reaivaday por icativa ct Faculdade de iosoia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul no centendio dese nascimento. © indio "upuia & © principal tronco ativ das populagesnatvas do alto Sda Francisco; ver Obra Compe, vl 1 pp. 165266 31, Obra Completa vol 31, psy 1 ie, p85 2 ldem, p39. PUCLIDES DA CUNHA: UMA GDISSEIA Nos TROPICOS 3 375, xvii, uma zona de exiagio de gado, Foi abandonada a si mesma silenciosamente, visto que “[alto produzia impostos ou rendas que interessassem o egoismo da coroa™. [A maioria dos colonizadores, com excepo dos jesuitas,eram de origem paulista © rndo S6 mataram ¢ escravizaram 0s indios selvagens que disputavam com eles a regio, como também casaram-se dentro da tribo. A sociedade mestiga de indios e paulistas que “[nJasciam de um amplexo feroz de vitoriosos e vencidos” foi isolada geografica~ mente do resto do Brasil entre a parede oriental da Serra Geral e as planicies infinitas ‘dos Campos Gerais a oeste. Insulada nessa zona de criasio de gado, "incompreendida olvidada,era.o cere vigoroso da nossa nacionalidade™, A frase, que volta a ecoar até 6 fim de “A Luta’, com o bombardeio de Canudos com dinamite, é particularmente inventva, signficando como significa que essa sub-raga ce vaqueiros era, na etnografia euclidiana, o portador secreto da nacionalidade brasileira. Com iss0,0 autor nos apre= senta os descendentes oitocentistas dessa sub-rapa diretamente em suas vestimentas de couro, "0s seus habitos antigos,o scuestranho aferro is tradigdes mais remotas [e.g., ‘ sebastianismo], 0 seu sentimento religioso levado até a0 fanatismo,¢ 0 eu exagerado ponto de honra,¢ 0 seu folclore belissimo de rimas de trés séculos...™. ‘Em contraste com esses mestigos de portugués e indio do sertio, um mtimero mui to maior de escravos negros andavam pelo litoral entre Salvador e So Paulo, desde 0 ina} do século xv1, quando foram importados para trabalhar nos engenhos de agdicar dda Bahia. Os negros ji se tinham misturado aos brancos em Portugal, onde sua quan= tidade fora comentada, explicitamente, pelo poeta portugués do século xvit, Garcia de Resende: “Vemos no reino meter / tantos eativos crescer /irem-se os natura, / que, se assim for, serio mais / eles que nds, meu ver", Apesar da ales quanticade desses Infelizes tanto ao Brasil quanto em Portugal e de sua mestigagem com seus senhores brancos, Buclides Ihes concede unicamente a condigio de mais uma sub-raga, e no a dos detentores da nacionalidade, eos segrega, geograficamente, da raga mestiga es- colhida do interior. Isso surpreende ainda mais porque, anteviormente, em janciro de 1899, ¢le,falando da raga negra (ver cap. 4,p. 67), esereve que “*harmonize-se admiravel- mente 3 latina, profundamente vinculada & nossa sociedade — constituindo-a quase™. Mas isso foi muito tempo antes que the entrasse na cabesa a ideia europeia de raga, Voltemos aos jesuitas: até meados do século xv111, quando o famoso ministro por- tugués, o Marqués de Pombal, expulsou a ordem do Brasil, os jesuftas, junto com os 54. Ors Completa, vol. 11, pp 199-16. 35. em p16. 26 Ido ibidem. Enclides ni registra a cultura do couro desses povos, as conftonte~e a pager bastante eitada de J Capistrano de Abreu, Copitule de Hiria Clonal, Brae, 196, pt sobre 3 b= quidade do couro no modo sertangjo de vid, s7.Citado por Buclides sem rferéncia em Odea 28, De "Atos e Palaras 114m Idem, vt P52 74 PREDERIC AMORY isto yan ade "que, esses bores ro de ravel- asa, por sagem bi franciscanos ¢ os capuchinhos, fundaram uma série de aldeias ou “redugéesindigenas ‘em tomo da regio de Canudos ao longo do tio Sao Francisco ~estabelecimentos que foram aumentados pelo vice-rei do Brasil, Lancastr, no comeso do século xviii ¢ por outros missiondrios até o século x1x, Nesses assentamentos ribeitinhos, os indios aborigines nfo s6 tiveram a protesto das ordens religiosas — pelo «enos até que Pom- bal expulsou os jesuitas ~ como também se misturaram aos colonizadores brancos € 4 Seus escravos negros, “sem que estes se avolumassem a0 ponto de dirimis a sua (dos indios] influéncia inegavel”. Foi nessa curva do Silo Francisco, em volta dessas popula Bes, ue as sub-ragas da Bahia desapareceram durante séculos para 0 mundo exterior fodavia, como no eram expostas a intrusdes alienigenas, elas se misturaram, como que insuladas entre si mesinas, © desse modo realizaram “a maxima intensidade de cruzamento uniforme capaz de justificar 0 aparecimento de um tipo mestigo bem de- finido, completo". Embora Buches tivesse afirmado, categoricamente, que nao havia “um tipo antropolégico brasileiro”, parece ébvio que seu “tipo mestigo bem definido” € um desses. Um pouco mais adiante ele diz, de fato, que a uniformidade fisioligica dos descendentes mestigos dos tapuias e dos portugueses dé “a impressio de um tipo antropolégico invariéve,[..] distinto do mestigo proteiforme do litoral”™. Nessa sub- categoria étnica encontrari “o cemne oculto de nossa nacionalidade”e, com ela espera validar a Republica brasileira como nagao contrétia 20 racismo da Europa Inseparivel da etnografia e do nacionalismo de Euclides era o darwinismo social inglés do final do século x1x e sua ramificasio spenceriana, 0 evolucionismo lama ckiano, embora esses no fossem discriminados por nosso autor. A “luta pela vida" darwiniana aparece pela primeira vez em portugués em “A Terra” como um fenémeno do reino vegetal entre as caatingas do sertao baiano, onde a vegetagio mirrada deve inverter seu crescimento mergulhando no solo indspito para proteger-se da fero7 irra~ diagio do sol do deserto, como faz o caju-anfo com seus ramos subterrineos™, Nesse ambiente hostil, no plano da existéncia humana, a luta de vida ou morte evolutiva acaba vindo a furo em Canudos, em “A Lata’, durante 0 conflito de um ano entre as ragas “fracas” dos sertoes as ragas europeizadas “fortes” do litoral®, Todavia a antitese entre “fraco”e “forte” nfo € imutavelmente fixa,¢ a selegio natural ou a caracteristica biotogicamente herdada, que legitimaria a expressio de Spencer “a sobrevivéncia do 29, Obra Complete vo, p66 18s Idem, 9.33. sem p86 12. Obra Completa vo. 1h pp. 19-12. Pare de uma frase nap. "pretente-e de algum mode, como 0 indicaremos adiante, a inuma-[sS0]) foi mutilada, mas aparece restaurada na segunda edo de Oia Completa, 995, pp 126-17: "E evitando-o presente-se de algum modo, como o indicaremos adiante,« ‘numagio da flora masibunde,enterrando-se 0s caus pelo slo" 141 Orginalmente, trmos de Gumplowicz em Obra Compl vo: th p93 168 EUCLIDES DA CUNWIA: UMA ODISSELA Nos TROPICOS 15 mais forte", quer sejam plantas quer animais, no restaura inflivelmente, através dessa Juta as melhores qualidades dos seres humanos no reino animal Por isso, de um lado, haverd o que Euclides denomina “uma inversio de papéis™ entre “os fracos"e “os fortes”, A medida que a “guerra” de Canudos vai passando de campanha em campanha. Os “pusilanimes do governo” da segunda e terceira cam- panha tornaram-se 0s veteranos endurecidos da quarta, que eliminam friamente seus prisioneiros homens pela degola ou com uma faca enfiada na garganta."Apesar de trés séculos de atraso”, interpde-se Euclides, “os sertancjos ndo Ihe levavam a palma no estadear idénticas barbaridades"*. Desse modo, a vit6ria final das forgas do governo sobre 0s sertanejos, em que nao sobreviveu nenbum prisioneiro homem, relega a suposta barbrie destes para o seio da civilizagdo costeira ¢ 0 potencial de uma verdadeira civilizagio (= “as tendéncias civilizadoras™®) para 0 tronco “forte” do interior. Por outro lado, decerto poder-se-ia dizer (fantasiosamente) que ocotte “uma se~ legdo natural de herbis" nas fleiras republicanas que estio no campo de batalha de Canudos quando 0 instinto animal da autopreservaglo € transmutado pela simples adversidade em herofsmo desinteressado"”. Todavia,em outro ambiente mais tranqui- lo, junto a0 rio Amazonas, os descendentes de um novo colonizador portugués, que a selego natural tinha adaptado ao clima equatorial insalubre, perderao seu bem-estar e conformasio fisica originais e, em poucas geragdes, sucumbirdo as doengas tropicais ¢ 108 indios*, Nesse caso, a aclimatagio denomina-se evolugdo “regressiva’ iste, para tum estado mais primitivo ou pior. Para as finalidades de Os Sertéer, evolugto equivale na prética a progresso (rumo & Europa) em todo o Centro ¢ 0 Sul do Brasil, mas no Nordeste e no Norte ela é essen- cialmente “regressiva”, com frequentes reversdes ou atavismos para um passado mais ‘ou menos distante (por exemplo, para o comego do Portugal moderno, mesmo paraa Antiguidade greco-romana). Por meio desses reflexos sociais e biolégicos, no entender de Euclides podem ser resgatados da histéria os tragos recessivos das populagdes do Norte do pais que foram emparedadas regionalmente niio 86 no espaso geogedfico mas também no tempo histérico. Assim, 0 cafizo (mestigo de indio e preto) Pajet,o ardiloso tético na batalha, era “um belo caso de retroatividade ativica forma retardaticia de troglodita sanhudo" sto 14 Obra Completa, ol. 1, p. 450 45, Idem, p48 cf a degradago pelos jagunos dos soldados mort ¢ de sew comandante,coronel Tamarindo, us cabecas foram cortadas, eo corpo da coronel pendurado mum angico (p. 34) 46, Idom 9.265, Essas"tendencaecivlizadori?,especifieaBucldescustam a amaduseser para que 0 sertangjos possam coer os frutos da cvilzagdosupetion. 10. dems 0352 dem pie. bcoronel magic os 6, um regular homem das cavernas aos olhos de Euclides®, Quanto ao profeta dos conselheitistas ¢ paladino religioso, Antonio Vicente Mendes Maciel, o Conselheiro, ele também exa esse anactonismo ambulante “de atributos psiquicos remotissimos’ tum fantasma do passado, um Touco congelado na figura herética de um gnéstico () cristao da itima fase da Antiguidade, em suma, um homem monstruoso™. Esses dois casos de atavismo niio receberiam aprovacio das pessoas que no século 2x1 estudassem as sociedades camponesas do Brasil, e devemos reconhecer que 0 per~ fil de Antonio Consetheiso demonstra uma falta de entendimento que felizmente foi corrigida por Robert Levine em seu livro sobre a “guerra” de Canudos*. O galicismo “atavismo” no permite qualquer tipo plausivel de reversia para além de cinco geragées anteriores de algum ancestral” e nao se precisa dizer que Euclides ndo teve acesso a0 exato sentido moderno do termo em biologia®, Nao se pode deixar de concluir que com esse termo ele quis sobretudo expressar sua aversio ou desagrado pelos lideres do arzaial de Canudos. Mesmo quando as pobres chogas de taipa de seus seguidores so transmutadas, tavicamente, nas choupanas eélticas do tempo das Guerras Galicas de César (referéncia no encontrada), elas simplesmente indicam “a deerepitude da raga’~ um acréscimo indesejado ao esbogo do habitat dos conselheitistas tragado no difio Camudos™. (© oponente militar mais temivel entre aqueles que foram enviados contra Antonio ce sua comunidade foi o malvado e epiléptico coronel Moreira César, conhecido entre os sertanejos como 0 *Corta-cabegas", 0 comandante da malfadada terceira expedigio, ue, apesar de toda a sua ameaca, dificilmente era um espécime robusto da cvilizago litoranea e das “ragas fortes’ visto que tinha a satide minada por constantes ataques de epilepsia. O julgamento que o autor fez desse militar ¢ de sua carreira nas armas era pungentemente darwiniano: a evolugio quando moldou Moreira César terminou cedo demais ~ assim Euclides o mostrari ~ antes que a selegio satural pudesse decidir se o espécime inacabado devia ser um verdadeito herdi ou um criminoso comum ~ os dois lados de sua personalidade ambivalente** Impulsivo e desequilibrado, poderia ter 49. Obra Completa, vo. pp 277-28 s0- dem, 9.196 st Vers capil ss de seu vo Vile of Tears 52. Vejrse dentro desses limites um empregesigoiatvo do termo em Caio Prado J, Formate de Brasil Contemporineo, Sio Paulo, 197, pp 1-1, citado ma introdusio de Passam a sua wadugso de Ot Series pis 0.23. ‘3. Atavismo hoje: uma repetiiobiolégica através ou de um gene secessvo ode genes complemen tare, alguma caracterstiafsica de um organism que est ausente dele por mais de ura gerade sun existe, ‘4 Compare-se Obra Completa, wo. 8 FP 55. Obra Complete, v.11, 9.294 6 dem 5.38, com Can. ps. BUCKIDES DA CUNMA: umn ODIASEIA NOS TROPICOS Ke 277 sido comparado tranquila e clinicamente com o io menos perturbado Conselheico, com excego de que, socialmente falando,a mentalidade religiosa dos sertanejos estava em total sintonia com os devaneios de seu profeta, dando desse modo, exteriarmente, tum carter regular a sua loucura, a0 passo que a terceira expedigo esteve sempre fora da cadéncia dos caprichos puramente pessoais de seu comandante, Assim, Moseira César e seus soldados, despreparados para a batalha, marcharam para a desrota diante da sélida resisténcia de Canndos. O ailtimo tema de que trataremos neste capitulo tem a ver com o que chamamos 4 consciéncia coletiva das multidées, um assunto gue foi muito discutido no final do século x1x na Franga ¢ na Itilia, quando muitos europeus sentiram, profeticamente, que a Europa estava a ponto de cair numa eva de existéncia urbana em massa”. A ascendéncia psicolégica que Anténio Conselheiro desfrutava entre os seres huma- nos heterogéneos ¢ etnicamente mesticos que formavam a populaggo da “Trdia de taipa’, como Euclides apelidou Canudos®, chamou a atengio de nosso autor, que tentava analisé-la, em termos europeus contemmporineos, com especuilagdes francesas € italianas sobre a psicologia anormal e a conscigncia coletiva das multiddes, Desses Psicélogos sociais o mais famoso era Gustave Le Bon gragas sua Psycbolgie des foes, 20 passo que Louis Foville, um neurologista francés mais velho, e 08 italianos Scipio Sighele, da escola de Le Bon, ¢ os psicélogos Eugenio Tanzi e S. Riva eram, nessa or- dem, os mais obseuros. Na verdade, os dois iltimos ainda nao foram identificados com seguranga®, e Foville € apenas mais um nome médico para designar a histeria geral® Assim, Le Bon e Sighefe continua sendo as principaisfontes para as psicobiografias que Euclides faz de Conselheiro e de sua turba de seguidores Repercutindo as reagées populares no Rio diante da inexplicivel retirada de Ca- nudos da segunda expedigdo sab 0 comando do major Febrénio de Brito, Euclides oferece « seus letores “um caso vulgarissimo de psicologia coletiva’, partlhando de ideias psicoldgicas tanto de Le Bon quanto de Sighele™: [..-J cothida de surpresa, a maioria do pais, inerte e absolutamente neutral, constinuiu-se de veiculo propico & teansmieséo de eados os elementos condendvels que cada cidudso, isola damente, deplorava, Segundo © processo instintivo, que lembra na esfera social a heranga de 9, Coma diz Custve Le Bor, Pyehuote as jolts, 40. ed, Pri, 93h p Lge ot us entre sera vrtablement Fre des fous 8. Obra Completa vols, pp 152244, 9. Vejum-se sobre eles as notas de Leopoldo Benue er sua segunda edge de Or Series, pp Sa cbtes ‘0. Apenasctado em O8ra Complts, vol. yp; ea nota de Berne’ a Or Sertés 9.8, 6. bre Completa ol. 1, p. 282-2 Tigra, Ri de Janeiro, 99, 9p 61 ©. Sobre era passagem of um capitulo de Luiz Corts Lim, Toma 178 of Prenenic Amory Hiro, bestava mente, re fora Moreira diate smamos Final do mente, we A \ruma~ Troia de tos, que rancesas -Desses de foules, ss Scipio vest or dos com a geral bografias ade Cay Euclides tando de vstituiu-se io, isola veranga de is pp 2 is ima, Tera emotissima predisposigio biolégica, tio bem expressa no mimetisme priguico de que nos fala Scipio Sighele, as toaiorias conscientes, mas tenidas, revestiam-se, em parte, da mesma feigio moral dos mediocres atrevidos que Ihes tomavasn a frente. Surgiram, ent8o, na tribuna, na inn prensa e nas ruas—sobretudo nas ruas~ individualidades que nas situagbes normais tombariam A pressio do priprio ridiculo, Sem idesis, sem orientasio nobilitadora, peados num estreito circulo de ideias, em que o entusiasmo suspeito pela Repiblica se liava a n mo extem- porlneo © céipia grosssra de um jacobinismo pouco lisonjeiro& histéria ~ aqueles agitadores ccomesaram a viver da exploracio pecaminosa de um cadaver, O timule do mareshal Flaciano Peixoto foi transmudado na arca de alianga da sebeldia [!] impenitente e o nome do grande hhomem fez-se a palavra de ordem da desordem. Nessa longs e densa passagem que alude eripticamente a influtncia post mortem de Peixoto sobre as multidées e seus lideres jacobinos® que invaditam as ruas do Rio por causa do fracasso da segunda expedicio a Canudos, Euclides com alusoes e sugestdes itia associar 0 cariter autoritirio do falecido Marechal com o temperamento doentio ¢ impulsive de Moreira César, chefe da expedigio seguinte,na medida em que esses dois homens exam repressores de rebelibese, como disse a respeito de Peixoto, dsciplina- dores arrojados que abatiam “a desordem com a desordem’*. ‘oi isso, por exemplo, 0 «que cle quis dizer, obscuramente, coma frase “a explorasio pecaminosa de um cadiver” ¢,com a referencia biblica,“{o) timulo do marechal Floriano Peixoto foi transmudado na arca de aianga da rebeldia impenitente”, mesmo que nio se conhecesse quem eram realmente os rebeldes, ou a “rebeldia”. Essas obscuridades, evidentemente, podiam ter um sentido totalmente diferente. Um dos melhores leitores de Euclides, Nelson ‘Wemeck Sodré, firmou que “Euclides nio compreendeu jamais, mesmo ao rever seus conceitos sobre Floriano,o que representara o papel do Marechal de Ferro no processo tepublicano ~ porque nao compreendeu o proprio processo. Levou a sua incompreen= so desse processo ao extremo de uma posigdo contra o militar", Mas ai quem estava falando era 0 antigo soldado, o tenente-coronel Sodeé. Soubesse ou nao Euclides o que fazer exatamente com Floriano Peixoto nesse con- texto, seu foco indistinto nessa passagem nfo est apontado para Floriano nem para ‘Moreira César, mas para as multiddes de pessoas nas ruas,cujos lideres,“os mediocres| atrevidos", incitam-nas a desordens ainda maiores ¢ excitam-nas a seguir lentamen- te 0 idolo militar da época, 0 coronel Moreira César, 2 quem escolheram para ser 0 venhor de seu desgoverno, "O fetichismo politico”, diz Euclides, exigia “martipansos 12 Sobre acobinismo brasilezo ver E.Carone, A Republic Vela, ol Usp. st peal Belle Epepue, 15-4, 86, 8-29, 21 (3. Obra Completa vo. 1p 28 14, Ver seu ensaio "Revisio de Euclides da Cunha’, eimpesso em Ohne Compt, vl. 15.4 PUCLIDRS DA CUNHA: OMA ODIEEELA Hos TROFICOS He 379 de farda”, Nessa vistio mais longa da ascensio de César ao comando da desastrosa terceira expedigio, 2 veneragio da piebe, ¢ nao o autoritarismo de Floriano, instigou sua promogio com a aquiescéncia do exército, sempre “um elemento ponderador das agiagdes nacionais"® Nessa perspectiva esti compreendida a psicologia social coletiva da escola franco- ~italiana de Le Bon, duas de cujas obras estio relacionadas nas listas de venda da biblioteca de Buclides** I inerente & primeira frase da citagdo acima uma distingio entre 0$ cidadios individuais que se preocupam, isoladamente, com 0 pais € a maioria inerte que ¢ influenciada pelos agitadores. Essa é uma diade fundamental da socio- Jogia de Le Bon, entre o individuo que pensa ¢ a multidao impassivel que é instigada a agic ser que sejam submetidas a alguns estimulantes como um grande acontecimento na~ Para Le Bon, as multiddes nao constituem uma “foule psychologique”, a nao cional*; de outro modo, las se congregam sem objetivos. Na citada passagem de Lata’, retirada de Canudos da seguads expedicao € 0 acontecimento nacional neces sfiio, Numa verdadeira multido que teve a consciéneia despertada,o individuo perde sua propria personalidade e, como um autémato, assume a personalidade do grupo nio-pensante da multidio; entio, é reorientado pela sugestionabilidade dos lideres da mulkidio ¢ pelo contigo de seus slogans, todos empurrando-o na mesma direso para adotar alguma agio!. Na passagem extraida de“A Lut, a“timida maioria”responde A sugestionabilidade ¢ ao contigio dos “mediocres acrevidos”, seus lideres, “por mi ‘mismo psihieo”, wm refinamento italiano da nogio de Le Bon sobre immitagio social” Nesse contexto, a énfase de Euclides sobre a mediocridade e a inanidade dos lideres autonomeados das multidées cariocas pode ecvar a declaragao de Le Bon de que as multidoes “acumulam nao inteligéncia mas mediocridade"”!. Todavia, essas multiddes do Rio nao entraram em agio em favor de seu hersi até que ele fosse morto em Can dos; elas apenas induziram a opinilio do governo que the era favorivel ~se é que havia 68 Obra Compt, vol. 1, p83. Manipanse€ uma paves afro-braieisa cara, qe o eastor volta a sar em Or Sees, Ora Completa ol 26 6, Bsas lista, inéditas, me foram fornecidas pelo Bnado dr Oxwallo Galati, de Sio José des Rio (2. Ver Pyholegi des foe 4 Ido, 3 Ler, 9.39 70. Compare-s frase italiana com sa fonte Francesa etn Le Bon, Prelate 9.005. Of Compa de Bales comige exoneament fre taliana para o portugues (Obra Completa, vo. 11y 9-28) Leopoldo Bernuci anota ts referencias de Eucides 2 La Fala Criminals de Sighele, na edigio Francesa de 189; ver Or Sees na segunda edigto de Bern p37 420 y€ 45pm A 10a ioe cb” de Sighele(p. 430, diz que “com tds a probabilidade” Eulides wsoua trad Frances de obr,nat de cite agua fase em tan. 1 Paycbolgi des foes p17 po sda inde aa sR alguma ~a nomea-lo comandante da expedigo seguinte. Somente quando cle estava realmente morto € que os tumultos explodiram no Rio ¢ em $i0 Paulo Resumindo agora os materiais remiticos deste capitulo, comegamos com as dus fontes do proprio Euclides para “A Terra’ ¢ “© Hlomem”, Usna, um ensaio sobre clima da Bahia alimentou em diversas segaes de “A Terra” pesquisa pluralistas sobre as causas das secas e seus remédios; a outra, uma reseniha extremamente cstica do liveo de Sampaio Bruno, O Brasi/ Mental, reiterou mais uma vez e para sempre a substituiglo do positivismo comtiano pelo “evolucionismo inglés” na alta cultura brasileira, ex Fiteratura,em su opinido, desenvolveu-se a partis da velha oposigao racial da colonia & patria-mae. Nessa resenha, ouvimos falar pela primeira vez da Rassenkampf de Ludwig, Gumplowics, que Extclides apoia entusiasticamente, mas depois étengiversada em*O Homem", com bastantes reconsideragSes para impedir que a Tuta das racas destrua totalmente 0 povo “fraco” dos sertées baianos, Outra sua entidade racial equivoca, postulada, na resenha é a de uma sub-rasa “indistinta” nascida da mistura entre a raya india e a portuguess; mas esea entidads também nfo enfrenta em “O Homem” um tipo racial brasileiro fixo, de mestigo, que amadureceu em ambientes favoriveis de cragao de gado. Na segunda parte de Os Sere, 0 autor tem de escamotear os dois imponderiveis raga e nagio, superpondo uum ao outro para satisfazer 0 canceito europeu de nagio: uma comunidade étnica de unidade racial. Ao abordar esse conceito, Euclides da aco- Ihida a duas visdes das relagbes raciais em seu pais, mas prefere a miscigenacio mais antiga de brancos e indios no interior & mestigagem mais recente e mais extensa entre pretos ¢ bran 1s no litoral ¢, assim, tenta erguer a sub-raga menor do sertio ao nivel dda raga que ¢ 0 verdadeiro detentor da nacionalidade brasileira. Todos devemos rec nhecer que essa constitui ama falsa solugo para um problema racial do século xtx, ‘que ere exatamente tio falso em si proprio, isto 6, néo tinha solugo possivel, mesmo 1a Europa. Antes de Os Sertéer, Euclides ja tinha falado, generosamente, da rasa ness ata esti “profiandamente vinculada & nossa sociedade ~ constituindo-a quase”. Em todo o seu grande livo, pode-se lustrar 0 darwinismo social em muita pagi- nas, comegando desde “a luta pela vida” entre a flora do sertio até propria “guerra” de Canudos entre os conselheiristas as forgas republicanas, E quase certo que 0 autor suibordinou o evotucionismo lamarckianto de Spencer ao darwinismo reinante, se no © abandonon totalmente, pois nao aprofimndou, segundo todos os indicios, a diferenca tedrica entre 0s dois.© darwinismo foi complementado com um atavismo descontro~ Jado, que é sido de forma extravagante para expor a suposta antiguidade de certos tragos recessivos ern pessoas e sociedades, ou na verdade todos os caracteres dos atores do confiito de Canudos. Assim, papel humilde de Antonio Conselheiro nos sertbes € de modo geral mal representado como 0 de am herege esistio gadstico da Antigui- dade tardia, mesmo que sua patologia clinica nfo esteja tio grosseiramente errada. RUCLIDES DA CORWA: UMA OMLESEIA HOS TROPICOS HSE Onde quer que o atavismo opere nos setedes nordestinas, teremos casos de evolusio “regressiva’, a0 passo que, no Centro € no Sul do Brasil, a evolugdo € progressiva em todos os sentidos oitocentistas da palavra O iiltimo tema,em “A Luta’,origina-se da psicologia da multidio das populayées cariocas no curso da “guerra”. A escola de Le Bon elaorou uma anilise sociopsicalé~ sia da consciéncia coletiva das multid&es europeias que esté por trés de um trecho de outro modo denso « ininteligivel sabre compostamento da multidao carioca depois ‘que a segunda expediigéo retirou-se de Canudos. O acontecimento nacional dessa re- tirada,a organizagao da multidao pelos “mediocres atrevidos”, sua inércia ¢ passividade em comparapio com as preocupagdes com a cena por parte de individuos isolados, seu “mimetismo psiquico” ou imitagio social do tom moral de lideres mediocres, tudo eve origem na sociopsicologia de Le Bon ¢ de seu discipulo Sighele, embora nessa cocasiio a plebe do Rio nio se tenha reunido para agir em favor de seu hers, 0 coronel Moreics César; isso ficou reservado para a sua morte, ndo para sua lideranga. A frase “mimetismo psiquico”,citada em italiano, emprestou um tom picante & passagem, que de outro modo esti fiememente centrada na Pryvbslagie des fouls, obea que Euclides possuia em sua biblioteca, Ha Y Faevente AWORY agpes cols ho de lepois dade iados, sytado nessa oronel A frase m,que adlides 10 Os Sertoes: A Narrativa (0 LOGO SENTIMOS A FORGA DESSA NARRATIVA, que como uma corren- | teza transporta nfo 36 0 leitor mas também os temas e fontes que flutuam & sua superficie, nossa atitade diante do livro muda: da avaliaso critica daima- zem de um naufrigio que tinha ficado na mente do leitor para uma admiragio cada ‘ez mais devota da profundidade e do poder de narrasio do autor.£ dificil lembear um Sinico critico que rena encontrado falhas na natrativa de Os Sertéer. Neste capitulo, proponho-me desvelar as formas linguisticas literrias de que 0 autor se serviu para arrara historia de Canudos e que atestam a sua qualidade formal alcangada com tio ouco esforgo até os illtimos momentos draméticos de sua conclusio. Quando se comega a ler o livro desde o principio, ele parece mais uma miriade dados geogrificos e geolégicos que por si mesmos quase fazem o leitor abandonar Teitura,sejam ou nio validos os dados*, Se procurarmos o autor em meio a todo 0 ‘sgio t€enico®, mos encontré-lo apenas sob as denominagdes de “quem 0 contorna’, ~acravessemo-Ia” {a extensio das Campos Gerisl”,e“o observador que seguindo este erdcio"., Esse expositor invisivel continua desse modo, no seu trajeto e,no meio do -sminho, faz uma reveréncia a "um naturalista algo romantico” ~ Emmanuel Liais', até cae no final, nur notivel pardgrafo initulado"Higrémettos Singalares”, ele pessoal =ente se revela como o nagrador de uma histéria de guetsa. Os “aparelhos" lament 1.) films uma ou duas vezes do principal ero de Bulides com relagio ao planato central do Brasil: <0 cap5,p. 87 © .23,junto com Obra Completa va. r,pp.95 ess. Outros erat fortm apontados por sd de Azevedo no artigo ja citado,"“Os Sere a Geogr’ pp xt-50, 533437 € 4.08 recies existncia Azecedo poe em ctvia (p29) nas pigina iniiais de Puckdes podem estar loslizadas em pact (Espsivo Santo) of Fred Hart, Geology ad PByscal Grgraphy of Bri p62 es 2 Vera critica 20 vocabuliro geolégico de Eulides feta plo engenheizo de minas Glycon de Paiva i," 246, pp. 61-65, 1975 Seologis de Canuds em "Or Sertdes 3. Obra Cmplta, vol. 11, p98, 9,10. s.ldem p.307 Digest Econ — um soldado morto, um cavalo morto — que indicam 20 narrador, de maneira adequa- da,a extrema sequidao do ar do deserto foram baixas da quarta campanha, na qual a montaria do tenente Wanderley mergulhou para a morte das encostas de Canudos® e 0 soldado morreu desconhecido. Aqui jaz esse soldado*: Pereocrendo certa vez, n0s fins de setembro, as cercanias de Canudos, fugindo a monotonia

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