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Por uma Histéria Conceitual do Politico* (nota de trabalho)! RESUMO A formulagdo de uma Historia Conceitual do Politico busca preencher as lacunas metodolégicas que tém dificultado a apreensdo da dimensao hist6rica do politico, Pretende ser um recurso na compreensao do presente {passado ow in flux) através da observa- ¢do e andlise da formacao do que 0 autor chama de “racionalidades politicas Sua originalidade e contribuigdo res dem, portanto, no método de abordagem Pierre Rosanvallon** ABSTRACT The formulation of a concept of politic tries to overcome the methodologi- cal difficulties involved in the apprehen- fion of the historial dimension of politics. The Author proposes in this article an ap- proach which analyses what he calls the “rationalites of politics”. The main contribuition of this article is the rescue of politics in association with the history of “mentalités”, of ideas and of the events with which the Author recognizes the need de um objeto jé conhecido, 0 politico, adquirindo um cardter complementar a Histéria das Mentalidades, das Idéias mesmo dos acontecimentos, com as quais reconhece a necessidade de dialogar e interagir. of iteration. P O historiador das idéias, o filésofo e o historiador dos acontecimen- tos e das instituigdes durante muito tempo repartiram a apreensao do cam- po politico, compartimentando-o em trés territérios disciplinares estrita- mente separados. Os herdeiros de Langlois-Seignobos e de Fustel de Coulanges, os rivais de Emile Faquet ¢ os descendentes de Victor Cousin cultivaram trangijilamente, por mais de meio século, seus pequenos jar- dins de “especialistas” universitdrios sem darem uma olhada, sequer, nos jardins de seus vizinhos. E isso, quaisquer que fossem suas preferéncias partidérias e as orientag6es filos6ficas, que impregnavam seus trabalhos. Daf o desgaste progressivo destes géneros tradicionais. Quanto a isso, os jovens historiadores mais brilhantes guardavam, nitidamente, distancia desde a década 1930. Os termos de suas criticas so bastante conhecidos *Tradugao de Paul Martinez. Universidade de S4o Paulo, NUCLEO DE SAO PAULO. **Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales. Paris. 9 para nos determos aqui. Desta forma, em sua contribuigao ao Faire de Vhistoire?, Jacques Julliard explica com propriedade a mé reputagao de que goza a hist6ria politica entre os historiadores franceses de quarenta anos para ca, Isto quer dizer que 0 estudo do politico foi progressivamente aban- donado, cedendo completamente o lugar a novos interesses, vollados para © econémico, o social ou o cultural, trabalhados pela geragdo dos Ariés, dos Braudel ¢ dos Febvre? Nao exatamente. O declinio da historia politica tradicional também foi acompanhado pelo desenvolvimento da historia das mentalidades politicas ¢ sobretudo da sociologia politica. Em La République au Village’, Maurice Agulhon enalteceu a primeira, buscando abrir cami- nho para uma nova abordagem da hist6ria politica preocupada em manter suas distancias frente as problematicas deterministas (cf. Ernest Labrousse: “O social est em descompasso com 0 econdmico, ¢ o mental néo acompa- nha 0 social”) c as estritas descrigdes etnolégicas. A sociologia politica, Por sua vez, recebeu um favor incontestavel, a criagdo de uma agregagao de ciéncias politicas consagrando sua especificidade universitaria em mea- dos dos anos 1970. O desenvolvimento dessa disciplina, além da retomada dp interesse pela histéria dus idéias que disso resultou, traduziu-se, sobre- tudo, pela multiplicagao dos trabalhos sobre as forgas politicas ¢ o sistema politico. Precipitando-se na senda aberta, no in{cio do século, por Robert Michels* ¢ Moisés Ostrogorski’, Anni Kriegel’, Maurice Duverger’ ¢ Georges Lavau', para citar somente alguns nomes ¢ livros que se tornaram cldssicos, no estudo do PCF ou ao estudo global dos partidos. Por outro lado multiplicaram-se os trabalhos sobre as elites politicas e o funciona- mento geral do sistema politico. Muitos dos livros publicados nestas duas diregdes da hist6ria das mentalidades politicas e da sociologia politica, inovaram e permitiram re- novar a abordagem do campo politico. Mas eles nao preencheram 0 vazio deixado pelo perecimento progressivo da hist6ria das idéias e da historia das instituigdes. O deslocamento de método e do objeto que eles operaram também marcou rapidamemte seus limites. O que fica claro tomando-se como exemplo o fato comunismo. A multiplicagiio dos estudos sobre o PCF ou 0 movimento comunista internacional, ¢ hé excelentes, nao permi- tiu entender melhor a esséncia do totalitarismo, limitando dessa forma a compreensao que se poderia ter do funcionamento das sociedades comu- nistas. Daf o interesse crescente pela filosofia politica desde 0 comego da década de 1970.° Desta forma, a abordagem dos problemas politicos foi marcada, 10 nos uiltimos trinta anos, por uma série de deslocamentos sucessivos, seja simplesmente por resvalar no seio da profiss4o dos historiadores, seja por meio da reativacao disciplinar. De um lado, os historiadores das mentali- dades sucederam aos historiadores ditos factuais. Por outro, os socidlogos deram continuidade aos historiadores, depois os fildsofos aos socidlogos. Uma vez constatado isto, uma primeira discussao poderia ter lugar na ten- tativa de avaliar a contribui¢ao especifica das grandes obras que caracte- rizaram cada uma dessas etapas. Duvido que ela tenha verdadeiramente um grande interesse, se a questo é posta nestes termos. Percebo isso tanto melhor, porquanto eu mesmo j4 fui tentado, num certo momento, a pensar nesta perspectiva a renovagiio do estudo da politica (transformando natu- ralmente a filosofia politica na via privilegiada de acesso ao politico, su- pondo realizar, em relago aos sociélogos ¢ aos historiadores das mental dades uma ruptura equivalente & que os pais fundadores dos Annales ti- nham provocado frente a seus predecessores). Que a contribuig&o da filo- sofia politica seja decisiva é inquestiondvel nao duvido disso, evidente- mente, Bem como estou intimamente persuadido de que ela abriu novos horizontes & compreensio do mundo contemporneo. A forte presenca da filosofia politica diante da cena intelectual francesa da década de 1980 é certamente um fendmeno significativo, que se explica por um certo esgo- tamento das grandes correntes que marcaram o desenvolvimento das cién- cias sociais nos anos 60. Contudo, este fenémeno no se confunde com outro mais difuso, conexo, porém distinto: a formagio progressiva de uma “histoire conceptuelle du politique”, superando 0 jogo de fragmentagao ¢ dos deslocamentos que acabo de evocar. O fato intelectualmente mais interessante dos dltimos dez anos, pa- rece residir na aproximagao progressiva das problematicas de andlise do politico e de especialistas oriundos de diferentes disciplinas. Todo um con- junto de reorientagdes disciplinares, aut6nomas na origem, configurou pouco a pouco, um espago comum. Citemos, a titulo indicativo, para ilustrar 0 que foi dito: - aredescoberta e a renovacio da histéria das idéias com trabalhos como os de C. Nicolet (Histoire de l’idée républicaine en Fran- ce"), de P. Manent (Naissance de la Politique Moderne"), de P. Benichou (Le sacre de [’écrivain'?) ou de L. Dumont (Homo Aequalis'*); - arenovagio filoséfica da hist6ria politica com os livros de F. Furet (Penser la revolution frangaise'*) ou de B. Baczko (Lumire de V'utopie"); 11 ~ afilosofia politica do acontecimento com os ensaios de C. Lefort reunidos em L ‘invention democratique"; - o desenvolvimento de uma antropologia politica na linhagem das obras de P. Clastres (La societé contre I’Etar'”) e de M. Gauchet e G. Swain (La pratique de l‘esprit humain'*); ~ areativa¢ao da filosofia do direito por jovens fildsofos como L. Ferry e A. Renant (Des droits de I‘homme a’idée républicaine"), Todas essas obras tém em comum uma certa dimenso filoséfica. Mas esse trago nao € suficiente para caracterizar suas semelhangas. A unidade desses trabalhos reside mais precisamente em um pressuposto metodol6gico ¢ em uma questo. O pressuposto metodolégico deriva da definigdo implicita do politico sobre a qual eles se fundam. O politico nio € para eles uma “instancia” ou um “dominio” entre outros da realidade: € © lugar onde se articulam o social e sua representagao, a matriz simbdlica onde a experiéncia coletiva se enraiza e se reflete ao mesmo tempo. A questao? E a da modernidade, de sua instauragao ¢ de seu trabalho. Parece-me que € chegada a hora de superar a simples constatagio dessa convergéncia globalmente definida, para construir, de maneira mais rigorosa, a nogao de histéria conccitual do politico, da qual esses diferen- tes trabalhos participam. O primeiro passo dessa construgdo implica em diferenciar com clareza essa historia conceitual da hist6ria tradicional das idéias. Diferenciagdo necesséria, pois temos a impressao que os autores e obras citadas, esto muitas vezes, sobre o fio da navalha - posigao preca- tia, naturalmente, que também sinto como sendo a minha. +a A tradicional historia das idéias me parece marcada por um certo nimero de fraquezas metodolégicas que precisam ser cuidadosamente identificadas. Podemos enumerar pelo menos cinco: 1) A tentagao do dicionario: consideremos algumas obras classi- cas do final do século XIX como as de Emile Faquet, Politiques et moralistes au XIX° siécle™, ou de Paul Janet, Histoire de la Philosophie morale et politique’. De fato, elas se constituem somente de uma adi¢ao de monografias consagradas a autores. Cada um desses estudos pode ter méritos intrinsecos, mas seu reagrupamento nado compée uma obra que permita compreender 0 movimento intelectual do século. Podemos fazer a mesma res- trig&o aos livros mais recentes, como o de Pierre Mesnard, 12 2) L’essor de la philosophie politique au seiziéme siécle”. Se eu nao tiver lido Althussius ou Hotman, esse livro me dard uma idéia de suas obras, mas a apresentagdo sucessiva de duas deze- nas de grandes autores da época nao fornece a chave das mu- dangas radicais que se operam ento na filosofia politica. Le temps des prophétés* de Paul Bénichou ou L’histoire des ideologies* publicadas sob a diregao de Frangois Chatelet tem © mesmo inconveniente. Isso nao significa que essas obras de- vam ser rejeitadas. A maioria delas constituem, ao contrario, preciosos instrumentos de trabalho. Essas obras nao tém nada de histérico, Sio diciondrios especializados de obras ou manu- ais de doutrinas polfticas. Elas podem ser notdveis no detalhe de suas andlises, fornecer um manancial de indicagées bibliografi- cas titeis, apresentar uma habil sfntese desta ou daquela obra, até mesmo renovar a apreensdo de um autor particular, mas, geralmente, nao sao sustentadas por nenhuma problematica glo- bal. Sao livros feitos para serem “consultados”, nao precisam ser lidos de maneira sistematica para dar sua contribui¢ao. Em nossas bibliotecas sao guardados nas prateleiras do dia a dia, ao lado dos diciondrios. Um lugar importante. Ahistéria das doutrinas: comegando por uma “doutrina” qual- quer: a idéia de progresso, 0 socialismo, o liberalismo, 0 contra- to social, o utilitarismo, etc. A “histéria” de uma doutrina con- iste geralmente em um dificil trabalho de demarcagao do enca- minhamento da “‘idéia” na historia. Neste sentido sao obras exem- plares como as de E. Halévy, La formation du radicalisme philosiphique*, de R. Derathé, J. J. Rousseau et la science politique de son temps”, de A. Lichtenberger, Le Socialisme au XVIII Siécle””. Eles pressupdem que as doutrinas que estudam representam qualquer coisa de definitivo ou de estdvel. Concep- ¢4o abertamente finalista que transforma tais obras em longas buscas de precursores. Partem de Rousseau, de Benthan ou de Marx para identificar todos aqueles que os “anunciam”, os “prefiguram”, ou “marcam uma etapa” na formagdo da doutrina que eles encarnam. O leitor vé desfilar diante dele capitulos nos quais algumas obras s6 sao interrogadas em relagio a um ponto de chegada jd conhecido, Na sua forma erudita (R. Desathé, E. Halévy), tais histérias t¢m ao menos 0 mérito de reunir um ver- dadeiro material documentario e t¢m a prudéncia de colocar li- 13 14 3) mites muito estritos na sua investigagdo das antecipagdes da doutrina que estudam. Na sua forma vulgar, tendem inevitavel- mente a alargar seu campo, para fazer da doutrina em conside- ra¢ao, o resultado radioso de toda a histéria filos6fica. Porexem- plo, histérias do materialismo hist6rico que, partindo dos filé- sofos da antigilidade, erguem laboriosamente a longa lista de todos aqueles que “perceberam” a dita doutrina, sem se dar con- ta, até que ela seja, por fim, apreendida em sua totalidade por Marx, As doutrinas sio como germes, cujo crescimento pode- mos contemplar em obras que, no fundo, nado tém nenhum outro interesse, sendo o de refletir o tortuoso percurso. Paradoxalmente uma hist6ria como essa nao tem nada de histérico. E a nogio mesma de doutrina que est4 em questio. Ocomparativismo textual: coabita freqiientemente com a his- t6ria das doutrinas. Consiste somente em pensar uma obra em relagio aquelas que a sucedem ou a precedem, a s6 fazé-la exis- tir relativamente ao que lhe é exterior. Quantas apresentagdes de Maquiavel, Auguste Comte ou Locke, nas quais trata-se so- bretudo de questdes que nao sAo suas, mas de obras as quais emprestam sua contribuigo, aos trabalhos futuros aos quais abrem a via. A histria das idéias consiste entéo em manipular uma espécie de caleidoscépio gragas ao qual nds podemos arru- mar uma multiplicidade de figuras sempre bem ordenadas. Este comparativismo sistematico dissimula freqiientemente uma au- séncia total de capacidade de interrogaco dos textos. A arte do comentario consiste em se abrigar sempre atrds da pressuposi- gao de uma caracteristica explicativa da referéncia. Dizer de Sieyés que ele anuncia Benjamim Constant nao ensina eviden- temente nada, se nés sabemos apenas que este tiltimo anuncia Tocqueville ou que se opde & Joseph de Maistre. A hist6ria das idéias atua no entanto freqiientemente desta forma. Este comparativismo generalizado marca geralmente uma pobreza da reflexdo que se esconde utras de um exercfcio de pseudo- erudigao. A este defeito de base acrescenta-se, na maioria dos casos, uma cegueira quanto as diferencas de contexto nas quais as obras tomam sentido. Compara-se Adam Smith e Benjamim Constant como se suas obras procurassem responder 4 mesma questdo. A obra € implicitamente apreendida como um texto auténomo, ela nao é concebida jamais como um trabalho do qual se trataria de compreender os determinantes. disto resulta, geralmente, uma acumulagao de equivocos, supdem-se que as préprias palavras nao tém histéria. Comparar-se-4 Rousseau, Tocqueville e Gambetta sem se preocupar com 0 fato de que o termo democracia nao tem o mesmo sentido para ne- nhum deles. 4) O reconstrutivismo: a andlise ¢ 0 corhentdrio tém nesse caso Ppor objeto pratico reescrever uma obra para estabelecé-la numa coeréncia ¢ clareza que se supée fazer falta ao autor, O Marx de Althusser € 0 exemplo quase perfeito desse reconstrutivismo Cada um também pode ter seu Burke, seu Maquiavel, ou seu Tocqueville. E uma maneira de pensar por procuragio, ao abri- go de uma obra sobre a qual podemos até projetar qualquer coi- sa, No fundo, a obra nao é levada a sério, é apenas o suporte de uma interpretagdo que a sufoca e a invade, sendo observada a distancia. 5) O tipologismo: causa estragos sobretudo em manuais como L’histoire des idées politiques de Jean Touchard (Thémis) ou a obra de Marcel Prélot que leva o mesmo tftulo (Dalloz), que infelizmente ainda constituem a base da preparagao universita- tia nas Faculdades de Direito e de Ciéncia Polftica. A historia das idéias se reduz nessas obras 4 confecgao de uma espécie de vasto catélogo das escolas de pensamento e das doutrinas. Os autores distribuem algumas centenas de obras em pequenos com- partimentos bizarramente etiquetados. Abramos 0 Prélot. Nele, aprendemos a distinguir 0 nacionalismo “emotivo” (Barrés, Peguy), “integral” (Mauras), “totalitério” (Hitler, Mussolini), “personalizado” (De Gaulle). Quanto ao liberalismo, ele pode ser “puro” (Constant), doutrindrio, democratico, catélico, cons- trutivo, extremista; contudo, o termo liberalismo jamais é defi- nido. Nao hd histéria nenhuma nesses manuais, propensos a or- ganizar tudo em termos de escolas, de etapas, de perfodos, de correntes. A arte da classificagio substitui o pensamento e a compreensio das obras. Nao acredito que possamos compreen- der algo de Benjamin Constant qualificando-o de liberal puro, tampouco, saber apenas que Saint-Simon é um socialista ut6pi- co pode ser de grande valia para alguém, Estas cinco fraquezas da hist6ria das idéias freqlientemente se mis- turam nos diversos graus. O problema, noté-mo-lo, nao se limita ao tinico 15 debate texto/contexto tal como ele se desenvolveu, por exemplo, na Ingla- terra e nos Estados Unidos no inicio dos anos 1970. O maior defeito de todas essas obras tradicionais da hist6ria das idéias ¢ que nao nos permi- tem compreender nada de hist6rico mesmo quando nos ensinam muitas outras coisas. Em primeiro lugar, é em fungdo desse limite fundamental que se faz necessdrio considerar a contribuigao da histéria conceitual do politico, eee O objeto da histéria conceitual do politico é a compreensio da for- magdo e evolugao das racionalidades politicas, ou seja, dos sistemas de representagées que comandam a maneira pela qual uma época, um pafs ou grupos sociais conduzem sua ago encaram seu futuro. Partindo da idéia que estas representagGes ndo sao uma globalizagao exterior a consciéncia dos atores - como 0 sao por exemplo as mentalidades - mas que elas resul- tam, ao contrario, do trabalho permanente de reflexao da sociedade sobre ela mesma, tem por objetivo: 1) fazer a histéria da maneira pela qual uma €poca, um pais ou grupos sociais procuram construir as respostas aquilo que percebem mais ou menos confusamente como um problema, ¢ 2) fazer a hist6ria do trabalho realizado pela interaco permanente entre a realida- de e sua representacao definindo os campos histérico-problematicos. Scu objeto é assim a identificagao dos “nds hist6ricos” em volta dos quais as novas racionalidades politicas e sociais se organizam; as representagdes do politico se modificam em relagao 4s transformagdes nas instituigdes; as técnicas de gesto e as formas de relagio social. Ela € hist6ria politica na medida em que a esfera do polftico é o lugar da articulagao do social e de sua representagio. Bla é hist6ria conceitual porque € ao redor de conceitos ~ a igualdade, a soberania, a democracia, etc. - que se amarram e se com- provam a inteligibilidade das situagdes e 0 principio de sua ativagio. Alguns exemplos destes “nds” e destas questdes: como trabalhar a questo “terminar a revolugdo” na cultura politica do século XIX na sua relagio com a percepgao de Thermidor? Como se produz a questao do liberalismo e da democracia durante a revolugao? Como e porque o pensa- mento da dependéncia social se transforma na Inglaterra do século XVII? Esses exemplos pontuais nos levam a fazer uma observacao fundamental: se a histdria conceitual do politico pode apreender muitos objetos distin- tos, por outro lado, esté sempre relacionada a uma perspectiva central, aquela da interrogacao sobre o sentido da modernidade politica, de seu 16 advento e de seu desenvolvimento; modernidade polftica ligada 4 emer- géncia progressiva do individuo como figura geradora do social, colocan- do a questio das relagoes entre o liberalismo e a democracia no centro da dinamica da evolugao das sociedades. Contrariamente a histéria das idéias, a matéria desta histéria coneeitual do polftico ndo pode se limitar a andlise a ao comentario das grandes obras, mesmo se aquelas se permitem, em certos casos, serem consideradas como pélos, cristalizando as questdes que uma época se co- loca e as respostas que tenta apontar. Ela toma emprestado da histéria das mentalidades™ a preocupacao de incorporar 0 conjunto dos elementos que compéem este objeto complexo que é uma cultura politica: o modo de leitura das grandes obras teéricas, as obras literdrias, a imprensa ¢ os mo- vimentos de opiniao, os panfletos ¢ os discursos de circunstancias, os em- blemas € os signos. Nés nao podemos por exemplo nos contentar em apre- ender a questao das relacGes liberalismo/democracia durante a revolugao francesa supondo que cla consiste em um tipo de debate de ctipula entre Rousseau ¢ Montesquieu. E preciso fazer um esforgo de compreensao do que foi retido desses autores por aqueles que se dizem seus seguidores, ou, por aqueles que deles fazem uso, interrogar a massa de petigdes enviadas 4 Assembléia, mergulhar no universo das brochuras ¢ dos libelos, reler os debates parlamentares, penetrar nos clubes ¢ nas comissdes. E preciso igual- mente fazer a histéria das palavras ¢ estudar a evolugdo da I{ngua. (Por exemplo, ndo entendemos a mesma coisa em 1789 ou em 1793 quando falamos de democracia.) Mais largamente ainda, a hist6ria dos aconteci- mentos deve ser levada cm conta de forma permanente. Nessa medida, nao hé matéria propria & hist6ria conceitual: ela consiste desde logo em coletar © conjunto de materiais sobre os quais se apéiam, de forma separada, os historiadores das idéias, das mentalidades, das instituigdes ¢ dos aconteci- mentos. Sua otiginalidade reside antes no seu método que em sua matéria. Este método é ao mesmo tempo interativo ¢ compreensivo. Interativo, pois consiste em analisar a forma como uma cultura politica, as institui- g6es e os fatos interagem uns nos outros, compondo figuras mais ou menos estdveis: a andlise dos hdbitos, das separagdes, dos recobrimentos, das convergéncias, dos vazios que acompanham esta interagao e assinalando tanto seus equivocos ou ambigiiidades como as formas de realizagao. Com- preensivo pois se esforga por compreender umia questo re-situando-a em suas condigdes efetivas de emergéncia. E impossfvel nestas circunstancias limitar-se a uma abordagem “objetivista” que pressupée da parte do histo- 7 riador que ele paire acima ¢ domine, do exterior, um objeto inerte. A abor- dagem compreensiva busca aprender a histéria em sua gestagfio, enquan- to ela € uma possibilidade de vir a ser, antes que ela scja estabelecida em seu estatuto passivo de necessidade. Compreender, no sentido de Max Weber (verstehen), no campo histérico implica em reconstruir a forma como os atores elaboram sua compreensao das situagdes, em detectar as recusas e atragdes a partir das quais os atores pensam sua agao, em desenhar a drvo- re dos impasses e das possibilidades que cstrutura implicitamente seu ho- rizonte, Método empatico, porque supde a capacidade de retomar uma questao situando-se no interior de seu trabalho. Mas empatia naturalmente limitada pelo distanciamento que permite pensar as zonas escuras e as contradi¢es dos atores ou dos autores. Empatia controlada, se preferi mos.” Esta abordagem compreensiva extrai sua justificativa da pressupo- sigdo de um invariante entre a situag’o do autor ou do ator estudado e a nossa. Para o socidlogo weberiano esta invariante é a da natureza humana. No caso da histéria conceitual das idéias, consiste na consciéncia que te- mos de permanecer imersos nas questdes estudadas. A obra do historiador pode assim abrir a via a um engajamento intelectual de novo tipo. Este no consiste em atacar idéias, preferéncias ou “a priori” em uma leitura ou conferéncia; este engajamento também nao é a simples apresentagio dos grupos sociais ou dos autores, para os quais o intérprete pode se sentir atraido. A meta é fazer desta hist6ria conceitual um recurso de compreen- so do presente. Idéia extremamente banal, poderiamos dizer: a historia do passado sempre tem por interesse esclarecer o presente. Vistas de perto, as coisas no sao assim t4o simples. Muitos livros de histéria procuram antes reinterpretar 0 passado em fungao do presente, ou mesmo do futuro, tal como nés o imaginamos. Esta inversdo dos termos da operagiio de com- preensao me parece particularmente marcante no dominio da histéria polt- tica. Tomemos 0 exemplo da histéria politica da Revolugdo Francesa. O livro de Aulard™, que constitui a obra cléssica de referéncia sobre o assun- to, analisa 0 movimento politico da Revolugao relacionando permanente- mente 0s discursos ¢ as instituigdes politicas do perfodo com o que ele acredita sera forma estavel e acabada da idéia democritica."' Segue assim Os avancos € os recuos da democracia de 1789 & 1799 a partir de sua prépria visio da democracia (o governo para o povo e pelo sufrdgio uni- versal). Ele julga este perfodo a partir do presente tomado como ponto fixo, Uma historia gradualista ¢ linear deste tipo, considera, assim, como um dado e uma aquisic¢ao garantida (o sufragio universal = a democracia), 18 © que 6, de fato, o lugar de trabalho de um problema (a redugao progressi- va da idéia democratica aquela do voto). Aulard age como se a idéia de- mocritica estivesse presente de safda, desde 0 inicio, s6 estando impedida de realizar-se plenamente dadas as circunstancias, 0 insuficiente discernimento dos atores ou a situagao da luta de classes entre 0 povo ea burguesia. A histéria entendida desta forma é sempre simples: ela € 0 lu- gar onde se afrontam as forgas contrérias (a ago ea reagao, o progressista © 0 retrégrado, o moderne e 9 arcaico, o burgués ¢ 0 popular) cuja resul- tante explica os avangos e os recuos da idéia. O passado & julgado do ponto de-vista de um presente que nao é, ele mesmo, pensado. A histéria torna-se nestas condigdes um verdadeiro obstéculo 4 compreensao do pre- sente. A hist6ria conceitual do politico, em sua dimensdo compreensiva, permite, ao contrério, suprimir a barreira que separa a historia politica da filosofia polftica. Compreensdo do passado e interrogagao do presente par- ticipam de uma mesma empreitada intelectual. Ela oferece, alids por si mesma, um terreno de reencontro ao ensafsmo e a erudi¢o que sao apre- sentados freqiientemente como antagénicos. A erudi¢ao é a condigao in- dispensavel da apreensao do trabalho que se opera na hist6ria (a soma das informagdes que precisamos mobilizar e das leituras que precisamos rea- lizaré, com efeito, considerdvel para efetuar uma operagio compreensiva) e oensaismo, como forma de intervengio na atualidade, é o motor da inter- rogagao que funda o desejo de conhecer e compreender. ae Em linhas gerais estas observagGes, esbocadas 4 grosso modo, vo- luntariamente, sugerem que a hisiéria conceitual do politico nfo conduz propriamente a rejeicao das vias tradicionais da historia das idéias, dos acontecimentos e das instituigées, ou aquelas mais recentes da histéria das mentalidades, mas apenas a recuperagdo de suas matérias em uma pers- pectiva diferente. Trabalho de recuperagao que pode explicar, em certos casos, 0 risco de um simples retorno. Isto é particularmente visivel em matéria de histéria das idéias. Este campo esteve, com efeito, longamente abandonado sendo preciso muitas vezes reconstruir a matéria mais tradicio- nal antes de fazé-la trabalhar na perspectiva da hist6ria conceitual. E pre- ciso levar adiante, pela forga das circunstancias, um duplo esforgo de.re- cuperagio e de inovagao. Ahist6ria conceitual assim definida deve, enfim, ser distinguida de algumas tentativas que foram realizadas recentemente para renovar a his- 19 t6ria das idéias: a da historia contextual das idéias (cf. os trabalhos de Quentin Skinner) em particular. Skinner, autor do maravilhoso The foundations of modern political thought”, procurou superar 0 antagonis- mo, particularmente marcado nos pafses anglo-saxdes, entre a leitura “fi- los6fica” dos grandes autores", criada sobre a ereciio do texto em objeto fechado e auto-suficiente™, ¢ a leitura “histérica” que, impregnada de ele- mentos do marxismo, tende a fazer das obras simples produtos ideolégicos derivados das circunstancias e por elas determinadas. Fortemente marca- do pelo trabalho de J. L. Austin’, Skinner, além de sua preocupagdo de no se limitar aos “grandes autores”, buscou ler os textos como “atos lingiiisticos” situados nos “campos de significado convencionalmente re- conheciveis”. O texto é lido como um discurso cuja ponta somente pode ser apreendida se restituirmos as intengdes do autor em um contexto de convengées. Esta abordagem renovou substancialmente a histéria das idéias e permitiu estabelecer um didlogo entre o historiador eo fil6sofo, mas cuja caracteristica inovadora esteve, segundo me parece, limitada pela nao-dis- tingdo da problematica dos “problemas eternos da filosofia” ¢ aquela do trabalho das questées. Os termos nos quais o debate metodolégico sobre a forma de fazer a hist6ria das idéias se processou nos Estados Unidos ¢ na Inglaterra, conduziram Skinner a suspeitar, sistematicamente, de “filoso- fia perene”, de todo aquele que tendia intelectualmente a articular a leitura das questées do presente com a leitura do passado."’ As condigdes nas quais cle desenvolveu suas criticas da histéria tradicional das idéias leva- ram-no a nao dar 0 passo que o teria conduzido, muito naturalmente, a prolongar seu movimento em direcio a hist6ria conceitual do politico: ele quis, ou teve que permanecer, em seu papel de professor em Cambridge. Sua contribuigdo é, no entanto, incontestavel ¢ reconhego minha divida para com cle. kee A hist6ria conceitual do politico nao se funda sobre a aplicago mecfinica de receitas, bastando aplicé-las na redagfio de um livro que pos- sa ilustrar, melhor que uma desajeitada “declaragdo de intengdes”, 0 que ela aspira realizar, Toda obra permanece uma frégil tentativa de produzir um suplemento de inteligibilidade pela escrita. Esta, talvez, mais que ou- tras. 20 NOTAS ‘ Ocstatuto denota de trabalho deste texto destina-se a preservar sua caracteristica de reflexiio em aberto. A reflexiio epistemolégica programitica que nela se desenvolve esté inserida no perfodo de redagio de uma obra consagrada a Hist6ria da democracia francesa (Histoire de la Democratie Francaise) onde tentou-se porem pritica as preocupagies e orientagdes metodolégicas que sugiro aqui. Fiz, uma primeira experiéncia, ainda que limitada ¢ hesitante, nesta dirego da Histéria ‘Conceitual do Politico em Le moment Guizot (Patis, Gallimard, 1985), procurando tomar distéincia da hist6ria politica tradicional, principalmente daquilo que se convencionou chamar hist6ria das idéias. A meio caminho de um livro, sem vinculos comigo atualmente, e que hoje me é possivel Ié- Jocom um olharcritico, e de uma obra que ainda esté diante de mim, esta nota de trabalho reflete 0 sentido de um esforgo em realizagio e, portanto, ndo formula, de maneira nenhuma, conclusdes metodolégicas, inerentes apenas a um trabalho que cessou de interrogar a si mesmo, Publicado ‘originalmente emRevue de Synthése. IV série,n. 1-2, janvier/juin 1986, Tradugdo de Paulo Henrique Martinez. * Phris, Gallimard, 1974. 2 v. “Nouvelles approches” (Histéria: novas abordagens. $0 Paulo, Francisco Alves, 1978). * Paris, Le Seuil, 1979 (1. éd., Plon, 1970), * Les parties politiques (1911), Paris, Flammarion, 1971. > La democratie et les parties politiques. (2v., 1902), Reedigio abreviada por Pierre Rosanvallon, Paris, Le Seuil, 1979. * Cf., principalmente, Les communistes francais, Essai d’ethnographie politique, Pasis, Le Seuil, 1968. 7 Les parties politiques. Pasis, A. Colin, 1951. * A quoi sert le parti communiste francais? Pasis Fayard, 1982. * Olangamento de novas colegdes como: Les classiques de la politique, da Garnier; Critique de la politique, da Payot; Recherches politiques na PUF ou de revistas como Libre e passe-present constituem alguns sinais, entre outros. ‘Paris, Gallimard, 1982. "Paris, Payat, 1977. "Paris, Jose Corti, 1973. Paris, Gallimard, 1976. Paris, Gallimard, 1978. Paris, Payot, 1978. "*Paris, Fayard, 1981. "Paris, Ed. de Minuit, 1974. Paris, Gallimard, 1980, Paris, PUF, 1985, ™Paris,3 v.84 "Paris, 2 v., 1858. ™ Paris, Vrin, 1969. (I.ed., 1936). ™ Paris, Gallimard, 1977. Paris, Hachette, 3 v., 1978. Paris, 3-v., 1901-1904. Paris, Vrin, 1974 (1. ed., 1950). 21 Paris, 1895, **Sobre este ponto deve-se observaro miimero especial “Histoire des sciences et mentalités”, Revue de Synthése. 111-112, juil-dec. 1983, particularmente o artigo de CHARTIER, Roget, Histoire intellectuelle et histoire des mentalirés. Trajectoires et questions, que clama acertadamente por ‘uma reaproximagio da hist6ria das idéias e2 histdria das mentalidades. A cmpatia, contrariamente A simpatia, no implicaem nenhuma identificago. Esta distingdo ele- ‘mentar parece nfo ter sido compreendida por todos. Bu me dei conta disto quando fui repreendido Poralguns, apés ter escrito sobre o liberalismo, século XIX, partindo de Guizot. Ao mesmo tempo, aempatia necessita um :ravail d'information (que me capacite a analisar 03 dados da situagtio na qual se encontra um autor, ¢ aprender com riqueza a estrutura do campo hist6rico-intelectual no qual se move) e um avail de distanciation (que me permite analisar permanentemente a diferenga, entre minha situagiio prépria e aquela que observo). MAUCORPS, PH. eBASSODI, R. eserever ‘em “Empathie et connaissance d’autrui”, citado in: FOULQUIE, Jean. Dictionnaire de la langue hilosophique. Paris, PUR, 1969: “A empatia apresenta uma caracteristica mais desinteressada, ‘mais conjectural e, de alguma forma, mais especulativa que a simpatia. Também aparece essencial- ‘mente como movimento participativo, visando a compreensio do outro na qualidade de ouira ea antevisdo de suas potencialidades”. “ Histoire politique de la revolution francaise, Paris, 1913. *' subtitulo do livro de AULARD, Origines et developpement de la democratie et de la republique, é, por si mesmo, ilustrativo desta concepgdo. "Cambridge University Press, 1978, 2.vol.. Podemos comparé-lo & obra citada de P. Mesnard para ‘observar 0 abismo que separa os dois livros, Skinner explicou seu método em uma série de artigos ‘muito interessantes: Principalmente: “Meaning and understanding in the History of ideas, History and Theory. VII, I, 1969; Some problems in the analysis of political thought and action”. Political Theory. 2-3 v, august 1974 (coleténea que retin testemunhos de um simpésio consagrado & Skinner); “Motives, intentions and the interpretation of texts”, New Literary History. 3¥., 1972, ‘SCT. Leo Strauss e J. Cropsey, que resumem muito bem seu ponto de vista em History of political Philosophy, Chicago University Press, 1963, particularmente como representantes da “Text School”. “Recentemente encontrei um jovernestudante de Chicago a quem o professor, que 6 um disefpulo conhecido de L. Straus, tinha passado a tarefa de eserever sobre a Théorie des sentiments moreux de A. Sinith, no seu impedimento de ler alguma obra de comentario ou livro de hist6ria sobre 0 periodo! SCE. AUSTIN, John Langshaw, How to do things with words. Oxford, Clarendon Press, 1962. ‘Segundo Austin, a linguagem¢é uma atividade que completa qualquer coisa, no apenas uma opera- dora passiva da significagio. “Este debate repercutiu muito pouco na Franga, mas a bibliografia é imensa. Para um primeiro contato pode-se ler dois artigos fundamentais: POCOCK, 5.G. A. “The history of political thought: a methodological enquiry, in philosophy" Politics and societtes. 2. series, ed. by Peter Laslett, Oxford, Oxford University Press, 1962 (Pocock & autor do notavel The Machiavellian moment. Princeton, 1975; a dimensdo deste artigo niio nos permite discutiro método de sua obra e, menos ainda, a de Politics und vision, de WOOLIN, Sheldon. Boston, Little, Brown and Co.. 1960: estas dduas obras abriram uma perspectiva que muito se aproxima do que chamei Hist6ria Conceitual do Politico, tendo por objeto um periodo muito amplo talvez); JANSSEN, Peter L. “Political thought as raditionnary action; the critical response to Skinner and Pocock”. History und theory. XXIV, 2, 1985. Todo este debate mereceria ser apresentado ao pablico francés (uma vez.que as muitas pagi- nas que Ihe foram consagradas esto em inglés}. "Isto coloca, note-se, o problema da modernidade como um campo problematico nos termos trata- dos constantemente. Tais questoes mereceriam um debate dedicado & pertingncia do conceito de modernidade na filosofia politica, 22

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