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Alvaro Bianchi
(DCP/IFCH/Unicamp)
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menos maio de 1962 (Newman, 2002, p. 185). E Poulantzas se manifestou mais de uma
vez a respeito da política nas páginas de Le Temps Modernes sem obter muito eco (cf.
os textos reunidos em Poulantzas, 1975). Mas foi em um novo contexto político que
essas obras encontraram seu público e que estimularam uma retomada dos estudos
marxistas sobre o Estado e a política.
O impacto desses livros pode ser avaliado pela reação que provocaram no
mainstream da political science estadunidense. O impacto é ainda mais revelador
porque a repulsa que este demonstrou pelo marxismo esteve geralmente sustentada pelo
desconhecimento ou por uma imagem caricatural deste, é foi marcada sempre por uma
indiferença olímpica. Mas o próprio Easton (1981) foi obrigado a reconhecer que o
“sistema político” encontrava-se “sitiado pelo [conceito de] Estado” e a atribuir
principalmente a Poulantzas essa nova relação de forças. Já não bastava a olímpica
indiferença e Easton foi obrigado a lutar em defesa de sua análise sistêmica no campo
do adversário, abandonando a atitude perante a teoria marxista que havia caracterizado
o mainstream até então.
A resposta de Easton tinha razão de ser. Não apenas Poulantzas e Miliband
haviam desenvolvido de modo original a teoria marxista do Estado, como o haviam
feito por meio de uma crítica explícita às teorias hegemônicas na ciência política.
Citando Runciman, o autor de Pouvoir Politique et Classes Sociales, afirmava que o
funcionalismo “não só diretamente se filia no historicismo, como também se apresenta –
através da importância que assume – como a ‘alternativa’ ao marxismo” (Poulantzas,
1977, p. 38).1 Daí importância do marxismo acertas as contas com o funcionalismo, e
principalmente com a teoria de Talcott Parsons, para desenvolver sua própria teoria.
Miliband, por sua vez, escolhia como adversárias as teorias democrático-pluralistas:
“tendo esboçado a teoria marxista do Estado [em Miliband, 1965] eu estava preocupado
em colocá-la de encontro as visões dominantes, democrático-pluralistas, e em mostrar
as deficiências destas últimas da única maneira que me parecia possível,
nomeadamente, em termos empíricos.” (Miliband, 1970, p. 54.)
A opção de Poulantzas e Miliband ao construir sua análises do Estado capitalista
a partir de uma crítica das teorias funcionalistas e pluralistas teve como conseqüência
uma ruptura com o padrão anterior de produção e difusão da teoria marxista. Ao invés
da enésima exegese dos textos marx-engelsianos e da incansável busca da verdade dos
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Segundo Runciman, “na ciência política só há na verdade um único candidato sério a essa teoria [geral]
- usando teoria em seu sentido não prescritivo - à parte o marxismo. (...) Essa abordagem alternativa ao
marxismo é a funcionalista” (Runciman, 1966, p. 111).
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textos, Poulantzas e Miliband assumiram esses textos como um ponto de partida para a
reflexão teórica, ao mesmo tempo que admitiam os postulados das teorias hegemônicas
da political science como desafios teóricos que precisariam ser respondidos pela teoria
marxista. Ao proceder desse modo reposicionaram o marxismo no contexto intelectual e
forçaram uma reação por parte do mainstream que acabou por conferir legitimidade
acadêmica a suas obras.2
Depois de uma rápida exposição daquelas que considera ser as linhas gerais do
marxismo e de sua constituição em duas disciplinas unidas mas distintas – o
materialismo histórico e o materialismo dialético –, exposição essa fortemente
amparada na leitura de Althusser, o autor de Pouvoir politique et classes sociales afirma
ser seu objetivo a produção de conceitos e, particularmente, a produção de conceitos de
uma estrutura regional, o político: “é o político o objeto deste ensaio, em particular a
superestrutura política do Estado no modo de produção capitalista, quer dizer a
produção do conceito desta região neste modo, e a produção de conceitos mais
concretos referentes ao político nas formações sociais capitalistas.” (Poulantzas, 1977,
p. 15.)
A distinção entre conceitos teóricos e conceitos empíricos afirmada por
Althusser é fundamental para compreender o objetivo anunciado por Poulantzas.
Rejeitando incisivamente o empirismo, Althusser considerava que os conceitos teóricos
têm por objeto determinações ou objetos abstrato-formais. “Esses conceitos não nos dão
um conhecimento concreto de objetos concretos e sim o conhecimento de
determinações ou elementos (diremos objetos) abstrato-formais que são indispensáveis
para a produção do conhecimento concreto de objetos concretos.” (Althusser, 1997, p.
76.) Os conceitos empíricos, por sua vez, dizem respeito às determinações da
singularidade que caracterizam os objetos concretos que tem lugar na história, como,
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A recepção da obra de Poulantzas e Miliband não segue o mesmo ritmo devido ao fato do primeiro ter
publicado seu livro originalmente em francês e apenas cinco anos depois ele ter sido traduzido para o
inglês. Essa é uma das razões juntamente com o estilo literário para que a difusão Miliband tenha sido
maior no contexto anglo-saxão. Uma vez que a publicação pela New Left Review dos primeiros artigos da
polêmica Miliband-Poulantzas, que será discutida neste artigo, antecedem a tradução de Pouvoir
Politique et Classes Sociales, não é exagero afirmar que foi por meio destes artigos que Poulantzas se
tornou primeiramente conhecido na Inglaterra e nos Estados Unidos. Vale ressaltar, entretanto, que desde
1969 o público latino-americano tinha acesso à edição mexicana do livro de Poulantzas, publicada pela
editora Siglo XXI e que a mesma editoria publicou o livro de Miliband no ano seguinte.
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por exemplo, as características de uma dada formação social ou de uma forma estatal
que tem uma existência concreta em uma dimensão espacial e temporal dada. Segundo
Althusser, esses “conceitos acrescentam assim uma coisa essencial aos conceitos
teóricos em sentido preciso: as determinações da existência (em sentido preciso) dos
objetos concretos.” (Althusser, 1997, p. 77.)
Afirmando a necessidade de produzir conceitos teóricos sobre a estrutura
regional do político, Poulantzas descarta nesse livro a análise concreta de qualquer
forma estatal historicamente dada e propõe uma análise conceitual do Estado capitalista
em particular. Não se trata, evidentemente de deslegitimar toda análise concreta ou a
produção de conceitos empíricos. Mas devido ao escasso desenvolvimento de uma
teoria regional do político a produção desses conceitos empíricos deveria ser antecedida
pela produção dos conceitos teóricos.
Essa atividade de produção de conceitos teóricos é levada a cabo de modo
rigoroso em Pouvoir Politique, mas chama a atenção que apesar de sua forte crítica ao
funcionalismo, seu autor opte por definir o Estado por meio de suas funções,
explicitando menos o que o Estado é e mais o que ele faz. Tomando como ponto de
partida a existência de diversos níveis ou instâncias no interior da estrutura, que
apresentariam desenvolvimento desigual Poulantzas concebe o Estado como uma
estrutura objetiva que tem a função particular de
“constituir o fator de coesão dos níveis de uma formação social. É
precisamente o que o marxismo exprimiu, concebendo o Estado como
fator da ‘ordem’, como ‘princípio de organização’, de uma formação,
não no sentido corrente dos níveis de uma unidade complexa, e como
fator regulador do seu equilíbrio global enquanto sistema.”
(Poulantzas, 1977, p. 42.)
Miliband deu a conhecer que teve acesso a essa idéias de Poulantzas pouco antes
de completar The State in Capitalist Society (cf. Miliband, 1972, p. 8). Newman
revelou, por meio da correspondência entre Poulantzas e Miliband que foi o próprio
autor de Pouvoir politique et Classes Sociales quem lhe enviou o livro, com uma carta
na dizia: “Conheço seu livro, Parliamentary Socialism e seus artigos, particularmente
‘Marx and the State’, o qual ajudou muito em meu trabalho. Seus comentários e
conselhos seriam muito úteis.” (apud Newman, 2002, p. 203.) Miliband agradeceu o
livro e respondeu prontamente: “Seu livro tornou-me apenas mais consciente das
deficiências teóricas de meu próprio trabalho e das limitações do método que escolhi
usar. Mas talvez exista alguma utilidade em mostrar os mecanismos de dominação”
(idem). A resposta de Poulantzas destacava a complementariedade dos projetos:
“Estou verdadeiramente entusiasmado com seu projeto e seu livro:
acredito que é indispensável e, certamente, não duplicará o meu.
Penso, sem falsa modéstia, que será muito mais importante que o meu,
já que estou consciente de ter permanecido em um nível ainda muito
teórico.” (Idem.)
O Estado não era concebido por Miliband como uma coisa ou um objeto. “O
‘Estado’ significa um número de determinadas instituições que em seu conjunto
constituem a sua realidade e que interagem como partes daquilo que pode ser
denominado sistema estatal.” (Miliband, 1972, p. 67.) Governo, administração, forças
armadas, governos subnacionais e assembléias legislativas são as principais instituições
que dão forma a esse sistema estatal.
“É nessas instituições que se apóia o ‘pode estatal’ e é através delas
que esse poder é dirigido em suas diferentes manifestações pelas
pessoas que ocupam as posições dirigentes em cada uma dessas
instituições (...). São essas as pessoas que constituem aquilo que pode
ser descrito como a elite estatal.” (Miliband, 1972, p. 72-73.)
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Sobre o conceito de problemática ver Althusser (1979, p. 43-59).
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Segundo Miliband, “Poulantzas condena o ‘economicismo’ da Segunda e da Terceira Internacionais e
atribui a isso o fato delas terem negligenciado o Estado, Mas sua própria análise parecem conduzir
diretamente para um tido de determinismo estrutural, ou ainda um superdeterminismo estrutural o qual
torna impossível uma abordagem verdadeiramente realista da relação dialética entre o Estado e ‘o
sistema’.” (Miliband, 1970, p. 57.).
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reconhecimento de que a teoria operaria sobre os fatos. Ora, a teoria opera sempre sobre
o geral e produz seus próprios fatos:
“O seu trabalho peculiar consiste, ao contrário, em elaborar os seus
próprios fatos científicos, através de uma crtícia dos ‘fatos’
ideológicos elaborados pela prática teórica ideológica anterior.
Elaborar os seus próprios ‘fatos’ específicos é, ao mesmo tempo,
elaborar a sua própria ‘teoria’, pois o fato científico – e não o assim
chamado fenômeno puro – só é identificado no campo de uma prática
teórica.” (Althusser, 1979, p. 160.)
um primeiro momento, desse conceito e das formas mais exacerbadas de teoricismo que
a este associadas.
O teoricismo entretanto ainda estaria presente, embora de forma atenuada e teria
levado Poulantzas a uma distinção muito aguda entre a ordem da pesquisa e a ordem da
exposição, destacando unilateralmente esta última o que fazia com que, freqüentemente,
as análises concretas fossem apresentadas “como meros exemplos ou ilustrações do
processo teórico” (Poulantzas, 1976, p. 67.) Esse problema próprio da exposição
destacava ainda mais o teoricismo original e criava a falsa impressão de que as análises
concretas emanavam dos conceitos abstratos. Esta posição secundária ocupada pelas
análises concretas, por sua vez, implicava em um elevado formalismo, conforme havia
apontado Laclau.
A posição de Poulantzas não lhe permite uma resposta eficaz. Argumentava a
respeito da necessidade de tratar os “fatos concretos” teoricamente e assinalava que
tanto em Fascisme et Dictadure (1970) como em Classes sociales dans capitaliste
aujourd’hui (1974) tinha levado a cabo análises históricas concretas. Por outro lado,
escrevia que ao contrário do que seria de se esperar essas análises se encontravam
ausentes em Miliband que se limitava a apresentar “descrições narrativas” que se
assemelhavam fortemente aquilo que Wright Mills havia chamado de “abstracionismo
empiricista”. As questões metodológicas postas em discussão por Laclau, entretanto,
permaneciam sem uma resposta adequada.
Conclusão
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Ver a crítica desta abordagem em Carnoy (2003, p. 137) e Barrow (2002).
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Referências bibliográficas
POULANTZAS, Nicos. The problem of the capitalist state. New Left Review, n. 58, p.
67-78, 1969.
RUNCIMAN, W. G.. Ciência social e teoria política. Rio de janeiro: Zahar, 1966.
SAES, Décio. A questão da autonomia relativa do Estado em Poulantzas. Crítica
Marxista, São Paulo, n. 7, p. 46-66, 1998.