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1Conto integrante da série- Contos Acinzentados –

João Ayres.
ENCURRALADO.

São seis horas e venta muito aqui à tarde.

Ele ,este pronome reto com cheiro de perfume barato,se mexe com dificuldade dentro
de um armazém qualquer, às tantas horas de um dia qualquer,indefinido em qualquer um e
nada mais.
Ele, este pronome reto em terceira pessoa, esta entidade que veste roupas adquiridas
em liquidações de lojas ordinárias, sabe que vai ter que sair daquele armazém ou daquela
quitanda mais cedo ou mais tarde.Sabe ou tem a consciência de que não quer falar com
ninguém.Não quer simplesmente trocar uma ou mais palavras com quem quer que seja.
Há a tal porta dos fundos na quitanda. Esta tal porta é agora a sua tábua de salvação.
Ele está estrangulado em si mesmo e pretende sair por ali.
A imagem dos sacos de batata à sua frente pendendo para um lado e para o outro.
Ele está agora sentado sobre eles. Gosta do cheiro das frutas frescas e vegetais coloridos.
Gosta do chão aparentemente sujo quando limpo. A quitanda ou o armazém. Não sabe bem
como chamar aquele lugar.Um bando de artigos indefinidos em uns, prefere chamar aquele
lugar de x.Um outro bando de pronomes indefinidos em alguns,prefere também chamar
aquele lugar de y.
Ele, este pronome reto em terceira pessoa, observa um roedor que está a fuçar os
cantos dos cantos dos cantos daquele lugar ou local. O roedor passa por sobre seus sapatos.
Ele tem a impressão de que o mesmo está prestes a escalar suas pernas. Pensa em atacar o
referido, mas logo muda de idéia e finge indiferença. A coisa dá certo e o roedor o deixa em
paz.
Ele agora se mexe no interior daquele espaço exíguo. As pareces caiadas e tristes o
transportam para um tempo qualquer de sua existência. Um feixe de imagens fraturadas se
abre à sua frente. Ele se vê perambulando por ruas escuras à procura de si mesmo Ele o faz
com as mãos no bolso. Ele caminha num dia chuvoso e sem maiores prerrogativas. Ele
acende um cigarro embaixo de uma marquise. Olha ao redor e percebe que está só. O
barulho da chuva de encontro ao asfalto instaura uma agradável sinfonia em sua alma. Ele
está agora naquele resto de mundo, na esquina de uma rua com a outra.
Faz muito frio naquele instante e seu corpo treme. Do outro lado da rua, o brilho
encantadoramente artificial das luzes de uma loja de conveniência. O cheiro de junk food
invade suas narinas acostumadas à leveza da alimentação caseira.
Este choque faz com que ele sinta uma espécie qualquer de azia. Algum pronome
indefinido,alguém vindo de não sei onde, esbarra em seu ombro fazendo com que seu maço
de cigarros caia no chão e seja literalmente tragado pelas águas impiedosas.
Ele olha para aquele pronome com irritação. O referido pede desculpas e percebe
que ele está a bloquear sua passagem. Ele e alguém frente a frente no escuro.

Mais escuro agora que já passa das seis naquele espaço sufocante. Ele, este
pronome reto com cheiro de mortadela vencida, a olhar para as paredes que perdem a sua
materialidade ao se tornarem substantivos comuns.Tem a sensação de que as mesmas estão
a se fechar sobre seu corpo.
Ele, este pronome reto com cheiro de mortadela vencida, agora se movimenta na
direção da porta dos fundos.

Ele sabe muito bem que vai ter que passar por debaixo do balcão para alcançar a tal
porta dos fundos. Sabe que vai ter que pedir licença ao dono do referido estabelecimento
para poder sair por ali.Sabe que vai ter que olhar para a cara de alguns indivíduos que
costumam se aboletar ao lado do balcão.Sabe que a ordem é esta.Sabe que não pode sair
pela frente.Há muito mais pessoas lá.Seria fatalmente parado por mais de um freqüentador
daquele local.Ele ou mais pronomes o fariam perguntas e ele, nosso pronome reto em
terceira pessoa, não teria como não responder a todos.
Ele então faz o que tem que fazer e não faz o que tem que fazer. Dá um passo na
direção do balcão e, por alguns míseros segundos, não consegue dar mais um passo
sequer.Olha para o dono que parece que o entende bem.Percebe subitamente o rasgo na sua
camisa, bem abaixo da axila direita.Suas calças se insurgem contra ele dificultando os seus
movimentos.Ele se esforça e supera estes pequenos, mas irritantes contratempos.Está
próximo ao balcão e vai passar de forma decidida não falando com ninguém.
Os pronomes indefinidos parecem não notar a sua presença, pois ninguém lhe
dirigiu sequer a palavra. Ele, nosso pronome reto em terceira conjugação, se dirige para a
porta dos fundos.Em alguns segundos, se vê fora dali.

A rua sem saída a partir da porta dos fundos na quitanda.


O muro pichado com dizeres obscenos, os latões de lixo espalhados naquele antro
qualquer.Ele agora sentado sobre um amontoado de pneus velhos a observar o que resta ao
seu redor.Um carro desmanchado, uma bicicleta fora de uso, volantes de coletivos atirados
ao chão, a urina de cães hidrófobos abandonados pelo tempo, jornais velhos, latas de
refrigerantes amassadas e os tais restos de comida refinada dos restaurantes nas
proximidades.
A rua sem saída e do outro lado obras de manutenção. Acesso proibido para
pedestres e veículos.
Ele, este pronome reto em terceira pessoa, sentado sobre aquele amontoado de
pneus gastos a olhar de um lado para o outro.Emparedado.Encurralado na esfera do que não
pode ser.Um frio corre sua espinha.Depois deste frio, uma sensação de mal-estar, algo
entre dor no peito e pontada no estômago.Os órgãos de seu corpo estrebucham em
silêncio.Um intruso na esfera dos objetos inanimados.Só lhe resta a constatação de que
pode vir a ser nada.Ele se vê agora pedaço de qualquer coisa.Parte deste todo inerte e
imune à contaminação humana.

Dois pronomes no escuro em sua lembrança. Na quitanda ou no armazém quando


olhava aquelas paredes tristes e caiadas. Os dois frente a frente no escuro. A irritação pelo
fato do pronome indefinido alguém haver derrubado o maço de cigarros.Ele, este pronome
reto em quase nada, com o maço de cigarros à mão.Este tal alguém que lhe pede desculpas,
mas percebe que sua passagem está bloqueada pelo mesmo.
É ele, nosso pronome reto, que tenta agora voltar para a quitanda ou armazém.

A porta fechada, a hora já se faz tarde.Ele e alguém frente a frente no escuro.Um carro
desgovernado atinge em cheio a loja de conveniência.Ouve-se uma enorme explosão.

Ele e alguém olhos fixos um no outro: Dois vazios com jeito de coisa morta.

Conto segundo da série Contos Acinzentados de João Ayres.

2 POST MORTEM

Ele está a meio caminho do escuro naquele banheiro exíguo da casa de alguém.
Ele, este pronome reto em terceira conjugação, não derrama uma lágrima sequer
quando da notícia ou do acontecido. Ele, este pronome reto em terceira pessoa, está sentado
no toilet que nada mais é do que vaso ou latrina em português.
Ele observa com desdém o seu corpo.Pode ver claramente o que a vida lhe
proporcionou durante todos aqueles anos de concentração adiposa.O quadro triste de um
obeso 1 sentado naquele toilet ou no vaso ou na latrina.As luzes foscas do banheiro
obscurecendo aquela existência sem maiores prerrogativas.
A morte comunicada da maneira mais fria possível. Um breve telefonema e a voz
seca do outro lado do mundo.A respiração dificultada pela compressão do pulmão, uma
estranha sonolência e a constatação de que nada faz sentido naquele instante.Desejo de
morrer ou de simplesmente ir embora ou desejo de não falar com mais ninguém.
Ele suspeita daquela falta de ar.Saindo do banheiro, encontra certa dificuldade em
fechar as calças.
O zíper simplesmente não pode ser movido. A camisa agora ainda mais curta em
virtude da ingestão descabida de massas variadas. Não há como cobrir a frente das
calças.Teme que alguém perceba o ridículo daquela situação naquela sala em luto.Teme que
alguém o constranja ainda mais oferecendo qualquer tipo de ajuda.Teme que alguém possa
se decepcionar ao perceber que seu suporte íntimo está rasgado.
Ele volta para o banheiro já suando bastante. Tranca a porta e senta-se novamente
no toilet. Sente-se um tanto aliviado, pois não acendeu as luzes.Pensa no morto.Pode vê-lo
a boiar no fundo do mar com um sorriso no rosto.Não sabe como explicar, mas sente que o
tal vento invade o basculante e acaricia a sua face de maneira singular.O oceano de águas
revoltas toma agora sua mente.O morto cada vez mais próximo caminhando a passos
largos.
O morto que o abraça e sussurra coisas incompreensíveis em seus ouvidos. Sente que
seu coração está a bater mais forte, uma dor insuportável toma sua cabeça. Os olhos
fechados naquele banheiro e o ruído da descarga provocado pela queda daquele corpanzil.
Ele, este pronome reto diluído num copo vazio, caminha sem direção na direção do
lugar algum.Abre portas e janelas e nada mais resta senão ele mesmo.Mesmo o nada
precisa do mesmo para ser nada.O nada percebido como tal. Quem percebe neste pronome
reto é sempre alguém. A morte percebida como tal, a dor infinita e ao mesmo tempo apenas
e tão somente isto que o que é:dor.
Ele ainda de olhos fechados, estirado no banheiro. Longe de seu corpo e de tudo
aquilo que parecia ser o que era.Longe de seu longe no vazio do indizível.
Abre e fecha a porta algumas vezes. Sabe que tomará o café da manhã sozinho. Os
seus olhos umedecidos, a indiferença dos objetos à sua frente. Ele abre e fecha tudo aquilo
que possa ser aberto e fechado.
Ele agora decide ficar mais um tempo naquele banheiro.Conta os azulejos
coloridos em detalhes de conchas e cavalos marinhos.
Os restos do corpo encontrados e as horas angustiantes de intensa busca.O exame de
DNA e a cortante confirmação em sua alma.Está sentado no banheiro, o chão frio e a alma
morta.Precisa continuar,carregar este fardo ao viver intensamente este luto, esta ausência
interminável que dilacera os órgãos pouco a pouco.
Alguém bate à porta e ele não responde. Alguém insiste no fato de que está muito
apertado e de que precisa de qualquer maneira entrar. Após muito insistir, este alguém
desiste. Parece que encontrou um outro banheiro.
Sabe-se ainda que algumas gotas molharam o tal suporte íntimo e a tal calça adquirida
numa loja caríssima.As pessoas podiam sentir aquele cheiro desagradável após certo
tempo.Era uma situação constrangedora, aquela daquele alguém,com aquele cheiro,naquele
lugar e naquela ocasião.
Este alguém sente um frio na espinha pela primeira e última vez. Sente que o gosto do
salgadinho não é o mesmo de antes. Sua boca formiga estranhamente.Ele começa a suar
frio e sente que uma diarréia avassaladora está por vir.As luzes daquele lugar,embaçadas e
torpes, cegando agora a sua vista.Estranhas sensações repentinas em sua alma.
Alguém se cala e pega suas coisas e vai embora.
Após algumas boas horas, a porta arrombada e o corpo encontrado no chão daquele
banheiro asséptico.
O corpo inchado, a língua enrolada e os olhos esbugalhados como os de um
peixe.

3Conto de uma noite qualquer.

Ele gosta da escuridão. Sempre gostou de apagar as luzes da casa quando ia fazer amor.
Desta vez não está tão sozinho assim. Ele tem uma parceira à altura, alguém com a
mesma obsessão pronta para o que der e vier.
Ela dança naquele apartamento para ele. Ele então decide não se masturbar como de
costume. Ela se aproxima e ele a come com os olhos quando apenas a entrevê.
Ela em cima dele, ele em cima dela e a caneta em cima da mesa e a borracha em cima
da cadeira e o estojo por sobre o tapete e o tanto de presunto no prato e o tanto de queijo
parmesão guardado na geladeira e o suco de polpa de fruta armazenado no freezer e as
bolinhas de queijo também armazenadas no freezer e a fumaça fria que esbofeteia a sua
face naquele instante e aquele beijo que derruba as defesas daquela alma inquieta e ela e ele
que rolam no chão qualquer e que gemem e gemem e que gritam e que se arranham e que
se lanham e que se lambuzam e que fazem juras enlouquecidas e que mantém um ritmo
alucinante naquele coito qualquer.
Ela se mexe ainda mais para facilitar a penetração e ele a enlouquece com uma
intensidade raramente experimentada. Ela pede para que ele bata em seu rosto e ele o faz
gentilmente e depois com um pouco mais de força. Ela dobra o corpo na direção da porta e
fecha os olhos e se sente invadida por aquele espectro que é agora tudo que resta em sua
sede de prazer extremo. Ela pede para que ele a xingue, ela pede para que ele deixe a tal
marca com a faca bem quente em seu braço.Ela pede para que ele passe a faca quente por
sobre o seu corpo.Ela pede para que ele pegue o tal revólver.Ela pede para que ele coloque
o cano do revólver na sua boca.Ela pede para que ele aperte o gatilho e a force a dizer que o
ama.Ela, de olhos fechados, com aquele cano de revólver em sua boca seca ou molhada ou
tanto faz.
Ele lá se mantém mais ausente do que nunca, pois não sabe, do verbo saber, que está
fazendo o que faz. Ela o excita decerto, mas parte dele não está ali.Ela se entrega por inteira
e não está ciente do fato de que ele não sabe que faz o que faz.Não sabe que ele se
desconhece quase por inteiro na sua sina de encontrar o próprio rosto.
Ela o abraça violentamente e pede um filho e ele apenas diz o que tem que ser dito
numa ocasião como esta ou como outra qualquer.
Ele, no auge de um orgasmo sem igual, diz sim por assim dizer. Ele não percebe que o
café manchou a sua calça, ele não percebe que urinou fora do vaso antes de ter com aquela
mulher.Ele não percebe que o zíper de sua calça está emperrado.Ele não percebe que não
deu a tal da descarga.Ele não percebe que o cheiro das fezes está a empestear a casa.Ele não
percebe que aquelas mesmas fezes mudaram de cor desde da última vez.Ele não percebe
que está com vermes.Ele não percebe que terá problemas sérios por causa disto.
Ela grita novamente e novamente pede um filho. Ela diz que nunca teve ninguém
como ele.Ela diz que precisa assentar a cabeça.Ela diz que já rodou demais e que nunca
soube realmente o que queria.Ela diz que ele é agora o seu porto seguro.Talvez com ele
possa encontrar um lugar de paz em sua alma.Ela diz que já realizou cinco abortos.Ela diz
que ele passa muita segurança a quem quer que seja.
Ela não percebe que o olhar daquele homem não está ou nunca esteve onde deveria
estar.Não percebe que o bolo que estava assando no forno já queimou e solou.Não percebe
que alguém está a apertar a campainha da porta há quinze minutos, não percebe a tal
meleca que está quase caindo da ponta de suas narinas avermelhadas.Não percebe que
deixou o ferro ligado, não percebe que aquela marca de caixa de fósforos não serve para
fazer o tal churrasco, não percebe que o tal ferro ligado está a queimar a tábua de passar
roupa,não percebe que o tal fósforo aceso queimou o papel próximo a tal lixeira de plástico
que lambeu rapidamente.
Ela não percebe que o gato já se atirou pela janela. Eles não percebem que a janela
tem grade.Não percebem que a porta está trancada e a chave está perdida em algum
lugar.Não percebem que os vizinhos estão a berrar do lado de fora do tal apartamento.Não
percebem que a síndica gosta de troca de casais.Não percebem que o porteiro é um
pervertido que gosta de jovens de até dezesseis anos.Não percebem que a cozinha já foi
tomada pelas chamas.Não percebem o fato de que Prometeu errou ao roubar o fogo celeste.
Eles se olham demoradamente e começam a rir.Sabem que o fim está próximo e
fazem o que tem que deve ou não dever ser feito.
Eles se sentam no chão de mãos dadas. Pegam, do verbo pegar, duas caixas de
repletas de correspondências.Duas caixas de papelão na qual guardam as lembranças dos
entes queridos.Eles rasgam uma a uma e conversam sobre os tais entes queridos.Já
decidiriam sem decidir que vão embora ali mesmo.
Pegam outras caixas e queimam documentos de toda sorte. Pegam a conta de luz que
ainda não foi paga e também a queimam.A conta de telefone absurda, eles também a
queimam impiedosamente.Eles ligam,no verbo ligar, para os amigos mais e mais
chegados.Marcam sucessivamente encontros no final de semana.Planejam um jantar com as
respectivas famílias.Eles sempre gostaram de fazer planos na certeza de que nenhum deles
seria concretizado.
Ela, que queria um filho, encontra-se bem agora na sua insanidade. Nunca conseguiu,
no verbo conseguir, fugir de si mesma.Aquele olhar distante que se refugia em qualquer
que seja o lugar.
O fogo que agora se alastra rapidamente. Eles se levantam e abrem a janela.A
campainha cessou.Eles se abraçam e se acariciam e tossem de forma intermitente.Ela sente
algo estranho correndo pelo corpo.Ele sente algo estranho correndo pelo seu corpo.
Rasgam, no verbo rasgar, as respectivas certidões de nascimento.Observam
agora,com desmedido prazer, a ação precisa do tal fogo sobre a mobília daquela casa.Eles
rasgam, no verbo rasgar, a cópia do processo no qual saíram vitoriosos na justiça.Rasgam
os talões de cheque.Jogam pela janela os cartões de créditos com o limite estourado.Jogam
pela janela o retrato dos pais.Jogam o retrato dos amigos e todos os livros possíveis e
imagináveis.Jogam pela janela as contas de luz, água e telefone.Jogam pela janela a tal taxa
de incêndio que foi também paga em dia.Jogam pela janela as caixas de leite ainda na
validade.Jogam as caixas de sticks de frango ainda na validade.Jogam a caixa de
chickenitos ainda na validade.Jogam pela janela a tal caixa de suco ainda na
validade.Jogam pela janela o frango comprado na padaria com farofa e molho.Sentem
vontade de sorrir e de chorar e de urinar e também de defecar.Sentem vontade de sentir
qualquer coisa que desconhecem.
Eles agora se beijam sofregamente e urinam e defecam e sorriem e choram e se
misturam a isto tudo num ritual assustador.Eles jogam perfume sobre a urina e sobre as
fezes e se lambuzam, do verbo lambuzar, com as mesmas.Eles enchem o tal balde com a
água que deve ser aspergida sobre qualquer um que se atreva a arrombar aquela tal
porta.Eles jamais foram à igreja na idade adulta.
As aulas de catecismo na infância encontravam alguma valia agora.
Eles decidem rezar um pouco, mas não conseguem fazer o que pretendem.Ensaio
o ato de contrição, mas param no meio.Tentam mais duas outras orações, mas também
param no meio.Discutem a postura de Pilatos em relação ao evento da crucificação.Lavam
compulsivamente as mãos no banheiro já bastante avariado.
Acendem, no verbo acender, dois ou três ou quatro ou cinco cigarros e os jogam por
aí como se fossem eles mesmos alguém.Eles olham para aqueles cigarros de carne e osso
que os convidam para a tal pausa benfazeja antes do fim.Procuram o tal bule de café por
causa do cigarro.Nada encontram desta vez.Sentem vontade de fumar ainda mais.Sentem
vontade de pegar o tal chicote no quarto.Ela é a primeira a lanhar as costas daquele seu
homem.Ele gosta disto.Ele é o primeiro a lanhar as costas daquela mulher.Ela se sente
plena assim.Ele pega a tal faca na tal cozinha.Ele corta os pulsos.Ela pega a tal faca na tal
cozinha.Ela corta os pulsos.Ele e ela lambem o sangue que escorre de forma precisa.Eles se
beijam de forma ensangüentada.O gosto de qualquer coisa como o ferro.O gosto de
qualquer coisa como qualquer coisa.
Sentem a tal vontade de rir e de chorar e urinam de forma compulsiva no chão.Ela
mostra a língua para ele.Ele mostra o seu membro rijo para ela.Ela ameaça pegar a
tesoura.Ele goza com a idéia de ter o membro cortado.Ela goza com a idéia de sair com
aquele membro na bolsa por aí.Ele goza com a possibilidade de não mais ser capaz de
procriar.Ela goza com a possibilidade de se matar por causa disto.Ele e ela gozam com a
possibilidade real do fim.O fogo que já toma o apartamento inteiro.Ele e ela ardendo
naquele espaço qualquer, sentados no chão.Eles se vão como os documentos, como a mesa,
como as caixas de papelão como o conjunto de xícaras de chá,como o sofá herdado de um
bisavô qualquer, como as águas de um rio ou como as águas do mar ou como os detritos
atirados na lata de lixo da esquina.
.
Nada mais são agora do que parecem ser: Matéria soterrada no infinito, fumaça e
mais fumaça e poeira e pó.

4Um quadro na parede


Do desejo incontido de inverter o que quer que seja.

Ele está agora na tal sala da casa de um amigo de muitos anos.Algumas doses de vodka
e mais algumas doses do que quer que seja.Sua mente agora a vacilar naquele ambiente
barroco.
Há o tal quadro na parede.Ele olha fixamente para o tal quadro.A tal natureza morta
não o altera tanto, mas algo acontece quando aquelas frutas começam a falar com ele.
Começa por trocar o nome das mesmas e pode atribuir tal fato à sua aversão
compulsiva que devassa sua alma naquele instante..
Maçã passa a se chamar agora limão, pois é o tom esverdeado daquele estado de
espírito angustiante, daquele estado de espírito qualquer, que dita o abandono desta tarde.
Come-se o limão avermelhado e amarelo por dentro com casca e tudo, come-se o tal
limão, come-se o tal limão limão como se o tal limão fosse realmente uma maçã.As caretas
naquele rosto que finge que come o que come denunciam a fraude. As caretas gostam de
rostos confusos. As caretas naquelas estátuas perdidas naquele caixote. As caretas naquele
rosto que denuncia a fraude.
Ele parece gostar de fraudes, pois come o tal limão como quem come uma maçã.
Ele dá mordidas precisas na mesma ou no mesmo, mas depois se comporta como
uma criança ao usar uma pequena colher para raspar o interior da mesma com jeito de
mesmo ou vice-versa.
O tal quadro que cresce de tamanho em sua mente arredia, o tal quadro que o abraça
como a moira naquela hora maldita.
As tais cores que se dirigem para os objetos que agora estão a murmurar coisas
estranhas em seus ouvidos.A mesa onde não mais são realizadas as tais refeições.A cadeira
na qual são servidos os pratos.O sofá no qual são lavadas as roupas.
A tal máquina de lavar que anda pela casa.A tal máquina de lavar sobre a qual os
livros devem estar dispostos em ordem alfabética.Os nomes de pessoas mortas a andar pela
casa como se estivessem realmente ali.Os nomes e as estatísticas que comprovam o fato de
que o número de acidentes vasculares aumentou no país.A trombose durante a gravidez
daquela mulher que esteve com ele há alguns dias atrás.O gosto sem gosto daquela comida
qualquer de hospital.A palavra hospital assolando seu espírito inquieto.A imagem de um
hospital com aquele jeito de quadro neoclássico irritantemente sem fundo à sua frente.
Ele agora escreve e pensa que lê e pensa que fala quando ouve o silêncio agonizante
deste seu abandono. Ele agora se vê nas raspas do limão como num prato qualquer.Ele
esquece das horas e do tempo e o seu lugar é qualquer um agora.Seu lugar se resume a este
verbo de ligação que sempre o remete para um estado qualquer.
Este agora é nunca ou este momento já não mais é coisa alguma. O momento que
não parece que é o que é. O momento no qual os sentidos ludibriam a alma. O momento no
qual a alma ludibria os sentidos. O momento no qual as coisas podem ser ou não ser mais o
que são.O momento qualquer em qualquer.O momento tão indefinido em qualquer pronome
que circula por aí como se não fosse.
O armário no qual dorme de portas fechadas o sufoca. Ele sobe e desce paredes
quando tem que sair à rua. Ele desce e sobe paredes quando tem que sair à rua.Os degraus
da escada servem apenas para a satisfação de suas necessidades fisiológicas.
A urina transformada em fezes e as fezes agora escorrendo na latrina em direção ao
cano de escoamento.A urina estática na tal latrina a boiar durante algum tempo devido ao
problema qualquer na descarga.As fezes transformadas em urina próxima aos esgotos da
rua que agora nada mais são o que não parecem ser.
A mesa coberta por uma toalha no tal quadro. A toalha agora janela sendo aberta
para que a visão fique ainda mais obliterada.
A mesa na tal sala, esta agora o local no qual devem ser retiradas as tripas de
animais recentemente abatidos.As tais tripas defumadas em sua boca subindo e descendo as
paredes até alcançarem o estômago de transeuntes famintos.Os transeuntes que mais
parecem frutas pisoteadas por este olhar que nada vê ou que vê o que vê, de forma
totalmente diversa, tudo ao seu redor.A mesa com status de cadeira e os animais que
agonizaram ali por motivo ignorado.A tal mesa e as tripas dos animais no gosto daquela
fruta que de maçã passou a ser limão que de vermelha passou a ser verde e que de verde
dominou aquele vazio de quadro que agora sorri cinicamente ao se encontrar
completamente torto na parede devido ao tal humor instável do vento.
Ele não dorme há alguns dias e teme que a máquina de lavar, agora
metamorfoseada em estante, possa deliberar qualquer ação extremada e despejar os livros
sobre ele.Teme ainda que a tal cadeira, agora metamorfoseada em mesa, possa atingir o seu
estômago com um soco.A tal cadeira está ciente do fato de que o mesmo sofre de gastrite
crônica.Teme ainda que a tal maçã ,agora metamorfoseada em limão, afete sobremaneira o
gosto daquele peixe adquirido no mercado em sua boca sem gosto algum.Os olhos
esbugalhados daquele peixe em seus olhos combalidos.Ele procura em qualquer lugar onde
os mesmos começaram.
Tudo agora gira em sua mente numa velocidade espantosa.Ele não mais
vê o que pensa ver.Ele fecha os olhos na esperança de não enlouquecer definitivamente.
O tal quadro de natureza morta na parede que agora caminha em sua
direção.O seu corpo soterrado por tudo aquilo que desaba ao seu redor.Lembra-se de um
mendigo que comia pedaços de muros descascados e derruídos pelo tempo.Pode sentir que
suas entranhas estão sendo devoradas por aquele homem com o rosto assustador.Não pode
se mexer devido aos destroços que se acumularam por sobre o seu corpo reduzido a quase
nada.Ele suporta agora o peso inexorável de sua existência ordinária.Ele não deveria ter se
isolado naquele prédio em demolição.

Um último suspiro e uma tentativa infrutífera de arrotar.Um gosto


inconfundível de uma fruta apodrecida na boca.

5Tango para um só
Ela gosta de se sentar naquele tal sofá de veludo.Gosta, do verbo gostar, que ele a
possua ali mesmo.Gosta de ser como ele e também de se vestir como ele.Colocam os dois a
mesma roupa de macho.Ela ainda usa o tal chapéu de abas longas.Ele a observa com os
frios olhos de um cirurgião.Ela tira lentamente a roupa e se levanta e dança bem à sua
frente naquele sofá avermelhado.
Ele observa aquele corpo perfeito que se insinua em sua direção.Sabe que sua
fragilidade vira à tona quando ele a tocar.
Ela completamente entregue em seus braços calorosos, os dois enlaçados naquele
sofá sempre profundamente acolhedor.
Ela se mexe como uma cobra e o seduz com um beijo longo e também
preciso.Estão de olhos fechados como se estivessem para fora de um si mesmo.Sabem que
foram feitos um para o outro.Sabem que terão que morrer juntos.
Ela pede que ele a possua com mais força.Sua boca insaciável procura o membro
rijo por entre suas pernas grossas.Ele trinca os dentes e pressiona, numa mescla de gentileza
e determinação, a cabeça da tal mulher contra as suas pernas. Ele então não pensa em mais
nada.Está com o corpo dormente a experimentar um prazer sem igual.
Ela intensifica os movimentos e ele não mais sabe o que fazer e por isto nada faz e
praticamente desfalece.Ela sabe do que ele gosta e continua a fazer o que está fazendo.Ela
geme para que sua excitação seja ainda maior.Ela diz obscenidades as mais variadas, pois
sabe o que ele gosta de ouvir.
Ele goza uma infinidade de vezes.Ele agora suga aquela vulva daquela mulher que
se oferece lasciva naquele tal sofá de veludo.
Ele e ela de olhos fechados e o calor ainda maior.Os corpos molhados naquele dia
morto de semana santa.Todos a viajar e apenas aqueles dois naquela cidade que agora os
pertencia.
Ela subitamente se levanta e dança novamente para ele. Aqueles passos precisos e
a sensualidade única de todos que já foram grandes algum dia.
Ela o olha como se aquela fosse a última vez.Ele pressente que algo não vai bem,
mas não ousa quebrar a magia daquele instante.
Ela o convida para dançar e ele prontamente se levanta e eles fazem o que tem
que ser feito numa ocasião como esta.
Eles rodam pela casa aos beijos e abraços e agora não são mais ninguém naquele
imenso e raro abandono.Eles fazem planos e decidem que não vão ter filhos.Não precisam
de mais ninguém naquele paraíso.Eles e tão somente eles dois, está decidido a partir
daquele dia.
Ele percebe que um fio de lágrima escorre de seu rosto enquanto ela sorri.Ele
mantém a harmonia daquele clima e pergunta se há algum problema.Ela diz que não
entende o sentido da pergunta.
Ela agora chora compulsivamente e ele a deixa por alguns segundos e desliga o
som e ela resolve sentar no chão e diz ou insiste em dizer que tudo está bem.
Ele faz com que ela o olhe nos olhos e responda se há alguma coisa que deve ser
contada naquele exato momento.
Ela pede para que ele aguarde um pouco.Ela se levanta e retira a roupa de
macho e o olha demoradamente.Ela diz que sempre o amou.Ela diz que nunca o traiu.Ela
diz que sem ele sua vida seria um vazio enorme.Ela continua a falar o que tem que ser
falado.Ela pede para que ele retire a tal roupa de macho.
Ela pede para que ele não mais faça perguntas.Ela o toma nos braços e eles
novamente se põem a dançar pelos cômodos daquela casa naquele momento único no qual
suas almas se encontravam.

Ele novamente de olhos fechados a imaginar um futuro glorioso para os dois.


Ela novamente de olhos fechados a imaginar como seria sua morte daqui a
algumas horas.
Ele senta-se no sofá após aqueles momentos de intenso envolvimento.Ele
adormece durante algum tempo e quando acorda procura por ela que lá não mais está.Ele
vasculha os cômodos da casa como se estivesse a pressentir o pior.Encontra-a no banheiro a
tomar um longo banho morno.
Ela ,quando o vê, o arrasta para dentro da banheira.Eles fazem amor com a
fúria dos apaixonados.Ele pede para que ela se agache e ele a penetra com a tal força
calculada.Ela gosta de se sentir assim, ligeiramente dominada ou conduzida, por aquele
homem nunca afoito e sempre preciso em seus atos.
Ela agora suspira de prazer e novamente fecha os olhos à procura de si
mesma.Ele percebe que ela está completamente extasiada e intensifica ainda mais os
movimentos.Ela literalmente desfalece na tal banheira.Ele deixa que ela descanse e resolve
fumar um cigarro.
Ele não percebe que o tal cigarro já está quase no fim, não percebe que o tal
cigarro está queimando aos poucos os seus dedos.Não percebe que há uma mancha de
sangue na banheira bem à sua frente.Não percebe que o desfalecimento de sua companheira
não se deu em virtude da intensidade do ato sexual.Não percebe que ela pode não mais
voltar simplesmente.Não percebe que aquele sangue na banheira escorre do nariz de sua
parceira.Não percebe que o sangue também escorre da boca de sua parceira.Não percebe
que o sangue também escorre dos ouvidos de sua parceira ou companheira.Não percebe que
seu corpo já estava cheio de marcas estranhas.Não percebe que o copo de café já está frio,
não percebe que o tal café está amargo.
Ele a acaricia naquela banheira enquanto ela dorme para sempre.Ele se dirige à
cozinha para requentar o tal café frio.Liga o som e ouve com prazer inigualável um tango
qualquer. Ele agora dança pelos cômodos da casa antes de retornar ao banheiro.Ele se sente
um só naquele instante.Ele retorna ao banheiro e diz para a tal mulher para não se demorar,
pois ele a espera ansiosamente na sala.Uma sensação estranha de dor e angústia profunda
toma conta de sua alma.Ele está fora de si mesmo naquela hora vazia. Ele não pensa mais
em nada e seus músculos se contraem de forma singular.Ele não sabe e sabe o que sempre
temeu saber.Ele está suspenso no ar como qualquer coisa que assim esteja.Ele agora não
mais pode ir ou voltar.

A tal sombra fatídica que recai por sobre o sofá nas tardes escuras do além.

Nunca mais se teve notícia daquele homem.

6 Conto do desespero mínimo.

Ele sabe que está onde está, mera sombra projetada na parede de qualquer lugar.
Ele sabe que está na fila do banco com aquele ar sombrio de quem sabe que deve
muito a todo mundo.
Ele tem que pagar aquela maldita conta naquele dia.Ele agora está a suar frio naquela
tal fila.Ele olha para o segurança avantajado que o olha de forma suspeita.
Ele se transforma na palavra revólver e aponta esta mesma palavra para si mesmo
agora.
Ele boceja no verbo bocejar.Creio que daria tudo por algumas horas de sono
tranqüilo.Ele não se encontra em nada que faz ou em lugar algum de que se tenha idéia.
Ele tem agora a caspa em suas sobrancelhas.Ele percebe que o verbo perceber atirou
um pouco desta caspa maldita na sua barba.A tal barba já emporcalhada por um tanto de
mostarda.
Ele sente o gosto amargo da derrota na tal fila que se mexe lentamente.Ele percebe
que uma senhora percebeu o fato de que sua caspa habita as suas sobrancelhas e o tanto do
tanto de sua barba emporcalhada no verbo emporcalhar e também no verbo chafurdar.
Ele percebe o fato de que ela quer tocar neste assunto ainda muito delicado para ele.
Ele finge que nada viu e continua a suar como qualquer nédia criatura naquela fila
qualquer.
Ele sente que algo aconteceu no verbo sentir.Ele tinha cinco contas no bolso e agora
se dá conta, no verbo contar e no seu possível sinônimo enumerar, de que só tem quatro.
O suor é agora mais intenso e o seu relógio de pulso o mostra claramente que ele está
ainda mais atrasado do que este adjetivo que jamais expressa adequadamente a angústia
daqueles instantes malditos.
Ele mete ou enfia a tal mão direita no bolso esquerdo.Ele mete ou enfia a tal mão
esquerda no bolso esquerdo e ele mete ou enfia a tal mão direita no bolso de trás da calça e
ele mete ou enfia a tal mão esquerda no outro bolso de trás da calça e ele mete ou enfia a tal
mão direita no bolso da camisa e ele mete ou enfia a mão esquerda dentro de sua bolsa e ele
mete ou enfia a mão esquerda dentro de sua carteira e ele leva agora as mãos à cabeça, pois
o tal documento não mais está lá.
Ele se desespera ainda mais quando percebe que sua hora está próxima.Ele olha
para a tal caixa e ele a deseja naquele instante.Aqueles seios protuberantes são um convite
ao exercício de sua angústia permanente.Ele quer devorar a tal caixa como um animal
faminto.Quer amarrar a tal caixa na cama e forçar a mesma a ler em voz alta o total das
faturas pendentes.Quer que ela o beije falando os tais valores incluindo os centavos.
A caixa de banco tem algum dinheiro para comprar cremes de boa qualidade.Ela
sorri amavelmente e isto o incomoda.Ela quer que ele a possua ali mesmo atrás da caixa.Ele
o olha discretamente.Ela quer que ele a beije com um tanto de chocolate granulado na
boca.Quer que ele cuspa na cara dela quando atingirem ambos um orgasmo sem igual.Quer
que ele esfregue as notas de cem na cara dela.Quer que ela desfile para ele como se fosse o
que fosse.Quer que ele grite toda vez que penetrar no local em questão.Quer ser possuída
bem em frente ao espelho do quarto.Quer ouvir o som da cigarra quando estiver bem no
meio do ato. Quer xingar o gerente do banco quando estiver bem no meio do ato. Quer
arranhar a parede quando estiver queimando de prazer.Quer xingar o presidente do banco
quando se sentir poderosa e sedutora.Quer passar batom na boca deste seu homem para que
ele a beije ainda mais.
Ele a olhar para a tal caixa e vice-versa.As mãos nos bolsos da frente e de trás.Ele
a procurar dentro de seu suporte íntimo o tal documento.Ele a procurar o tal documento
dentro do bolso da camisa.Ele agora encharcado e pronto a ser atendido por aquela tal
caixa.Ele a desejar a tal caixa e vice-versa.
Ele percebe que todos percebem que o seu desespero é intenso.Ele continua a
procurar o que tem que ser procurado.Ele agora revira a bolsa e revira mais uma vez a bolsa
e revira mais uma vez sua vida.Ele percebe que é hora de mudar de rosto.Ele pensa em dar
uma guinada e ser ele mesmo.Pensa em ser outra coisa.Pensa em ser coisa alguma.Pensa
em se tornar um vegetal.Pensa na possibilidade de não mais pensar.Pensa em se mudar
dali.Pensa em morar num país estrangeiro para não ver mais a cara de ninguém
conhecido.Pensa em chutar tudo para o alto e se envolver com uma jovem qualquer de
dezoito anos.Pensa em contar para os outros que sua esposa já teve um caso com uma
mulher.Pensa em comunicar a todos que ele não mais vai ajudar quem quer que seja.Pensa
em exercitar o egoísmo pela primeira vez em sua vida.Pensa em comer biscoitos e afundar
os mesmos numa caneca de café frio.
A tal caixa e ele, os dois agora frente a frente no balcão.Ela estranhamente muda
de expressão.Ele se sente um tanto embaraçado por isto. Ele quer enfiar a cara num barril e
sumir. Ele quer engolir o verbo enfiar. Ele quer engolir o verbo desaparecer.
A tal caixa e ele, frente a frente no balcão.

Ela pergunta a ele se, além das quatro contas, pretende pagar a quinta que está
presa entre seus lábios.

7 Encontro das sombras

Eram apenas duas sombras e dois homens neste mundo.Neste ou naquele ou em


qualquer outro lugar sem lugar algum.
Duas sombras e dois homens que se perdiam antes de ser qualquer coisa.Eram
passado e presente e futuro ao mesmo tempo.Ninguém os incomodava.Eles sabiam como
não ser coisa alguma.
Uma delas ou um deles tinha um nome que nada mais era do que parecia
ser.Chamava-se Arnold.A outra e o outro tinha outro nome que nada mais era do que
parecia ser.Chamava-se Pertaner.
Eles e elas gostavam de lugares escuros.Procuravam se ocultar de si mesmos nos
cinemas e nightclubs de toda sorte.Odiavam a tal luz do dia.Tinham também uma tal
profissão noturna.Eram funcionários de uma tal empresa de aviação.Gostavam de
prostitutas e de garotos de programa e os comiam diariamente.Eram viciados em revistas
pornográficas de bancas de jornal.Eles ou elas gostavam de acariciar os seus respectivos
sexos quando assistiam aos tais programas televisivos na sala.Eles ou elas gostavam de se
masturbar durante as refeições.
Ele e sua sombra, o tal Arnold ele e ela com o pênis eriçado e a vagina bem
aberta.Ele agora luta com aquela tal sombra que diz que ele é uma mulher.Aquela tal
sombra o persegue sempre quando ele está em casa sozinho.Aquela sombra o persegue
quando ele está a fazer amor nos becos escuros desta ou de qualquer outra cidade.Ele olha
para os lados e tenta dizer para si mesmo que é o que é.A sombra se agiganta em sua alma e
diz pra ele que ele tem seios grandes e fartos.Ele não ousa tocar na altura do peito para
verificar a pertinência daquela afirmação.
Pertaner mais parece ser o que é agora.Sempre gostou de homens e nunca negou
isto a ninguém.Recentemente vinha vendo a tal sombra que tinha uma voz suave e lhe dizia
coisas que queria não querendo ouvir.A sombra sussurrava coisas em seus ouvidos.Dizia
que seu pênis havia aumentado de tamanho e que as mulheres iam gostar muito desta
estória.Ao mesmo tempo, este homem que se via mulher e que era acossado pela visão de
uma sombra que dizia ser ele um homem, gostava da idéia de ser admirado também pelas
mulheres devido ao tamanho de seu pênis.
Arnold e Pertaner ,acossados pelas tais sombras, vão perdendo lentamente o chão
naquele tal apartamento.Estão agora sob o efeito de uma tal droga poderosa adquirida por
um tal amigo em algum lugar da China.
Arnold vê agora em Pertaner o tal pênis rijo apontado em sua direção.A tal
sombra pede para que Arnold utilize todo o seu conhecimento de kama Sutra para retardar a
ejaculação de Pertaner na sua vagina agora aberta.Arnold diz não a si mesmo,mas a sombra
insiste no fato de que ele tem uma vagina carnuda e doce.
Ele e a sombra frente a frente.Ele diz para si mesmo que não tem vagina e nem
seios.Diz para si mesmo, no auge da excitação, que a leve protuberância em seus mamilos é
devida ao excesso de masturbação.Ele toca os mamilos agora. Pertaner dança para ele e
mostra-lhe o traseiro de forma assaz comprometedora.
A sombra faz com que Pertaner mude a voz. Pertaner mostra novamente o
membro rijo para Arnold.Ele vira de costas,mas a sombra o obriga a olhar para aquele tal
pênis de seu amigo.Arnold derrotado pela sombra que diz que ele não é o que pensa
ser.Arnold que agora pega a faca de cozinha para cortar o que tem que ser cortado.Arnold
metamorfoseado na palavra lâmina.
Pertaner sentado no sofá.Sua sombra pede para que ele meça o tamanho do seu
sexo.Ele agora peludo nutrindo um horror doentio a todo e qualquer tipo de depilação.Se
tirar o batom daquela boca, se fizer o que pensa fazer, vai ter que comer Arnold que quer e
não quer ser comido.Pertaner que quer e não quer se transformar em homem.Pertaner agora
metamorfoseado na palavra carne.
A lâmina que penetra a carne e agora é Arnold que, derrotado pela sombra,
penetra em Pertaner de forma apaixonada.Eles rolam agora no chão do apartamento ou da
cozinha ou do quarto ou do banheiro.Arnold vê o seu pênis, que agora mais parece uma
vagina, sendo dominada por aquele tal pênis de Pertaner que jura que seu ânus está em festa
pelo fato de haver um creme especial que ameniza sobremaneira a tal dor.
Ele ou ela pede para que Pertaner bata em suas nádegas rosadas.Ele, que agora
sucumbiu aos desejos da sombra, faz o que tem ser feito.As tais nádegas de Arnold
vermelhas e pulsantes.Eles ou elas ou quem quer que esteja ali agora.Ambos gritam
loucamente.Eles ou elas xingam um ao outro e tudo agora parece que não vai ter mais fim.
Uma febre qualquer faz com que Arnold e sua sombra percam a cabeça.Arnold
vê agora em seu corpo um pênis e uma vagina e os tais seios e suas pernas depiladas e suas
unhas feitas e seu cabelo armado para o tal casamento em companhia de alguém.Arnold
telefona para os amigos e percebe suas mãos sem esmalte algum, seu corpo robusto e
cabeludo e aquele jeito de macho que só ele tem.Arnold dividido em perene embate com a
sua sombra que insiste em dizer que ele não é o que é.
Pertaner agora com uma vagina e o tal pênis duro penetrando na vagina de Arnold
que grita que não é o que é neste exato instante.Pertarner o invade de olhos
fechados.Arnold desvirginado estirado no sofá a olhar para o teto com a tal faca na
mão.Pertaner enlouquecido por aquela máscula ereção inédita em sua vida
O intenso embate entre os personagens e suas sombras segue noite
adentro.Estavam os dois ali sem saber exatamente ou nada acerca de quem era quem ou o
que faziam.Haviam perdido o rosto e agora se irmanavam onde os sentidos encontram a
volatilidade do além.
Pertaner homossexual declarado.Arnold, o tal macho para quem quisesse
comprovar. Pertaner com o tal pênis rijo a penetrar a vagina de Arnold que não poderia
estar onde estava.
Pertaner descobre que o seu corpo pode ser descrito agora como
cabeludo.Descobre o prazer de se ter um bigode ou cavanhaque bem aparado.Não se
lembra agora dos efeitos da depilação em sua pele bronzeada.Ele apalpa os seios que não
estão mais onde estão.Ele procura as suas reentrâncias mais íntimas que também não estão
mais onde deveriam estar.Arnold não consegue mais ter qualquer tipo de ereção.Ele não
sente mais desejo por mulher alguma naquele instante.Ele arranca os calendários com
aqueles corpos perfeitos da parede.Ele joga fora todas revistas pornográficas no auge de um
orgasmo sem igual.Ele sabe que talvez nunca possa ser mais do que aquela sombra que se
agiganta em sua alma.Pertaner sente o mesmo e eles parecem não ter mais forças para lutar
contra esta sensação de profundo abandono.Eles dois agora estirados em algum recanto
daquela casa qualquer.Arnold sente uma azia estranha logo após o coito proscrito.Pertaner
sente o gosto estranho daquele queijo minas estragado na sua boca devassa.Ele mais parece
um rolo de papel higiênico inutilizado pela ação precisa das águas no ralo.
transbordado.Arnold mais parece um roedor à procura de comida nos cantos dos cantos dos
cantos dos cantos.Seu corpo vibra e ele murmura agora coisas desconexas como se tivesse
definitivamente perdido o chão.
Eles não sabem o que dizer um ao outro neste exato instante.Um silêncio de
cemitério abraça os dois que se recolhem para sempre num túnel escuro.
Chove muito agora.As árvores balouçam ao sabor dos ventos impiedosos.Placas
de rua são arrancadas dos postes.Os sinais de trânsito já não mais orientam ninguém.O céu
cresce sobre todos aqueles transeuntes numa espécie qualquer de cinza agonizante.Um
prenúncio de catástrofe agora faz com que o ar pese um pouco mais.
Arnold metamorfoseado na palavra lâmina.Pertaner metamorfoseado na palavra
carne.A lâmina precisa e a carne devassada ou cortada em fatias e entregue aos cães
famintos, aos tais cães que agora estão a cheirar aqueles dois corpos estirados em algum
lugar não muito longe dali.
A carne dos frigoríficos, a carne dos açougues, a carne vendida nas feiras livres, a
precisão da lâmina nos cortes de todo sempre onde quer que seja.

Os corpos dos dois dilaceradoss ao meio-dia quando não havia sombra alguma.

8Conto acerca do pouco que se sabe

Ele gostava de falar pouco.


Ele tinha jeito de coisa alguma.Ele era como uma caixa de fósforos inútil na lixeira mais
próxima ao armário de cozinha.O armário era trissílabo em sua indiferença de objeto.A
cozinha era modorrenta na indiferença de tudo que apodrece.
Ele era substantivo e também adjetivo.Era um resto de qualquer coisa na prateleira de
um supermercado em plena decadência.Era muito além deste tal verbo ser que foi
flexionado no pretérito imperfeito.Ele era pretérito com o brilho da acentuação tônica na
segunda sílaba.Era tão imperfeito como qualquer vida qualquer.
Ele agora metamorfoseado e enfraquecido na palavra vômito.
Entre o amarelo e bege, a cor predominante daquele tanto de qualquer coisa
derramado no chão pouco acolhedor daquele banheiro.
Ele metamorfoseado em vômito.Ele agora próximo ao verbo escorrer.Sua cabeça e
seu tronco e seus membros esgarçados por aí como se não mais fossem o que deveriam ser.
Ele conhece agora o vazio sugerido pelos tais pronomes demonstrativos.Ele agora
reduzido a isto ou aquilo.Quem passa a ser agora simplesmente qualquer coisa que bata à
porta da morte.A morte não faz perguntas a ninguém.Ela olha ao redor consternada.O
trabalho tem que ser feito.Nada pode ser adiado naquele território.Os pronomes
demonstrativos apontam para as coisas em sua mais profunda ausência. Este e aquele que
são o que não são. Este e aquele como se nisto não houvesse muita coisa a dizer.
O advérbio agora roça a eternidade ao se jogar de um prédio de cem andares.
Ele metamorfoseado em vômito e tomado pela palavra longe.Ele escorre e segue
esparramado pelo chão branco da tal cozinha branca.Ele ou isto esbarra no pé do fogão e
esbarra também nos tais pés da geladeira importada.Ele esbarra na porta do armário de
cozinha entreaberta.Ele ou isto, agora mais isto do que ele, segue tomando o chão da tal
cozinha até chegar ao tal substantivo parede do canto da tal cozinha. A tal parede na qual
fica um tal relógio.O tal relógio não tem olhos e nem boca e nem nariz.O tal relógio faz
barulho pelo fato de ter ponteiros.O tal relógio não tem o que nós temos, mas ele parece
sentir o que os outros sentem.O tal relógio na parte mais alta da parede a espreitar aquele
tanto de vômito que agora executa um movimento impossível ao subir a parede.O tal
relógio agora estranhamente enviesado na sua imobilidade de relógio qualquer.Ele,o relógio
que é muito mais isto do que o pronome ele,quer evitar a absorção eficiente por parte
daquele tanto de vômito que é igualmente muito mais isto do que este pronome ele.
O tal tanto de vômito prossegue num crescendo assustador e toma por completo o
tal relógio enviesado.Já não se pode distinguir o branco daquela tal parede do canto da
cozinha branca.
O tal tanto de vômito a circular agora pelas outras paredes da cozinha.O chão, as
paredes,os armários,a máquina de lavar prato, a máquina de lavar roupa, o tal ferro mais do
que meramente elétrico, a batedeira, o fogão e toda aquela cozinha tomada por aquele tanto
de vômito qualquer.
Ele agora percebe que nada é em nada além do que aquilo que escorre em todo
e qualquer canto daquela cozinha.Ele espraiado nas areias daquela praia imensa com os
olhos fechados em profundo silêncio.Ele medita e deixa que aquele sol toste o seu corpo
dolente.
Ninguém caminha por ali naquele instante único e ninguém poderá perturbar
aquele homem à procura de um lugar algum dentro de si mesmo.Ele relaxa ainda mais
quando respira de forma compassada.Ele pode ver o não visto e se torna coisa alguma
naquele único grão de areia que se foi com o vento.
Ele então abre os olhos subitamente e procura os mesmos em seu corpo sem
corpo.Ele metamorfoseado em mar nas ondas que se quebram à beira da praia.Ele convulso
e indomável a devastar cidades inteiras.Ele a sacudir e a virar todos aqueles barcos com
jeito de coisas inertes à beira do cais.Ele metamorfoseado em areia.Ele metamorfoseado em
deserto inóspito que não dá trégua alguma aos homens sedentos que lá perecem.Ele agora
metamorfoseado em ciclone.Ele agora metamorfoseado em tufão.Ele agora ainda mais
próximo dos cataclismos irreparáveis em sua indiferença letal..
Ele de volta a ser aquilo que sempre foi ou que nunca foi.De volta ao tal
local metamorfoseado em vômito.Ele agora inepto na sua dificuldade notória de circular
por aquela cozinha devido à ação daquele pano de chão inclemente.Ele varrido e
igualmente reduzido a um tanto de gosma que deve ser colocado num saco plástico.Ele
varrido e lançado no interior agonizante de um saco de plástico azul.Ele nada mais do que
aquele tanto de gosma que deve ser jogado na lata de lixo mais próxima.Ele e mais
ninguém naquela lata de lixo.Ele largado por aí no estômago de um rato.Ele rigorosamente
dissílabo em todo e qualquer substantivo degradante.
Ele tomado pelos verbos morder, cortar, ruir

9Confissões espúrias.

Vamos lá, diga o que tem de ser dito nestas horas de extremo abandono.
Diga que você é do tipo que gosta de fazer o que tem que ser feito.Diga que é do tipo
que nutre o tal enorme prazer em retirar as remelas dos olhos e mastigar as mesmas como
se estas fossem os tais chicletes do passado.
Não minta para você mesmo e não minta para ninguém.Todo mundo quer saber um
pouco acerca da sujeira deste mundo neste agora desta página emporcalhada de estrume de
péssima qualidade.
Diga que você tende a se esquecer de lavar corretamente a tal parte detrás das
orelhas.
Diga que aquele suor se acumula bem ali e a coisa fica sebenta e repugnante quando
você passa a mão na tentativa de evitar o pior.
Não sobrepuje jamais a força deste advérbio de negação, deste não que é sempre
muito mais do que o contrário ou da ausência do que quer que seja.

Fale a verdade quando não falar verdade alguma.Diga que a verdade depende de
quem a percebe naquele instante.Diga que gosta de afundar aqueles biscoitos doces bem
dentro daquela tal caneca de café.Diga a todos que você gosta de fustigar os tais biscoitos
antes de devorar os mesmos amolecidos e quase inertes.
Diga que esta é forma que você encontrou para oprimir todos aqueles que te
oprimem de forma cínica e indiferente.Diga que você gosta de se masturbar no banheiro e
fazer amor com todas as mulheres que te olham e que também não te olham.
Fale bem baixo no ouvido de quem que seja.Cuide para que eles não o
escutem.Sinta o sangue a correr mais lentamente em suas veias.A vitalidade que se vai dia a
dia como um ciclo que termina.

Não tenha receio e nem compaixão nem muito menos nada.Chute a parede e
diga a todos que você poderia ter sido coisa melhor na vida.Fale pra quem quer que seja
que tudo não passou de um enorme engano.Entre na igreja e entre no confessionário e
admita a sua culpa e confesse que errou.
Saia da igreja e respire fundo e ignore solenemente tudo aquilo que disse a
quem quer que seja.Entre no banheiro do restaurante e diga a todos o que acontece quando
você se olha no espelho.
Diga a todos que você não encontra o tal reflexo no espelho.Diga ou fale
que as descargas disparam automaticamente quando você lá está.Diga a todos que a palavra
banheiro o incomoda.Fale a todos acerca do fato de que a sílaba tônica em banheiro tem um
jeito que o incomoda.Diga a todos que, toda vez que ouve este nhei, você se imagina ao
lado de um animal que devora a presa sem alarde.Diga que você se aproxima da crueldade
pura quando a tal sílaba tônica explode em sua alma.
Fale a todos acerca de sua compulsão por insetos e animais
domésticos.Não fica bem aqui entrar em detalhes, mas muitos já te viram comendo os
papagaios e periquitos que habitavam aquela sua casa sombria.
Aquelas formigas no açucareiro que ficaram bem alojadas em seu
estômago.Não posso esquecer daquele gafanhoto absorto na sua camisa de algodão na boca.
Você com aquilo na boca e com ar de satisfação semelhante ao de Nero.

Vamos sujar mais esta estória com um tanto de tinta preta.Vamos misturar ao
preto um tanto de amarelo e de vermelho e de azul e de roxo.O cinza entra depois e depois,
mais engrossado como se fosse um purê de inhame.
Diga que você quer urinar nas palavras que agora surgem aqui.Quer embalar
as tais palavras e temperar tudo com a saliva de dois homens mortos há cinco minutos atrás.
Não tenha medo de fazer o que tem que ser feito.Diga a todos o que eles
não querem ouvir. Eles querem que você cante ou dance ou conte uma piada pornográfica
neste teu jeito todo seu de não se parecer com ninguém.
Você tem agora o cheiro repulsivo de detergente de cozinha biodegradável.
É isso que você pode ser agora que é agora e é isto que é sempre e
sempre e sempre.Você bem que gosta de ficar olhando para aquele amontoado de fezes que
bóiam na latrina antes de irem para o espaço.Aquele rolo de papel higiênico perfumado te
lembra do sexo com aquela visão ainda mais do que intenso.Você nunca soube massagear
corretamente o clitóris de quem quer que seja.Sempre machucou com sua falta de jeito
aquela maldita membrana.
Abra a boca e deixe que seus dentes cariados causem a tal repulsa nos
amigos mais íntimos.Deixem que eles te digam o quanto que você engordou ou
emagreceu.Vá e volte das festas e limpe o que restou das mesmas no única camisa social
que você tem.Deite na cama de roupa e tudo para que a sua mulher fique ainda mais
irritada.
Hoje tem coito faminto, ela quer o que você ainda pode dar.Pense que
aquela cama pode quebrar a qualquer momento.Ela pode cair da tal cama e machucar a
coluna.Uns dias de sossego sem ela, isto não seria nada mal.
A crueldade de sempre toma café contigo e podes ver aquela criança que
esmaga na sua indiferença o pássaro que havia fugido da gaiola.
Vamos, tome este café e deixe que ele queime a tua garganta.Mastigue
estas torradas com manteiga.Pegue o que sobrar e lamba os dedos e deixe que este gosto se
manifeste.Este tal gosto vai corroer o teus dias.Beije a tua mulher e cuspa logo após.Não
pare de fumar agora,pois falta pouco para o teu fim.Vá para o bar e olhe para a vida como
se esta jamais tenha sido alguma coisa.
Há um revólver sobre a mesa.Ajeite a gola da camisa, ajeite estes seus
testículos.Não deixe que a tal cueca invada aquele divisor de águas lá atrás.Sente-se na
cadeira de balanço e deixe o corpo e alma para trás.
Peque o tal revólver e conjugue em voz baixa um verbo
qualquer.Coloque o tal revólver carregado bem dentro de seu ouvido.Se tiver peito, não
ouse jamais puxar o gatilho.Recoloque o tal revólver por sobre a mesa.Cheire suas axilas
vencidas.Reclame do desodorante adquirido numa liquidação qualquer.Admita o fato de
que ainda urina na cueca de quando em vez.Admita que sua casa mais parece um
calabouço.Admita que nada pode ser feito em relação ao que quer que seja.Defeque como
se aquela fosse a primeira e última vez.
Coma um ovo colorido de bar e pense um pouco no que eu disse
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10 O homem com a cruz no peito.

Ele sempre quis ser Deus. Dizem que ele estudou direito na faculdade para aprender a
decidir como o criador. Ele sempre quis ser Deus e também Jesus Cristo. Ele andava com a
tal cruz no peito na tal repartição na qual era literalmente odiado.
Ele perseguia as pessoas que não faziam o que tinha que ser feito. Ele as irritava até o
extremo.Ele observava aqueles infratores que não andavam na linha.Ele era amigo do
chefe.Dizem as más línguas que ele dava para o chefe.Dizem que ele tinha uma vida
paralela.Dizem que ele gostava de apanhar quando do coito propriamente dito.Gostava de
ser pisado na barriga.Ele que gostava de se vestir de menina em nome de Deus.Ele gordo,
meio desengonçado e meio estranho com aquele sorriso de quem fuma desbragadamente.

Ele tem uma vida paralela. Ele gosta de freqüentar as saunas masculinas. Ele gosta de
garotos. Ele faz amor com os garotos na sauna em nome de um Deus qualquer.Ele persegue
os garotos na sauna.Ele os seduz e oferece dinheiro aos mesmos para que eles o penetrem
de forma delicada.Ele oferece aos tais rapazes dinheiro para que eles desfilem de toalha e
sem nada por baixo para ele, por ele e com ele, em nome de um Deus qualquer.
Ele gosta de música. Ele toca órgão na igreja e gosta daquele som melífluo. Ele goza
quando toca aquele órgão dentro da palavra dentro. A tal cruz é seu guia. Ele é capaz de
tudo pela tal cruz..Ele segura a tal cruz como quem segura alguma coisa maior que o
incomoda muito.Ele folheia atentamente um livro que versa sobre a crueldade das
cruzadas.Ele se delicia com aquela matança desenfreada em nome de um Deus qualquer.Ele
aperta a cruz contra o peito com mais e com mais e com mais e mais força.Ele agora
comprimido no interior da palavra força.Ele agora crucificado em qualquer lugar do qual
não se tem idéia.
Ele gosta de ir à igreja aos domingos. Gosta de se lembrar das atrocidades cometidas
em prol da verdade cristã.Ele sabe que alguns funcionários são pagãos.Ele entende que tem
que disseminar a culpa entre eles.Ele diz para si mesmo que a cruz jamais o redimirá do que
quer que seja.Ele goza com o fato de que já nasceu carregando este fardo.Ele entende que
todos devem refletir sobre o tal pecado original.Ele faz amor com a sua mulher com a
vergonha própria daqueles que violam uma lei qualquer.Ele tem um pênis pequeno.Ele tem
dificuldades em acertar o alvo.A mulher o chama de pai.Ele chama a sua tal mulher de mãe.
O pai tem vergonha da mãe e vice-versa. A mãe-crucifixo aberta e ele também com a
tal cruz no peito a dizer para a tal mãe que aquilo não é certo.
A mãe-crucifixo está um tanto cansada hoje.Trabalhou em demasia em nome desta
entidade qualquer.Ele quer algo diferente.Ele quer crer que ela está possuída por um
demônio estranho.Ela fica de quatro.Ele aperta a cruz contra o peito e pede para que ela
retome a posição de mãe-crucifixo.
Ela diz que não vai fazer mais isto. Ela diz que está cansada de estar cansada em
relação a tudo.Ela diz que não agüenta mais aquela vida em nome de uma entidade
qualquer. Ela diz que gostava de tudo no início.Ela diz que um belo um dia um gosto de
alguma coisa ruim adentrou a sua boca.
Ela diz que nunca mais conseguiu almoçar na paróquia com os demais membros.
Ela diz que não conseguia mais olhar na cara dos tais membros.Ela diz que não conseguia
mais olhar nos olhos dois tais membros.Ela diz que os membros dilacerados daqueles
infiéis tinham o gosto da morte.Ela diz que resolveu se refugiar na palavra morte.Ela quer a
morte.Ela diz que quer ficar de quatro para ser estuprada pelos guerreiros em nome de uma
fé qualquer.Ela gosta daquele jeito daquele meio-homem com a cruz no peito.Ela o chama
de mensageiro e pede para que ele ore enquanto a possui.
Os tais funcionários da tal repartição fogem dele. Quase todos o evitam. Ele os
persegue em cada canto da tal repartição invocando a tal cruz no peito. Ele se aproxima de
alguns pagãos com jeito de opressor e descobre algumas falhas e critica os funcionários
com aquela voz de nada.
Ela com aquela voz própria daqueles que não sabem o quão pouco representam.Ele
empunhando a bandeira de qualquer organização reacionária nas ruas de toda e qualquer
cidade.Ele sufocado na palavra ordem.Ele legitimado na palavra genocídio.
Ele vai se sentar na tal cadeira e vai fazer o relatório ao chefe acerca do tal
desempenho ruim por parte de alguns funcionários.Eles colocam um ou mais alfinetes
abertos e apontados para cima.Eles colocam umas dez tachas por sobre aquele assento.Eles
colocam um ou mais objetos pontiagudos por sobre o tal assento.Eles colocam toda a sua
raiva ou ira naquele tal assento.Eles colocam a palavra desprezo naquele assento.Eles
colocam tudo aquilo que pode ser colocado naquele tal assento.Eles colocam o peso da
palavra assento no tal assento.Eles colocam a palavra esterco no assento.Eles colocam a
palavra nojo no assento.Eles colocam a palavra urina no tal assento.
O nosso homem agora se senta por sobre aquele tanto de coisas tantas e sente dor e
não dá um pio sequer.
Ele continua a sofrer de dor e prazer. Ele nunca perde a compostura.
Ele escreve os tais relatórios e envia os mesmos para o chefe que o come
regularmente.Ele gosta do advérbio regularmente.Este advérbio o lembra de algo
relacionado à lei.Ele gosta das tarefas para as quais é insistentemente designado.Ele diz que
ouve vozes que o incitam a fazer tudo aquilo que tem que ser feito.Ele gosta daquelas
tachas que já são parte de suas nádegas rosadas.Ele gosta daquele alfinete que fere aquele
seu jeito adiposo de ser.Ele gosta de saber do fato de que todos sabem que ele é uma
menina.Ele gosta de ser odiado, pois entende que Cristo veio ao mundo e causou a ira e a
inveja a todos os seus inimigos.
Ele olha novamente para aquela cruz em seu peito frente ao espelho.Ele teme
agora se perder em frente ao espelho.Algo o convida a entrar, mas ele hesita.Ele tem agora
uma tesoura à mão.Cabe ao mesmo cortar o tênue fio que o mantém ainda neste mundo.Ele
agora se veste mentalmente de marinheiro.Ele agora se veste mentalmente de saia bordada
e blusa com decote discreto.Ele agora um jovem de tantos anos que vai visitar um navio de
guerra.Ele agora uma menina de tantos anos que vai ao seu primeiro baile.Ele agora numa
sala de espelhos oscilando entre estas duas imagens.O punhal e o crucifixo crescendo como
tudo aquilo que cresce em sua alma.O efeito devastador da palavra alma.O efeito
devastador daquele evangelho que desaparecia na cruz.O efeito devastador da palavra
punhal.
Ele se sentiu humilhado por causa daquele tanto de objetos pontiagudos colocados
por sobre a sua cadeira.Ele gostava de ter coisas sem suas nádegas, mas aquela exposição
havia passado dos limites.
As gargalhadas dos funcionários que viam aqueles minúsculos objetos grudados
na parte de trás de suas calças.O fato assaz degradante de que ele teria que atravessar o
corredor para sair daquela seção.
Ele caminha na direção da direção alguma.Ele agora ainda mais distante do que
a palavra distante.Ele percebe que sua esposa está na outra extremidade do corredor. Ela lá
está, de braços bem abertos à sua espera. Ela quer ser comida naquela outra
extremidade.Está estranhamente vestida hoje.Os americanos diriam que ela estaria
overdressed.
Ele sempre gostou daquele canivete dado por seu pai-canivete.Ele se aproxima
da mulher em meio às gargalhadas daqueles funcionários que sempre o desprezaram.
A imagem da mãe-crucifixo que foi assassinada pelo pai-canivete que era um
devoto fervoroso de quem quer que fosse.Ele ouvia agora aquela multidão na praça orando
em nome de um Deus que enchia o seu coração de esperança num além mundo.
Ele com o coração saltitante e agora também com o coração enfurecido a olhar
para a tal mulher que quer fazer amor no banheiro daquela repartição.Ele a olhar para
aquela mulher com dois chifres e com jeito de demônio sádico que sorri na sua direção.Ele
agora desorientado tira o tal canivete do bolso e retalha aquela mulher-demônio em nome
de um Deus qualquer e enfia as tais e os alfinetes em seus olhos e em sua vulva faminta
naquele instante miseravelmente terrível.
Ele investe contra mais um funcionário e o retalha rapidamente em nome de um
ordem absurda.Ele retalha mais outro funcionário e se ajoelha e agarra o membro rijo do
mesmo e o suga em nome de sua insanidade à flor de pele.
Ele agora sai do prédio e grita enlouquecido na rua em nome de um Deus
qualquer.Ele não percebe que o sinal está aberto.Ela se ajoelha na tal rua.Ele está ali parado
ou ajoelhado em nome de um Deus qualquer.Ele não pode ver nada agora que sua alma
habita o paraíso.Ele não percebe que aquele tal ônibus não vai conseguir parar a tempo.Ele
ajoelhado e o ônibus que o joga para longe.Ele que bate com a cabeça no poste no advérbio
longe.Ele que mais parece uma mula sem cabeça agora.Um outro carro que passava por ali
arrastou a sua cabeça para longe no advérbio longe.Aquele seu olhar sem cabeça no
advérbio longe em nome de um Deus qualquer.O resto de seu corpo com a tal cruz estirada
por sobre o que restou da sua santa e farta barriga.Os curiosos que agora fazem o tal sinal
da cruz horrorizados em nome de um Deus qualquer.A sua mulher que quando vê aquele
corpo põe-se a rir alucinadamente. Ela que atravessa agora a rua e é também atropelada por
um caminhão qualquer.Ela morta próxima ao corpo do marido em nome de um Deus
qualquer.Ela com aqueles seios fartos e pernas roliças no adjetivo apetitosa.
Ela com o tal sorriso maligno no rosto para demônio nenhum botar defeito.

11 Da sonolência sono e seus efeitos mais do que nocivos.


Só podia ser desta forma.Sua vida só fazia sentido se ele estivesse assim deste jeito.
Ele boceja e vê as coisas embaçadas bem à sua frente.Ele circula no interior daquele
quarto como se estivesse a procurar qualquer coisa.Ele vê as paredes, sua percepção
tridimensional o conduz a este nada que o devora.
Ele se confunde com as tais paredes em sua sonolência definitivamente
avassaladora.Ele estica os braços quando quer relaxar um pouco ou muito.Sua mente
começa a vacilar agora.Sua mente como um braço esticado. Sua mente no interior do
interior da palavra esticado.Sua mente-particípio em esticado.Sua mente dilacerada em
esticado.Sua mente estilhaçada em esticado.Seu jeito próprio de se esticar todo na palavra
esticar.
Ele apaga a luz transformado em parede branca.Ele agora sente que a temperatura de
seu corpo caiu.Ele está frio no adjetivo frio.Podem jogar água na parede ou nele, pois que
nada há de acontecer.Podem esfregar os tais pés sujos na parede ou nele, pois que nada há
de acontecer.Podem cuspir na parede ou nele, pois que nada há de acontecer.Podem utilizar
a broca para pregar o tal quadro na parede ou nele, pois que nada há de acontecer.
Esta tal mulher se aproxima e começa a se esfregar nele.Ele está excitado em toda a
sua extensão de parede branca.Ele goza inúmeras vezes e absorve aquelas vibrações de
mulher em seu corpo frio.
Ela acaricia a parede na frente de seu marido que não sabe que ele está ali.O tal
marido agora se masturba e pede para que ela continue a fazer o que está fazendo.Ele tem
agora a visão de vários ângulos privilegiados.Ele olha de cima para o tal marido que está
fazendo o que faz.Ele olha de cima para a tal mulher que agora se joga em cima do
marido.Ele pode ainda imaginar o que os dois estão fazendo,pois ele também é parede
debaixo da cama.Ele pode ouvir os ruídos constantes das molas da tal cama importada no
calor de corpos que se procuram.Ele pode ouvir os gemidos daqueles dois seres extasiados.
Ele pode sentir algo especial em sua dimensão de parede.O tal homem agarra a
mulher e a coloca no colo.Ele a joga contra a parede e agora ela sorri maliciosamente.
Ela diz que quer ser possuída de qualquer jeito.Ele sabe que ela quer ser possuída
deste e não daquele jeito.Ele sabe que ela quer e o que ele quer.Ela sabe muito bem querer
neste verbo querer.Ele a imprensa contra ou na parede que agora vibra em toda sua
extensão de parede.
Ele transformado em parede sente o chacoalhar de suas entranhas.Ele não pode se
masturbar na sua dimensão menor de parede qualquer.Ele pode e deve e quer olhar na sua
forma inanimada para aquilo que está à sua frente.Ele gosta de ouvir o som desta palavra
frente.Gosta desta palavra no forno com batatas coradas e cebola e pimentão amarelo e
azeite e um tanto de French Dressing.Ele gosta da palavra frente pronunciada de forma
branda como se tudo não passasse de um final de tarde.Ele gosta da palavra final.Ele sabe
que final significa término de alguma coisa.Ele sabe que sabe menos do que pensa que não
sabe.Ele gosta da palavra término.Ele gosta da palavra infinito.Ele sabe não ver como
ninguém.Ele sabe anoitecer na palavra ninguém.Ele gosta da palavra luar.Ele sofre o tempo
todo na primeira conjugação ar.Ele pode estar, matar, devorar o que quer que seja a
qualquer momento.Ele pode se perder no indefinido qualquer a qualquer momento.Ele pode
separar as sílabas da palavra momento.
Eles dois cada vez mais intensos em frente ao tal homem metamorfoseado em
parede.Eles atingem o tal orgasmo tantas e tantas vezes na palavra vez.Eles olham
fixamente para o homem-parede.Ele os deseja,mas não tem cabeça e nem troncos e nem
membros.Ele e sua onisciência de homem-parede na palavra parede.Ele agora condenado a
ver não vendo o que vê em coisa alguma.Ele quer fazer o que quer fazer, mas não pode ou
não tem a mínima condição de se tornar humano.Ele cospe ao não cuspir, ele urina ao não
urinar , ele vomita ao não vomitar, ele se mexe ao não se mexer.Ele come os dois com os
olhos sem ter olhos, ele olha pelo buraco da fechadura sem buraco e sem fechadura.Ele
pronuncia a palavra parede sem boca e sem voz.Ele coça os testículos sem testículos,ele
aponta o seu membro rijo sem o tal membro rijo.
Ele-agora-transformado-na palavra-parede-abraça-os-dois-para-sempre-como-
convém-a-todo-e-qualquer-parede-que-se-preze.
O deslizamento de terra naquele balneário de difícil acesso. Eles agora dormem
na palavra escombros.

12 Carta ao além.
O vazio de noites vazias.

Está bem. Estou aqui e nada mais e nada menos dos que isto.Vou fumar um
cigarro.Eu tenho a palavra solidão bem ao meu lado.Eu preciso de gente, mas hoje não vou
ver ninguém.Tenho a tal palavra solidão ao meu lado.Isto nunca é o bastante, mas por hoje
esta falta há de me empurrar para fora de mim.
Estou sentado no velho sofá e bebo um tanto de uísque de boa qualidade.
Estou derramado na palavra uísque.Estou estranho no interior da palavra uísque.Estou bafo
de prostituta na boca da palavra uísque.Estou bafo de prostituta no interior do copo da
palavra uísque.Estou boca de prostituta no interior do verbo beber.Estou estirado no sofá no
interior da palavra angústia.Estou apodrecido no interior da palavra angústia.Estou
descarrilado no interior da palavra mente.Estou fervilhando no interior da palavra
mente.Estou pisoteado por uma turba ensandecida na palavra mente.
Poderia dar cabo de minha vida agora, mas sinto que minha vez ainda não
chegou.Estou condenado a viver desta ou daquela maneira.Estou condenado a viver deste
ou daquele jeito.Estou condenado a viver em jeito algum.Estou condenado a ser indefinido
em algum.Estou condenado a ser em ser algum que seja o que é.Estou condenado na
palavra clareira.Estou condenado na palavra lugar.Estou aprisionado na palavra memória.
Este substantivo abstrato solidão tem a capacidade de pisotear na alma de
quem quer que seja.A luz está apagada e eu e este tal substantivo abstrato,eu e este não sei
bem como dizer o que digo, estamos agora frente a frente escurecidos.
Estamos frente a frente na palavra abismo. Estamos assim como duas
palavras que morreram com pouco ou nenhum uso.Estamos prestes ao tal colapso da
margem.Estamos em eles se foram sempre à margem.Cuspidos para fora do prato,
execrados em praça pública, mas agora sem nada que justifique nossa existência.O
substantivo abstrato solidão crescendo e atormentando meu espírito febril.O substantivo no
interior da palavra substantivo.O substantivo solidão no interior da palavra abstrato.
Ele me convida ao pensamento. Ele nada diz em sua reclusão de
sempre.Confunde-se com o ar que respiro, com os anéis de fumaça deste cigarro que se
perdem por aí.Confunde-se no interior da palavra confundir.Confunde-se no interior da
terceira conjugação ir.Ele se esconde numa gruta no interior da palavra ir.Ele se oculta no
verbo fingir,ele se oculta no verbo partir, ele aprisionado no verbo rugir.Ele agora se refugia
na terceira conjugação ir.
Eu penso em coisas vazias, eu agora penetro lentamente no interior da
palavra vazio.Tudo se desfaz em mim.Um oceano infinito se abre à minha frente.Eu nado
naquelas águas ao sentir a brisa marinha.Eu não posso estar estando onde estou.É assim que
vejo o não visto.Vivo desta insensatez possível.Gosto de me alimentar de nada.
Eu não acredito naquilo que está ali. Venero as mentiras grandiosamente
verdadeiras.Imagens e mais contornos e no mais a ausência silenciosa de tudo que nasce ao
redor.
É aqui o meu nenhum. Longe e distante como uma palavra que se foi na
voz de quem quer que seja.
Estou agora com a mente vazia e repleta de si mesma.
Estou cheio de buracos e fossas e grutas e fendas pelas quais escorrem palavras.
Estou vão e profundamente despido em movimentos sutis e
despretensiosos.
Estou agora com a mente vazia no interior de um verbo suicida.
.

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13 Quatro abutres e dois cadáveres.

REX era o tal cão adorado por todos.


. O garoto tinha o tal carinho especial pelo cachorro.O cachorro REX era tudo para o
tal menino que o adorava.REX era mais e mais do que este indefinido tudo para o tal
garoto tudo.
Sabe-se que ele dormia com o cachorro. Sabe-se que o cachorro
dormia na sua cama como se fosse gente.Sabe-se que o cachorro era o que era.Sabe-se que
o cachorro parecia não ser o que era.Sabe-se que as aparências enganam.Sabe-se que as
aparências podem enganar ou não.
Ele cobria o cachorro com o tal lençol de gente. Ele andava com o
cachorro pelas ruas e avenidas daquela cidade.Ele cuidava do cachorro.Ele dava banho no
cachorro.Ele brincava com o tal cachorro.Ele parecia que também era cachorro.Ele não
gostava de falar com quase ninguém.Ele preferia conversar com o cachorro.Ele costumava
sentar no tal banco da praça e lá ficar horas ao lado do cachorro.Ele levava o cachorro para
a escola.O cachorro esperava lá fora.O tal cachorro dormia até o término da tal aula.Ele
pegava o tal cachorro sem coleira e ia embora.O cachorro que não fazia mal a ninguém.O
tal pastor alemão que não fazia mal a ninguém.
REX sentava-se à mesa como todos aqueles que parecem ser gente.O
garoto fazia questão que assim fosse.O pai já havia tentado de tudo, mas não adiantava.O
cachorro era como um irmão mais novo para o tal garoto.
O tal garoto gente começa a ter problemas por causa da convivência
com o tal cachorro.Ele agora se recusa a usar os talheres e a comer no prato.Ele pega a tal
coxa de galinha com a mão.Ele cheira a tal coxa e meneia a cabeça como se fosse um
cachorro qualquer.Ele coloca a língua para a fora e lambe os beiços como se fosse um
cachorro faminto.Ele baba pelas laterais da boca.Ele coloca uma de suas mãos por sobre a
tal coxa de galinha.Ele joga a tal coxa de galinha para um lado e para o outro.Ele dilacera a
tal coxa de galinha antes de ingerir a dita cuja.Ele olha para a frente e para os lados com a
velocidade típica dos cachorros.Ele olha para REX que se mantém impassível ao seu
lado.Ele agora lambe o rosto de seu cachorro amigo.Ele espera a aprovação de todos que
estão sentados à mesa naquele instante.Ele não mais sabe que é o que parece ser.
O tal pai se exaspera e tira a correia da cinta e atinge em cheio o
garoto-cachorro. REX rosna para o tal pai e o ataca derrubando a tal galinha a molho pardo
feita especialmente para ele.O tal garoto-cachorro abandona a cena da mesa por alguns
minutos.Ele devora a tal galinha a molho pardo especialmente feita para o pai.Ele devora a
palavra pai.Ele devora o interior da palavra pai.Ele devora o interior da palavra interior.Ele
devora também os ossos da tal galinha.
A mãe do menino-cachorro atinge a cabeça de REX com uma barra
de ferro e então o tal REX titubeia e desfalece.
A mãe do tal menino-cachorro sente-se mais aliviada na palavra
matar.Ele sempre gostou de matar moscas ou de matar mosquitos ou de matar baratas ou de
matar ratos ou de matar lagartixas ou de matar besouros ou de matar lacraias ou de matar
camaleões.
O pai investe contra o menino-cachorro agora enredado na palavra
acuado.Ele investe contra o menino-cachorro enredado na palavra canto.O menino-
cachorro olha ainda para o pai com a ternura dos anos idos.Não se sabe se ele sorri na sua
condição de cachorro para o pai que investe contra ele com aquela correia maldita na mão.
Ele bate no menino-cachorro algumas vezes.O menino-cachorro
chora agora como um cachorro-cachorro.O menino-cachorro tenta evitar os ataques do pai
que agora o atinge várias vezes violentamente.A mãe começa a chorar como convém a toda
e qualquer mãe.O menino-cachorro tenta correr para o quarto.O menino-cachorro esbarra
na ponta da mesa e cai de cabeça no chão.O menino-cachorro morre ali mesmo.O menino
cachorro escorregou no tapete.O menino-cachorro escorregou no tapete e bateu na ponta da
mesa.O menino-cachorro escorregou no tapete ao bater na ponta da mesa e se foi.
O pai respira fundo como se não fosse quem fosse.Ele agora chama
a mãe e os outros dois irmãos para ver o que aconteceu.O menino-cachorro no chão morto
e sempre rejeitado por todos naquele antro doentio.
O pai, a mãe e os irmãos vestidos de preto.Rex sempre foi odiado
pelos irmãos do menino-cachorro.Rex morto ao lado do menino-cachorro morto.
O pai e a mãe e os irmãos vestidos de preto.Eles agora devoram o
tal cachorro Rex.Eles agora devoram o tal menino-cachorro.Eles gostam desta tal palavra
devorar.Eles devoram o cachorro-cachorro e o menino-cachorro com um olhar de abutre.
O pai e a mãe e os dois outros irmãos no interior da palavra
abutre.
Os órgãos do cachorro-cachorro e do menino-cachorro no
estômago da família-abutre.
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14 Pelo sempre das coisas.

Ele entra no banheiro agora. Ele sofre para fechar a porta empenada. Ele senta
no vaso. A tampa do vaso cai no chão. Ele se perde no interior deste tal verbo cair. Ele
ajeita a tal tampa no vaso. Ele agora tenta fazer o que tem que ser feito. Ele agora sofre para
fazer o que tem que ser feito. Ele mudou a tal alimentação natural esta semana. Comeu o
que não podia ser comido. Ele bebeu o que não podia ser bebido. Ele abusou demais desta
vez. Ele vai abusar ainda mais. Ele tem que entrar no banheiro agora. Ele entra no banheiro
agora.
A prisão de ventre o incomoda sobremaneira. Ele tenta agora e faz força na
palavra força. Ele tenta eliminar tudo aquilo que resta daquela sua vida mais ou menos. Ele
enredado na tal palavra mais ou menos. Ele se lembra da palavra ordinário e agora sua
angústia é proparoxítona. Ele se lembra da palavra angústia e sofre ainda mais em
acentuação tônica na segunda sílaba. Ele agora dilacerado na palavra sílaba.
Ele consegue defecar no verbo defecar. O esforço é enorme, mas ele consegue
fazer o que tem que ser feito de qualquer maneira. Ele se limpa e coloca a tal bermuda sem
suporte íntimo ou cueca. Ele está agora na pia. Ele abre a torneira. A água escorre pouca e
isto o irrita consideravelmente.
Ele esbarra nas moedas que caem todas no ralo da pia. Ele quer tira as moedas
dali. Ele sabe que não pode sair do banheiro agora. Sabe que pode perder a vez para a
mulher ou para os filhos. Ele quer sair, mas sabe que não pode. Ele mete ou enfia o dedo no
tal ralo para retirar as moedas de dentro do ralo ou do buraco mínimo ou ralo da pia. Ele
tenta e tenta e tenta e não consegue.
Ele então decide que vai fazer a barba. Ele enche a sua cara redonda de
creme de barbear. Ele faz a tal barba com mestria.Aquele tanto de creme de barbear cai
sobre o tal ralo. Ele sabe o que vai acontecer no verbo acontecer. Ele liga a torneira ou abre
a torneira enchendo a pia enche até o fim do mundo. Ele ignora tal fato e termina a barba e
ignora a pia.
Ele então percebe que urinou fora do vaso. Percebe que tem que limpar
aquilo de qualquer maneira. Percebe que o tal papel higiênico acabou de acabar. Percebe
que vai ter que usar a própria camisa para secar aquele tanto de mijo. Percebe que o
desinfetante acabou. Percebe que sua mulher quer entra agora para fazer algo inadiável.
Percebe que a sua mulher não se agüenta mais. Percebe que sua mulher está mais do que
apertada na palavra apertada. Percebe que a palavra espremida agora martela sua mente
atormentada.
Ele sempre gostou de laranjas. Ele se imagina livre e leve e solto a caminhar num
pomar. Ele enredado na palavra esquecida pomar. Ele escurecido no gosto indizível daquela
fruta qualquer. Ele deliciosamente ninguém no interior de uma fruta de estação. Ele agora
mutante na palavra estação.
Ele seca a tal urina com sua camisa de algodão de primeira. Ele abre a porta
do banheiro e deixa que a mulher faça o que tem que ter feito. Ele percebe que a descarga
do banheiro está emperrada. Ele pede para que ela que não feche a porta totalmente. Ele
pede para que ela permaneça sentada no vaso e olhe para ele. Ela prontamente o faz com o
amor de quem realmente ama. Ela prontamente o faz como quem apenas lava o rosto. Ela
prontamente o faz como quem apenas escova os dentes pela manhã. Ela gosta deste tal
verbo escovar. Ela gosta do substantivo dente. Ela se sente plena e realizada no interior do
substantivo dente. Ela se sente plena e realizada no interior do verbo escovar. Ela se sente
plena e realizada ao escovar os dentes. Ela se sente plena e realizada ao escovar os cabelos.
Ela se sente plena e realizada ao escovar o a capa do tal sofá. Ela agora confortavelmente
estirada no interior da palavra sofá. Ela agora desfalecida no interior da palavra desmaio.
Ele observa as reentrâncias daquele corpo envelhecido de mulher. Ela sorri
enquanto faz o que faz. Ele percebe aqueles tais pneus em sua cintura e as rugas naquela
face sorvida pelo tempo. Ele sente vontade de comer carne assada com batatas. Ela sente
vontade de comer língua com batatas. Ele sente vontade de comer filé aperitivo. Ela sente
vontade de comer salada de macarrão com farofa. Ela com a boca cheia de farofa. Ele com
a boca cheia de batatas. Ela com a boca cheia de ânsia. Ele com a boca cheia de ânsia.
Ele entra no banheiro e dá um chute na porta que se fecha prontamente. Eles
fazem amor com os corpos sujos e castigados pelas agruras de uma existência qualquer.
Eles sabem não poderão tomar banho ali.

O chuveiro que entrou em curto na semana passada.

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15 As marcas do tempo em qualquer um.

Ele acordou cedo ou tarde. Procurou o seu rosto no espelho e demorou a encontrar o
mesmo. Procurou o seu rosto no espelho e não achou o muito que queria. Procurou o verbo
procurar no espelho e seguiu em frente como todo advérbio de lugar.
Ele acordou mais pretérito perfeito do que nunca. Ele escovou os dentes e lavou o
rosto e andou de um lado a outro antes de tomar o tal café. A temperatura de seu corpo
quase sempre invariável na palavra semelhante. A palavra semelhante pulsava em suas
veias. A palavra sangue a correr como algo pulsante em suas veias.
Ele colocou o tal termômetro debaixo do tal braço. Estava bem naquele dia. A febre
havia pedido uma trégua na palavra cansaço. A febre havia cansado de si mesma.
Ele sentou-se à mesa, ele agora mais pronome do que nunca aprisionado na palavra
nunca.
Ele pegou o tal miolo do pão e o amassou de forma hábil e cruel. Ele gostava de
amassar o tal miolo do tal pão de forma hábil e ainda mais cruel. Ele gostava da tal palavra
cruel. Gostava de pessoas e mais pessoas naturalmente cruéis. Ele gostava do adjetivo
impiedoso. Gostava de qualificar alguém pelo nível de malevolência expresso nos atos. Ele
gostava de homens e mulheres cruéis. Gostava de bater levemente nas nádegas das
mulheres cruéis. Ele gostava de tomar cerveja e escutar as proezas de homens cruéis.
Ele então começou a mastigar aquele tanto de miolo. Ele estava mais vazio do que
nunca naquele dia cinzento. Ele estava aprisionado na palavra cinzento. Ele estava ainda
mais cinzento do que o tal dia cinzento. Ele estava a se comportar como um ser cinzento.
Ele estava a se comportar como qualquer coisa cinzenta naquele dia cinzento. Ele
definitivamente trissílabo na palavra cinzento. Ele nem preto e nem branco, mais
definitivamente cinzento. Sem cor e sem muita vida na palavra cinzenta num dia cinzento.
Algo pesava em sua alma de forma singular. Ele se encontrava agoniado no tal
verbo pesar. Ele repensava a sua vida insistentemente no interior do ta verbo pesar.
Ele ainda mais nédio ou mais pesado do que a mais nédia palavra de que se tenha idéia. Ele
quase morto em qualquer lugar definitivamente qualquer. Nédio e dilacerado como um
suíno insignificante.
Ele não conseguia se levantar mais da mesa. Sua angústia era mais forte e ele
sucumbia aos seus desejos. Ele aprisionado na palavra desejo. Ele aprisionado no desejo de
ter desejo. Ele aprisionado na palavra vontade. Ele sem vontade alguma na palavra vontade.
Completamente imóvel na palavra rocha. Ele com o corpo esmagado pela palavra rocha.
Ele completamente destruído no interior da palavra rocha. Ele rolando abismo abaixo na
palavra rocha. Ele substantivamente concreto no interior da palavra rocha. Ele a ferir todos
os turistas na palavra avalanche. Ele emudecido na palavra pânico.
Ele e sua angústia em ponto de bala na palavra suicídio. Ele e sua angústia em
ponto de bala no verbo padecer. Ele pegou o revólver e parecia que ia fazer o que devia ser
feito. Ele estava totalmente fora de si na palavra ausente. Ele com o cano do revólver na
boca. Ele com a palavra revólver na boca. Ele mentalmente em frangalhos na palavra boca.
Ele mentalmente em frangalhos na palavra revólver.
Ele completamente absorto na palavra fim. Ele completamente absorto na palavra
silêncio. Ele completamente absorto na palavra agora.

Ele olhou através da janela para a palavra horizonte.


Ele viu dois pássaros que voavam de maneira harmoniosa.
Ele olhou para o céu de sempre naqueles dias chuvosos. Ele não possuía asas e
não poderia voar jamais. Ele não possuía a liberdade daqueles pássaros de ocasião. Ele
apodrecido na palavra trombose. Ele apodrecido na palavra excesso. Ele apodrecido na
palavra constante. Ele apodrecido na palavra dor.
Ele imobilizado na palavra cadeira. Ele imobilizado na palavra mesa. Ele
imobilizado na palavra desjejum. Ele tentava agora limpar a sujeira naquela tal mesa.
Queria retirar os farelos de pão que emporcalhavam aquele espaço. Queria limpar tudo que
pudesse ser limpo. Queria limpar a colher repleta de mel da fazenda no interior do interior
Queria limpar as mãos sujas de manteiga e de restos de queijo branco esburacado.
Queria matar as moscas que voavam famintas sobre o tal copo de leite. Queria matar as
formigas que invadiam resolutas o açucareiro. Queria limpar a tal toalha repleta de manchas
de café barato.
Ele tentava sair inutilmente de onde estava. Algo o prendia ali. Ele havia
colocado o revólver na gaveta novamente. Havia desistido de fazer o que tinha que ser feito
naquele dia.

Ele procurou o substantivo janela em seu espírito conturbado. Ele não deveria ter
aberto as portas de sua casa para o tal louco homicida

16 Relatos de qualquer alma ensandecida.

Acordo e dou de cara com o mar. Posso observar a vastidão oceânica da cama
deste quarto de hotel. Vou ter que abrir o tal freezer e apanhar um pouco de água gelada.
Vou tentar encontrar este meu rosto no interior de um copo de água gelada.
Já passa das onze e preciso voltar a dormir. Devo seguir os conselhos de meu
médico e descansar.
Vim para cá para encontrar o meu nich. Gasto minhas economias em busca da
tal paz de espírito.
Levo uma vida de cão naquela cidade que jamais me acolheu. Tenho sempre
vontade de dar cabo a isto tudo.
Já pensei em cometer o suicídio, mas desisti da idéia em menos de cinco
dias úteis. Faltou-me coragem para abrir a janela e me jogar no interior de meu ninguém.
Vim para cá para me masturbar com calma no banheiro. Vim para tomar café
e mastigar o pão lentamente. Vim para cá para sentir o gosto de café quente tomar a boca
como se fosse um beijo. Vim para cá com o intuito de encontrar o sabor da palavra quente.
Vim para cá para encontrar o sabor da palavra sabor.
Acordo pela manhã e dou novamente de cara com o mar. Ele e eu não
temos nada em comum. Ele é azul e eu branco azedo cheio de espinhas no rosto.
As ondas me convidam ao torpor da hora. Eu me vejo envolvido por
aquela espuma mágica no interior da palavra desterro. Eu me vejo envolvido por algo quase
incorpóreo.Eu me vejo envolvido no interior da palavra sensação.
Não tenho amigos ou parentes. Todos falecidos ou enterrados na minha
memória doentia. Todos no além como todos que não sabem que não são o que são.
Creio que a descarga deste banheiro não funciona tão bem quanto
disseram.
Acabei de defecar e percebo que já dei descarga duas vezes. Aquele tanto
de fezes lá estar a boiar resoluto.
Um suor irritante começa a tomar conta de meu corpo. Aguardo alguns
minutos e tento de novo. Não há força na tal descarga para mandar para o inferno as tais
fezes avantajadas. Eu tento e tento e tento de novo e nada e nada e nada. Eu tento e tento no
interior do verbo tentar.
Já dei descarga sete vezes e nada simplemente ocorreu.
Fecho a porta do banheiro e me ponho a apreciar o mar novamente.
Está claro somente para mim o fato de que a palavra mar é monossílaba.
Está claro de que se trata neste caso de uma palavra curta. Está claro o fato de que a palavra
mar percebeu que os meus dedos estão espremidos no sapato que uso.
A palavra mar e o verbo espremer estão agora a me torturar ao lado do
substantivo janela.
O mar é o mar espremido no meu sapato e querendo explodir como as
tais ondas que batem violentamente em minha alma.
Lembro-me de que entrei e ultrapassei a tal arrebentação espremido pela
grandeza daquele dia. Lembro-me do fato de que a grandeza daquele dia me espremia
como se eu fosse uma laranja passada.
Tudo era tão calmo e tão harmônico que resolvi fechar os olhos.
Aquela onda, vinda de algum lugar, havia sido feita para mim.
Estava a boiar quando levei um coice violento e me vi atirado de um
lado a outro como um resto de qualquer coisa alguma.
Estava fundo e eu decidi abri os olhos enquanto ainda respirava. Pude
ver aquele tal branco da espuma enfurecida a me dizer coisas estranhas. O ruído de
tambores distantes martelava minha mente vazia. Eu estava relativamente tranquilo naquela
real possibilidade de morte.
Pensei naquele ruído da descarga daquele quarto de hotel
extremamente comfortável. Pensei naquele tumulto provocado pela água naquele vaso ou
latrina branca. Pensei em morrer no interior da palavra branca. Pensei em não ser nada no
interior de qualquer palavra branca. Pensei na força deste tal adjetivo branco. Pensei em
ser o não ser em toda e qualquer coisa branca. Pensei no branco angustiante das nuvens
rigorosamente brancas.
Lembro-me de que consegui levantar a cabeça e respirar. Passaram-se
mais alguns segundos e lá estava eu, massacrado pelas tais ondas que me empurravam para
a tal linha de arrebentação.
Eu me debatia e levantava a cabeça para respirar.
Eu vi que não tinha saída e resolvi me deixar levar e assim fui, no
verbo ir, levantando a tal cabeça sempre que podia adverbiado.
Pude perceber que meus braços haviam ido embora. Minha cabeça
simplesmente havia sumido. O tal tronco e os tais membros haviam também sumido.
Eu era em pretérito perfeito a vastidão daquele azul.
Eu era agora algo como aquilo que era o que devia ser naquele
instante qualquer, naquela hora qualquer, naquele momento qualquer.
Eu havia deixado para trás qualquer coisa em mim que ousasse me
procurar.
Eu estava mar e espuma e onda furiosa em algum lugar no qual o todo
podia se retrair para não morejar como o acaso.
Tudo era tão convulso e ao mesmo tempo tão harmônico,tudo era tão
tudo, que resolvi fechar os olhos.
Lembro-me apenas do fato de que acordei após uns bons quinze
minutos à beira da praia.
Meu corpo moído dizia que não deveria levantar naquele instante.
Fiquei ali estirado no interior da palavra areia. Olhei delongadamente
para o sol que castigava a leveza daquele azul oceânico.
Como disse anteriormente, vim para este canto de mundo para suportar
com mais tranquilidade os ínvios percursos de minha mente indômita.
Estava vivo e morto no interior da palavra descanso.

17 Conto acerca de um ferimento qualquer

Ele tem um ferimento no dedo do pé. Não importa o fato de que este tal
ferimento seja grande ou pequeno. Não importa o fato de que este ferimento seja o que
pareça ser. Não importa o fato de que este ferimento esteja a sangrar ininterruptamente.
Importa o fato de que ele agora esteja a andar com dificuldade em função
do tal ferimento no dedo. O dedo ainda mais insignificante do que o substantivo dedo. O
dedo dissílabo e qualquer como toda palavra dedo. O dedo dissílabo em qualquer nos
verbos apertar, espetar, cutucar e pressionar.
Seu pé naquele tênis vagabundo que encontra as poças quando tem que
encontrá-las na rua qualquer. O dedo sujo e pouco protegido pelo tal tênis cheio de buracos
e por uma meia igualmente suja e cheia de buracos.
Ele anda por aí e o seu dedo sangra e sangra e o tal pus se mistura ao
sangue mais amarelo do que nunca.
Ele sente vontade de sentar no tal banco da praça, mas algo o impede em
algum lugar.
Alguém agora pisa em seu dedo ferido. Ele uiva de dor e este alguém
nem parece notar tamanho sofrimento.
Este tal alguém segue rua abaixo como se nada tivesse acontecido.
Ele uiva de dor e fecha os olhos para se encontrar ainda mais na palavra
dor.
Ele não enxerga mais nada em seu desatino.
Ele agora caminha num corredor escuro. Ele pode ver fantasmas
milenares que gargalham freneticamente. Eles agora exibem suas genitálias dilaceradas
num campo de batalha qualquer.
Ele pode ver a cabeça decepada de um parente próximo. Ele pode ver
o seu dedo sendo lentamente ingerido por um cão de três cabeças.
Ele percebe que seu dedo se foi de forma rápida e não tão
contundente assim. Ele se sente mais aliviado quando de sua visita ao inferno. Ele se sente
como alguém que sente o que tem que ser sentido.
Ele volta ao mundo quando percebe a chuva que molha sua camisa
de algodão barato. Ele olha para baixo e procura pelo tal dedo que se foi.
Ele que tinha a mania de colocar o tal pé esquerdo na rua. Ele que
tinha mania de atravessar o que quer que fosse.

18 Pelas coisas nas coisas

Calei a boca daquela garrafa de plástico de uma vez por todas.


Ela bem que merecia ser jogada na lixeira. Não deveria jamais apresentar
aquele furo minúsculo e irritante. Ela começou a vazar na companhia de meus amigos mais
chegados. Atitude incabível e imperdoável.
Eu fiquei com cara de idiota quando vi que havia muito pouca água
naquela garrafa de terceira. Os amigos me perguntaram se eu queria que eles bebessem
vento. Eles perguntaram se poderiam urinar naquela garrafa chinfrim.
Joguei a tal garrafa no chão e pisei em cima da mesma umas dez vezes.
Ela nem suspirou quando se viu partida em pedacinhos por aquela faca voraz. Ela nada
disse quando aquela tesoura afiada acabou de fazer o serviço.
Não consegui destruir o rótulo daquela garrafa de água mineral.
Antes de liquidar a tal garrafa, eu fiz o que qualquer um faria.
Retirei o rótulo da mesma e tive uma conversa séria com o mesmo.
Tentei mostrar ao tal rótulo o fato de que era um homem pacato. Tentei
mostrar ao tal rótulo que eu era o que deveria ser.

Ele não deveria ter rido da minha cara. Aquele rótulo sem vergonha e
colorido tomou o que merecia.
Peguei a tesoura e o tirei daquela tal garrafa com a tal fúria
descomunal. Parece que ele gemeu um gemido plástico, mas só ficou nisso. Peguei a
tesoura meio cega e mandei ver.
Ele sentiu que estava perdido e lá permaneceu imóvel como uma
rocha.
Meu pequeno cão de guarda fez o favor de engolir o que restava
daquele rótulo maldito. Sabe-se que o cão vomitou consideravelmente horas mais tarde.
Fui abrir a lixeira para jogar algumas cascas de laranja fora.
O tal rótulo dilacerado lá estava a me fitar resoluto.
Tomado por um ódio sem igual, pisei naquele resto de rótulo
ordinário dentro da lixeira e pronto.
Aquela tal garrafa de plástico despedaçada no interior da palavra
despedaçada no interior de minha alma com fome de tragédia e coisa e tal.
Eu odeio esta tal garrafa de plástico que me olha despedaçada
como se eu fosse o que não fosse em qualquer lugar que fosse o que não fosse.
Eu quero pisar na tal garrafa que não é mais o que é. Eu quero
comer ou engolir os pedaços desta tal garrafa que não é mais o que deveria ser. Eu quero
me tornar rótulo de alguma coisa qualquer que jamais apodreça. Eu quero me tornar lixeira
no interior da imundície das cozinhas dos restaurantes de segunda. Eu quero urinar naquela
fonte de água cristalina. Eu quero verter o tédio desta água cristalina. Eu quero matar os
idosos que vão procurar o que resta de suas vidas nas tais estações das águas cristalinas.
É sempre assim quando acordo e durmo.
Estas garrafas de plástico me perseguem diariamente. Rótulos de

19 tudo bem até agora. Ninguém vai acorda você. Ninguém vai fazer nada com você.
Você sabe que não vale nada. É sujo e vagabundo. É do tipo encostado
e quer viver desta forma o resto dos seus dias.
Pra você eu começo o parágrafo do jeito que comecei. Com letra
minúscula pra mostrar a todos como você é.
O bom disto tudo é que você me come bem.
Gosto deste teu perfume barato. Gosto deste teu cheiro pecaminoso
de domingo cinzento. Gosto deste seu pênis razoavelmente sujo.
Eu me sinto mais fêmea quando estou ao seu lado. Gosto deste teu
jeito de merda atirada contra a parede.
Sempre soube que você nunca soube escovar os dentes de forma
apropriada. Sempre soube que você gostava de comer as tais dentistas. Aquele cheiro
insuportável daquelas suas axilas de final de jogo.
Agora você dorme, seu merda de merda. Você me comeu bem o
dia inteiro.
Hoje levei algumas porradas na bunda. Levei umas porradas na
cara e gostei.
Gosto de dizer que sou casado e que dou para um homem
grande e forte.
Também como minha mulher, seu merda de merda..
Gosto daquela vulva sedente que se abre como um leque
naquelas tardes de verão contundente.
Agora você dorme neste motel qualquer e estou ao seu lado
olhando para o tal membro poderoso.
Hoje você é meu macho e é aquele tal homem que me comeu
por trás.
Pensei na minha esposa e nos meus filhos quando aquele
membro me desbravava. Pensei na palavra buraco e no buraco que se abria em minha alma
quando você fazia o que eu pedia.
Eu queria dizer tudo a ela e a eles também. Queria dizer que
os amava e que quando a comia eu o fazia com vontade.
Ela sempre se dizia satisfeita comigo. Eu queria sempre
mais e ela alegava cansaço extremo.
Eu te encontrei naquele bar e iniciamos aquela conversa
agradável.

Café
Almoço
Jantar.

O assalto.

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