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A EDUCAÇÃO NO EMÍLIO COMO PREVENÇÃO À TIRANIA

E A IMPORTÂNCIA DO ENSINO DE FILOSOFIA PARA A


SOCIEDADE

Diogenes Silva*
diogenes.silva@pop.com.br

O nascimento da criança e os primeiros indícios de


necessidade

Para falar de um projeto de educação, Rousseau na obra Emílio


desfia os passos que uma mãe deve dar para a educação de seus
filhos fragilizados e “desprovidos de tudo”, necessitados de
“assistência” 1, “juízos”, “força”, entre outras coisas, e a via dessas
necessidades será conduzida sob uma educação minuciosa. Através
de observações ontológicas feitas por Rousseau, o Emílio, este aluno
fictício, é acompanhado em sua infância, aconselhado e ensinado em
sua adolescência, para se tornar cidadão na sua maturidade; ou seja,
deve percorrer as etapas necessárias para o seu desenvolvimento.
O nascimento de uma criança é caracterizado por vários
fatores, entre eles estão, os instintos naturais. Estes instintos são
variados e devem segundo Rousseau ser preservados, ou melhor,
devem ser também conduzidos naturalmente, pois “assim é que a
natureza, que tudo faz da melhor maneira, o institui inicialmente”
(1968, p. 62), desta maneira diminui-se a necessidade dos esforços
para ensinar o mais importante para a criança conforme uma
educação grega2, a saber, a virtude.

*
Graduando em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná
1
A respeito do cuidado Rousseau já afirma a necessidade de não exagerá-los, como
exemplo as quedas que ocorrem rotineiramente com as crianças no período em que
aprendem a andar. Podemos pensar na possibilidade de que, para Rousseau as
crianças que mais são cuidadas, são as que requerem mais cuidados em sua
maturidade.
2
A alusão à concepção grega está no fato de Rousseau encontrou em suas leituras
feitas ainda na infância obras de filosofia – que é própria dos gregos – e seus
romances. Este detalhe nós encontramos tanto no teor de seus escritos, quanto na
Os adultos, assim como as crianças, tem suas necessidades,
sendo que nos adultos essas necessidades estão mais trabalhadas
tanto no uso de suas razões, quanto na submissão às leis. Entretanto
as crianças não possuem mais que sensações,3 por isso ela quer
mexer em tudo, sem ter noção do perigo que as impulsiona, e é
desta forma que a criança experimenta as sensações diversas como o
frio, o calor, a dor, e percebe características como forma, tamanho,
peso. Assim, tudo que a criança vê quer experimentar com o tato.
Para Rousseau aqui se inicia o “sinal de vontade, de domínio, ordem
de aproximar-se que ela dá ao objeto ou que vos dá de trazê-lo”
(1968, p. 45). Ao contrário de se levar ou trazer o objeto até a
criança, é de extrema importância fazer com que a criança sinta o
seu estado de submissão, pois é na infância que se encontra o
momento de corrigir alguma má inclinação e é nesta fase que “as
penas são mais sensíveis” segundo o autor; sendo que para tanto, é
necessário considerar que a criança tem um estágio de compreensão
diferente do homem.
Quando Rousseau fala em preservar os instintos naturais, há
equívocos de interpretação se dissermos que ele espera que o
homem volte ao seu estado selvagem; não é mais possível voltar à
selvageria, depois de aceitos as diretrizes sociais, e Rousseau afirma
a impossibilidade deste retorno no segundo discurso, bem como na
resposta a Voltaire4. Pela impossibilidade encontrar o homem natural
será necessário bem conduzir o aluno ao seu estado civil. Neste caso,

obra Confissões, no qual Rousseau relata ter se esquecido de todas as suas


leituras, e esquecido da Grécia, ao passar por um treinamento profissional indigesto
que ocorreu em sua adolescência.
3
Para Rousseau a memória e a imaginação nos primeiros anos de vida não estão
ativados, e este é o motivo da criança prestar atenção somente aos objetos que
afetam seus sentidos.
4
Este foi um dos deslizes que Voltaire teve nas interpretações da filosofia de
Rousseau. Em vista aos seus ataques Rousseau Responde: “Não tentai, pois,
tornar a ficar de quatro patas, ninguém no mundo teria menos êxito do que vós.
Vós nos reergueis muito bem sobre nossos dois pés para deixar de vos manter
sobre os vossos.” (Resposta a Voltaire, 1993, p. 252).
é necessário estar atento ao fato que “o homem civil não passa de
uma unidade fracionária presa ao denominador e cujo valor está em
relação com o todo, que é o corpo social” (Rousseau, 1968, p.13), ou
seja, é para assumir o seu lugar no corpo social que esta educação se
torna importante e, para tanto, precisamos tirá-lo do estado de
individualidade e inseri-lo na vida hodierna. Para se tornar possível o
processo de inclusão no corpo social, é necessário um compromisso
com a ordem civil, e o compromisso pode ser suplementado pela
educação.
O Emílio traz a idéia de uma educação espartana5, mas não
possui um viés militarista; seu intuito é direcionar os deveres do
cidadão, de preferência a que torne possível germinar em seus
pensamentos o amor à pátria e à ordem civil. Após definida esta
meta, resta escolher “a educação doméstica ou a da natureza” para
depois de cumprido o primeiro objetivo, que é o “patriotismo”, seja
possível torná-lo um cidadão6.
Para que a educação doméstica tenha êxito, é necessária a
atenção das mães em não alimentar a indisposição física dos filhos,
7
em “mergulhar seus filhos na moleza” , pois a estes nada mais
restará senão o sofrimento - neste caso, o mais preparado na visão
de Jean Jacques é aquele que pode “suportar os bens e os males

5
A educação de Esparta, também conhecida como código de Licurgo, apoiava-se na
necessidade de aprimorar os instintos naturais das crianças, sua educação era
concebida por uma casta militarizada, ou seja, as que preparassem para a
resistência e para possíveis guerras; nestas castas, as crianças eram de certa
forma, “adestradas” de tal forma a tornar possível a formação de jovens aptos a
defender a coletividade.
6
Rousseau acredita que “quando não há mais pátria não há mais cidadão” (1968,
p.13), e que estas palavras “cidadão” e “pátria” foram esquecidas nas “línguas
modernas”, isto devido à criação de locais que Rousseau critica e classifica de
“ridículos a que chamam colégios” (1968, p.14). Desta forma acreditamos que o
Emílio deve ser educado longe das instituições de ensino, pois estas não
possibilitavam condições para uma educação pela natureza.
7
As idéias de Rousseau se aproximam das idéias se Montaigne que acreditava na
educação que preparasse para “a aventura da vida” e que não permitisse que os
filhos se tornassem “demasiadamente relaxados”.
8
desta vida” (1968, p.15). Por isso são necessários os exercícios
físicos, o contato com a natureza e suas intempéries quanto aos
acidentes, e toda escassez de mimos e elementos (objetos) que
estimule sua preguiça. “Observai a natureza e sinta o caminho que
ela vos indica, ela exercita continuamente as crianças, ela enrijece
seu temperamento mediante experiências de toda espécie, ela
ensina-lhe desde cedo o que é pena e dor”. (1968, p. 22).
Cabe perguntar, se é possível aos pais ou aos professores – nos
dias atuais – educar um Emílio, estando mergulhados em um mundo
tecnológico, entregues às comodidades de consumo, mais propensos
à estagnação física; repito, como poderá se integrar às propostas
sugeridas por Rousseau no Emílio? As cidades, os bairros, escolas, o
excesso de segurança, a conjuntura social permite que preparemos
as crianças para suportar os bens e males da vida? Com tanto
benefício que avança vertiginosamente é possível uma educação pela
natureza?
Apesar de sua crítica rígida aos estabelecimentos de ensino,
importa lembrar que o olhar de Rousseau estava voltado para os
problemas de seu tempo, bem como, para o caráter próprio de sua
educação9, Rousseau se distancia de Montaigne quanto ao rigor da
educação ministrada à criança. Para Montaigne, a necessidade de
indulgência para com os filhos é fundamental, ou seja, a educação
deve estar afastada de toda violência por parte dos pais no trato de
seus filhos, e afirma que é “estultice e injustiça [...] manter em
relação a eles uma altivez austera e desdenhosa, na esperança de
assim os educar no respeito e na obediência” (Montaigne, 1962, p.
141). Ele se opõe até mesmo a Maquiavel “mas ainda que me fosse

8
Acreditamos que estes bens e males, não são apenas de ordem física, mas
principalmente sociais.
9
A educação de Rousseau reflete na sua própria escrita. Nas Confissões ele detalha
que foi “tratado como filho querido, mas nunca como filho mimado [...] nunca
tiveram que me reprimir em mim, ou me satisfizerem nenhum desses
extravagantes caprichos que se imputam à natureza e que nascem unicamente da
educação” (Rousseau, 1936, p.14).
possível tornar-me temido, preferia ser amado” (Montaigne, 1962, p.
142). Não somente quer o autor afastar a violência dos pais, como
também das instituições de educação, isto fica claro quando diz: “Sou
inteiramente contrário a qualquer violência na educação de uma alma
jovem que se deixe instruir no culto de honra e da liberdade”
(Montaigne, 1962, p. 138).
Portanto, o primeiro e o segundo livro do Emílio, são escritos
como alerta às mães que, em vez de aperfeiçoar os órgãos dos
sentidos – pois as necessidades físicas são as necessidades iniciais –
sobrecarregam a memória da criança “com palavras que não podem
entender ou com coisas que em nada lhe auxiliam” (Rousseau, 1968,
p. 24), e acrescenta a crítica aos preceptores que não a preparam
para as necessidades práticas da vida, o preceptor, “o qual acaba de
desenvolver os germes artificiais que já encontram formados e lhes
ensina tudo manos a se conhecer10 [...] menos, a saber viver bem e
se tornar feliz.” (Rousseau, 1968, p. 24). Por isso a criança que
amadurece “cheia de conhecimentos e desprovida de sentidos”
(Rousseau, 1968, p. 24), é lançada na sociedade sem preparação e
cheia de atributos geralmente não condizentes com uma educação
virtuosa, o que significa dizer, inepto, soberbo, vaidoso. E após
perdidas as condutas e a inadequação social, geradas pelo capricho
dos pais e negligência dos professores, tem eles condições de se
sociabilizarem? Restará a Rousseau perguntar: “como pode ocorrer
que uma criança seja bem educada por quem não o foi ele próprio?
(1968, p. 26).

O bem originário e a corrupção social

10
Vemos aflorar as idéias platônicas em seu texto, tanto no que tange a República
– no qual Rousseau afirma se tratar de um compêndio de educação e não de
política – quanto no que buscava o maior preceito que estava contido no Oráculo de
Delfos: “conhece a ti mesmo”.
Para Rousseau o mal não é originário, pois “é somente em um
estado primitivo que o equilíbrio do poder e do desejo se encontram e
que o homem não é infeliz” (Rousseau, 1968, p. 62). Mas é possível
preservar este estado mesmo nascendo livre e se encontrando
acorrentado? Depois de preservado, o desenvolvimento posterior
ocorrerá concomitante com o equilíbrio inicial entre poder e desejo?
Para Rousseau isto é possível, pois “Todo homem que só quisesse
viver, viveria feliz, conseguintemente seria bom, pois que vantagem
teria em ser mal? (Rousseau, 1993, p. 64). Apesar da sutil
ingenuidade de Rousseau, percebe-se que aqui se encontra a maior
esperança do que ele esperava da sociedade.
Por isso é fundamental perceber que a vida em si mesma é o
que há de mais precioso e a educação do Emílio se voltará para as
necessidades de conservar a vida, encontrar a felicidade não fora de
si, se despojando assim do supérfluo e dos apegos11, pois “É na força
de trabalhar para aumentar a nossa felicidade que a transformamos
em miséria.” (Rousseau, 1968, p. 64). A filosofia de Rousseau se
aproxima dos pensamentos agostinianos, sem necessariamente aderir
aos preceitos cristãos. O que podemos notar, é que Rousseau quer
mostrar a necessidade de olhar para a vida enquanto ela se faz em
plenitude e buscar a virtude enquanto restar tempo para encontrá-la.

“Nós nos preocupamos mais com nossa vida na medida


em que se desvaloriza. Os velhos aspiram mais a ela
que os jovens; não querem perder os preparativos que
fizeram para gozá-la. A sessenta anos é muito cruel
morrer sem ter começado a viver” (Rousseau, 1968, p.
65)
Se isso foi uma preocupação tanto nos tempos antigos quanto
no século XVIII, o que dizer do nosso século, em que a ambição
humana foi amplificada, em que há competição em vários âmbitos, e
que tanto a busca pelo poder quanto os desejos nos faz consumir

11
O homem se apega não somente aos bens materiais supérfluos, mas
principalmente da vida “a primeira lei da resignação, nos vem da natureza, e esta
aceita a morte sem queixas, pois segue a natureza, quando esta lei é destruída, a
segunda se formará na razão” (Rousseau, 1968, p. 65).
parte da vida em busca dos nossos bens materiais? No mesmo fio
que foi tecido a filosofia dos estóicos e dos cínicos, Rousseau
arremata as suas idéias na busca por uma moral condizente com os
costumes.
Portanto, o Emílio deve ser educado para se libertar da
preocupação de “aumentar sua felicidade” e “alimentar sua miséria”,
pois “a miséria não consiste na privação das coisas e sim na
necessidade que delas se faz sentir (Rousseau, 1968, p. 63). Desta
forma ele não amontoará bens para o porvir. Para aqueles que
negligenciam a própria vida em busca de riquezas que gozará na
incerteza do futuro é possível que encontre sofrimento como acentua
Rousseau “Tua liberdade, teu poder, só vão longe quanto tuas forças
naturais, vão além, tudo mais não passa de escravidão, ilusão e
prestígio.” (1968, p.66).
O que queremos destacar é que a criança não podendo
conhecer senão as particularidades de um mundo novo, pela
sensibilidade, devem ser preservadas em seu estado inocente, por
não ser um adulto, está livre dos exageros e apegos. Mas, é comum
os pais evidenciarem o amparo excessivo; primam por preparar seus
filhos, preocupados com o mercado de trabalho desde a infância, ou
seja, prematuramente; dão aos filhos objetos, comidas, brinquedos,
que geralmente vão além das necessidades, e neste ponto é que
vemos o aumento da dependência e a solidez da necessidade. É
assim que vemos formar a primeira “escravidão” e aumentar sua
“fraqueza”, pois a dependência se desenvolve amiúde.
Tudo isso gera um novo lugar para a criança, que pode
ultrapassar a dependência e está na contramão da simplicidade que a
natureza já mostrava no nascimento. As crianças estão submetidas
às decisões dos pais, porém o excesso de caprichos geralmente traz
resultados que ampliam a liberdade da criança: ela manda e,
Rousseau alerta, “é preciso que peça e não que mande” (1968 p. 68);
ela ordena, e o emprego de sua liberdade depois de ultrapassado o
limite, se entrega aos seus caprichos. Por trás deste severo manual
de pedagogia, está a preocupação com os limites da criança, que
deverá encontrar uma sociedade não disposta a aceitar suas
obstinações, esta preocupação com os prejuízos que a criança
possivelmente terá em seu futuro, faz parte desta proposta que
Rousseau traz nos escritos do Emílio. Ensinar os limites da liberdade,
não é cercear todos os desejos das crianças: uma criança pode ser
livre sem ser autoritária. Para Rousseau é fundamental que a criança
“pule, que corra, que grite quanto tem vontade” (Rousseau, 1968, p.
69). Assim como não queremos pequenos ditadores na sociedade, é
necessária que não sejamos da mesma forma.

“A criança, a quem baste querer para conseguir se


imaginará dona do universo, encarará todos os homens
como escravos; e quando, enfim, formos forçados a
recusar-lhe alguma coisa, ela acreditando tudo ser
possível quando manda, tornará a recusa por um ato
de rebelião” (Rousseau, 1968, p. 71).
Nota-se que a educação do Emílio pode ser tal qual o
“grosseiro” criado pela natureza, mas nunca o arrogante aristocrata;
ele está livre da cólera que afeta seus desejos, como Rousseau
acentua que [o jovem] que está “seguro de sua própria liberdade,
nunca se apressará de usar dela” (1968, p. 78). Livre da cólera, como
também livre das paixões irascíveis, e mais longe ainda do
sentimento e das ações do déspota. Mas onde reside o problema de
conceber a criança dominadora todos os seus desejos e vontades?
Para Rousseau o problema se esconde na infância, mas se mostrará
pleno em sua fase adulta.

“Se essas idéias de domínio e tirania as tornam


desgraçadas desde a infância, que ocorrerá quando
crescerem e que suas relações com os outros homens
começarem a estender-se e multiplicar-se?
Acostumadas a verem tudo se dobrar-se diante de sua
vontade, que surpresas não terão ao entrarem na
sociedade e sentirem que tudo lhes resiste, e se
acharem enganadas pelo peso de um universo que
pensavam movimentar a vontade” (Rousseau, 1968, p.
72)
É neste estágio que se desenvolve o que foi apreendido na
infância. O problema maior é quando a criança prova sua vaidade
pregressa e sente-se ultrajada com o desprezo social, “rastejantes e
tanto mais baixo caem de si mesma quanto mais alto se tinham
erguido” (Rousseau, 1968, p. 72)
Ora, o retrato social pós-moderno – que a mídia expõe
constantemente – não revela homens ou jovens tímidos ou covardes;
ao contrário, mostra uma juventude aturdida pelos “caprichos” ou
pelo “abandono” de seus pais; enfrentam o estado, ou o que se opõe
às suas vontades, por meio da violência. Não precisamos lembrar as
atrocidades cometidas por jovens no Brasil ou no mundo nos últimos
20 anos, poderíamos citar vários relatos, mas o que importa,
sobretudo é poder repensar para onde estamos conduzindo a
educação da infância e da juventude. Onde queremos chegar com as
diretrizes e estatutos de uma educação quase sempre licenciosa, que
indubitavelmente representa parte da deformação de seus cidadãos,
sendo esta uma das nossas maiores responsabilidades? Como nos
afirma Rousseau, “a juventude jamais se extravia por conta própria,
todos os seus erros decorrem de serem mal conduzidas.” (2005, p.
55).
Aqui, longe de querer desmerecer qualquer disciplina
educacional, cabe lembrar a eficácia do ensino de filosofia para que a
juventude possa rever os seus problemas cotidianos e atuais; possa
pensar a herança de violência; e pensar no “cuidado de si”, que ele
possa pensar por si, para não ser preciso ser pensada pelo psicólogo.
Quando propomos uma educação de jovens, é pelo fato de que
segundo Rousseau: “Antes da idade da razão não se pode ter
nenhuma idéia dos seres morais, nem das relações sociais.” (1968,
p. 74).

A educação pelo hábito e pelo exemplo


Para Rousseau não se separa o papel do preceptor do papel do
governante. O governante é aquele que deve guiar12 a sociedade
assim como o preceptor ajuda os jovens em seu aprimoramento
social mostrando os seus deveres. Entretanto, dar ensinamentos
para uma criança não é o mesmo que orientar jovens, o que
aumenta a responsabilidade dos preceptores. Por outro lado
Rousseau afirma que “o hábito acrescenta uma nova necessidade à
da natureza, eis o que cabe evitar” (1968, p. 42). Portanto, “o único
hábito que se deve deixar a criança adquirir é o de não contrair
nenhum” (1968, p. 43), o que aumenta a responsabilidade dos pais.
Resumindo, cada um tem sua grande cota de responsabilidade.
Porém, se procurarmos uma definição prática de educação no Emílio,
veremos que “A educação não é certamente senão um hábito” (1968
p. 12), e sabendo que a palavra hábito vem do latim Habitu, e
significa estado ou modo de ser, fica claro que a possibilidade dos
costumes nascerem dos hábitos gerados pelos educadores é
relevante, pois, a disposição freqüente de se repetir um ato, e que
significa criar um hábito, estará na sujeição de possíveis repetições
de gestos e palavra de quem cerca a criança. Portanto, se o hábito é
quase inevitável, podemos pensar em uma forma eficiente de educar,
que tenha um valor maior que as palavras, e que esteja no exemplo
a ser dado pelos pais13 e preceptores. Por conseguinte, se o hábito é
adquirido na convivência, que sejam conservados os bons hábitos,
para que haja uma correspondência na formação do cidadão.

12
Desde que sua educação tenha sido exímia e voltada para esta virtude, ou seja,
saber governar.
13
Estas idéias fazem parte das referências que Rousseau apresenta em seus
escritos, em especial os contidos nas confissões em que ele tira lições dos
procedimentos do pai, “meu pai não era apenas um homem de honra, era homem
duma probidade segura, tinha uma dessas almas fortes que as grandes virtudes
engendram [...] esse procedimento de meu pai, de quem eu conhecia tão bem a
ternura e as virtudes, me levaram a fazer reflexões sobre mim mesmo que não
contribuíam pouco para me manter o coração sadio. Terei daí esta grande máxima
de moral, a única talvez em uso na prática, de evitar as situações que põe nossos
deveres em conflito com os nossos interesses e que nos mostram o nosso benefício
nos males de outrem” (1936, pp. 81, 82)
A reciprocidade entre ensino e vivência social é direta. A
criança sai do seio familiar e entra em uma escola e, se após esses
longos anos ela “mergulha” no mundo da violência, temos razão
suficiente para reavaliar o que estamos propondo como educação,
pois é fato que uma escola está mais dependente das tendências do
mundo moderno, do que o mundo preocupado com a importância de
se ter uma sociedade de Emílios.

Reconsiderando a educação do Emílio

A tarefa do professor é feita de dedicação, alteridade e lisura.


Dedicação e alteridade por encontrar em uma sala de aula uma
pluralidade social e econômica, com crianças e jovens educados de
forma distinta. Quanto à franqueza, Rousseau nos diz:

“tentando persuadir vossos alunos do dever da


obediência, juntais a essa pretensa persuasão a força e
as ameaças, ou, o que é pior, as lisonjas e as
promessas. Assim, atraídos pelo interesse ou
constrangidos pela força, eles fingem estar convencidos
pela razão” (1968, p. 76)
Aqui cabe outro alerta que se encontra sob a necessidade de se
cuidar do aluno, de formar alunos silenciosos e não silenciados, como
bem dizia Paulo Freire. O educador sincero não precisa ser austero a
ponto de fazer com que o educando prefira o silêncio por vantagem e
não por necessidade. Com este motivo, o professor pode agir pela
presença e não pela autoridade.
Um outro aspecto é levantado no Discurso Sobre as Ciências e
as Artes14 e pergunta sobre “O que as crianças deverão aprender?”
(Rousseau, 1993, p. 34). Podemos situar esta pergunta em duas
instâncias: numa Rousseau se refere à necessidade de se ter uma
aprendizagem que possibilite um empreendimento e, na outra, nos
questiona sobre o que devemos fazer pela virtude e pela pátria. Se

14
Neste texto Rousseau parece prenunciar o Emílio.
para Rousseau “aprender é também um esquecimento” (Rousseau,
1993, p. 35), então que a educação se volte para algo prático15, e
prático não quer dizer técnico, e sim que se volte para a prática da
virtude. Assim, podemos a partir desta exposição rediscutir a
educação sob dois aspectos, um está no que se ensina para uma
criança de acordo com sua realidade biológica16, e o outro na
realidade do nosso tempo17. Diante de toda esta problemática, ainda
perguntamos por que tanta violência na juventude? Não seria
suficiente repensar o que estamos entregando como educação para
as crianças e jovens? Como dizia Rafael, personagem de Tomas
Morus:

“Dais aos vossos filhos uma educação detestável. Seus


costumes são corrompidos desde os mais tenros anos.
Torna-se necessário, na idade adulta, puni-los dos
crimes que a infância deixava prever. Que fazeis deles
senão ladrões, que mais tarde castigais?” (Morus,
1992, p. 17).

Conclusão

Notamos nos escritos do Emílio os constantes indícios que


revelam a capacidade da criança de amar ou não, de ser egoísta ou
altruísta, prudente ou imprudente. Enfim, o que vai definir as
tendências de seus pensamentos, sentimentos e ações serão: a
educação nos primeiros anos de suas vidas e o desenvolvimento
escolar. Como a sociedade cada vez mais se questiona quanto à

15
Nesta obra ele destaca a educação do eunuco que era entregue a guarda de
quatro mestres, que são: o mais sábio, o mais justo, o mais moderado e o mais
valente.
16
A criança tem seu tempo próprio de maturação e desenvolvimento cognitivo, a
própria natureza se encarrega de desvelar o mundo que se põe a sua frente, esta é
a fase em que tanto seus sonhos quanto sua vigília são povoados pelas fantasias,
heróis e encantos.
17
A idade contemporânea é fruto da preocupação dos pais que acrescentam
atividades extras para ocupar o tempo da criança, sobretudo para prepará-los para
o mundo corporativo e competitivo. Como cabe também as escolas rever suas
prioridades, que hoje estão voltadas, em sua maioria, para atender as demandas
tecnológicas que o capitalismo exige. Isto é para que não transformemos as
crianças em joguetes do mundo moderno.
violência, acreditamos que está na hora de repensar a educação
ministrada a criança e a juventude, e o que é realmente prioridade
na vida da sociedade: modernidade ou virtude?
Desta forma acreditando que a sociedade está carente de
reflexões sobre o próprio cotidiano, o artigo propõe um olhar para a
importância do ensino de filosofia nas escolas, na esperança de que
as sementes deste ensino sejam transportadas pelos alunos tanto
para o seio de suas famílias, como para as suas comunidades, assim
como o pássaro que carrega as sementes propagando a vida que se
esparrama pela floresta. E se a educação é o melhor caminho e a que
ditará o futuro das próximas gerações, esperamos que esta
educação, esteja repleta das virtudes necessárias para vida.

Bibliografia

DENT, N. J. H. Dicionário Rousseau, Rio de Janeiro, Ed. Jorge


Zahar, 1996
ROUSSEAU, Jean Jacques. Emílio ou da educação, Trad. Sergio
Milliet, São Paulo, Clássicos Garnier, Difusão Européia do Livro,
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