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ÉTICA NA PESQUISA: entre o deontologismo e o conseqüencialismo

João Batista Cichero Sieczkowski*


joao.bcs@brturbo.com.br

‘A verdade certa sobre os deuses e todas as coisas de que falo,


jamais homem algum a reconheceu ou reconhecerá.
Se alguém um dia anunciasse a verdade mais absoluta,
não o saberia: tudo está entretecido de conjectura’ (Xenófanes)

1 Introdução

Quem pode contar para nós qual é a diferença entre ciência e falsidade1?
Quando se trata desses assuntos, em quem nós podemos confiar? Podemos
confiar na tradição filosófica ou nos cientistas, para estabelecer essa
diferença? Se não são os filósofos ou os cientistas, quem poderá despertar
essa confiança nessa distinção? Ao que parece, em nossas sociedades, são
os filósofos e os cientistas que legitimam essa diferença para nós todos. São
as características epistêmicas ou as características morais ou éticas que os
filósofos e os cientistas usam para demarcar a diferença entre ciência e
falsidade? Não há uma característica epistêmica da diferença entre ciência e
falsidade que seja clara e de comum acordo entre todos, a qual os filósofos
tenham apontado em seus sistemas éticos.2 O que nos sobra são as
*
UNISINOS/UNILASALLE
Telefone: 51 32323057, Rua Bispo Laranjeira, 54/106 - Porto Alegre RS CEP
90.840-230.
1
Cf. o artigo do autor intitulado ‘Entre o Contexto de Descoberta Amplo e o
Contexto de Justificação Restrito’ (Outubro 2006). O termo ‘falsidade’ surge aqui
fazendo menção à idéia de que aquilo que não é ciência dever-se-ia considerar
como falso. Ora, se isso é correto, então a ciência e a pesquisa científica é
detentora de uma verdade que não faz parte daquilo que é considerado não-ciência,
isto é, a não-ciência nunca poderá tornar-se ciência. No entanto, é isso que a
historia da ciência mostra? Parece que não! O endosso é dado quando nos
deparamos com a diferença entre contexto de descoberta e de justificação como um
problema impositivo para qualquer entendimento da demarcação entre ciência e
pseudociência ou não-ciência.
2
Podemos falar das relações estreitas entre Epistemologia e Ética. A indicação que
damos ao leitor é a obra de Brandt, (1982, cap. III) pergunta se a ciência pode
2

características morais ou éticas. Em se tratando da pesquisa científica,


trabalhamos no limite daquilo que poderia ser considerado ciência e aquilo
que poderia ser considerado falsidade. Esse limite pode ser estabelecido por
uma moral ou ética. Assim, a pergunta: ‘qual ética pode dar as
características diferenciadoras do que é científico e do que é falsidade?’ é o
mais importante neste momento. Ora, seja qual for à ética que faça isso,
como qualquer outra atividade humana, ela envolve crenças. Assim, são
nossas crenças que poderão estabelecer a diferença entre uma e outra
noção, porque podemos ter crenças epistêmicas e crenças morais. Sendo
que, o que queremos aqui é traçar algumas teses a respeito do que poderia
se entender como condições de possibilidade de uma ética da pesquisa
científica, as crenças morais ou éticas do cientista e da comunidade científica
é que definirá o que é científico do que não é, porque o limite do que
podemos conhecer é a moral, ou seja, a ética.

2 Algumas definições

Queremos tornar claro certas definições. Vamos considerar, em primeiro


lugar, a filosofia como uma atividade humana preocupada em estabelecer as
condições de possibilidade não só do conhecimento científico, mas de todas
as formas de conhecimento (ou seja, de pensamento, de vida). Em
decorrência, a ciência poderá ser entendida como uma entre tantas formas
de conhecimento; uma atividade humana entre tantas atividades humanas;
que pensamos ter boas razões para acreditar (crença) e agir (ação), isto é,
fazer algo.
O segundo termo é o de racionalidade. A racionalidade poderá ser entendida
a partir de como um sujeito possa ter boas razões para crer ou fazer alguma

resolver todos os problemas éticos. Segue-se daí outra pergunta importante: o


raciocínio ético deve começar com premissas éticas? E nós acrescentaríamos: ou
com premissas científicas? Brandt trata esse problema com grande desenvoltura.
3

coisa. Assim, ter boas razões é estar justificado. E, ser racional é estar
justificado.
Em terceiro lugar, antes que alguém se assuste, os termos ética e moral são
usados com pequenas diferenças, mas essencialmente podem significar a
mesma coisa. A diferença encontra-se em que a ética se refere a princípios
que podem ser universalizáveis e a moral se refere a casos particulares de
aplicação desses princípios. A ética é teórica e a moral é empírica. Esses
termos significam a mesma coisa quando se refere à ação, ou seja, ao agir.

3 Condições para a ética na Pesquisa

Poderíamos apontar algumas condições para a ética na pesquisa? Talvez,


mas o que justificaria essas condições? Pelo deontologismo3, somente o
dever, porque não podemos ter controle de todos os efeitos de nossas ações
morais. Para o conseqüencialista, o dever anula a capacidade que todo
indivíduo teria de pensar ou refletir a respeito de suas ações morais. Quem
poderia estar correto nessa disputa? As condições, inicialmente, se justificam
por serem boas razões para nós crermos e fazermos alguma coisa. Mas no
que se constitui uma boa razão? Temos boas razões somente quando
podemos vincular uma justificação a todas conseqüências das nossas ações.
Para Popper, por ser deontologista em matéria de ética, essas condições da
pesquisa científica colocam-se em termos de valores ou princípios que o
cientista deveria seguir. Mas a ação moral do cientista fica em débito se ele
tiver que decidir entre deveres que se conflituam. Dessa forma, quais são as
condições que tornam possível à ética na pesquisa? Vejamos.

3
Cf. LaFollette, (2001) Há duas grandes classes de teorias éticas —
consequencialistas e deontológicas — que têm dado forma ao entendimento que a
maior parte das pessoas tem da ética. Os consequencialistas defendem que
devemos escolher a ação disponível que tem as melhores conseqüências globais, ao
passo que os deontologistas defendem que devemos agir de modos circunscritos por
regras e direitos morais e que estas regras ou direitos se definem (pelo menos em
parte) independentemente das conseqüências.
4

3.1 Responsabilidade Intelectual

Segundo Popper (1981), poderíamos começar perguntando quem são os


responsáveis por atrocidades como as mortes em campos de concentração
na segunda guerra mundial, os refugiados do Vietnam, as vítimas de Pol Pot,
no Camboja, a guerra do golfo, o ‘acidente’ de Chernobyl, etc... A resposta
pode parecer surpreendente: ‘somos nós intelectuais’. Por quê? Segundo
Popper, porque causamos massacres em nome de idéias, doutrinas, teorias,
que são invenções nossas. Sempre queremos defendê-las custe o que custar.
Há uma atitude dogmática por detrás de tudo isso que não condiz com a
responsabilidade e honestidade intelectual. Os intelectuais escorregam em
vícios como a arrogância, a obstinação, o auto-convencimento, a vaidade
intelectual entre outros adjetivos. A responsabilidade intelectual é uma das
condições para a ética na pesquisa. Nós intelectuais passamos nossas idéias
pelas nossas teorias e transformamos o mundo, o pensamento de muitas
pessoas. Será que temos noção do que uma idéia pode trazer à sociedade?
Somos responsáveis, somos ‘autores intelectuais’ de crimes, de genocídios,
de sistemas políticos fascistas, de ideologias dogmáticas, da falta de valores,
etc. Quais são as instituições que ensinam nos projetos de iniciação científica
aos jovens cientistas e pensadores a terem responsabilidade intelectual por
aquilo que eles pensam e fazem? Poderíamos descrever um cenário de
horrores aqui. Mas isso já é o bastante para começarmos a ver que o
ceticismo bate a porta de instituições que acham que a responsabilidade
intelectual é algo dispensável da pesquisa científica.

3.2 Tolerância

Defendemos que a segunda condição para a ética na pesquisa é a tolerância.


Ser tolerante é reconhecer que somos falíveis. Nós mais erramos do que
5

acertamos. Disso se deduz que é importante aprender com os nossos erros.


Podemos perdoar uns aos outros por nossas loucuras. Mas devemos manter
a nossa responsabilidade intelectual por nossas idéias. Mesmo a tolerância
tem um limite. O limite é o estado de direito. A intolerância muitas vezes
toma lugar e quando precisamos resolver problemas de maneira
responsável, usamos a força. Ao contrário do uso da força, o melhor é
combater as idéias de alguém e afastá-las do nosso convívio social. Nós
intelectuais devemos combater criticamente as idéias uns dos outros.
Devemos ser críticos, apesar de tolerantes. O limite da tolerância ou da
intolerância chega ao ápice quando os intelectuais se preocupam somente
em fazer discursos com palavras obscuras e ininteligíveis, de estilo arrogante
ou catastrófico. Como justificar a atitude de um intelectual ou pesquisador
que age dessa forma? Essa é a atitude de um intelectual dogmático. Muitas
vezes, por falta de imaginação o dogmático prefere impor seu ponto de vista
a tolerar a perspectiva alheia. A sua tese, especificamente, é a que o que é
justificável, é auto-justificável. Não passa pela mente do intelectual
dogmático expor sua tese à crítica dos outros. Ele comete a falácia da
autoridade. Tudo é permitido em nome de uma autoridade. A
responsabilidade intelectual e a tolerância alcançam seu limite máximo.

3.3 Verdade

Outra condição para a ética na pesquisa é a verdade. Preferimos dizer que da


verdade provém duas atitudes de nossos intelectuais: uma é a atitude
dogmática e outra é a atitude cética. O intelectual age ou de uma forma ou
de outra. O fato de ser mais ou menos responsável e tolerante pode dirigi-lo
a uma ou a outra atitude.
Uma atitude dogmática coloca o intelectual a considerar por definição, que a
verdade provém de certezas. O que são certezas? São idéias que cremos que
são verdadeiras e que nunca poderão vir a serem falsas. Somos levados a
6

pensar, então, quem assumiria determinada posição hoje, em um mundo


que se diz tão pluralista. Sempre que um intelectual ou pesquisador pensar
que a sua idéia ou teoria deva ser defendida de modo a interromper todo o
processo de justificação do conhecimento, ele já estará assumindo uma
atitude dogmática. Ele precisa despertar desse ‘sono dogmático’. Ele quer e
ambiciona um conhecimento certo e seguro, e que não o coloque em uma
regressão infinita. Mas, a questão da verdade é mais delicada. Vamos supor
que, junto com o intelectual que assume uma atitude dogmática, possa
proclamar uma verdade absoluta. A questão é simples: mesmo que
tenhamos alcançado essa verdade absoluta, como poderemos dizer ou
expressar o conhecimento dessa verdade absoluta? Todos nossos critérios de
verdade são falíveis. Como saberemos se não nos enganamos? A atitude
dogmática do intelectual é desaprovável eticamente. Diz Popper (1981):
‘Mesmo quando expressamos a verdade mais absoluta, não o podemos
saber; ou seja, não o podemos saber com segurança, com certeza’. A ética
dogmática parte de idéias como a de autoridade do saber. Tens que saber
tudo do teu domínio, da tua disciplina. Deves proteger a autoridade dos teus
colegas. Deves encobrir os erros da autoridade; de possuir a verdade e a
certeza; a consolidação da verdade em uma demonstração lógica; não
devemos cometer erros. Essa ética tradicional é intelectualmente desonesta
e intolerante.

Uma atitude cética ou o intelectual cético pode ter um discurso catastrófico


sobre a realidade e uma tendência de não ver a verdade em lugar algum. No
entanto, ao contrário da atitude do intelectual dogmático, ele é um
intelectual que quer instigar, questionar, que não aceita a interrupção do
processo de justificação do conhecimento por qualquer motivo que seja, ele
é alguém que não se conforma com a realidade. O conhecimento para ele
não é certo e nem seguro. Ele pergunta: em que condições nós podemos
conhecer alguma coisa? Se não conseguirmos revelar essas condições, então
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não conhecemos nada. O ônus da prova cabe a quem diz que conhece
alguma coisa. É importante entendermos aqui que conhecimento não é
familiaridade com alguém ou alguma coisa; não é uma habilidade; mas é,
conhecimento proposicional (de proposições). A mera crença não é
conhecimento. O conhecimento é crença, verdadeira e justificada. Diz Platão
em seu diálogo sobre a ciência, o “Teeteto”: “Eu mesmo já ouvi alguém fazer
essa distinção, Sócrates; tinha-me esquecido dela, mas voltei-me a lembrar.
Dizia essa pessoa que a opinião verdadeira acompanhada de razão é ciência,
e que, desprovida de razão, a opinião está fora da ciência e que as coisas
que não é possível explicar são incognoscíveis (é a expressão que
empregava) e as que são possíveis explicar são cognoscíveis”4. O cético dirá
que há crença, verdadeira, mas que não é justificável5.

3.3.1 Verdade como aproximação

Da epígrafe colocada neste texto poderíamos dizer que, nunca chegaremos a


uma verdade absoluta, e, mesmo que já a tivéssemos alcançado não
saberíamos expressá-la. Há conseqüências interessantes dessa tese para nós
que somos intelectuais. Em primeiro lugar, devemos reconhecer a nossa
ignorância. Essa é uma atitude ética bem vinda. Nós temos que saber que
não podemos saber certo. A pesquisa não se constitui num saber certo. Todo
saber é suscetível de revisão. Não está imune a crítica. Portanto, fazemos
apenas conjecturas a respeito do comportamento da natureza e da
sociedade. Em segundo lugar, nós intelectuais ou pesquisadores não
sabemos mais que os outros, mas sim sabemos outras coisas, apenas. Uma
idéia substitui a outra, mas não significa que sabemos mais do que os
outros, mas apenas que estamos mais próximos da verdade do que os

4
Conferir Platão (1990, p. 159). Teeteto ou da Ciência.
5
Conferir Gettier (2004, p. 104-106) Como tentativas de resposta ao problema de
Gettier podemos referir: Pojman ( 2001. p.80-97 cap.7.).
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outros. Diz Popper (1981): ‘O melhor saber é uma melhor aproximação da


verdade’.
O papel do conceito de verdade é de uma idéia reguladora. Não há critérios
de verdade. A idéia de verdade como correspondência com os fatos foi
reabilitada por A. Tarski. Daí decorre que devamos assumir uma perspectiva
realista, porque é mais fácil descobrir que uma teoria é falsa do que
verdadeira. Diz Popper (1966): “Este ideal regulador de encontrar teorias
que correspondam aos fatos é o que faz da tradição científica uma tradição
realista: ela distingue entre o mundo de nossas teorias e o mundo dos fatos
a que essas teorias pertencem”. A aproximação maior da verdade de uma
teoria x do que a sua predecessora, irá ocorrer quando essa idéia resistir ao
exame crítico de forma mais eficaz. Estamos sempre na busca da verdade,
mesmo que saibamos que ela, por ser uma idéia reguladora, nunca será
alcançada definitivamente, como almejam os intelectuais dogmáticos.

4 Ética da discussão racional

A discussão racional pode ser entendida como sendo outra condição da ética
na pesquisa. A discussão racional é a busca da verdade e é norteada por
princípios éticos: (a) princípio da falibilidade: é possível que eu não tenha
razão e tu tenhas. Mas pode acontecer que ambos não tenhamos razão,
porque defendemos teses opostas; (b) o princípio da discussão racional:
temos que ponderar, o mais impessoalmente possível, os nossos argumentos
a favor e contra uma certa idéia ou teoria, passível de crítica, como diz
Popper; (c) o princípio da aproximação da verdade: através da discussão
objetiva aproximamo-nos quase sempre mais da verdade, conseguimos uma
mais perfeita compreensão, mesmo que não cheguemos a acordo porque
toda a discussão pode levar-nos a compreender alguns pontos fracos de
nossa posição. A ética se abraça nos seguintes quesitos: não existem
autoridades do saber; é impossível evitar todos os erros; é nosso dever
9

evitar, sempre que possível, os erros; as teorias melhor sucedidas podem


ocultar erros; temos que modificar nossa atitude perante aos erros; temos
que aprender com os nossos erros; devemos procurar constantemente
nossos erros; é um dever a atitude de autocrítica e a sinceridade; devemos
agradecer aos outros por nos apontarem os nossos erros. Nós podemos
cometer os mesmos erros que os outros; precisamos de tolerância, isto é,
precisamos dos outros e os outros de nós para descobrirmos e corrigirmos os
erros em ambientes e disciplinas distintas; a crítica racional deve ser sempre
específica. Deve ser norteada pela idéia de aproximação da verdade, objetiva
e impessoal. Em resumo: a ética científica é uma ética da discussão racional,
mas essa ética que Popper propõe é deontológica ou conseqüencialista?
Vejamos.

5 Uma ética deontológica ou conseqüencialista?

A ética de Popper sobre a pesquisa científica pode ser entendida como uma
ética deontológica ou conseqüencialista? Para um deontologista o que
interessa é o que fazemos e não o que acontece no mundo. A prioridade é de
evitar o mal, não interessando as conseqüências. Para a ética deontológica, o
sujeito não está sob a obrigação permanente de maximizar o bem. Cada
sujeito desenvolve os seus projetos e compromissos pessoais. O problema é
como resolver a rivalidade entre deveres, se o deontologista privilegia o
dever de beneficência? E, por outro lado, os deontologistas reconhecem
restrições centradas no agente, admitindo no mínimo uma restrição geral
contra maltratar os outros. Aqui o deontologista enfrenta o problema de
justificar a existência de restrições. Essas restrições são ou não são
absolutas. Uma das melhores defesas da posição absolutista é a de Charles
Fried (1978) que sustenta que em situações catastróficas o próprio
pensamento moral colapsa e, portanto, aquilo que o agente fizer não será
moralmente certo ou errado. Há, no entanto, os absolutistas moderados
10

como David Ross. As restrições dão origem não a deveres absolutos, mas a
deveres prima facie. Se em algumas circunstâncias as restrições podem
ceder, então é permissível violá-la. Mas se for assim estamos expostos à
intuição moral. Qual é o dever prima facie mais forte em determinada
situação? A pergunta leva ao problema da força das restrições. Por outro
lado, o deontologista se coloca frente a frente à questão da restrição geral
contra maltratar alguém. O alcance das restrições recai nas distinções entre
fazer / permitir e intenção / previsão. Assim, como podemos analisar a
distinção entre fazer o mal a alguém e permitir que alguém sofra um mal?
Outras restrições são ainda alvo de discussões como as restrições contra
mentir e as restrições contra quebrar promessas. Quais dessas restrições
podem traduzir o dever do sujeito consigo mesmo?

Se a ética de Popper for considerada deontológica, então o cientista deveria


se interessar pelo que ele faz e não pelo que acontece no mundo. O cientista
naquilo que ele faz, ele deve evitar o pior para as pessoas, não interessando
as conseqüências. Assim, o cientista deve desenvolver o dever da
beneficência.
Por exemplo, em uma ética kantiana, a ação moral não se deve a uma
inclinação, mas ao sentido do dever e na vontade. O sujeito não deve querer
qualquer tipo de reconhecimento ou satisfação de interesses próprios. A
motivação da ação moral é muito mais importante do que as conseqüências
dessa ação porque todas as pessoas podem ser morais. As conseqüências
estão muitas vezes fora de nosso controle e, portanto, não podem ser
cruciais para a moral. As emoções e os sentimentos estão também fora de
nosso controle e, portanto, não são importantes para a moral. O sujeito deve
entender a intenção da pessoa que realiza uma ação moral para saber se
essa ação é correta ou não. Assim, o cientista deve poder universalizar a sua
ação moral, se for correta. Diz Kant (1974, p 223-4ss.):
11

O imperativo categórico é portanto só um único, que é este:


age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo
tempo querer que ela se torne lei universal. (...) o imperativo
universal do dever poderia também exprimir-se assim: age
como se a máxima de tua ação se devesse tornar, pela tua
vontade, em lei universal da natureza.

É importante entender aqui que o imperativo categórico é um, mas as


máximas são muitas. Nosso dever é agir para universalizar nossas máximas.
Aquilo que nós não pudermos universalizar, não pode ser tomada como
máxima. A máxima é o princípio subjetivo da ação. Agora, os princípios
éticos da discussão racional de Popper podem ser tomados como máximas
que pertencem à subjetividade do cientista, e que podem ser universalizáveis
para todos os cientistas que pertencem à comunidade.
Neste sentido, o cientista popperiano pode universalizar os seus princípios
éticos de discussão racional porque podemos dizer que nunca alcançaremos
a verdade de uma forma absoluta e definitiva. Podemos apenas nos
aproximar da verdade. Como nós podemos nos aproximar da verdade, não é
uma questão ética, mas epistemológica. O segundo princípio é da discussão
racional. Os cientistas podem discutir racionalmente de maneira impessoal
vislumbrando as vantagens e desvantagens das teorias científicas e
metafísicas. Isso pode ser aplicável a todos. O terceiro princípio é da
falibilidade. Nós todos falhamos, erramos mais do que acertamos e por isso
mesmo devemos aproveitar os nossos erros em prol do progresso da ciência
e do bem estar das pessoas. Em resumo: os três princípios são
universalizáveis, isto é, são válidos para todos os cientistas e suas teorias.
Mas a ética kantiana, em sua noção de universalidade dos juízos morais,
enfrenta críticas: (i) É vazia; (ii) Não ajuda em uma tomada de decisão
moral; (iii) Os cientistas e a ciência, como atividade humana, são fins e não
meios; (iv) Não consegue resolver um conflito entre deveres. Por exemplo, o
que fazer quando dois deveres como, ‘devo dizer sempre a verdade’ e ‘devo
proteger meus amigos’, entrarem em conflito? ‘Se um louco com um
12

machado me perguntasse onde está o meu amigo, a minha primeira reação


seria mentir-lhe. Dizer a verdade seria fugir ao meu dever de proteger o meu
amigo (...) dizer uma mentira, mesmo numa situação-limite como esta, seria
uma ação imoral: tenho o dever absoluto de nunca mentir.’ (Warburton,
1988, p. 67-105) Deveriam os cientistas, médicos etc. terem dito a verdade
sobre as conseqüências da bomba atômica, do acidente de Chernobyl ou
deveriam proteger os seus colegas de profissão? Isso não é algo que se
reduz a somente médicos e cientistas, mas a todo e qualquer profissional de
uma determinada área. Dizer que não é um cientista, ou que não acredita na
ciência não ameniza a situação! Quanto ao critério de falseabilidade de
Popper, é ético para o cientista não dizer à comunidade científica que sua
teoria foi falseada por um único falseador potencial? Ou deveria ele esconder
o seu falseador potencial ou contra-exemplo? Deveria o cientista fraudar o
experimento que falsificou a sua teoria universal? De um ponto de vista
pragmático nenhum cientista aceitaria uma refutação por casos isolados.
Ficamos imaginando o que esse cientista faria. Do ponto de vista lógico, a
teoria está refutada ou falseada e não tem mais o que dizer. Deve ser
abandonada! Aqui há uma ponta de um iceberg que aparece. Esse é o
ceticismo.
Outro defeito da teoria ética de Kant é o papel atribuído às emoções e aos
sentimentos. ‘Kant afasta tais emoções como irrelevantes para a moral: a
única motivação apropriada para a ação moral é o sentido do dever. Sentir
compaixão pelos mais necessitados (...) não tem para Kant, nada a ver com
a moral.’ (Warburton, 1988, p. 79) Não estaria Kant negando um aspecto
central do comportamento moral? Para Popper, o cientista deve ser
impessoal na discussão racional. E isso parece identificá-lo com o
deontologismo de Kant. Podemos afastar nossas paixões, sentimentos e
emoções daquilo que fazemos, por mais racionais que possamos ser? Na
separação entre emoção e razão, essa dualidade dificilmente poderia ser
superada pela nossa lógica estabelecida. A nossa lógica, tal como é
13

estabelecida, restringe muito o conteúdo tratado e, apesar de apresentar o


conhecimento a respeito de um assunto com alguma segurança e garantia, o
que resulta é apenas uma posição dogmática do problema abordado. Por
outro lado, lógicas alternativas, como a dialética, ampliam muito o conteúdo
tratado, resultando uma posição de relativismo do problema abordado e não
apresentando nenhuma superação do ceticismo. Em resumo, o que aproxima
Popper de Kant é que em ambos podemos constatar que são indeterministas
quanto à ciência, mas deterministas quando se trata de moral.
Por que Popper não é um conseqüencialista? Para o conseqüencialista
devemos ajuizar as conseqüências de nossa ação. Segundo Pedro Galvão
(2006) , as teorias éticas consequencialistas têm três características
importantes: (i) aplicam-se diretamente a atos individuais; (ii) prescrevem a
maximização do bem, isto é, afirmam que os agentes morais estão sob a
obrigação permanente e ilimitada de dar origem aos melhores estados de
coisas ou situações; (iii) pressupõem uma teoria do valor que resulta numa
avaliação dos estados de coisas em termos estritamente impessoais. A teoria
ética que melhor representa essas características é o utilitarismo. O
utilitarismo pertence a perspectiva conseqüencialista. O conseqüencialismo
costuma ser entendido como um padrão que visa indicar as propriedades ou
fatores que tornam a ação moralmente certa ou errada. Qualquer ato que
não maximize o bem será considerado uma ação moralmente incorreta. O
conseqüencialista nada pode dizer acerca de tomada de decisões, porque é
limitado sob esse ponto de vista. Uma dificuldade de cálculo mais elementar
ocorre em relação à decisão de quais serão os efeitos de uma ação
particular. Como sabemos, em um conflito de decisões, qual é a decisão mais
acertada devemos tomar? Em uma perspectiva popperiana, a sua ética não
se aplica a atos individuais. Os cientistas ou seja quem for que estiver
disposto a uma discussão racional, não o faz isoladamente entre quatro
paredes tipo filósofo de poltrona. O principal argumento é que sua ética deve
condizer com a sua epistemologia. A discussão aberta que recebe e formula
14

a crítica, e que admite que tanto eu como tu podemos estar equivocados a


respeito de determinado assunto, tem como pano de fundo o objetivo de
fazer avançar a ciência. A discussão racional é uma ação moral e coletiva. A
ação moral é o compromisso do cientista perante a comunidade. A
responsabilidade de seus atos é avaliada pela comunidade científica e pela
sociedade. Em segundo lugar, a ética popperiana não está interessada em
maximizar o bem, e acrescentaríamos, nem mesmo a verdade. O interesse
de maximizar o bem e a verdade não condiz com uma discussão que procura
boas razões para crer e/ou fazer alguma coisa. Maximizar o bem e a verdade
não se constitui uma boa razão para crer e/ou fazer alguma coisa porque
pode levar a discussão racional à arrogância do dogmatismo, que é pouco
recomendável para cientistas. E em terceiro lugar, qual é a boa razão que
um cientista teria em ‘pressupor uma teoria hedonista do valor, segundo a
qual o prazer é o único bem fundamental e a dor o único mal’? Os
utilitaristas clássicos J. Bentham (1789), J. Stuart Mill (1861) e Henry
Sidgwick (1907) defenderam que agir corretamente é escolher, entre as
ações disponíveis, aquela que resulta no maior total de prazer.6 A discussão
racional não é uma questão de prazer ou dor. A discussão racional é uma
questão de responsabilidade intelectual e honestidade. O cientista poderia
achar agradável e útil praticar mais ações, como por exemplo, fraudar
experimentos, resultados estatísticos, etc. Essa se constitui uma ação
moralmente incorreta, porque o cientista pretende fugir da discussão racional
que é o seu parâmetro de conduta ética. Por fim, não nos parece que Popper
esteja interessado em considerar as conseqüências das ações dos cientistas.
A razão é simples: poderíamos ter controle de todas as implicações de
nossas ações morais, de nossas decisões? Negar a perspectiva sobre a forma
correta de tomar uma decisão, como o conseqüencialista faz, também não é
uma boa política. A tomada de decisão por parte do cientista e da

6
Conferir Galvão (2006).
15

comunidade deve ocorrer de acordo com os parâmetros racionais de uma


discussão racional.

6 A ética na pesquisa

Colocado em termos éticos é difícil definir uma diferença entre ciência e


falsidade. Quando estamos pensando na ética da pesquisa científica
trabalhamos no limite do que pode ser concebível. Somente a ética pode
tentar estabelecer os limites da ciência e da falsidade na pesquisa científica.
Mas, qual seria essa ética? Qual seria a atitude recomendável ao cientista? E
essa atitude poderia universalizar-se para outras formas de vida, em vista de
escaparmos do relativismo e evitarmos o ceticismo ético? Em um nível de
pesquisa científica, a nossa maior preocupação deveria ser a discussão ou
discurso racional. Essa foi a principal preocupação de Popper. Essa posição
tem finas ligações com a epistemologia popperiana. Mas, como explicar a
ligação da ética com a epistemologia? Esse é um outro assunto. A ação
moralmente correta do cientista é aquela que reconhece a falibilidade na
discussão. Isso poderá ser universalizável? Sim, porque isso estaria de
acordo com a posição deontológica de Popper.

7 Egoísmo e Altruísmo
A principal questão aqui é a seguinte: se tiver boas razões para crer ou fazer
algo, então devo crer e fazer o que é melhor para mim (egoísmo) ou o que é
melhor para os outros (altruísmo)? Há aqui uma questão conceitual que
poucos consideram, falo da diferença entre Egoísmo e Egotismo, antes de se
dizer algo sobre o altruísmo. O Egoísmo ético não é uma ação, não é uma
atitude, não é um traço de caráter, mas é uma teoria. O Egoísmo é
compatível com um sujeito que pode ser humilde e altruísta na prática. Não
é necessariamente egoístico, egocentrista ou narcisista. As teses do egoísmo
ético são as seguintes, conforme William K. Frankena (1969):
16

Ao considerar o indivíduo como agente moral, o egoísta ético


sustenta: (1) que a única e básica obrigação de um indivíduo é
conseguir, para si mesmo, a maior proporção possível de bem
em relação ao mal (...) Ele pode afirmar (2) que, mesmo
formulando juízos morais em segunda e terceira pessoas, um
indivíduo deve orientar-se pelo que redunda em sua própria
vantagem ou (3) que, ao formular tais juízos, um indivíduo
deve tomar em consideração o interesse da pessoa com quem
está falando ou de quem está falando.

A posição de Frankena é a de que o egoísmo ético define-se pelos princípios


(1) e (2) e que o princípio (3) choca-se com a teoria do egoísmo ético.
Segundo Frankena, quem assume a posição do egoísmo ético não está
adotando um princípio moral porque devemos estar prontos para
universalizar determinada máxima. Parece que Frankena assume a ética
kantiana ou no mínimo um deontologismo. Para Frankena, o egoísmo ético
sustenta que todos devem agir e julgar de acordo com um critério de
vantagem própria a longo alcance, em termos de bem e mal. Essa maneira
de encarar o egoísmo é equivocada, porque o sujeito só vê o seu lado,
parece um solipsismo autodestruidor.
A idéia é muito mais de um egoísmo negativo que chamaremos de Egotismo.
Tomar uma atitude egotista é assumir que eu posso enganar os outros em
meu próprio benefício, para satisfazer os meus próprios interesses. O mesmo
ocorre com toda a ação que inclui a exploração. O egoísmo, no sentido
positivo, diz que eu não posso satisfazer o meu interesse sem que os
interesses dos outros sejam satisfeitos. Mas como resolver quando houver
conflito de interesses entre o meu e dos outros? A ação será moralmente
incorreta. Por outro lado, a ação é moralmente correta se o meu interesse se
satisfizer de acordo e juntamente com o seu interesse. Portanto, para que
isso ocorra não pode haver conflito entre o meu e o seu interesse. Isso é
uma ética mínima da discussão, da convivência social entre pessoas e povos.
Se seguirmos o caminho da ética pela tese de Frankena, tal como ele define
17

o egoísmo, e qualquer perspectiva egocêntrica, só podemos entender como


egotismo. Como aponta R. Foley (1993), a perspectiva egocêntrica inclui
essencialmente um assunto de ser invulnerável a um certo tipo de
autocondenação intelectual. Essa autocondenação só pode ser evitada pela
reflexão. Só sou invulnerável à crítica se me coloco em reflexão. Diríamos
que um cientista só se torna invulnerável à autocrítica se ele for reflexivo
fazendo e dando o melhor de si, de seu esforço e usando o tempo que ele
dispõe. Mais ainda, a quantidade de reflexão que o cientista pode fazer
naquele momento e, o tipo de reflexão que ele está em condições de realizar
naquele momento, rege qualquer discussão racional de uma perspectiva
egocêntrica. Essa é uma ‘nova’ maneira de perceber a discussão racional: de
uma perspectiva egocêntrica, do indivíduo crente livre de distorções e
influências. A partir de uma meta a ser perseguida e alcançada. Uma meta
intelectual e de acordo com um sistema de crenças preciso e compreensível.
E a partir dos recursos pessoais, dados e informações que o cientista dispõe
naquele momento da reflexão de suas crenças.

8 Conclusão

No desenvolvimento deste texto analisamos as condições para a ética na


pesquisa com destaque para a responsabilidade intelectual, a tolerância e a
concepção de verdade como aproximação. A ação moralmente correta do
cientista é aquela que reconhece a sua falibilidade na discussão. As idéias e
argumentos de diferentes autores estudados neste artigo objetivam iniciar
uma discussão, muitas questões permanecem em aberto seja pela falta de
espaço de desenvolvimento seja pelo caráter não dogmático e definitivo que
defendemos.

Bibliografia
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FOLEY, R. Working Without a Net. A Study of Egocentric Epistemology. New
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