Vous êtes sur la page 1sur 17

1

A LITERATURA E A CRIANÇA

A Necessidade Infantil de Fantasia: Por que os Contos Encantam Tanto?

Um dos principais papéis dos pais e dos educadores é ajudar as


crianças a se conhecerem cada vez mais e, conseqüentemente aos outros e ao mundo
a sua volta também, ajudando-as a encontrarem significado na própria existência.
Nossa maior necessidade e mais difícil realização será encontrar um significado em
nossas vidas (BETTELHEIM, 2000, p.11).

Esse significado não adquirimos subitamente e nem vem junto com a


maturidade cronológica. Esse significado é o que constitui a maturidade psicológica.

Essa maturidade é um processo, ou seja, acontece dia-a-dia através


das experiências que vivemos, conforme vamos nos conhecendo e conhecendo
também as pessoas e o mundo à nossa volta.

É papel dos pais e educadores ajudarem nesse processo, ou seja,


ajudarem a criança a encontrar significado na sua existência e desenvolver sentimentos
positivos, como a esperança e a autoconfiança, facilitando seu processo de
individuação e de auto valorização, pois só através deles podemos viver e superar
obstáculos que inevitavelmente surgirão.

Ainda segundo Bettelheim (1988, p.15) a preocupação dos pais deveria


ser em formar o filho de forma que ele cresça satisfeito consigo mesmo, sendo capaz
de durante sua vida, enfrentar as dificuldades, sentindo-se seguro.

No entanto, a psicanálise veio mostrar que as coisas não são assim tão
simples quanto pregava o behaviorismo. A psicanálise mostra que os seres humanos
estão sempre acometidos de profundos conflitos internos. Isso acontece porque é muito
diferente o que realmente somos (nossa natureza humana) e o que devemos ser pelas
2

convenções sociais. Para se enquadrar o mais possível dentro do que é esperado de


nós, precisamos abrir mão de desejos egoístas, agressivos e anti-sociais, que nos são
inerentes, ressaltando os desejos tão legítimos quanto estes de ter ligações emocionais
estreitas.

Assim, exigimos de nós mesmos uma conduta perfeccionista,


mostrando apenas o que seria nosso lado bom, luminoso, positivo. E reprimimos
nossos impulsos de agressividade, sexualidade, desejos de vingança, etc. que
corresponderia ao nosso lado sombrio, obscuro, negativo. Ou seja, esses “dois lados”
do ser humano estão em constante conflito. Se queremos entender nosso eu
verdadeiro, devemo-nos familiarizar com os processos internos de nossa mente [...]
temos que integrar as tendências discordantes que são inerentes ao nosso ser
(BETTELHEIM, 2000, p.123).

Para que ao longo da vida, o indivíduo possa viver da melhor forma


possível com esses conflitos as primeiras experiências da criança são de extrema
relevância, devendo ser de qualidade e satisfatórias, pois são cruciais nesse processo.
Através dessas primeiras experiências é determinado principalmente o modo como o
indivíduo vai sentir a vida, como vai perceber as relações com outros indivíduos e se vai
se sentir aceito ou não pelos grupos onde vive.

Enquanto a história genética e evolutiva cria as potencialidades de um


indivíduo, sua história pessoal infantil, mais do que qualquer outra coisa que se
siga, é responsável pelas formas que essas potencialidades vão assumir na
realidade de sua vida. [...] A importância das primeiras experiências, portanto,
reside no fato de que preparam o cenário para tudo o que vem depois, e quanto
mais cedo elas acontecem, mais forte a sua influência (BETTELHEIM, 1988, p.
22).

Segundo a psicanálise, esses primeiros anos são tão importantes


porque serão determinantes na formação do inconsciente, que é o responsável pela
interpretação de toda nossa vida. E vale ressaltar que toda essa interpretação é
determinada pelas primeiras experiências do indivíduo e que a mente consciente é
sempre dominada em alguns aspectos pelo inconsciente. Como exemplo, podemos
3

citar que com base em como foram as primeiras experiências com os pais, o indivíduo
interpreta também sua relação com o mundo e outros sujeitos. Pode sentir-se aprovado
ou rejeitado a partir do que seu inconsciente lhe traz a respeito. O inconsciente
também é o determinante para sentimentos de fracasso ou possibilidade de sucesso, a
certeza de que é bom ou mau, digno ou não de amor, etc.

Por isso, podemos concluir que o desenvolvimento da auto-estima, a


percepção positiva de si mesmo, a percepção dos outros, a felicidade futura e a
segurança para enfrentar a vida, são em grande parte determinadas nesse período. Daí
a extrema importância de os pais e outros adultos ligados à criança passarem-lhe uma
visão de aprovação em relação a ela, para que possa ter uma visão positiva de si
mesma e do mundo.

O papel da literatura nos primeiros anos de vida

Segundo Bettelheim (2000), a literatura pode ser um excelente


instrumento para o desenvolvimento desse processo de auto conhecimento e auto
aceitação, especialmente com as crianças pequenas. Tanto para ele, quanto para
outros pesquisadores (especialmente psicanalistas e analistas junguianos) os contos de
fadas tradicionais são o que mais se aproximam das questões que necessariamente
precisam ser tratadas nessa fase de desenvolvimento. Através deles pode-se aprender
mais sobre os problemas interiores dos seres humanos. (BETTELHEIM, 2000, p. 13).

No entanto, antes de nos aprofundarmos na questão da literatura e dos


contos de fadas, é preciso lembrar que nenhum conto sozinho fará com que a criança
desenvolva os sentimentos positivos que citamos. É preciso que os pais e educadores
mostrem verdadeiramente confiança na criança e a ensinem a ter esperança no futuro.
Os contos de fadas são instrumentos excelentes, no entanto, não terão nenhum efeito
se a criança viver num ambiente hostil. É preciso que as crianças tenham acesso a
eles, juntamente com a convivência e apoio dos pais e educadores que realmente
queiram agir de forma positiva na sua formação.
4

Os contos podem ser assim tão importantes e ricos porque não têm
apenas a função de divertir e distrair as crianças, mas têm também a dimensão
pedagógica e psicológica de esclarecer e integrar os sentimentos e de elaborar
inconscientemente os sonhos e as fantasias infantis. Assim, os contos têm uma função
extremamente importante na constituição da personalidade do indivíduo, pois além de
alimentar a imaginação e estimular as fantasias, os contos de fadas refletem sobre as
questões mais importantes da criança e contribuem para a construção de uma
consciência mais madura, capaz de civilizar as pressões caóticas de seu inconsciente.
Como já citamos, a influência do inconsciente é muito grande, portanto, quanto mais
“organizado” estiver, melhor será sua interferência na vida do indivíduo.

Ao ouvi-los, cada criança aplica a seu modo e a seu mundo os


conteúdos dos contos, pois esses são capazes de auxiliar a criança a colocar em
ordem seus sentimentos, suas angústias. Quando uma criança pede para repetir muitas
vezes a mesma história está fazendo justamente isso: Introjetando a história e
organizando os sentimentos que esta veicula, está organizando seu superego. Por isso
a importância dos contos estarem presentes na vida da criança desde a fase anal (por
volta dos dois anos), onde começa a se dar essa estruturação, embora o efeito benéfico
dos contos atinja seu ápice um pouco mais tarde, por volta dos cinco anos, como
trataremos mais tarde.

Os contos fascinam porque seus enredos falam de sentimentos comuns


a todos nós, como ódio, inveja, ciúme, ambição, rejeição e frustração, mas de maneira
simbólica e que podem ser compreendidos e trabalhados pela criança através das
emoções e da fantasia. Os contos de fadas funcionam como instrumentos para a
descoberta desses sentimentos dentro dela. Mergulhando nesse faz-de-conta, a criança
dá vazão às próprias emoções, ensaia papéis diversos.

Nas crianças pequenas o ID é a estrutura predominante. Para a


psicanálise, nossa psique se constitui de três estruturas dinâmicas, o ID (princípio do
5

prazer), o EGO (princípio da realidade) e o SUPEREGO (princípio moral). Dessas três


estruturas, nascemos apenas dotados do ID, sendo que as outras duas estruturas terão
de ser construídas na relação do sujeito com o mundo que o cerca.

O ID é a fonte de nossa energia original (libido), que nos sustenta e


motiva a movermos em direção ao mundo, buscando satisfazer nossos desejos
(pulsões). Mas o ID não se preocupa que esses desejos se realizem de forma concreta.
Ele se satisfaz com realizações alucinatórias, através de imagens que condensam
muitos desejos num só objeto criado pela imaginação. Também não se preocupa com
tempo e espaço. Para o ID, tudo o que acontece é aqui e agora.

As crianças pequenas, que passarão ainda por longo processo de


sublimação dos desejos libidinais do ID, estão sob forte influência desse aparelho de
nossa mente, e a linguagem simbólica, não-verbal dos contos de fadas, comunica-se
diretamente com o imaginário da criança.

Uma criança pequena ainda não vê o mundo racionalmente, por isso,


entende e valoriza mais o que o conto de fadas lhe diz do que qualquer explicação
baseada em raciocínio lógico, feito por um adulto. A preocupação dos contos não é uma
informação útil sobre o mundo exterior, mas sobre os processos interiores que ocorrem
num indivíduo, ou seja, não estão, em princípio preocupados com a possibilidade, mas
com a desejabilidade. Por isso, ler e se encantar com um conto, não significa acreditar
nos feitos heróicos e nos encantamentos que as histórias descrevem. Essas coisas não
são verdades objetivas, mas sim, verdades subjetivas narradas na linguagem dos
símbolos, por isso, atingem faixas para além do consciente. Além disso, os contos
respondem de forma sugestiva a questões cruciais da vida humana, não dão “uma
receita” de como devemos proceder mas sim abre espaço para que a criança aplique a
fantasia à sua vida, como melhor lhe convir.

Explicações realistas e racionais não fazem sentido para as crianças,


isso ocorre porque elas ainda não têm um pensamento abstrato que seria capaz de dar
6

conta dessas questões, assim, só poderão mesmo vivenciar o mundo de forma


subjetiva, formando conceitos muito pessoais e somente sobre aquilo que experimenta,
embora desde muito cedo já esteja cercada de questões profundas sobre si mesma.

Todos os conflitos humanos circulam pelos contos de fadas através da


fantasia, única forma que o pensamento infantil admite. A eterna solução final positiva
passa para a criança uma imagem otimista do mundo, fazendo-a perceber que os
problemas existem, mas que eles devem ser enfrentados e podem ser sempre
solucionados. Assim sendo, o nível de compreensão infantil é respeitado e a fantasia,
presente nas histórias, não representa fuga do real, mas justamente a forma mais
apropriada para a sua percepção.

A importância da fantasia a caminho do pensamento racional

A mentalidade infantil repete alguns aspectos da mentalidade do


homem primitivo, já que ambos pensam por imagens e não por raciocínios. (Wallon,
apud Jesualdo, 1982).

O homem primitivo usava o maravilhoso para tecer explicações que


necessitava diante do mundo. Diante de fatos que o angustiava, o amedrontava, para
não se sentir desamparado no mundo, criava explicações mágicas para “se proteger”.
Por isso a criação dos mitos, como forma de “explicar” o mundo. Explicação essa que
não era baseada no pensamento lógico, mas sim na emoção e na afetividade. Segundo
Campbell (1990) o sonho é um mito individual e os mitos são sonhos coletivos. O
mesmo acontece com os contos de fadas, que falam tanto de uma realidade individual
quanto coletiva.

É mesmo desejável que cada ser humano passe pelo mesmo processo
da humanidade em busca do pensamento científico, em âmbito particular, ou seja, é
preciso que cada indivíduo acredite em seres, coisas e situações fantásticas para que
7

possa ter um sentimento de segurança. Com o tempo, assim como aconteceu com a
humanidade, abandona progressivamente essa visão e adota um pensamento racional.

Por isso, enquanto a criança não se sente segura em seu mundo, não
pode entendê-lo, precisa acreditar e encontrar explicações sobrenaturais para seus
anseios.

Dos quatro anos até a puberdade, o que a criança mais espera é que
alguém lhe apresente soluções para seus problemas (especialmente os complexos
edípicos). Essas soluções serão mais significativas para a criança se forem
apresentadas por imagens simbólicas. A criança busca a certeza de que seus dilemas
terão uma solução feliz.

Para a busca de soluções, para o enfrentamento de problemas e


dificuldades é preciso primeiramente que o indivíduo encontre segurança dentro de si
mesmo, só a partir daí é que poderá sentir-se apto a seguir seus próprios caminhos. No
entanto, ninguém trilha um caminho partindo do nada. Modelos e sugestões são
necessários.

Com o conto de fadas, a criança facilmente se identifica com os


personagens que também passam por dificuldades e que transmitem a mensagem de
que é possível vencer. O fato de nos contos os personagens não terem um nome,
permanecerem anônimos, é, apesar de parecer um detalhe, de extrema importância.
Isso faz com que as identificações e projeções sejam facilitadas.

Daí a importância de que a criança tenha o direito assegurado de


acreditar no “maravilhoso”, o direito alienável de ousar e o direito à imaginação livre. O
maravilhoso nessa fase é que vai lhe transmitir segurança. Segurança essa que ela
ainda não possui por si só. Fato que se dá também porque sua mente é um conjunto de
impressões e imagens desordenadas. Nesse conjunto encontram-se aspectos da
realidade, mas essencialmente estão aí elementos completamente fantasiosos. Pela
8

imaturidade de seu pensamento, muitas coisas não podem ser compreendidas por ela.
Essas incompreensões são preenchidas pela fantasia. Esse processo ocorre em toda
criança normal, a partir de um fato real (entendido ou não por ela) nasce a fantasia.

Além disso, seu raciocínio ainda não é totalmente controlado, por isso,
assim que começa a pensar sobre uma situação e suas soluções, a isso se junta seus
mais variados sentimentos: medo, ansiedade, amor, desejo, ódio, etc.

Na infância, o impulso imaginativo é muito grande, se manifestando


muito claramente em suas brincadeiras, mas também fora delas.

No entanto, não basta encorajarmos as fantasias individuais de cada


criança, permitindo que ela desenhe, brinque, invente histórias (considerando que tudo
isso, especialmente o brincar são de importância cruciais para o desenvolvimento
integral da criança). Além disso, tudo, é preciso que elas tenham acesso ao que
Bettelheim (2000) chamou de nossa herança comum de fantasias, como os contos de
fadas, pois precisam de fantasia para se estruturarem.

Jesualdo (1982) cita um processo ao qual denomina-se “fabulação”, o


que seria uma tendência à criação e ao relato de fatos imaginários. Tendência essa,
que faz parte do processo evolutivo do ser humano. Portanto, mesmo que a criança
seja impedida de conviver com a fantasia, ainda assim o processo de “fabulação”
ocorre em sua psique.

A respeito dessa necessidade, podemos citar também Jung (1986)

...podemos ocultar a uma criança os conteúdos dos antigos mitos, mas não
livra-la da necessidade de mitologia e muito menos da capacidade de cria-la.
[...] Só poucos indivíduos, num período de certo orgulho intelectual, conseguem
desfazer-se da mitologia, a massa nunca se liberta.

Segundo a psicanálise, os humanos são seres “desejantes”, ou seja,


perseguem objetos de desejo que estão fadados a não alcançar e seguem incompletos.
9

O maravilhoso e a fantasia são o contra ponto dessa incompletude, pois


é justamente neles que o homem, através do símbolo, encontra um apaziguamento
para as ansiedades geradas pela impossibilidade de se completar no plano real. A
fantasia também torna suportáveis as frustrações experimentadas na realidade. O
homem se compensa através da fantasia. (JUNG, 1986).

Podemos concluir, portanto, que durante toda a vida a fantasia tem seu
espaço, que obviamente deve ser maior na infância. Sem fantasias para nos dar
esperanças, não temos forças para enfrentar as adversidades da vida. A infância é a
época em que estas fantasias precisam ser nutridas (BETTELHEIM, 2000, p.152).

Através da fantasia a criança compensa as pressões de sua vida real e


também de seu inconsciente e estar privado dela pode acarretar graves conseqüências.

Os contos, por serem otimistas e transmitirem uma mensagem de


felicidade e realização, se aproximam da realidade das crianças e adolescentes, que
buscam e necessitam de imagens simbólicas que reasseguram a existência de uma
solução feliz para seus problemas.

Durante um tempo foi comum termos a discussão sobre a utilidade ou


nocividade da fantasia para as crianças. Muitos pais e educadores, ainda hoje, querem
as crianças pensando como eles, esquecendo-se (ou desconhecendo) que as
estruturas de pensamento de crianças e adultos são muito diferentes. Assim, querem
forçar uma “racionalidade” nas crianças, quando ainda não são capazes de tal
processo. A racionalidade prematura, como todas as outras experiências do gênero,
deixa-nos pouco preparados para lidar com as excentricidades e vicissitudes da vida
posterior (BETTELHEIM, 1988, p. 340).

Acreditando que “deixando a fantasia para trás” as crianças estarão


mais maduras, os pais contribuem justamente para que ocorra o contrário: estudos
10

revelam que indivíduos que são privados de fantasia tornam-se adultos mais inseguros
em relação a si mesmo e a sua vida. Para Bettelheim (2000), sem a fantasia, as
pessoas ficarão inaptas para enfrentar os rigores da vida adulta. Inaptidão essa que
pode levá-las a buscarem fuga nas drogas, em seitas, na astrologia e tantas outras
maneiras para escapar da realidade, refugiando-se em uma profunda fantasia (que lhe
foi negada) para escapar da realidade e se sentirem de alguma forma melhores e mais
seguras.

Além disso, comparando os contos com os sonhos, podemos ter uma


idéia da importância da necessidade da fantasia. Alguns estudos mostram a
importância do sonho para o desenvolvimento da habilidade de lidar com a realidade.
Isso se dá porque através dele podemos elaborar problemas inconscientes. Bettelheim
(2000) acredita que os contos de fadas tenham o mesmo efeito sobre a criança,
ajudam-na a elaborar, na fantasia, as pressões inconscientes.

Crianças que desenvolvem ricamente sua capacidade de fantasia


(especialmente através dos contos), têm os escapes necessários para suas ansiedades
e ódios, assim como são auxiliadas a vencerem a rejeição, os conflitos edípicos ou a
rivalidade com irmãos. Os contos aliviam as pressões exercidas por esses problemas,
favorecem a recuperação, incutindo coragem nas crianças, mostrando-lhes que é
sempre possível encontrar saídas.

Para dominar problemas psicológicos do crescimento – superar decepções


narcisistas, dilemas edípicos, rivalidades fraternas, ser capaz de abandonar
dependências infantis, obter um sentimento de individualidade e de
autovalorização, e um sentimento de obrigação moral – a criança necessita
entender o que está se passando dentro de seu eu inconsciente (BETTELHEIM,
2000).

No entanto essa compreensão não se dá através de explicações


racionais, mas sim através de devaneios e da fantasia. Mas a fantasia e o maravilhoso
não estão no cotidiano real e sim no imaginário e no simbólico.
11

Os contos de fadas entram justamente aí, têm linguagem simbólica, e


por isso representam conteúdos inconscientes. Assim sendo, estudiosos afirmam que
os contos representam realmente o inconsciente profundo da humanidade e em
conseqüência disso perduram até hoje, trazendo respostas às nossas inquietudes e
soluções e esperanças para nossos conflitos.

O estudo destas estruturas psicológicas populares (contos, mitos, etc.), forma


alguma está concluído, mas é bem provável que os mitos correspondam aos
restos desfigurados de fantasias correspondentes a desejos de nações inteiras,
aos sonhos seculares da jovem humanidade (Freud in JUNG, 1986, p. 20).

A criança precisa de recursos interiores para entender e viver sua


realidade, realidade essa que é muito complexa para ela e que a faz ter os sentimentos
mais diversos.

Para pôr ordem nesses sentimentos, a criança precisa de ajuda, o que


fará com que mais tarde ela consiga dar conta disso tudo sozinha.

Todos que convivemos de alguma forma com crianças, com certeza


presenciamos cenas em que, tomadas de um interesse enorme, ficam em silêncio para
ouvirem uma história. Diante desse interesse tão incomum, podemos concluir que no
mínimo, as histórias falam ao mundo da criança de forma muito íntima.

Podemos afirmar então, que as histórias atingem a criança a nível


emocional e cognitivo. Durante uma história o individuo se envolve em situações
diferentes da que vive na realidade, experimentando emoções e sentimentos que na
verdade podem nem estar presentes na sua vida real.

Através da personagem, de seus problemas, suas dificuldades, a


criança consegue entender e visualizar seus próprios problemas.

Bettelheim (2000) nos coloca que a criança precisa verdadeiramente de


uma educação moral. No entanto, essa educação só será eficaz se acontecer de forma
12

implícita e sutil e não através de conceitos abstratos transmitidos pelos adultos. Ou


seja, essa educação, esses conceitos devem ser significativos, ao nível de pensamento
e raciocínio da criança, trazendo sugestões de forma simbólica de como ela deve agir.
Aí mais uma vez os contos de fadas são importantes, pois trazem esse significado.
Uma criança confia no que o conto de fadas diz porque a visão de mundo aí
apresentada está de acordo com a sua (BETTELHEIM, 2000). E estando de acordo
com o nível de pensamento infantil, confronta a criança com as reais dificuldades da
vida: morte, perdas, envelhecimento, etc. Passam a mensagem implícita de que as
dificuldades são normais na vida e que as outras pessoas também sentem o que ela
sente; seus medos, suas ansiedades e angústias são naturais.

...(os contos) falam de suas pressões internas graves de um modo que ela
inconscientemente compreende e – sem menosprezar as lutas interiores mais
sérias que o crescimento pressupõe – oferecem exemplos tanto de soluções
temporárias quanto permanentes para dificuldades prementes (BETTELHEIM,
2000, p.14).

Relação conto X criança

Através dos conflitos e dos problemas dos personagens, é possível


organizar os próprios conflitos. Além disso, é mais fácil e muito menos assustador falar
de problemas, mas problemas que não são seus.

...Através desse envolvimento intelectual, emocional e imaginativo, experimenta


fatos, sentimentos, reações de prazer ou frustrações podendo, assim, lembrar,
antecipar e conhecer algumas das inúmeras possibilidades do destino humano.
Pelo processo de ‘viver’ temporariamente os conflitos, angústias e alegrias dos
personagens da história, o receptor multiplica as suas próprias alternativas de
experiências do mundo, sem que com isso corra algum risco (AMARILHA, 2001,
p.19).

Quando se identifica com os personagens, a criança (como qualquer


outro leitor) se projeta neles. Acontece aí um “jogo de ficção” (jogo ficcional). Esse jogo
só ocorre porque há um fascínio grande sobre o ouvinte.
13

Esse jogo faz com que a criança “viva” situações que poderão ou não
acontecer com ela, antecipando estratégias, testando soluções, pois nesse faz-de-conta
o leitor ou ouvinte é senhor absoluto da situação.

Quando uma criança se identifica com o herói do conto de fadas, realiza


através dessa identificação uma compensação do que não a satisfaz em sua realidade
e em seu próprio corpo. Na sua fantasia pode mudar conforme queira (tornar-se mais
poderosa, forte ou bonita) e realizar as proezas que quiser. Essa fantasia, esse
imaginar, ao contrário do que pode parecer, faz com que, ao voltar a realidade, a
criança sinta-se mais satisfeita consigo mesma, tal como é.

Esse mesmo processo ocorre com o próprio herói da história. Para


vencer as dificuldades de seu caminho, ele usa sua força, poder, esperteza ou beleza
fora do comum. Ao final da história ele geralmente torna-se um mero mortal, ou seja,
não mais seus atributos extraordinários são importantes, na grande maioria das
histórias essas características não são nem mais citadas. Fato que deixa implícito a
satisfação do herói com seu corpo e sua identidade, o que só é possível porque ele
adquiriu segurança em si mesmo.

A ficção, a fantasia, existe exatamente para permitir às pessoas viverem


além de seu mundo real, experimentar outras situações, superar os limites físicos de
sua condição e desafiá-la a enxergar além do imediato (AMARILHA, 2001).

Nesse contato com a história, a criança (como na brincadeira) entra em


contato com o simbólico e transfere para o real situações imaginárias, quando se
“veste” do personagem. É nessa brincadeira, nessa atividade lúdica que a literatura
proporciona à infância um ensaio geral (AMARILHA, 2001, p.54).

A criança pode viver nos personagens, viver o que mais atrai no livro,
lidando com diversos sentimentos da sua forma, sem ser assistida, sem ser
14

repreendida. Mas mesmo assim, mantém-se conectada ao real, não perde a


consciência do que é real e do que é ficção.

Por volta dos quatro ou cinco anos os contos começam a ser mais
significativos para a criança, a exercer seu impacto benéfico (BETTELHEIM, 2000,
p.24). No entanto alguns medos são “eternos” e não restritos apenas a algumas fases.
Por isso os contos são importantes e têm significados também para as crianças
maiores e até mesmo para adultos. Isso porque, depois de uma certa idade é muito
difícil admitir a nível consciente alguns medos, como o medo de ser abandonado, por
exemplo. Com os contos esses medos são trabalhados apenas a níveis inconscientes.
Além disso, a fantasia é importante durante toda a vida. É claro que em níveis
diferentes, sendo muito mais intenso na infância, mas mesmo na fase adulta a fantasia
é necessária. Freud estabelece uma relação entre o brincar e a fantasia, alegando que
a fantasia toma, no adulto, o lugar e a função do brincar, ou seja, o ir e vir prazeroso ao
imaginário.

Durante toda a vida o indivíduo “aprende” com os personagens dos


contos e seus conflitos. O personagem pode emprestar ao receptor sua grandeza e
seus limites, vislumbrando outras formas de viver e ver o mundo, o que uma simples
existência não daria conta de experimentar (AMARILHA, 2001, p. 19). Isso acontece
porque ao ouvir ou ler uma história, o indivíduo penetra realmente num mundo de faz-
de-conta. E sem dúvida, os contos de fadas fazem isso brilhantemente, sendo antídotos
mais eficientes contra as angústias e temores infantis, levando-a ao contato com a
fantasia, essencial para o desenvolvimento emocional da criança.

Um mesmo conto, ouvido em diferentes etapas da vida é interpretado e


tem efeitos diferentes para um mesmo indivíduo.

Como toda grande arte, o significado mais profundo do conto de fadas


será diferente para cada pessoa e diferente para a mesma pessoa em vários
momentos de sua vida. Assim, ao ouvir um conto, cada indivíduo se apropria dele, de
15

sua mensagem implícita de acordo com o que vive no momento, dependem de seu
esquema geral de referência e de suas preocupações pessoais. Portanto, é difícil
precisar qual história é mais indicada para uma criança de determinada idade, depende
inteiramente de seu estágio psicológico de desenvolvimento e dos problemas que mais
a pressionam no momento (BETTELHEIM, 2000, p.21-23).

Quando uma criança tem acesso apenas a histórias realistas, que na


verdade, são falsas para partes importantes de sua realidade interna, ela pode acreditar
que seu mundo interior, seus conflitos não são importantes para seus pais e mais tarde,
na adolescência, por exemplo, tentar compensar a fantasia que não teve na infância,
escapando para um mundo de fantasia. Mais tarde, quando adulto pode ocorrer
situação ainda mais grave: o rompimento severo e total com a realidade.

Contos de fadas X histórias realistas

As histórias realistas podem sem dúvida, agradar muito as crianças também.


Mas a forma de como tratam as mais variadas questões é muito distante da forma
como é o pensamento da criança, essas histórias informam sem enriquecer, como
infelizmente é também verdadeiro em relação a muito do que se aprende na escola
(BETTELHEIM, 2000, p.69). Muitas vezes essas histórias são muito superficiais, não
abrindo espaço para que a criança possa extrair delas um significado pessoal e
profundo.

No entanto, acreditar que por isso não se deva contar às crianças esse tipo de
histórias seria tão tolo quanto acreditar que os contos de fadas podem ser nefastos a
elas. É preciso que os adultos estejam cientes das qualidades e “utilidades” desses dois
tipos distintos de literatura.

Quando as histórias realistas são combinadas com a exposição ampla e


psicologicamente correta aos contos de fadas, a criança recebe informação que
fala a ambas as partes de sua personalidade nascente – a racional e a
emocional (BETTELHEIM, 2000, p.70).
16

Assim, as crianças sadias são capazes de extrapolar (e muito) as fronteiras do


mundo em que vivem, são capazes de fazer a passagem da fantasia para a realidade e
encontram nos contos de fadas substrato suficiente para elaborar esta transposição.

Portanto, o medo que alguns pais e educadores ainda têm, de permitir que suas
crianças mergulhem muito profundamente num mundo de fantasia e se prejudiquem, é
infundado. Toda criança precisa de fantasia, de mágica e acreditam nelas, com o tempo
deixam de acreditar, com exceção das que foram muito decepcionadas com a realidade
e não conseguiram confiar nas suas recompensas.

Além disso, a criança tenta entender e organizar a realidade com base em seus
esquemas, sua visão, ou seja, na verdade é uma organização fantasiosa da realidade,
a partir do que ela vê como real.

É comum também as histórias “realistas” terem a preferência de pais e


educadores por deixarem as crianças a salvo dos “monstros” de que falam os contos de
fadas. Isso porque muitas pessoas consideram prejudicial à criança falar com ela sobre
monstros, medos, morte, etc. No entanto, esses “monstros” forem mantidos apenas
dentro da criança, nós a impedimos de elaborar esse turbilhão por meio da fantasia,
sendo que poderíamos oferecer a ela imagens simbólicas dos contos que tanto a
ajudariam.

Sem essas fantasias, a criança não conhece esse “monstro” interno que a
assusta e o que é pior: não aprende a lidar com ele.

Não alimentando a imaginação da criança, espera-se extinguir os gigantes e


ogros dos contos de fadas – isto é, os monstros das trevas que residem no
inconsciente – de forma a impedir que estes obstruam o desenvolvimento da
mente racional da criança. [...] Em resumo, a criança supostamente reprimiria
suas fantasias desagradáveis e só teria as agradáveis (BETTELHEIM, 2000, p.
151, 152).
17

No entanto a psicanálise, em suas descobertas revelou que a mente da criança,


ao contrário do que se imaginava tem nuances violentas, destrutivas e até mesmo
sádicas. A partir desses conhecimentos, é fácil entender como os contos de fadas falam
intimamente à vida interior mental da criança. Não será não falando desses sentimentos
que eles não existirão. Pelo contrário, não falando deles, a criança fica sem saber como
lidar com eles fica impotente diante de suas piores ansiedades. Essa idéia de que se
pode reprimir o Id e seus conteúdos inconscientes é completamente errônea. O
inconsciente é o que oferece matéria-prima que servirá de base para a construção do
ego e as fantasias são o que há de mais rico dentro desse conteúdo. Sem elas, a vida
fica limitada.

Em muitas situações da vida, a fantasia é que torna possível de serem vividas e


superadas as frustrações da realidade. Só as esperanças e fantasias exageradas
acerca de realizações futuras podem equilibrar os pesos, de modo à criança poder
prosseguir vivendo e lutando. (BETTELHEIM, 2000, p.156).

Por isso os contos serem de extrema importância durante o período de conflitos


edípicos, pois eles sugerem à criança como conviver com esses conflitos, através de
fantasias que ela impossivelmente teria sozinha.

Queremos mais uma vez ressaltar a importância legítima das histórias realistas.
Elas têm um valor imensurável em vários aspectos do desenvolvimento da criança e
devem ser usadas por pais e educadores. O que se deve conservar sempre é o bom
senso.

Vous aimerez peut-être aussi