Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
A LITERATURA E A CRIANÇA
No entanto, a psicanálise veio mostrar que as coisas não são assim tão
simples quanto pregava o behaviorismo. A psicanálise mostra que os seres humanos
estão sempre acometidos de profundos conflitos internos. Isso acontece porque é muito
diferente o que realmente somos (nossa natureza humana) e o que devemos ser pelas
2
citar que com base em como foram as primeiras experiências com os pais, o indivíduo
interpreta também sua relação com o mundo e outros sujeitos. Pode sentir-se aprovado
ou rejeitado a partir do que seu inconsciente lhe traz a respeito. O inconsciente
também é o determinante para sentimentos de fracasso ou possibilidade de sucesso, a
certeza de que é bom ou mau, digno ou não de amor, etc.
Os contos podem ser assim tão importantes e ricos porque não têm
apenas a função de divertir e distrair as crianças, mas têm também a dimensão
pedagógica e psicológica de esclarecer e integrar os sentimentos e de elaborar
inconscientemente os sonhos e as fantasias infantis. Assim, os contos têm uma função
extremamente importante na constituição da personalidade do indivíduo, pois além de
alimentar a imaginação e estimular as fantasias, os contos de fadas refletem sobre as
questões mais importantes da criança e contribuem para a construção de uma
consciência mais madura, capaz de civilizar as pressões caóticas de seu inconsciente.
Como já citamos, a influência do inconsciente é muito grande, portanto, quanto mais
“organizado” estiver, melhor será sua interferência na vida do indivíduo.
É mesmo desejável que cada ser humano passe pelo mesmo processo
da humanidade em busca do pensamento científico, em âmbito particular, ou seja, é
preciso que cada indivíduo acredite em seres, coisas e situações fantásticas para que
7
possa ter um sentimento de segurança. Com o tempo, assim como aconteceu com a
humanidade, abandona progressivamente essa visão e adota um pensamento racional.
Por isso, enquanto a criança não se sente segura em seu mundo, não
pode entendê-lo, precisa acreditar e encontrar explicações sobrenaturais para seus
anseios.
Dos quatro anos até a puberdade, o que a criança mais espera é que
alguém lhe apresente soluções para seus problemas (especialmente os complexos
edípicos). Essas soluções serão mais significativas para a criança se forem
apresentadas por imagens simbólicas. A criança busca a certeza de que seus dilemas
terão uma solução feliz.
imaturidade de seu pensamento, muitas coisas não podem ser compreendidas por ela.
Essas incompreensões são preenchidas pela fantasia. Esse processo ocorre em toda
criança normal, a partir de um fato real (entendido ou não por ela) nasce a fantasia.
Além disso, seu raciocínio ainda não é totalmente controlado, por isso,
assim que começa a pensar sobre uma situação e suas soluções, a isso se junta seus
mais variados sentimentos: medo, ansiedade, amor, desejo, ódio, etc.
...podemos ocultar a uma criança os conteúdos dos antigos mitos, mas não
livra-la da necessidade de mitologia e muito menos da capacidade de cria-la.
[...] Só poucos indivíduos, num período de certo orgulho intelectual, conseguem
desfazer-se da mitologia, a massa nunca se liberta.
Podemos concluir, portanto, que durante toda a vida a fantasia tem seu
espaço, que obviamente deve ser maior na infância. Sem fantasias para nos dar
esperanças, não temos forças para enfrentar as adversidades da vida. A infância é a
época em que estas fantasias precisam ser nutridas (BETTELHEIM, 2000, p.152).
revelam que indivíduos que são privados de fantasia tornam-se adultos mais inseguros
em relação a si mesmo e a sua vida. Para Bettelheim (2000), sem a fantasia, as
pessoas ficarão inaptas para enfrentar os rigores da vida adulta. Inaptidão essa que
pode levá-las a buscarem fuga nas drogas, em seitas, na astrologia e tantas outras
maneiras para escapar da realidade, refugiando-se em uma profunda fantasia (que lhe
foi negada) para escapar da realidade e se sentirem de alguma forma melhores e mais
seguras.
...(os contos) falam de suas pressões internas graves de um modo que ela
inconscientemente compreende e – sem menosprezar as lutas interiores mais
sérias que o crescimento pressupõe – oferecem exemplos tanto de soluções
temporárias quanto permanentes para dificuldades prementes (BETTELHEIM,
2000, p.14).
Esse jogo faz com que a criança “viva” situações que poderão ou não
acontecer com ela, antecipando estratégias, testando soluções, pois nesse faz-de-conta
o leitor ou ouvinte é senhor absoluto da situação.
A criança pode viver nos personagens, viver o que mais atrai no livro,
lidando com diversos sentimentos da sua forma, sem ser assistida, sem ser
14
Por volta dos quatro ou cinco anos os contos começam a ser mais
significativos para a criança, a exercer seu impacto benéfico (BETTELHEIM, 2000,
p.24). No entanto alguns medos são “eternos” e não restritos apenas a algumas fases.
Por isso os contos são importantes e têm significados também para as crianças
maiores e até mesmo para adultos. Isso porque, depois de uma certa idade é muito
difícil admitir a nível consciente alguns medos, como o medo de ser abandonado, por
exemplo. Com os contos esses medos são trabalhados apenas a níveis inconscientes.
Além disso, a fantasia é importante durante toda a vida. É claro que em níveis
diferentes, sendo muito mais intenso na infância, mas mesmo na fase adulta a fantasia
é necessária. Freud estabelece uma relação entre o brincar e a fantasia, alegando que
a fantasia toma, no adulto, o lugar e a função do brincar, ou seja, o ir e vir prazeroso ao
imaginário.
sua mensagem implícita de acordo com o que vive no momento, dependem de seu
esquema geral de referência e de suas preocupações pessoais. Portanto, é difícil
precisar qual história é mais indicada para uma criança de determinada idade, depende
inteiramente de seu estágio psicológico de desenvolvimento e dos problemas que mais
a pressionam no momento (BETTELHEIM, 2000, p.21-23).
No entanto, acreditar que por isso não se deva contar às crianças esse tipo de
histórias seria tão tolo quanto acreditar que os contos de fadas podem ser nefastos a
elas. É preciso que os adultos estejam cientes das qualidades e “utilidades” desses dois
tipos distintos de literatura.
Portanto, o medo que alguns pais e educadores ainda têm, de permitir que suas
crianças mergulhem muito profundamente num mundo de fantasia e se prejudiquem, é
infundado. Toda criança precisa de fantasia, de mágica e acreditam nelas, com o tempo
deixam de acreditar, com exceção das que foram muito decepcionadas com a realidade
e não conseguiram confiar nas suas recompensas.
Além disso, a criança tenta entender e organizar a realidade com base em seus
esquemas, sua visão, ou seja, na verdade é uma organização fantasiosa da realidade,
a partir do que ela vê como real.
Sem essas fantasias, a criança não conhece esse “monstro” interno que a
assusta e o que é pior: não aprende a lidar com ele.
Queremos mais uma vez ressaltar a importância legítima das histórias realistas.
Elas têm um valor imensurável em vários aspectos do desenvolvimento da criança e
devem ser usadas por pais e educadores. O que se deve conservar sempre é o bom
senso.