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A razão como produto da História

RESENHA CRÍTICA
VERNANT, JEAN-PIERRE , AS ORIGENS DO PENSAMENTO GREGO
Por Leonardo Lourenço

O objeto da presente resenha é o livro As origens do pensamento grego, do destacadíssimo


especialista em Grécia Antiga, Jean-Pierre Vernant, autor de inúmeras obras a respeito da
Antiguidade grega, que abordam questões como a mitologia, o pensamento, o teatro e a
política, entre outros temas relevantes.

Segundo minha compreensão, a perspectiva analítica de Vernant, como pensador que


sempre manteve uma proximidade com a Escola dos Annales, prima por recorrer de
maneira profícua à interdisciplinaridade, mantendo assim um diálogo com áreas do
conhecimento auxiliares da história, a saber, a antropologia, a sociologia, a psicologia e até
mesmo a arqueologia, sobretudo quando o autor se debruça sobre tempos mais remotos,
casos dos períodos Pré-Homérico (séculos XX - XII a. C.) e Homérico (séculos XII - VIII
a. C.).

O objeto da presente reflexão é um estudo que utilizei largamente em minha pesquisa de IC


(Demóstenes: mito e discursos políticos) e que me trouxe subsídios para compreender as
formas e conteúdos do debate político e filosófico na pólis do Período Clássico, bem como
refletir acerca de algumas causas do declínio da mesma, sem o qual certamente, abriria-se
uma lacuna muito difícil de ser preenchida por alguma outra obra.

Este pequeno livro traz uma grandiosa contribuição ao trazer discussões sobre a formação
do pensamento racional na história da Grécia Antiga. Ao buscar uma explicação
verdadeiramente histórica para a razão grega, característica do Período Clássico, (séculos V
e IV a. C.) Vernant inicia seu estudo remontando a fenômenos ocorridos cerca de quinze
séculos antes, quando povos de origem indo-européia começam a chegar em território
grego. Aqui, novamente podemos perceber ecos da historiografia dos Annales nas pesquisas
desse autor, já que uma concepção historiográfica que procura abordar os fenômenos
históricos levando em conta o nível mais profundo das mentalidades, necessariamente deve
procurar balizá-los dentro de uma temporalidade de longa duração.

Nesse sentido, é já por volta do século XX a. C. que a civilização micênica, oriunda dos
pelasgos, habitantes primitivos da Grécia, passa sistematicamente a entrar em contato com
povos indo-europeus que incursionam na Hélade. A partir desse momento começam a se
observar mudanças significativas que afetam a história da Grécia e que acabarão por
determinar outras formas de organização política, econômica, social e cultural bem
diferentes daquelas vigentes até então.
No final do Período Pré-Homérico (século XII a. C.) os dórios chegam à Hélade. Povo
guerreiro por excelência, conhecedor da metalurgia do ferro, algo inédito na Grécia até
aquele momento, são os responsáveis pela Primeira Diáspora Grega.

Até essa época, o mundo grego tinha sua organização político-administrativa voltada em
torno do palácio do ánax, o grande rei. Com a chegada dos dórios, esse sistema dará lugar
aos genos, um tipo de organização social fundada sob linhagens de parentesco que
determinava solidariedades políticas e judiciais, precursora da cidade. É também nesse
momento que surge na Grécia Antiga uma primeira forma de sabedoria humana, de reflexão
moral e de especulação política já um pouco mais distanciadas do mito.

Na aurora do século VII a. C., o crescimento populacional, a dispersão dos gregos por toda
a bacia do Mediterrâneo e a partilha dos genos, - a Segunda Diáspora Grega - dão origem à
mais importante instituição da Antiguidade grega, aquela cuja forma de organização
política, administrativa, religiosa e militar, dará a tônica da história da antiga Grécia
durante seu apogeu e crise, o Período Clássico, que abrange os séculos V e IV a. C. Trata-se
da pólis.

Nessa parte de seu brilhante estudo, em um belíssimo capítulo denominado "O universo
espiritual da pólis", Vernant concentra a reflexão sobre esse mesmo universo, marcado
essencialmente pela ligação íntima entre logos, a razão e a atividade política. É um período
no qual a vida pública - refletida no debate político na ágora, nas trocas comerciais
realizadas no mercado (asty) e o consequente aparecimento das moedas, na laicização e
expansão das formas de religiosidade ao espaço externo, até então assunto privado, restrito
ao interior dos templo e na organização racional e geométrica do périplo urbano - adquire
uma importância cabal para os antigos gregos.

Assim, o pensamento racional vai se elaborando e se desenvolvendo em torno desse novo


tipo de organização que afeta todas as dimensões históricas. É nessa época que os filósofos
da Escola de Mileto e posteriormente os pitagóricos e os sofistas formulam pensamentos
que visam explicar a formação do Universo, não mais a partir dos mitos, como por exemplo
em Hesíodo, (Teogonia e Os trabalhos e os dias) onde o sobrenatural, o divino e a
hierarquização entre homens e deuses definem o mundo, mas a partir de elementos
passíveis de racionalidade, como a água, o ar, ou o número.

Tendo chegado a esse ponto, cumpre-se por bem antes de continuar, fazer duas importantes
considerações. A primeira delas é ressaltar que seria errado pensar que a razão abandona
por completo os mitos, ao contrário disso, o pensamento racional, muitas vezes, resgata os
elementos míticos de forma a lhes dar uma reinterpretação política. Na atividade militar, o
herói, figura singular presente nas epopéias, é, no tempo da pólis, transformado no demos,
isto é, a coletividade de cidadãos, à qual é atribuída a heroicidade e a honra das batalhas,
aludindo desse modo, aos mitos da bela morte e da autoctonia ateniense, exemplos que o
bom cidadão deve seguir para que se torne imortal na memória cívica. Como bem escreve
Vernant, existem zonas de sombra em que a razão não possui poder de explicação, terreno
onde os mitos sobrevivem e encontram refúgio seguro.
Portanto, como já discutido anteriormente, no Período Clássico os mitos não servem mais
para explicar a gênese do Universo, mas ainda são muito úteis para legitimar e dar
exemplos no campo da ação política, atividade de caráter racional. Em segundo lugar, essas
reflexões são pertinentes apenas quando se pensa em Atenas e em algumas outras cidades
de sistemas políticos semelhantes, em outras, caso de Esparta, as características são bem
diferentes e não são objeto do estudo em questão.
Seguindo adiante, Vernant discute a respeito da crise da cidade, iniciada já no século V a.C.
com a guerra do Peloponeso e a derrota ateniense e agravada no século seguinte pelos
sucessivos reveses da principal cidade grega, além do quadro geral de fragmentação em
todo o mundo helênico. O problema que se coloca é como entender a pólis, instituição que
deve manter a harmonia da sociedade conservando seu aspecto de unidade, em contraponto
com a multiplicidade de categorias sociais. Daí advém o conflito entre Eris X Philia,
discórdia contra harmonia, resultando em um dos temas mais debatidos pelos historiadores
da Grécia Antiga, ou seja, a democracia ateniense é algo que deve ser compreendido
indissociavelmente ou não de seu imperialismo e de sua estabilidade política?

O autor defende a idéia de que se deve buscar a chave para essa resposta na compreensão
do pensamento filosófico do século IV a. C., pautado pela discussão sobre a cidade ideal e
sobre as formas de conhecimento mais eficazes no intuito de manter a coesão política e a
ordem cívica, reflexo direto do contexto de decadência em que Atenas se encontrava. Aqui,
duas figuras de peso travam um embate que até hoje alimenta discussões intensas no campo
da filosofia e da história das idéias e do pensamento; Platão, discípulo de Sócrates e
sistematizador de todo o seu legado oral, defensor da Filosofia e da busca do Bem como
caminhos únicos para a retidão do homem, e Isócrates, mestre da retórica, para o qual as
discussões filosóficas apenas contribuíam para idealizações menos importantes no dia-a-dia
da pólis.4

O leitor desta resenha talvez já tenha podido perceber que em As origens..., Vernant traça
um perfil rico e abundante em sutilezas, que considera a história da cidade grega desde
tempos bem anteriores ao seu próprio surgimento, para daí, resgatar minuciosamente cada
elemento histórico específico, cada quadro de pensamento, cada personagem significativo
partícipe do longo processo histórico-espiritual que fez desembocar na pólis clássica. Tal
rigor analítico e riqueza de detalhes e dimensões, faz parte do argumento em defesa do
pensamento racional, de matriz grega e pilar fundamental do Ocidente, não como algo dado
por uma simples revelação pontual ou por um capricho de ordem transcendental, mas
baseado em antecedentes históricos, de modo a ter que se considerar aspectos políticos,
econômicos, filosóficos, psicológicos, culturais e mentais.

Assim, seguindo a reflexão de Vernant, observa-se que a lógica da argumentação e a


coerência que o autor busca, visam refutar a tese de que o pensamento racional floresceu na
Grécia Antiga obedecendo ao "milagre grego", que teria escolhido os gregos por uma
espécie de gênio metahistórico que concebera a estes a primazia de pensar racionalmente,
apartando-os radicalmente da mitologia. Antes, foi o lento desenrolar da história,
evidentemente não-lógico aprioristicamente e, por assim dizer, a ação humana que levou ao
universo racional da pólis.

Se o elemento político nos salta aos olhos como o mais substancial e emblemático nesse
processo, é porque o logos mantinha em tal contexto uma estreita relação com a atividade
política, que se estendia inclusive ao campo religioso - daí a religião assumir
essencialmente um caráter cívico na Antiguidade Clássica, característica que duraria até o
advento da religião cristã. Cabe lembrar inclusive, que foi o próprio declínio do ideal
cívico-político que custou a degradação e o desabamento da pólis.
Quando Aristóteles definiu o homem como "animal político", quis exatamente dizer que a
razão é fundamentalmente política, ligada às novas formas de organização da ordem
humana no interior da cidade, mas não que o processo histórico que a ela conduziu não
comportasse várias outras dimensões. A razão é a arte do político que age sobre os homens,
filha direta da pólis.5

A essa altura talvez já seja redundância destacar a importância de As origens do


pensamento grego como leitura indispensável para aqueles que desejam entender a história
do pensamento racional na Grécia Antiga, assim como o funcionamento da pólis, instituição
máxima dessa civilização. Todavia, a insistência é pequena quando estamos a tratar de uma
obra de tamanha qualidade, erudição e inovação historiográfica, já há muito tornada um
clássico dos estudos em Antiguidade.

NOTAS

1. VERNANT, Jean-Pierre, As origens do pensamento grego, Rio de Janeiro, Difel, 2002.


2. Ver nesse sentido o livro de BURKE, Peter, A Escola dos Annales (1929-1989): a
Revolução Francesa da historiografia, São Paulo, UNESP, 1997.
3. Para tanto, ver o verbete "genos", em MOSSÉ, Claude, Dicionário da civilização grega,
Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2004, pp. 145-6.
4. Uma discussão muito importante sobre isso pode ser encontrada em JAEGER, Werner,
Paidéia, São Paulo, Martins Fontes, 2001, pp. 475-998, 1177-213 e 1253-374 .
5. Nesse ponto, a ressalva única ao estudo de Vernant, já que o autor não considera a razão
como transformadora da natureza, mas, dado seu cunho político, permite o agir humano.
Nesse segundo ponto, obviamente Vernant está correto, porém, em seu livro Uma história
da razão, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1994, o filósofo François CHÂTELET apresenta
argumentos bastante convincentes quanto ao aspecto transformador da razão, - legado
grego - além da atividade cívico-política, até porque as transformações puderam partir
justamente da dimensão política, para daí se espraiarem em direção a outras áreas. Talvez a
razão não transforme a natureza diretamente, mas proporcione mudanças extremamente
significativas nas relações dos homens com a mesma e com o mundo. Ver sobretudo as
páginas 15-33 da obra de CHÂTELET, embora o livro inteiro seja importante.

BIBLIOGRAFIA

obra analisada:

VERNANT, Jean-Pierre, As origens do pensamento grego, Rio de Janeiro, Difel, 2002.

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