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JEANNINE GRAMICK - Rompendo o silêncio - Trabalhando há 35 anos pela aceitação dos gays, freira condenada ao

silêncio pelo papa fala sobre a nova proibição do Vaticano Ana Aranha.

O Vaticano está jogando a culpa dos abusos sexuais nos gays. Há muitos casos de meninas e mulheres que sofreram
abuso de padres. Os homossexuais estão servindo de bode expiatório

Os ensinamentos católicos e a vivência universitária foram os elementos necessários para transformar a missão da
freira Jeannine Gramick numa mistura explosiva. Há 45 anos na Igreja, a americana viveu 35 deles sob ameaça de expulsão.
Jeannine despertou para uma causa bastante polêmica quando soube que jovens gays estavam se suicidando por não serem
aceitos por sua família. De lá para cá, convenceu-se de que sua missão seria acabar com o preconceito contra homossexuais
dentro da Igreja.
Em 2000, um ano depois de ter sido orientada pelo Vaticano a interromper seu trabalho, a freira foi condenada ao
silêncio pelo papa Bento XVI. Ainda como cardeal, Joseph Ratzinger despachou a decisão da sala da Congregação para a
Doutrina da Fé, a antiga Inquisição. Ela nunca foi ouvida pelo Vaticano e só encontrou Ratzinger graças a um acaso - um
vôo em comum para Munique -, depois que seu caso já havia sido julgado.
Co-fundadora da New Ways Ministry, grupo que reúne gays e famílias católicas, a freira só aumentou o ritmo de
reuniões e viagens internacionais depois das proibições. Em novembro, visitou o Brasil para divulgar o documentário
Jornada da Fé. O vídeo acompanha seus grupos de trabalho, seus entraves com católicos que pedem a expulsão de padres
gays e suas frustradas tentativas de se explicar a Ratzinger. A freira está convencida de que, nessa batalha, Deus está do seu
lado, e não pretende se calar.
Entre viagens pelo mundo, enquanto acompanhava a repercussão da orientação que barra a entrada de padres gays
na Igreja, expedida pelo Vaticano na semana passada, a freira concedeu a seguinte entrevista.
Dados pessoais - Tem 63 anos, nasceu em Filadélfia, Estados Unidos, e não fala de sua sexualidade Carreira - Freira há
45 anos, dedicou 35 deles à aceitação de gays católicos Livros publicados: Building Bridges (Construindo Pontes) e Voices
of Hope (Vozes de Esperança), que serviu para a investigação do Vaticano contra ela

ÉPOCA - O que achou da decisão do Vaticano de banir a entrada de padres gays?


Jeannine Gramick - Essa ordem aponta falta de conhecimento da sexualidade humana porque rejeita homossexuais devido a
sua orientação sexual 'desviada'. Eu acredito que esse é o ponto crucial do problema que a hierarquia da Igreja Católica
encontra na hora de lidar com padres, seminaristas e gays em geral. Em 1971, quando comecei a me envolver com o
trabalho com gays e lésbicas, eu também achava que eles eram 'intrinsecamente desviados'. Passei a ler e estudar muito
sobre o assunto. Descobri que a Associação de Psiquiatria da América e a Associação de Psicologia da América, durante
uma avaliação para descobrir se a homossexualidade seria uma perturbação mental ou emocional, reverteram o julgamento
no começo dos anos 70 e constataram que ela é uma orientação natural e inata. Ao estudar e escutar histórias de gays e
lésbicas, percebi que esses novos entendimentos da ciência faziam sentido e consegui superar aquele ensinamento
equivocado que havia recebido. Eu acho que o autor desse documento, assim como todos os membros do Vaticano,
deveriam passar por um curso básico de sexualidade e estudar as pesquisas dos últimos 30 anos.

ÉPOCA - O documento é uma tentativa de jogar a culpa dos abusos sexuais sobre os padres gays?
Gramick - Sim. Isso fica claro na parte em que o documento diz que as normas colocadas ali ficaram mais urgentes devido à
'situação atual'. É uma alusão ao escândalo do abuso sexual cometido por alguns membros da Igreja. Ao fazer a conexão
entre o abuso sexual e os homossexuais, o Vaticano está jogando a culpa do abuso apenas nos gays.

ÉPOCA - Os abusos só foram cometidos por padres gays?


Gramick - Não. Há muitos casos denunciados de meninas e mulheres que sofreram abuso sexual de padres. Mas o Vaticano
não faz essa conexão escrevendo um documento sobre a admissão de heterossexuais no seminário. Isso prova que os gays
estão servindo de bode expiatório.

ÉPOCA - A senhora sente que seu trabalho está sendo perseguido por uma nova versão da Inquisição?
Gramick - Muitos líderes da Igreja de hoje usam os métodos da Inquisição. Eles esperam que os católicos lhes obedeçam
cegamente, em vez de travar um diálogo. Mas não, eu não me sinto perseguida. Percebo que católicos, especialmente
aqueles de 'posições médias' na Igreja, estão apoiando meu trabalho, que soma mais de 35 anos. Isso me dá grande
esperança.

ÉPOCA - O que a senhora conversou com o então cardeal Joseph Ratzinger quando se encontraram?
Gramick - Eu o encontrei sem querer e nós conversamos sobre como me envolvi com a causa dos homossexuais. Quando
perguntei se ele já havia conhecido uma pessoa gay, ele respondeu: 'Quando eu e o papa fomos a Berlim, houve uma
demonstração de homossexuais'. Pelo que parece, ele nunca havia tido uma conversa com gay ou lésbica assumidos. Ele
ainda comentou que, na Itália, os homossexuais querem ser reconhecidos como família e mostrou preocupação com
casamentos de pessoas do mesmo sexo. Para mim esse encontro colocou um rosto humano na Igreja institucional. Mesmo
que tenhamos pontos de vista diferentes, senti que ele é profundamente comprometido com a Igreja, assim como eu.

ÉPOCA - Quando seu amigo gay Dominic Bosh convenceu-a a enfrentar a Igreja, imaginava que seria tão difícil?
Gramick - Ele não me convenceu a 'enfrentar a Igreja'. Ele me ajudou a perceber que a Igreja institucional não estava
cuidando dos gays e lésbicas. Ficamos amigos na Universidade da Pensilvânia, onde éramos estudantes, e, lá, ele me contou
sobre o sentimento de rejeição que sentia dentro de sua família. Ele me perguntou o que a Igreja Católica estava fazendo
para prevenir o suicídio de homossexuais que se sentiam banidos socialmente. Ou para parar com a violência de
espancamentos e assassinatos e alimentar a dignidade e auto-estima desse grupo de pessoas. Eu não sabia o que responder e
fui falar com meus superiores religiosos. Foram eles que me encorajaram a ajudar. Eles disseram que, assim como Jesus
aceitou os pagãos, os colhedores de impostos e as prostitutas, nós precisamos cuidar de todos os que são marginalizados.
Comecei a formar grupos educacionais, ir a manifestações e, através de um artigo, cheguei aos ouvidos do padre Robert
Nugent. Com ele, fundamos a New Ways Ministry - uma organização católica que trabalha pela Justiça e reconciliação dos
gays e lésbicas com a Igreja institucional.

ÉPOCA - A senhora sofreu preconceitos ao fundar a New Ways?


Gramick - Inicialmente nós enfrentamos resistência e medo de muita gente bem-intencionada. A idéia de uma freira e um
padre trabalharem pelos homossexuais era muito nova e chocante. Estamos falando dos anos 70. Naquela época, a palavra
homossexual ainda nem sequer havia sido escrita em um jornal católico nos Estados Unidos. O assunto nunca tinha sido
discutido em reuniões públicas. Aos poucos, a postura se tornou mais receptiva porque, em nossa sociedade, eles já estavam
exigindo seus direitos civis, o que fazia com que gays e lésbicas católicos se tornassem mais visíveis dentro de suas famílias
e seus grupos de amigos.

ÉPOCA - A senhora recomenda que filhos e filhas gays falem de sua sexualidade dentro de famílias católicas?
Gramick - Eu acho que falar acaba aproximando-os de suas famílias. Mas quando, e se, a decisão vai ser tomada é pessoal e
varia de acordo com circunstâncias individuais. Os pais com quem converso geralmente têm duas reações iniciais. Eles se
perguntam o que fizeram para ter um filho gay: 'Onde nós erramos? Como poderíamos ter evitado isso?'. E se preocupam
com a reação do resto da família e dos vizinhos. Com minha experiência, observei que, ao conversarem com outros pais, ao
procurarem se informar e educar, eles entendem que não fizeram nada errado. Acabam ficando gratos por Deus ter lhes dado
filhos hétero e filhos homossexuais. Claro que, em muitos casos, os pais rejeitam os próprios filhos. É parte da missão da
Igreja ajudar que eles vejam que 'o amor de Deus é revelado' em seus filhos gays.

ÉPOCA - O mesmo amigo que a alertou sobre a causa gay morreu de Aids. A senhora pretende confrontar-se com o
Vaticano em sua postura anticamisinha?
Gramick - Eu acredito que, se a hierarquia da Igreja seguisse os próprios ensinamentos sobre a santidade da vida, a
camisinha não seria condenada. Se usada corretamente, ela pode prevenir o aumento do HIV-Aids e, dessa maneira, salvar
vidas. Alguns bispos e cardeais admitiram isso publicamente e invocaram o princípio teológico do 'menor dos males' para
justificar o uso.

ÉPOCA - A senhora é a favor da camisinha porque ela previne doenças ou também porque ela funciona como
contraceptivo?
Gramick - Ambos. Camisinhas também podem ser usadas para prevenir a gravidez. Na época do Segundo Conselho do
Vaticano, o papa Paulo VI designou uma comissão para estudar a questão do controle de natalidade. Infelizmente, ele não
aceitou a decisão da maioria de sua própria comissão, que disse que a Igreja oficial deveria mudar seus ensinamentos no
controle de natalidade. Cerca de 90% dos católicos americanos não acreditam nesses ensinamentos. Eles seguem a própria
consciência e continuam fiéis à Igreja. Mas o papa Paulo VI foi convencido pelo teólogo jesuíta John Ford a aceitar a
posição da minoria. Esse teólogo o alertou dizendo que, se a Igreja mudasse seus poderiam ser mudados.
ensinamentos nessa questão, os fiéis poderiam achar que outros ensinamentos também

ÉPOCA - Mas a Igreja já não mudou sua posição no passado?


Gramick - Sim, em questões como a escravidão, o lucro, a liberdade de religião. Mudou e continuará mudando porque a
Igreja é o corpo vivo de Cristo, e corpos vivos mudam. Chamamos essa mudança de desenvolvimento da doutrina. Os
ensinamentos autoritários sobre sexualidade ficaram encalhados na teologia da 'lei natural'. Assim, ensinamentos sobre
controle de natalidade, o uso da camisinha como contraceptivo e outras questões só vão mudar se houver um estudo sério
sobre os significados da palavra 'natureza'. Com vontade de sair da estática, poderemos ter um entendimento dinâmico do
conceito dessa palavra.

ÉPOCA - Governos devem investir em contraceptivos como meio de evitar crianças não-desejadas? O presidente Bush,
assim como a Igreja Católica, são contra a viabilização da 'pílula do dia seguinte'.
Gramick - Governos que apóiam programas de contracepção ajudam a eliminar o aumento de problemas como a
superpopulação e a pobreza no mundo. Esses programas deveriam ser voluntários, e não impositivos. Os governos deveriam
dar educação sobre planejamento familiar responsável e capacitar seus cidadãos para que tomem suas decisões. Afinal,
crianças devem nascer em famílias que as amem e sejam capazes de criá-las. Sobre as pílulas, se elas são ou não aceitáveis,
depende da visão moral de cada um. Prevenir a viabilidade para quem não tem objeções morais a elas parece ser uma
violação de direitos. Quem tem objeções, simplesmente não as usará, mesmo se elas estiverem disponíveis.

ÉPOCA - Até recentemente, o Vaticano admitia padres gays, desde que eles não agissem de acordo com seus desejos sexuais
- o que a senhora chama de teologia do 'seja, mas não faça'. Como a Igreja chegou a essa lógica?
Gramick - A atual teologia sexual católica declara que atos sexuais só são moralmente bons se houver a possibilidade da
procriação. Os primeiros cristãos não faziam da procriação uma condição para o comportamento sexual ético. Esse critério
foi introduzido por Santo Agostinho, nos séculos IV e V. Ele acreditava que qualquer ato de prazer precisava de uma
justificativa racional para que fosse moralmente bom. Senão, apreciar aquele prazer seria pecado. A comunidade cristã ficou
amarrada a esse princípio filosófico estóico de lá para cá.

ÉPOCA - Em que pé está a discussão da questão homossexual dentro da Igreja Católica no Brasil?
Gramick - Eu fiquei surpresa com a quantidade de reconhecimento público da diversidade sexual na vida social brasileira.
Ainda assim, a Igreja institucional não lida com a questão da homossexualidade. Na Europa e em países de língua inglesa,
onde a questão da homossexualidade e a Igreja são discutidas publicamente, a necessidade de reforma já chegou até lésbicas
e gays católicos e a seus aliados heterossexuais. Eu tenho esperança de que homossexuais católicos no Brasil, com suas
famílias e amigos, sigam o exemplo da mulher do Evangelho, que continua batendo na porta dos juízes injustos até que
obtenha justiça.

ÉPOCA - O que a senhora achou da decisão do Vaticano de ter tirado Daniela Mercury do concerto de Natal porque ela fez
campanha no Brasil pelo uso de camisinha?
Gramick - Eu acho que nenhum grupo, inclusive organizações religiosas como o Vaticano, deveria escolher artistas com
base em suas posições políticas. A publicidade gerada por ações desse tipo tem sido fonte de vergonha para católicos
inteligentes nos Estados Unidos. Eles acham que o Vaticano deveria parar de dar tanta ênfase às questões sexuais do
Evangelho, para privilegiar seus apontamentos sociais.

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