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ROBIN
JONES
GUNN
Para Ethel Herr, que com sua vida me ensinou que, por mais que
amemos, nunca estaremos amando demais.
E para o grupo The Parts of Speech Critique, com recordações
maravilhosas dos anos em que nos sentamos à mesa de Ethel.
Eu pensava que estivéssemos aprendendo a escrever. Agora sei que
aprendíamos como o amor é quando se reveste de graça.
Agir com Naturalidade
- Tem certeza de que falou para os meninos que vínhamos hoje à tarde? perguntou a
ruiva Katie Weldon à sua melhor amiga, Cris Miller, enquanto subiam as escadas do
prédio de apartamentos.
- Claro! Eu disse ontem ao Ted que sairíamos logo após o culto. Ele falou que
levaríamos cerca de uma hora para chegar aqui, respondeu Cris, que com suas pernas
compridas subia dois degraus de cada vez. Ele deu instruções bastante claras. Tenho
atendeu. Ela fitou os olhos azul-esverdeados de Cris como quem pergunta: “E agora? O
Cris mordeu o lábio inferior, olhando para o pedaço de papel em sua mão.
Nenhuma resposta.
- Vai ver que eles estão tentando passar um trote na gente. Eles sabem o quanto foi
difícil você convencer seus pais a permiti-la vir a San Diego. Provavelmente estão
querendo nos assustar. Sabe como é, né? os caras da universidade, tudo bicho granclinho,
Ela parecia tão confiante em sua resposta, que Cris quase acreditou. Mas Katie
- Será que devíamos procurar um telefone e ligar para eles? sugeriu Cris.
comentou Katie.
- Pois acho que não estão aqui. Talvez tenham dado um pulo ao supermercado, ou
algo parecido.
Lá embaixo, Cris notou uma quadra de cimento com uma piscina, e algumas
espriguiçadeiras em volta.
Katie examinou a situação, os vivos olhos verdes buscando achar algum sinal de
vida no condomínio.
- Não lhe parece estranho, sussurrou, não ter ninguém aqui, num lugar que devia
- Vamos lá para perto da piscina. Pelo menos não vamos ficar com jeito de gente
segurando as malas. Se alguém de outro apartamento nos vir, vai pensar que somos
meninas de rua e aí chama a polícia, esbravejou Katie, seguindo Cris escada abaixo até a
piscina.
- Boa idéia. Estou me sentindo uma órfã. Por que nos deixariam assim, sem avisar?
Eu achava que pelo menos um deles deveria ter lembrado de deixar um bilhete ou coisa
parecida.
procurava a chave.
- Engraçadinha! Claro que não. Pare de ficar mexendo aí, e abra o porta-malas.
Cris suspirou.
As duas olharam pela janela da frente e viram a chave na ignição. Claro que tinham
Cris ficou parada perto do carro, vigiando as malas, sentindo-se nervosa. Agora, com a
A gente esperava curtir um fim de semana legal em San Diego, aproveitar o feriado
para assistir ao estudo bíblico dos “Amigos de Deus” e conhecer o zoológico daqui;
depois dar um giro pela cidade, relaxar um pouco, mas já começou tudo errado. Tá
contou para Cris a história da última vez em que trancara a chave dentro do carro.
que me dessem um cabide. Daquela vez calculei como faria a dobra na ponta, da maneira
certa para alcançar a trava aí. Ainda bem que meu carro é velho. O seu não tem essas
Cris desviara a vista para o lado, ciente de que agora pareciam mesmo essas meninas
ponta dobrada sobre o botão de travar o carro. Tinha a língua um pouco para fora, e
apertava os olhos.
Cris teve a sensação de que Katie se divertia com um daqueles jogos em que a gente
tem de manobrar uma manivela de metal, dentro de uma gaiola de vidro, para pegar um
bicho de pelúcia. Cris nunca se dera bem nesse jogo. Já fazia tempo que desistira de tentar
- Está quase, suspirou ela, por entre os dentes cerrados, apertando o rosto contra o
Elas se viraram, surpresas. E mais surpresas ficaram ao ver que a voz era de uma
Estava com uma sacola de compras no braço e, aparentemente, viera a pé, o que
explicava por que as meninas não lhe ouviram os passos, ao chegar. Seus cabelos negros,
- Fomos até o apartamento dos meninos, mas não tinha ninguém. Pensamos que
talvez estivessem nos pregando uma peça; coisa deles. Como não saíram para nos
- Foi aí que descobrimos que havíamos trancado o carro com a chave dentro, disse
Cris.
- No hospital.
Cris sentiu como se alguém lhe tivesse dado um soco na barriga, expulsando todo o
- Rick?! perguntou Katie, parecendo que uma mão invisível tinha acabado de
agarrar-lhe o coração. Ele está bem? O que aconteceu?
- Tenho certeza de que vai ficar bem. Machucou o braço quando os rapazes se
exercitavam na piscina hoje à tarde, Estavam dando saltos do trampolim, e o Rick dirigia
- E melhor irmos para o hospital, disse Katie, voltando com urgência à tarefa de
- Acho que não vai adiantar muito vocês irem. O Ted e o Douglas o levaram há mais
de uma hora. É provável que eles voltem antes de vocês conseguirem chegar lá.
- Consegui! exclamou Katie, abrindo a porta e retirando a chave. Tem certeza que
- Podem ir, se quiserem. Mas acho que eles estarão de volta a qualquer momento. Ou
vocês podem ficar aqui comigo e me ajudar a fazer o jantar. Eu disse a eles que faria uma
- Do jeito que as coisas andaram esta tarde, acho que não devíamos sair dirigindo
por aí, tentando encontrar o hospital. Acho melhor a gente ficar por aqui e dar uma mão
- Meu nome é Stephanie, completou a outra. E você deve ser Cris. Ouvi muito a seu
respeito.
- Por acaso você ouviu falar alguma coisa a meu respeito, digamos, talvez da parte
Stephanie deu um sorriso delicado e misterioso. Seu rosto lembrava a Cris uma
pequena e rosada flor de macieira.
- O Rick sempre tem muito a dizer sobre tanta coisa! Talvez ele tenha mencionado
você.
Cris olhou para Katie preocupada, imaginando como sua amiga receberia uma
resposta assim. Um certo relacionamento surgira entre Rick e Katie no Desfile das Rosas,
no Ano Novo, mas isso fora há cinco meses. De lá para cá, Katie desejava aprofundar
aquela amizade, mas não estava conseguindo fazer com que Rick se tornasse mais íntimo
dela. Este final de semana seria o teste. Cris notou que Katie ficara chateada ao saber que
Rick não a havia mencionado da forma como o Ted falava de Cris. Mas Ted e Cris, é bem
- Então a gente fica, decidiu Katie, trancando a porta novamente, dessa vez com a
chave na mão.
- Tragam as malas, disse Stephanie. Vocês duas vão dormir comigo hoje. Meu
- Obrigada por nos deixar dormir no seu apartamento, disse Cris. O Ted disse que
nos arranjaria lugar com uma das meninas do condomínio. Estou contente por ter sido
- Está bastante calmo por aqui, explicou Stephanie na volta ao seu apartamento. As
aulas acabaram há mais de uma semana, e quase todo mundo já foi para casa, de férias. Eu
vocês?
Cris acenou que sim. Katie se sentiu um pouco por fora. Ouvira falar do “Blue
ao meu humilde lar. Fiquem à vontade. Minha colega de apartamento foi embora ontem.
Cris e Katie levaram suas malas ao quarto à direita. A única coisa que havia ali era
um abajur no canto.
- O Ted não nos disse que devíamos trazer sacos de dormir, cochichou Cris.
- Vou perguntar ao Rick se ele nos empresta o dele. Talvez a Stephanie também
tenha um.
Uma música clássica, de tom suave, flutuava pelo ar e, seguindo o som, as meninas
- Seu apartamento é bem legal, disse Cris, olhando o sofá de listas azuis e brancas,
os lustres cobertos com tecido florido azul e cor-de-pêssego, e uma variedade de quadros
bem interessantes.
Um dos quadros maiores chamou a atenção de Cris. Era uma jovem de longo vestido
cor-de-rosa, rendado, o cabelo preso no alto, semelhando uma nuvem. A julgar pelo
jardim, parecia verão, e a moça estava sentada num banco, olhando, sonhadora, para o
mar.
A cena despertou algo dentro dela. Era a lembrança de outro tempo, outro lugar.
sonhadoras, e um lugar em que se tomava chá e usava guarda-sóis e longas luvas de renda,
- Não, mas tenho certeza de que os meninos devem ter. Estou com a chave deles.
- Eles nem ligam. Me deram a chave porque ficam se trancando do lado de fora. As
vezes aqueles caras parecem Peter Pan e os meninos perdidos, e acham que eu sou sua
Wendy.
- Vamos lá! Vamos invadir a geladeira deles. Vai ser divertido! exclamou Katie.
Stephanie entregou-lhes a chave. Quando Cris a introduziu na porta, olhou por cima
- Você não tem a sensação de que está invadindo a casa dos outros? perguntou à
Katie.
parecida!
- Katie!
- De onde você tirou essa idéia? indagou Crís, enquanto empurrava a porta e as duas
milho pelo meio. Sobre a mesa, havia também três tigelas com restos de leite azedo. Uma
- Eu também, concordou Katie, rindo-se. Vamos ver onde dormem os três ursos.
- Katie!
- Não vou mexer nas roupas deles, juro. Estava só brincando. Estou curiosa.
Passaram pela sala, que tinha um longo sofá marrom, uma poltrona grande de tecido
xadrez, um pequeno televisor equilibrado precariamente sobre uma estante feita de tijolos
de cimento e tábuas, e um velho baú coberto de revistas de surfe, que servia como
mesinha de centro.
antigo”.
Cris notou a prancha de surfe do Ted no canto da sala, servindo agora para pendurar
os casacos.
- Este aqui deve ser o quarto do Rick e do Douglas, disse Katie, olhando a porta
entreaberta à direita.
Havia duas camas desarrumadas, junto às paredes. O chão estava coberto de roupas,
uma bicicleta, atrás da porta, e um violão no canto, com o boné do time de beisebol
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- É, mas isso aqui não está parecendo quarto do Ted. Vamos lá. Vamos ver como é o
Cris ficou indecisa, sem saber se acompanharia Katie ou não. Douglas e Rick
estavam entre os rapazes que mais elegantemente se vestiam, que ela conhecia. Se viviam
num lugar tão bagunçado e se apresentavam tão bem arrumados em público, como seria o
Cris olhou para dentro do quarto do Ted, mas não acreditou no que via. O quarto
estava limpíssimo.
- O que é isso? perguntou Katie, apontando para uma caixa esquisita no meio do
quarto.
cuidadosamente.
- Parece... puxou uma ponta do lençol e anunciou: e é. É areia mesmo. Não acredito!
Cris participou do exame e apalpou o colchão todo especial de Ted, que era mesmo
Katie virou-se para a amiga e sorriu, os grandes olhos verdes dançando de alegria:
Cris notou uma série de retratos e pôsteres na parede, atrás da cama. No centro havia
o pôster duma queda d’água de Maui onde Ted, Cris, sua amiga Paula e seu irmão David
tinham passado um dia no último verão. Os outros três eram fotos de surfe. Meia dúzia de
- São todas de você! Olhe aí, Cris, todas são fotos suas!
Cris ficou surpresa. Em todos esses anos ela só mandara algumas fotos para o Ted,
mas nunca imaginara que ele as guardasse ou as pusesse em lugar de tanto destaque.
- Essa não é sua foto da oitava série? perguntou Katie, apontando para um retrato de
- Ah não, olhe só! E ainda do tempo do primeiro colegial! Eu não estava com cara de
boboca? Devo ter mandado essa logo depois que nos conhecemos, quando fui para o
Wisconsin. Ele foi embora de Newport na mesma época, morar com a mãe dele na
Flórida.
Cris riu-se da sua expressão infantil na foto. Na época, tinha cabelo comprido, quase
- Esta aqui deve ter sido na época em que você se mudou para Escondido, quando eu
a conheci. Olhe só como era diferente, com cabelo curto e franjas! Estava curto demais, na
Cris vinha deixando o cabelo crescer desde aquela época, quando a tia a convenceu
de cortá-lo bem curto, antes do seu segundo ano do segundo grau. Agora, quase
terminando o terceiro ano, estava passando dos ombros, e as franjas cobriam as orelhas.
- Não acredito que o Ted tenha todas essas fotos. Nem me lembrava de ter tirado
algumas. Mas desta eu me lembro, falou Cris, apontando para um instantâneo dos dois na
- Por quê? Não sabem que chegamos. Parece que estão entrando. Rápido, esconda!
roupas e bugigangas caiu, cobrindo-a com calções molhados e uma chuva de areia.
- Ai!
- Aja com naturalidade, disse Cris, totalmente parada no meio do quarto do Ted, as
Ficou ao lado de Cris, como se fosse seu reflexo no espelho, as mãos às costas, cara
de boba.
Cris notou pelos passos que os três ursos estavam prestes a descobri-las. Não havia
O Boneco
Ao perceber que eles vinham pelo corredor em direção ao quarto do Ted, Katie,
- Surpresa!
Viu Ted esbugalhar os olhos azul-prateados. Ele começou a rir-se e, com dois passos
de gigante, abraçava-se a Cris, que lhe retribuiu o carinhoso gesto, a orelha colada ao seu
peito, ouvindo-lhe de dentro o ressoar da risada. Ela ficou a imaginar se ele podia sentir-
- Mas que surpresa, gente! disse Ted, dando um abraço rápido em Katie.
Passou os dedos por seus cabelos loiros, queimados do sol. Eram curtos na frente e
mais compridos atrás, com pequenas ondas que lhe tocavam a nuca queimada de sol.
explicações e risos de simpatia, sobretudo por parte de Katie, quando viram o punho
- Então, a Stephanie já sabe que vocês chegaram? perguntou Douglas. Ele era um
pouco mais alto que Ted, mas não tanto que alcançasse os dois metros do Rick.
Vendo os rapazes juntos, Cris percebeu que Rick era o mais bonito dos três. Seu
cabelo escuro, ondulado, os olhos castanhos profundos e seu corpo de atleta tinham sido a
obsessão de muitas garotas na escola, inclusive dela. Não era de admirar que Katie não
Se Cris não o tivesse namorado por algum tempo e conhecido alguns aspectos
menos agradáveis de sua personalidade, talvez tivesse o mesmo olhar de admiração por
ele com que Katie o fitava. Mas Cris escolheria o Ted ou o Douglas a qualquer hora, em
lugar do Rick. Sabia que Katie teria de tirar suas próprias conclusões sobre o assunto,
cabelos cor-de-cobre saltando com ela. Só que resolvemos fazer uma inspeção nos quartos
primeiro. Ficamos contentes em ver sua caixa de areia de gatão tão limpa e em ordem. Só
Douglas começou a rir-se de Katie, que apontava para a cama do Ted como se fosse
um modelo para show de prêmios.
O rapaz tinha uma aparência asseada, com cabelos loiros cor-de-areia que pareciam
sempre ter sido cortados naquele instante. Era atraente com sua cara de garotão, e
aparentava menos que seus vinte anos. Era o mais afável dos três e conhecido pelos
- Pode experimentar, disse Ted a Katie. Deite-se nela e veja se não é confortável.
Mexeu com as costas até obter o apoio perfeito. Cruzando os braços sobre o estômago,
disse:
- Está certo, você me convenceu. É a cama perfeita. Foi você que inventou isso,
Ted?
- Não é tão difícil assim, respondeu. Umas tábuas, uns sacos de areia e um cobertor.
- Não falei que deveríamos ter arrumado lá primeiro? disse Douglas para o Rick,
- O que você quer dizer? disse Rick. Ele simplesmente enfiou tudo no armário.
- Podíamos ter feito o mesmo, disse Douglas. E assim causaríamos uma boa
- Se eu quiser impressionar alguém, disse Rick, todo orgulhoso, terá de ser com
Cris olhou atenta para ver se havia alguma coisa entre eles.
- E com qual de seus grandes atributos você vai começar? perguntou Katie,
Enquanto falava, Rick deu um empurrãozinho em Katie, com a mão que não estava
machucada, e ela caiu de volta na cama; isto é, caixa de areia. A moça deu uma olhada
feia para ele, mas Cris notou que na verdade ela se sentia honrada de ter sido alvo de uma
brincadeira dele.
- Ted, perguntou Katie, sentada na areia, posso mostrar ao seu colega de apartamento
- Você é quem decide. Eu vou ver se a Stephanie precisa de ajuda para fazer a
macarronada.
- Estou com vocês, disse Douglas. O que vocês queriam? Refrigerantes e o que
mais?
Cris e Ted seguiram Douglas até a cozinha, deixando Katie e Rick a sós. Podiam
ouvir a voz abafada de Katie mexendo com o rapaz e as risadas que se seguiam. Até aqui,
tudo bem.
Douglas abriu a velha geladeira amarela, tirou uma garrafa de 7-Up e outra de Pepsi.
Tudo mais que se encontrava na geladeira parecia encaixar-se bem na família dos fungos
da penicilina.
- O Ted limpou, não foi mesmo? Umas duas semanas atrás, acho. É que todos vamos
nos mudar daqui semana que vem. Aí a gente joga tudo fora.
Ted se achava de pé ao lado da mesa, sacudindo a caixa de flocos de milho e
olhando dentro.
- E uma figura de plástico que se fixa na vidraça da janela e vai descendo, andando
Dava para notar, pelo jeito como a covinha dele aparecia na bochecha, que ele
- Olhe só, disse Ted, rasgando com os dentes o envólucro de plástico transparente e
janela lisa e lá ficou por um momento. Mas logo depois se soltou, e a fileira seguinte se
- Legal, disse Ted, enfiando o tesouro no bolso do short. Vocês estão prontos?
- Estamos, respondeu Rick, aparecendo na sala com Katie, prendendo-a por baixo do
Cris teria ficado furiosa se o Rick a tivesse tratado desse jeito. Mas Katie dava sinais
de que chegara ao céu. Quem sabe eles se darão bem, pensou ela.
O grupo saiu pela porta e Cris notou numa prateleira um vidro grande de maionese,
cheio de moedas até a metade. Douglas lhe falara sobre o vidro. Eles juntavam dinheiro
para um menino de dez anos, chamado Joabe, do Quênia, que eles apadrinhavam. Cris
tinha visto uma carta que o garoto escrevera aos rapazes, aos cuidados do Douglas. Sabia
também que o Douglas andava com uma foto do Joabe na carteira e mostrava para os
- Douglas, adivinhe uma coisa! disse Cris quando Ted trancou a porta e os dois
seguiam, pelo corredor, atrás de Rick e Katie que lhe oferecia o ombro como suporte.
Escrevi para aquela organização através da qual você se tornou padrinho do Joabe. Eu e
minha família estamos apadrinhando uma menina de quatro anos do Brasil. O nome dela é
Ana Maria. Nunca lhe agradeci as informações que você me deu. Então, obrigada!
surpreendente como a gente pode ajudar essas crianças dando tão pouco?
- Stephanie! gritou Rick à porta do apartamento dez. Abra aí! É o Rick Maravilha.
- Não vai dar um beijinho para sarar? perguntou, estendendo o braço enfaixado para
Então Rick passou o braço sobre o ombro de Stephanie e entrou na sala, ainda
Ah não, cuidado, Katie! Quando você coloca o coraçao na beira do muro, nao
demora muito para que ele tombe e espatife que nem ovo.
Katie não parecia incomodar-se. Foi até a cozinha e remexeu a panela de molho de
macarronada, como se lhe tivessem pedido para cuidar dela. Cris admirou ainda mais a
- Quer que eu acabe de preparar o pão de alho? Perguntou Ted, pegando a faca e
fatiando a baguete a partir do ponto em que Stephanie havia parado.
- Claro, replicou a moça dando as costas para o Rick, com ar de desprezo, e foi para
a cozinha,
- É a segunda casa deles: minha tv, disse Stephanie para Cris, apontando os dois
rapazes. Se vocë quiser atenção dos rapazes do seu prédio, basta ser a única que tem o
- Vou me lembrar dessa, disse Katie, ajudando o Ted a embrulhar o cheiroso pão no
papel alumínio.
Abanou a mão como que para afastar o cheiro forte do tempero, e em seguida
- É gostoso assim. Você vai ver. Minha receita secreta. Manteiga, maionese e muito
alho.
- E só três mil calorias por fatia, acrescentou Stephanie com uma piscadela, ao ligar
o forno e entregar uma assadeira a Katie para ela colocar o pão. É bom mesmo. Acredite.
O Ted já fez antes. É por isso que o papel de parede da cozinha começou a descascar.
Embora soubesse que Stephanie estava só brincando, Cris olhou para o papel de
parede. Não havia nada de errado. Todos os “coraçõezinhos” estavam muito bem
colocados.
Cris gostava do jeito como Stephanie usava figuras de coração para decorar a
Fitas cor-de-pssego e azuis passavam pelos lados com um monte de flores de seda
embaixo. Apreciava coisas floridas assim, e imaginou como seria divertido se um dia
Um pouco mais tarde, quando sentaram para comer, resolveu que ela teria cadeiras
de madeira de encosto reto, com almofadas de estampa florida à mesa da cozinha, do jeito
conversa continuava animada. Tudo nesse encontro fazia Cris sentir-se adulta e aceita no
círculo de amigos universitários. Era totalmente diferente de ter dezesseis anos e morar
Ah não! lembrou-se de repente. Prometi telefonar para eles logo que chegássemos.
Cris entrou no quarto de Stephanie e fechou a porta. Sentiu- se mal por ter
esquecido.
Quem atendeu foi sua mãe. Cris então explicou rapidamente sobre o fato de os
rapazes não estarem lá, a chave trancada no carro, Stephanie e o pulso destroncado do
Rick. Quando terminou, sentiu uma pausa desconfortável no outro lado da linha.
- Sério, mãe, foi o que aconteceu e por isso não me lembrei de ligar antes.
- Ah, sim! Acredito em você, filha. É que com tudo que anda acontecendo nas
últimas horas, não sei se estou preparada para todas as aventuras que você certamente
- Mãe, respondeu Cris, esforçando-se para passar à mãe a impressão de uma menina
madura e responsável, não precisa se preocupar com nada. Me desculpe por não ter ligado
antes. Está tudo bem e tenho certeza de que o resto da viagem vai ser sem atropelos.
Amanhã eu ligo antes de sairmos de volta para casa. Sou muito grata por você e o pai
terem deixado que eu viajasse para visitar meus amigos.
por um momento. Sentia-se um pouco como o bebê do grupo, onde todos já tinham seu
próprio apartamento, menos ela e Katie. E os pais de Katie não só a tinham deixado fazer
o passeio como até emprestaram o carro com o tanque cheio e disseram para ela se
Cris estava perfeitamente ciente do cordão invisível, porém sempre presente, que a
ligava aos pais. Quanto mais velha ficava, mais corda lhe davam, encorajando-lhe aos
poucos a independência, como nessa viagem a San Diego. Mas a corda invisível ainda a
mantinha atada a eles. Em situações como esta ela tinha de te1efonar, avisar, e a corda lhe
De repente ela teve um pensamento ainda mais assustador. Logo, logo, vou fazer
dezoito anos. Estarei na faculdade e serei independente como a Stephanie. Como será que
Resolveu ser grata por esse laço enquanto o tinha. Sentia-se segura, sabendo que a
corda invisível que a atava aos pais estava intacta e firme. Em breve estaria totalmente
Parece que Katie não tem nenhuma corda a prendê-la. Deve dar medo. É como se
não tivesse certeza de que alguém poderá puxá-la para perto, se ela for longe demais.
Juntando-se aos outros, Cris ajudou a tirar a mesa e a enxugar a louça. Douglas
- Veja como estão minhas mãos depois que usei este novo detergente para louça!
disse Douglas, numa voz fina, erguendo as mãos cobertas de sabão, imitando a
propaganda de televisão: Que tal a limpeza?
- Espere. Tenho uma idéia! disse Ted, pegando o prato que Cris estava enxugando.
Tirou o boneco do bolso e o jogou no prato. Ele começou a descer pelo prato.
Ted jogou o boneco no teto. Grudou perfeitamente, mas não andou. Nem se mexeu.
- São as olimpíadas do boneco, disse Douglas. E nosso melhor atleta agora está
parado.
- Eu desço ele, ofereceu-se Ted, puxando uma das cadeiras de almofadas floridas
- E o que você sugere? interveio Douglas. Esperar que a lei da gravidade resolva o
problema?
Cris teve uma idéia. Girou o pano de prato na mão e o jogou em direção ao teto, por
pouco não alcançando o brinquedo. Mas o pano produziu um som alto, de chicote.
- Errou, disse Ted, pegando outro pano e fazendo mais uma tentativa.
Antes que Cris percebesse o que se passava, viu-se no meio de uma batalha de panos
- Epa! Espere aí! Como é que fui parar no meio de vocês? gritou, tentando romper o
cerco.
assunto. De repente, ela enfiou as mãos na espuma de sabão da pia. Com um monte de
Antes que Cris pudesse resolver a quem ensaboar, Douglas enfiou a mão debaixo da
sua e empurrou o monte de espuma na garota. Um pouco dela ficou em seu nariz.
Cris gritou e limpou a espuma dos olhos ainda a tempo de ver Douglas e Ted se
congratulando, batendo as palmas das mãos no alto. No momento que eles as baixaram, o
- Tudo bem! disse Ted, tirando o brinquedo do seu cabelo. Boa tacada, Cris.
Naquele instante alguém bateu à porta. Rapidamente Cris removeu o sabão do nariz,
Cris tomou o pano de prato da mão de Douglas e terminou a limpeza, envergonhada por
- Quase.
Douglas pegou o pano e limpou com cuidado debaixo do canto do seu olho direito.
Cris sorriu e cumprimentou as três garotas e os quatro rapazes que tinham acabado
Outra batida na porta, e mais duas garotas vieram juntar-se a eles. Uma era muito
bonita. Tinha o cabelo loiro em permanente, e usava um batom bem vermelho. Foi direto
ao Rick e logo compensou a falta de atenção do resto do pessoal para com ele.
disse que era hora de começar. Cada um se acomodou no seu lugar como se já estivesse
acostumado. Cris notou que Ted havia desaparecido, e ela não sabia onde sentar-se. Katie
estava do lado de Rick, no sofá, com a loira do outro lado e as amigas perto dela. Douglas
parecia estar no comando. Stephanie, sentada no chão, conversava com um dos rapazes.
Cris encontrou um lugar vazio junto à parede ao lado da porta da frente. Sobreveio-lhe de
repente a sensação de “estar sobrando”, algo que sempre lhe acontecia. Enquanto se
sentisse tomada desse sentimento, não conseguiria falar com ninguém. Mas estava numa
reunião de estudo bíblico. Deviam conversar com ela. Todavia ninguém a cumprimentou.
Ted voltou, trazendo seu violão e o de Douglas. Cada um puxou uma cadeira na
Mais três garotas chegaram, e uma delas, usando camiseta da Universidade de San
- Sim.
- Estou contente em ver todos aqui esta noite. Como sabem, a maioria dos “Amigos
de Deus” já foi embora de férias. Esta é nossa última reunião deste semestre. Acho que
seria bom a gente passar algum tempo agradecendo a Deus pelas coisas maravilhosas que
maravilhoso”. De alguma forma, Cris compreendeu que aquele era o corinho predileto do
Ela cantou com a turma toda, surpresa de ver tantos universitários sentados ali,
cantando de coração aberto para o Senhor. Um cara na sua frente mantinha os olhos
Não dava para Cris explicar, mas, ao ouvir aquele primeiro corinho, com o Ted
começando a orar em seguida, todas as suas defesas caíram por terra. As pessoas que se
achavam na sala eram cristãs como ela. Todas pareciam estar ali para adorar a Deus. Esses
universitários eram irmãos em Cristo. Mesmo que ela nunca mais os visse, iria passar a
Douglas passou a dedilhar outro cântico, que Cris não conhecia. Mas agora, em vez
de sentir-se por fora, fechou os olhos e inclinou a cabeça e se pôs a escutar os outros
cantarem:
Durante duas horas, eles cantaram, oraram e conversaram sobre o que estava
acontecendo na vida de cada um. Então Douglas leu alguns versículos e falou sobre
esperar em Deus e confiar nele com relação ao futuro. Todos se mostravam atentos ao que
ele falava, sobretudo porque, a partir da semana seguinte, a maioria tomaria rumos
Por fim, Ted encerrou com uma oração, e todos se puseram a conversar. Cris,
aquecida pelo doce espírito do grupo, circulou pela sala e ficou conhecendo os que ainda
não lhe haviam sido apresentados. Ela nunca se sentira tão solta, tão à vontade para tomar
a iniciativa de conversar com os outros. Ficou surpresa de ver que não era assim tão
difícil.
- Quer vir tomar um café conosco? perguntou Beth. Vamos sair para lanchar. Sua
amiga Katie disse que vai conosco, e tenho certeza que a Stephanie também.
A animação que Cris sentira até ali esvaiu-se. Uma das coisas que prometera aos
pais, no tocante a essa viagem, fora não sair depois que escurecesse. Agora parecia uma
regra tão tola! Se eles estivessem presentes, certamente veriam que esses jovens eram
pessoas responsáveis. Assim mesmo, se ela saísse sem lhes pedir, estaria quebrando sua
palavra.
Talvez pudesse ligar, explicar a situação, e eles entenderiam e lhe dariam permissão
para sair.
Cris olhou o relógio na parede da cozinha. 9:45. Sabia que seus pais provavelmente
já estariam dormindo. Seu pai trabalhava num laticínio e tinha de sair de madrugada.
Habitualmente ia dormir antes mesmo que ela. Não seria bom ligar e acordá-lo para pedir
- Nós vamos ao “Blue Parachute”, disse Katie, entusiasmada. Pegue sua bolsa e
vamos embora!
Ted estava conversando com algumas pessoas na cozinha. Se ela soubesse se ele iria
Cris detestava ter de tomar decisões como essa. Principalmente sabendo que,
qualquer que fosse a decisão, ela acabaria perdendo. Qual era pior: perder a consideração
hora.
Meus pais nunca vão saber, argumentou consigo mesma. Eu não vou contar. Só
pessoal.
- Tenho lugar, disse Ted para Douglas e Cris, se quiserem vir comigo na “kombi
nada”.
Cris seguiu, calada, o resto do grupo até o estacionamento e ficou a olhar para Katie,
que se ria e fazia piadas com Rick enquanto se dirigiam para o Mustang vermelho do
Ted abriu a porta lateral da velha kombi. Olhando para Cris, perguntou:
- Claro, respondeu ela rapidamente, entendendo que seu sentimento de culpa estava
estampado no rosto.
- É que combinei com meus pais que não sairia depois que escurecesse. Sei que, se
estivessem aqui, seria diferente. Eles me deixariam ir.
- Então vamos ficar em casa também, falou Douglas, solidarizando-se com ela.
- Podemos fazer banana split, ofereceu Stephanie. Tenho tudo que precisa. Não
- Vocês não precisam ficar só por minha causa. Eu fico sozinha e vocês vão.
- Não precisa se preocupar Cris, disse Stephanie. Esses caras não se importam aonde
vão, desde que tenha comida. Vamos ter mais oportunidade de conversar, e isso vai ser
bom.
Ted fez sinal para Rick, que estava prestes a sair do estacionamento. Correu até sua
direção dela. Compreendeu que ele estava se lembrando das regras que seus pais haviam
Isso mesmo, todo mundo olha para mim, pensou ela. Aqui estou eu, Cris Miller, o
Uma risada leve de Katie encheu o ar. Ted deu três batidas no lado do carro, do jeito
que um caubói bate no cavalo para iniciar a cavalgada. Com um chiar dos pneus, Rick
arrancou, ansioso para chegar próximo dos outros carros que já tinham partido.
bem aqui.
Talvez ela se sentisse censurada ou com vergonha se outra pessoa falasse assim com
ela, mas não o Ted. Ele podia falar assim porque, quando o fazia, algo lá dentro dela se
aquietava.
Stephanie contou que na semana seguinte voltaria para San Francisco, e passaria as
pai dela recebeu uma Bíblia em chinês de um cara que contrabandeava bíblias para o país.
Era a primeira vez na vida que ele ouvia falar em Bíblia. Ele a leu e entregou o coração a
Jesus. Mais tarde conheceu outros cristãos que se reuniam numa igreja clandestina. Foi
Stephanie continuou:
era cristão.
- Incrível, disse Cris, lambendo o chocolate da sua colher. Como foi que acabaram
Stephanie contou sobre as dificuldades que eles tinham enfrentado tentando sair do
país.
- Ficaram com mais pressa de sair quando minha mãe ficou grávida de mim. Tinham
- Quer dizer que você teria sido abortada se seus pais não saíssem da China?
Cris já ouvira, vagamente, acerca da dificuldade de vida em alguns países, mas não
- Eles vieram para San Francisco. Nasci quatro meses depois que aqui chegaram.
Por isso sei de tudo, todo o drama que viveram. Agora, a parte difícil da história é que
vivemos num país onde temos liberdade de adorar a Deus e um de meus irmãos mais
novos não quer nada com o cristianismo. Acho que isso tem sido mais difícil para meus
Mais tarde, deitada no chão, no saco de dormir, Cris ficou pensando nessas palavras.
Katie e os outros ainda não tinham voltado, e Cris não conseguia dormir. Sentiu que havia
crescido mais numa noite do que no seu último ano de colégio. A conversa com Stephanie
fê-la refletir em silêncio, lembrando de como era fácil para ela ser crente. Nunca fora
Outra parte da sensação de maturidade vinha do fato de estar por sua conta e entre
universitários. Sentia-se independente, ainda que não tivesse liberdade de sair com o resto
da turma. Estava fora de casa, fazendo novas amizades, tomando suas próprias decisões.
entreaberta, Cris viu a silhueta de Katie parada ali, cochichando alguma coisa com o Rick.
Cris continuou olhando e viu que ele firmava o braço contra o batente da porta e abaixava
a cabeça até o nível dos olhos de Katie. Cris conhecia bem o gesto. Ele assumira a mesma
posição várias vezes com ela, no instante em que ia beijá-la. Essa atitude fazia a garota
Mas olhou.
Rick beijou Katie. Em vez de limitar-se a receber o beijo, ela passou os braços em
volta do pescoço de Rick e beijou-o também. Em seguida, ele se afastou levemente e ela
tirou os braços. Cris ouvia seus sussurros abafados e viu depois Rick se afastar e dizer
adeus.
Tinha certeza de que já passava bem da meia-noite, e não seria uma boa hora para
Vou esperar para ver como as coisas andarão amanhã no zoológico. Ainda não lhe
disse uma palavra negativa sobre ele. Mas se ele a tratar mal amanhã, não vou suportar.
No dia seguinte, Cris levou mais de uma hora caminhando pelo zoológico antes de
começar a relaxar e parar de bancar a super-espiã. Estava tensa por diversas razões. Rick
parecia ignorar Katie completamente, ou, no mínimo, tratava-a como se fosse uma criança
descaradamente. Duas vezes Cris notou que ela colocara o braço no de Rick, mas ele não
Um grupo de cinco era mais difícil que de quatro ou até mesmo de seis.
Perto da lagoa dos flamingos, na entrada principal, o grupo resolveu dar um giro no
trenzinho. Katie sentou-se perto de Rick, Cris ficou na frente deles, e Douglas ao lado
dela. Sem espaço para o Ted, ele teve de sentar-se noutro banco, perto de uns turistas que
só falavam japonês.
Desembarcaram e foram até o espaço das girafas, os cinco misturados com os outros
Douglas se aproximou de Cris, passou o braço pelo ombro dela e apontou a fileira de
altos eucaliptos.
- Olha só a girafa torcendo o pescoço em volta da árvore. Não parece que está
Cris e Douglas riram-se, mas ao mesmo tempo ela percebeu que Ted se desviara
para o lado, sozinho. Katie tinha agarrado de novo o braço do Rick e estava esticando o
Cris sentiu-se inquieta, como se dependesse dela fazer todo mundo se dar bem e
divertir-se.
frente da exibição de coalas, olhando para um filhote agarrado à mãe. Você não é mãe de
- Eu queria ver os elefantes, disse Ted. Alguém tem idéia de onde eles estão?
Douglas puxou do bolso traseiro um mapa do zoológico e começou a dar instruções.
- Aqui ainda tem o show dos leões marinhos? perguntou Rick. Era o de que eu mais
- Não tive chance de lhe perguntar como foram as coisas ontem à noite. Você e Rick
se divertiram?
Katie agarrou o braço de Cris e afastou-a dos rapazes. Estava com lágrimas nos
olhos.
- Ele não gosta de mim, não é mesmo? Ontem à noite pensei que alguma coisa
estivesse pintando entre nós, mas hoje ele está se afastando de mim e me olha como se eu
- Mas me sinto assim. Por que eu fui me envolver com ele? Nunca gostei dele. Por
que é tão importante que ele goste de mim? concluiu ela, chorando.
Cris ficou bem perto da amiga, para que os rapazes não a vissem chorar.
- Calma, Katie. Você não precisa da aprovação do Rick. Verdade! Não precisa se
esforçar para que ele goste de você. Você é maravilhosa do jeito que é. Se Rick reconhecer
Katie fungou e limpou o rosto com as costas da mão. Os olhos verdes pareciam duas
Katie concordou.
- Promete que não vai deixar o Rick usar você? Ele faz isso com as meninas, sabe?
Talvez nem seja de propósito. Ele não consegue abrir mão de um desafio e, às vezes,
- Eu sei, eu sei. E você tem todo direito de me dizer essas coisas, Cris. São as
mesmas que eu disse para você no ano passado, quando você o namorava.
- E, e eu não lhe dei atenção na época. E se você não me ouvir agora, não posso nem
achar ruim. Mas quero que me prometa que não vai deixar que ele a use. Você não merece
voltou-lhe ao rosto.
- Olhe só aqueles três! Parece que nós somos a atração do zoológico, do jeito que
estão parados aí olhando para nós. Se ficarmos aqui mais um pouco, talvez eles nos
Cris olhou para eles, e as duas começaram a rir, achando gozada a situação.
- Vamos lá! Vamos tentar começar essa aventura toda de novo, está bem?
- Você já notou quanta coisa vem em grupo de três? perguntou Katie, ainda olhando
para os rapazes, que pareciam não saber aproximar-se dessa rara espécie feminina.
- Os três mosqueteiros, os três ratos cegos e... os três patetas! conclui Katie dando
uma risada.
- Qual deles você quer: Larry, Moe ou Curly? indagou em tom de brincadeira.
Cris tentou abafar uma risada e sorriu para o Ted, que lhe devolveu um de seus
- Que tal visitar um astro famoso? perguntou Douglas. Dizem que tem um elefante
- Boa idéia, disse Katie, ignorando o Rick e dando um sorriso largo para o Douglas.
Douglas e Katie iam na frente e Cris seguia entre Rick e Ted. A desajeitada dinâmica
- Por que ele faz isso? perguntou Katie alguns minutos mais tarde, quando
observavam o elefante dançarino balançar para frente e para trás com o pé atado numa
- Parece que não, disse Ted. Acho que ele escuta sua própria música e segue o
Cris sabia que, se o assunto era alguém ouvir sua própria música e “dançar de
acordo com ela”, Ted era mestre. Ele e o elefante dançarino pareciam ter algo em comum.
- Que tal vermos alguns animais de verdade? perguntou Rick. Onde estão os leões e
- Já vimos o leão, esqueceu? Estava dormindo. Os macacos estão por aqui. Vamos
- Notou como cada cara quer ver o animal com o qual se identifica?
- Bom, ainda bem que recuperei o bom senso antes que ele se enroscasse em mim!
- Shh! fez Cris, levando os dedos aos lábios, fazendo sinal para que ela se calasse.
Ted respondeu antes que Cris ou Katie tivesse a oportunidade de abrir a boca.
- Você não sabe se é isso, não! respondeu Katie, desafiando a filosofia dele.
- Como... bem... qualquer coisa, respondeu Katie com as mãos na cintura. Além do
mais, você não saberia porque; como você mesmo disse, é coisa de garotas.
Cris estava contente por terem parado na frente do gorila. Era o pretexto de que
precisava para mudar de assunto. Um enorme gorila entre preto e cinzento estava sentado
de cócoras sobre uma rocha à sua frente. Tinha as mãos dobradas debaixo do queixo e
- Olhe só aquele cara! exclamou Douglas. Parece que hoje se levantou com a
para ele.
- Não jogue nada pra ele, não, cara. Não leu a placa? interveio Cris.
- Olhe só. Ele nem se mexeu. Esse cara é uma rocha, comentou Douglas.
- Esse “cara” é fedorento, disse Katie, apertando o nariz com os dedos. Você não
sente o cheiro?
cama?
- Olhe aí, gente, disse Ted, lendo a placa de informação na frente do gorila. Diz aqui
que eles têm um “odor corporal distinto, inconfundível e muito desagradável aos seres
humanos”.
- Na verdade, diz: “O odor não é falta de limpeza. Na selva, o odor ajuda os gorilas a
se localizarem.”
- Deve ser uma dessas coisas de rapazes, cochichou Katie para Cris.
- Eles são mesmos esquisitos. Riem-se de qualquer coisa! respondeu esta também
cochichando.
- Nunca dá para entendê-las, comentou Ted, saindo à frente deles para a jaula
Duas semanas mais tarde, quando Cris e Katie voltavam para casa após a festa de
- Ah! disse Cris, tirando a mão direita do volante e apontando para o seu álbum no
banco traseiro, algo bobo tipo “continue sorrindo e eu a vejo ano que vem na equipe do
anuário”.
- Ainda não sei. É provável. Tenho a máquina fotográfica legal que meu tio me deu
no Natal passado, e ainda mais, tenho certeza que consigo tirar fotos melhores do que as
que o Fred bateu este ano.
- Não sei... falou Katie abrindo seu álbum na seção sobre férias de inverno e
levantando-o para Cris ver a foto central. Acho que o Fred se saiu bem com esses
instantâneos.
Fred tirara uma foto numa pizzaria, ampliando-a depois para que Cris ocupasse, com
destaque, o centro da página. Cris aparecia sentada a uma mesa, e Rick quase no seu colo,
com o braço em volta dela. Ele parecia um modelo fotográfico, naturalmente, e Cris tinha
a cara assustada, como se lhe houvessem metido gelo nas costas. Ao lado dessa fotografia,
havia uma pequena de Katie fazendo palhaçadas na mesma pizzaria. Estava com orelhas
de copos de isopor e fingia ser um anãozinho. Era muito mais engraçada do que a foto de
Rick e Cris, e ela desejou que tivessem ampliado essa, e não aquela.
- Talvez eu deva participar da equipe de novo no ano que vem, para proteger a
minha reputação.
- Talvez não seja má idéia depois dessa foto aqui, comentou Katie.
Abriu na página sobre o clube de esqui e apontou para a foto da Cris, trombando
com o instrutor de esqui. Os esquis dela estavam entre os pés dele, e o rosto no peito do
rapaz.
- Por que eles puseram o meu nome? indagou Cris em tom lamentoso. Ninguém
- E isso lá é bom?
- Claro que é. Você está se tornando bastante popular. Acho que essa onda começou
quando você recusou a posição de líder de torcida no ano passado e a escola inteira soube
que fez isso para que a Teri Moreno ficasse no lugar. E você vai tentar de novo este ano?
- De jeito nenhum! Não é engraçado? Ano passado, eu só conseguia pensar em ser
Recordava-se de haver sentado embaixo dela no ano passado com o Ted, aspirando o
cheiro forte das flores enquanto ele lhe dizia que iria levar outra garota à festa de
formatura.
- O que você quer fazer? Você não quer se candidatar a líder de torcida e talvez
participe da equipe do álbum do ano. Mas o que você pretende fazer nestas férias de
verão?
mundo.
Cris abriu a porta da frente e cumprimentou a mãe, que estava sentada no sofá,
A luz do abajur batia no seu cabelo escuro e ondulado, de maneira a fazer brilhar os
- Seu pai já dormiu e Davi deve estar dormindo também, informou a mãe.
Era difícil, porque a casa era muito pequena e os três quartos ligados ao mesmo
corredor. Assim que entraram e fecharam a porta, Katie perguntou novamente o que ela
pretendia fazer naquelas férias. Cris examinou o rosto da amiga antes de responder. Afinal
disse:
- Eu estaria correta se dissesse que você já sabe o que pretende fazer durante as
férias?
- Leio seus pensamentos como se fossem um livro, Katie Weldon. Se não estiver
enganada, você está pensando em alguma coisa ousada, aventureira, meio maluca,
- Quem, eu?
- A última vez que apareceu com essa cara, você me convenceu a entrar para o clube
- Desta vez não estou falando em esquiar. Estou falando sobre um acampamento de
férias.
- Sim. Dei meu nome domingo passado, depois que você já tinha saído. Não sabia ao
certo se você gostaria da idéia, porque achei que talvez você estivesse planejando passar
- Sabe, Katie, as coisas com ele não mudam. Acho que nosso relacionamento não
avançou nem um passo desde que ele voltou do Havaí. Isso já faz mais de cinco meses. As
- Eu não reclamaria, se fosse você. O Ted sempre está aí para você. Quer comparar
conversar no telefone, me abraçou duas vezes e, quando foi para Quito, há dois meses,
prometeu me escrever. Claro que não recebi uma única linha e ele deve achar que estou
- Tudo bem. Tenho certeza de que ele ainda vai lhe escrever. Provavelmente as cartas
pode me dar uns bons tapas! Além de um beijo na passagem de ano e mais um e meio no
minha auto-estima. Tenho certeza de que ele achou melhor na minha do que na dele. E aí
está. Minha trepidante vida amorosa! Pelo menos você tem o Ted. Bom, coerente, não
- Menina, pare de reclamar! Vamos encarar os fatos? Você está com tudo e não sabe!
Cris não procurou explicar seus sentimentos para Katie. Eram só seus. Sentimento
de querer romantismo. Quando namorara o Rick, ele lhe comprava rosas e dizia coisas
incríveis e carinhosas. Ted não tinha nada de meloso, não tocava seu cabelo nem ficava
fitando os olhos dela ao jeito do Rick. Mas para o Rick isso parecia um jogo em que o
- Alô! Tem alguém em casa? falou Katie, abanando a mão no ar para chamar a
atenção da amiga.
junto à fogueira à noite, colher flores silvestres e nadar num lago aquecido pelo sol, a
férias. E vamos nos divertir muito lá. Estou pronta. Vamos sim!
- Não entendo você, Cris. Acho que está dormindo de olhos abertos. Talvez seja
- Cinco a onze de julho. Ligue para o Lucas esta semana na igreja e diga-lhe que
você concordou em ir. Ele vai ficar contente. A gente se vê. Bons sonhos!
acampamento. Teria de pedir permissão aos pais, solicitar uma dispensa do trabalho,
verificar se tinha roupa para a semana toda. Talvez essas férias fossem bem interessantes...
- O nome é “Acampamento Wildwood” e fica a umas duas horas daqui. Você terá
onze garotas em seu alojamento. Nós pagamos a estada, mas você terá de despender vinte
- Ainda bem. Creio que vai ser uma ótima semana. Quero que saiba o quanto aprecio
ver você e Katie se oferecendo para isso. Não são muitos os estudantes dispostos a doar
Cris achou ótimo a igreja patrocinar os jovens que queriam ir, pagando sua estada.
Naquela tarde Ted apareceu, e foram à praia. Mesmo com a chegada oficial do
verão, ainda estava um pouco frio, e uma neblina, vinda do oceano, pairava sobre a areia.
cobertor e olhavam as ondas. E difícil acreditar que fica só a sessenta milhas de distância
- Por quê? indagou Cris fechando o zíper do blusão e enrolando a ponta do cobertor
- Não, é o jeito das ondas quebrarem. Parecem vir de outro ângulo aqui. Sei lá, pode
ser o tempo também, embora não seja raro esse tipo de temperatura nesta época.
quente e ensolarado quando saíram. Ela vestia short e camiseta sobre o maiô. Sua sábia
O vento fustigava a manga da camiseta do Ted. Ele parecia confortável. Cris nunca
notara antes, mas os cabelos das pernas do Ted eram quase brancos de tão loiros, e
superenrolados. Ele não parecia sentir frio.
- Está mesmo?
- Sim, estou. Não tenho um casaco de pele embutido como você, falou brincando, e
- Ai! gritou ele e, notando suas pernas lisas, indagou: Por que as garotas fazem isso
-raspam as pernas?
- Deixe pra lá. Na verdade, fazemos isso para que os rapazes sintam pena de nós
quando dizemos estar com frio. Aí eles colocam o braço em volta de nosso ombro e nos
aquecem.
- Tenho uma idéia melhor, disse Ted, pondo-se de pé e oferecendo-lhe a mão para
Sentia a mão de Ted forte e firme enquanto caminhavam pela praia. Ainda estava
com frio nas pernas, mas interiormente estava aquecida e contente. Era assim que as
coisas iam entre ela e Ted nos últimos meses. Mais que irmãos, eram quase namorados.
Percebeu que ele correu o dedo pela corrente da pulseira de chapinha que ele lhe
dera um ano e meio atrás. Gravara nela as palavras “Para Sempre”. Era a promessa de que
seriam amigos para sempre. O relacionamento deles havia passado por altos e baixos
desde que haviam se conhecido dois anos antes. Mas a promessa permanecia. Ele sempre
a tratava como uma amiga querida. Só que, de vez em quando, como agora, Cris queria
mais.
- No que você está pensando?
- Papua, Nova Guiné. Estava imaginando qual o ângulo das ondas lá.
O que se pode esperar? Desde que conheço o Ted, sei que ele sonha em ser
missionário numa ilha remota, cheia de nativos que ainda não ouviram o evangelho. E
tão surfista que, se o cortar, ele sangra água salgada. Pode ter certeza! Por que eu iria
A pergunta surpreendeu-a. Embora muitas vezes ela indagasse ao rapaz sobre seus
pensamentos, ele raramente perguntava sobre os dela. Talvez o Ted estivesse ficando mais
parecido com Cris, à medida que passavam mais tempo juntos. Ela, por seu lado, estava se
Uma coisa que ela aprendera era ser sincera com o Ted.
- Eu também.
Cris sentiu o coração bater um pouco mais forte. Ele interrompeu o passo e, virando-
se para ela, olhou-a de frente. A luz do sol brilhava no seu rosto, iluminando-lhe os olhos
- Se passarmos o dia todo pensando no amanhã, ele vai embora e a gente não
aproveita nada.
Cris reconheceu que ele tinha razão. Por mais que desejasse que ele a abraçasse, que
lhe beijasse o cabelo e contasse todos os seus planos para o futuro, sabia que ele não o
faria. Ted era reservado no tocante a expressões físicas. Isso era parte de seu caráter
honrado. Certa vez ele lhe disse que jamais a “defraudaria” de propósito.
- Não quero despertar em você um desejo que eu não possa satisfazer com dignidade
diante de Deus.
Ela sabia que, se o relacionamento deles fosse cheio de abraços, beijos e sussurros, o
desejo nele despertado acabaria chegando a um ponto que não teria mais retorno.
Exceto pela falta de sua profunda amizade, que certamente haveriam de sentir, não teriam
que se arrepender de promessas não cumpridas, nem das dolorosas lembranças de uma
intimidade exagerada.
- Então vamos aproveitar o dia exclamou Cris, sorrindo-lhe com os olhos. Estou
contente por estar com você. Mas é melhor continuarmos andando. Comecei a ficar com
frio de novo.
Ted apertou-lhe de novo a mão e desceram pela praia. Passaram as duas horas
Quando chegaram a casa, sua mãe tinha preparado “tacos”, e havia um recado
Cris só ligou para Katie na manhã seguinte. A conversa foi curta e a notícia mandou
- Entra, mãe. Estou chateada. Katie não vai poder ir ao acampamento. Os pais dela
não deixaram, por ser uma atividade de igreja. Não é uma loucura? Eles deixam ela sair
sozinha e fazer uma porção de coisas que vocês jamais aprovariam, mas não querem que
ela se envolva demais com a igreja. É duro ser a única crente da família.
- Talvez a gente possa ligar para o Lucas e ver se outras garotas que você conhece
estarão indo...
- Está bem. Mas não vai ser tão divertido quanto seria se a Katie também fosse.
Cris acabou não telefonando para Lucas. Quando o viu domingo na igreja,
Não dava para acreditar. O grupo de jovens da igreja tinha 250 pessoas!
- Que pena que Katie não vai. Nós realmente estamos precisando de conselheiras. É
encarregar das meninas de 11 e 12 anos. Você pensou que ela tinha dado o nome de vocês
para o acampamento de jovens? Ele vai ser só na última semana de agosto. Quer dizer que
Alguma coisa no modo como Lucas disse isso fê-la sentir que seria o fracasso do
ano, se ela desistisse faltando apenas uma semana para começar o acampamento.
- É isso aí, moça! Sabia que podia contar com você. Vai ser uma experiência e tanto
de crescimento, você vai ver.
o saco de dormir, sabia que não estava muito disposta para essa experiência de
Foi preciso mais de uma hora para organizar a “tropa”, colocar a bagagem no lugar e
instalar a criançada no ônibus. Cris sentou-se logo atrás do motorista, esperando não ligar
mascar, essas coisas. Sabia que nesse fim de semana seu cuidado principal seria com o
O pior de tudo é que Katie gostava desse tipo de coisa. Adorava se sentir como o
centro das atenções no meio dos baixinhos, e tinha um jeito todo especial de controlá-los
com facilidade. Coisa dela, Katie, dom muito seu, não de Cris.
Uma menina veio correndo, aos gritos, do fundo do ônibus e mergulhou no assento
vazio ao lado de Cris, como se sua vida dependesse de proteção contra o que quer que a
Um menino engraçadinho de olhos vivos e cabelo loiro escuro veio correndo pelo
Cris estava prestes a ralhar com a garota por tê-lo irritado daquele jeito quando, num
Do mesmo modo instantâneo que o assento do lado tinha sido ocupado, esvaziou-se.
Cris sentiu-se aliviada quando viu dois rapazes com ar de universitários entrarem no
ônibus. Com vozes fortes eles chamaram a atenção das crianças e ordenaram que se
outro pediu que abaixassem a cabeça e fechassem os olhos, porque ele iria orar pela
viagem.
Ao final, Cris acrescentou sua própria petição: Senhor, podia designar uns dois
anjos da guarda extras para esta semana? Acho que vou precisar.
O acampamento Wildwood
Duas horas mais tarde, quando pararam debaixo da placa de madeira que dizia
“Acampamento Wildwood”, Cris ficou com vontade de fugir do ônibus e correr para casa.
de Cris era no fim de uma trilha morro acima - ponto de difícil acesso para quem estivesse
De alguma forma, Cris sabia que a única vida selvagem que ela experimentaria
- Está bem, meninas! gritou, quando as viu chegando ao “lar doce lar”. Vou ficar
com o beliche embaixo, aqui perto da porta. Cada uma escolhe sua cama. Se brigarem por
garimpeiro em plena corrida do ouro. Cris achou que ficava melhor resolverem elas
mesmas os seus problemas, e foi estender o saco de dormir sobre a cama. Encontrou lá um
bilhete da mãe:
Cris sorriu e guardou o bilhete na mochila. Retirou seu caderno no momento em que
duas meninas estavam prestes a sair.
- Esperem aí! Onde vocês vão? perguntou ela, atravessando a perna na porta.
De repente entendeu por que, na reunião dos conselheiros, na noite passada, tinham
As meninas agiram como se ela acabasse de ordenar que comessem brócolis cru, e
- Venham todas sentar-se aqui no chão. Vamos fazer uma reunião rápida; depois
- Não podemos sentar na cama? perguntou uma menina com pele cor-de-ébano e
- Está bem. Desde que eu possa ver vocês todas! Esperem! Tenho uma idéia.
A pergunta veio de uma loirinha gorducha que, pela mancha de chocolate no rosto,
- Não, esse é um dos regulamentos. A comida atrai formigas e bichinhos que não
Cris se ergueu e se sentou no beliche vazio, acima do seu. Nesse momento pensou
que, se um dos beliches estava vazio, então uma menina não chegara ao alojamento. Em
vez de sair para procurar a “ovelha perdida”, achou melhor fazer a reunião conforme
planejara. Pela lista de participantes, descobriria quem estava faltando, e poderia depois
- Vamos acalmar, meninas. Vocês duas aí atrás, no beliche de baixo, querem ficar
Era a loirinha e a sua amiga, que tinham tentado escapar minutos antes.
- A reunião vai ser rápida. Preciso saber quem é quem. Vou fazer a chamada.
- Como é o seu nome? indagou a menina que estava no beliche à frente de Cris.
- Bem, na verdade.., hesitou Cris, falaremos sobre essas coisas depois. Primeiro eu
Ela tinha uns brincos pingentes de melancias vermelhas... Seu cabelo cor-de-café era
puxado para cima da cabeça num rabo-de-cavalo que lembrava uma fonte de água. A cada
movimento que fazia, o cabelo e os brincos balançavam, lembrando uma ave tropical. Até
mesmo o jeito como ela disse “presente, professora” lembrava uma gralha.
- Jocelyn?
- Sou eu.
Parecia que ela seria lindíssima quando crescesse mais e seus traços exóticos se
Nenhuma menina de onze anos devia ter cílios assim tao compridos e cheios. Ela
nunca vai gastar um centavo com rímel em toda a vida.
- Sara?
Parecia uma boneca de cabelos ondulados, correndo livres pela cabeça toda, e olhos
de gengibre, bebendo tudo de relance. A camiseta de Sara tinha uma expressão escrita: “E
daí?”
- Ruth?
- Prefiro que me chame de Ruthie, falou uma garotinha que estava sentada na cama
encheram de lágrimas.
- Tá vendo o que eu disse? Sua avó! Ninguém da minha idade se chama Ruth.
Ela tinha o rosto feio, nariz comprido e achatado, e usava aparelho ortodôntico. Sua
pele era perfeita, lisa e sem uma sarda. O cabelo castanho-claro descia liso até os ombros
- Bem, eu gosto do seu nome, reafirmou Cris, esperando consertar qualquer estrago
Chamou os outros nomes da lista. A única que não respondeu foi Jeanine Brown.
sair do acampamento, etc. Não tinha certeza de que elas iriam cumpri-los.
- Mais ou menos. E essa vai ser a melhor resposta que vou dar. Agora, vão e
divirtam-se. Na hora das refeições, vou me encontrar com todas vocês no refeitório.
- Refeitório? disse Jocelyn, dando risada. Aqui é o cocho do rango.
- Está bem, noo. Quando der o sinal, vocês vão até o cocho. E lavem as mãos antes
As meninas já estavam se acotovelando para sair. Amy, a ave, gritou por cima do
ombro.
- Sim, “professora”.
gritinhos da pequena ladra que tinha colidido com ela no ônibus no caminho para o
acampamento. Cris desviou-se da trilha principal e logo encontrou a garota, que deixara
- Me esconde! gritou ela, agarrando Cris pela cintura e usando-a como escudo.
- Devolve pra mim! gritou o menino que ela apoquentara no ônibus, correndo atrás
dela.
dela.
devolverá para você, se achar que você precisa dele esta semana... E você, quem é sua
conselheira?
- Não sei.
- Não sei.
- Jeanine Brown.
- Venha comigo, Jeanine Brown. Eu sou Cris Milier, sua conselheira. Nosso
- Que bom! exclamou a garota toda alegre. Eu estava com esperança de que você
Cris sentia que não poderia retribuir o elogio a quem estava prestes a tornar-se sua
Felizmente todas as suas meninas apareceram para jantar. Amy queria sentar-se ao
lado de Cris, à grande mesa redonda, e Sara brigou com Jocelyn para sentar do outro lado.
De certa forma, era bom ter alguém brigando por causa dela. Crís se lembrou de que esta
era a primeira noite e a primeira refeição de muitas que compartilhariam. Esperava que
A comida era melhor do que ela esperava. Alguém pediu que lhe passassem o purê
de maçã, e Amy deixou um de seus brincos de melancia cair dentro da vasilha. Cris teve
de “pescar” o brinco com a colher. Antes que pudesse impedi-la, Amy já tinha lambido o
brinco e o colocara de volta na orelha.
- Temos hora livre depois da janta? perguntou Jocelyn. Ano passado tivemos.
- Sim, mas lembrem-se de que vocês têm de ficar nos limites do acampamento. Eu
vou à reunião dos conselheiros, e se vocês tiverem algum problema, me esperem à porta
- Sim, disse Cris, olhando para os outros cinco colegas. Mas uma delas fica me
chamando de “professora”.
- Não se preocupe. Já ouvimos nomes piores. Agora quero que cada um conheça o
outro. Prefiro que me chamem de Deão Ferrill em vez de Bob ou Sr. Ferrill. Vamos
A garota que estava ao lado de Cris chamava-se Jessica, e a outra conselheira era
Diane. Os rapazes eram Mike, Bob e Jason. Cada um disse um pouco sobre si e onde
morava. Mike e Bob eram universitários da igreja de Cris. Jason vinha da mesma igreja
O Deão Ferrili falou sobre o horário da noite, chamou novamente atenção para o
principalmente porque ele orou por cada um dos conselheiros e acampados, como se a
salvação de cada criança fosse a coisa mais importante da vida. Nesse momento, Cris
- Olá! Tenho uma coisa a lhe entregar. Esqueci lá no meu alojamento. É um canivete
bastante sofisticado. Confisquei de um dos seus meninos. O nome dele é Nicolas.
- Ótimo. O Nick me disse que uma de suas meninas não larga do pé dele.
Jason parecia nascido para ser conselheiro de acampamento. Tinha corpo de atleta e
cabelo negro, curto, e um rosto que parecia esculpido em pedra. Os óculos de sol estavam
pendurados no pescoço, numa tira verde-néon, e no pulso havia meia dúzia de “pulseiras
- Obrigada.
Ela foi ao alojamento para pegar o casaco e o canivete antes de começar o culto.
Quando abriu a porta, três garotas saíram correndo como se fossem ratinhos fugidios.
Correu os olhos pelo quarto e viu seu estojo de maquiagem aberto em cima da cama
de Amy.
Olhou para seu beliche e viu a mochila aberta, com algumas de suas roupas puxadas
para fora.
As três culpadas, Sara, Amy e Jocelyn, estavam geladas em seus lugares. Sara falou:
- Você disse que ficaria uma hora na reunião. Não demorou tanto assim.
- Espere um pouco! disse Cris em tom firme, sentindo-se meio irritada. A reunião
não tem nada a ver com isso aqui. Vocês mexeram nas minhas coisas sem a minha
permissão.
Cris notou que Amy estava com as faces exageradamente rosadas e tinha manchas
- Amy, vá lavar o rosto. Sara e Jocelyn, guardem minhas coisas do jeito que vocês as
encontraram. Imediatamente!
Cris estava prestes a dizer que era mútuo o sentimento, quando notou o que Sara
estava vestindo.
- Por acaso esse casaco de jeans que você está usando é o meu?
Cris pegou o casaco, deu nele uma sacudida e o vestiu, examinando em seguida a
mala de roupa, agora toda amassada, e se levantaram. Sara ainda chorava, e o beiço de
Algo dentro de Cris pedia que ela lhes desse um abraço. Mas estava com raiva
dessas pestinhas. Em vez disso, deu dois passos para trás e ordenou que pegassem seus
casacos e saíssem com ela para ir ao culto da noite. Talvez a mensagem as endireitasse.
Caminharam morro abaixo até o salão de cultos, onde ela as forçou a ficarem junto
dela em vez de sentar-se ao lado das amigas. Os cânticos eram animados, mas as três
prisioneiras de Cris não cantaram. Ficaram de boca fechada durante toda a reunião.
prestavam atenção à mensagem. Assim que a reunião terminou, ela ordenou que fossem
canivete. Ela desceu a mochila do ombro, para apanhá-lo e, sem querer, balançando-a
ombro de Cris.
- Se ficar carregando isso por aí, você vai acabar com espasmo muscular antes de
encerrar o acampamento.
Notou que as três meninas se reaproximavam dela, aparentemente curiosas por saber
o que se passava entre sua conselheira e esse cara grandão que a tocava em público.
- Posso experimentar seus óculos de sol? perguntou Sara, olhando para Jason, os
- Quem sabe amanhã, disse ele. Émelhor você ir até o refeitório pegar uns biscoitos
- Claro que vamos com você, respondeu Jason. Vamos, Cris! Eles sempre têm
bolachas de creme de amendoim na segunda- feira. São uma delícia.
- Percebo que você trabalhou como conselheiro antes, comentou Cris, enquanto
- É o terceiro que eu venho. Comecei semana passada, e vou ficar até o final de
julho. E você?
- É a primeira vez que sou conselheira. Não sei se vou me sair muito bem,
- Ah! Você é a melhor conselheira que já tivemos, não é mesmo? perguntou Sara às
Cris sentia o rosto corar. Como essas meninas mudavam tão depressa a opinião que
- E se tiver qualquer coisa que ela necessite aprender sobre o acampamento, você
- Se tiver qualquer coisa em que eu possa ajudar, fale comigo. Tenho certeza de que
- Ela vai sim, não é, “professora”? respondeu Amy com entusiasmo, e saiu correndo
Naquela noite foram necessárias duas horas para as meninas se acalmarem. Mesmo
depois disso, Cris ainda temia que uma delas fingisse estar dormindo e saísse de fininho
logo que ela pegasse no sono. Permaneceu meio sonolenta, meio acordada, procurando
A segunda não foi muito melhor. O dia previa muitas atividades para os acampados.
Cris tinha certeza de que, com a natação, hipismo, arco e flecha e as horas de vigília até
- Não vamos precipitar as coisas, tá bem? Vocês ainda são novas demais pra pensar
em meninos, disse Cris, depois de conseguir que todas pulassem na cama e apagassem a
luz.
- A gente já vai fazer 13 anos, observou Sara. Não somos tão novinhas assim.
Cris teve de pensar. Lembrou-se de que fora a um acampamento de verão com sua
amiga Paula, já com doze anos. Lembrou-se também de que ela e Paula haviam passado a
- Não tem importância. Existe muito mais para se fazer no acampamento do que
ficar preocupada com os meninos. Além do mais, parece que nenhum deles se interessa
por vocês. Sabe como é, né? Meninas amadurecem mais depressa do que meninos.
- Sabemos isso, “professora”, disse Amy em seu beliche, no outro lado do quarto às
- Ela não deixou bem claro que tinha namorado, interrompeu Amy. Acho que o
- Fiquem em silêncio senão o Deão Ferrill vai vir como ontem à noite, e mandar a
- Sabe de uma coisa, meninas? falou Cris em tom sério. Está tarde demais para a
- Estou falando sério! insistiu ela meio zangada. Todo mundo se acomode agora
mesmo!
Naquele instante houve uma batida forte na porta. A voz do Deão Ferrill ressoou;
- Boa noite, senhoritas, disse o Deão Ferrill com firmeza. Não quero ter de voltar
- Não será preciso, prometeu Cris. Vamos dormir agora. As meninas ficaram quietas
ao ouvir o Deão Ferrill se afastar de sua porta. De repente, no meio do silêncio, Sara
gritou:
- Ei, Deão Ferrili! A Cris acha que, pra sua idade, você até que é um velho bonito!
menina.
Amar nunca é Demais
- Como estão as coisas, Cris? perguntou o Deão Ferrill no dia seguinte, na reunião
dos conselheiros.
- Não muito bem, eu diria. Eu precisava de umas dicas sobre o que devo fazer.
competição de natação do dia anterior. Seu cabelo cor-de-caramelo estava preso num
rabo-de-cavalo, e a julgar por seu rosto delicado, ela devia estar seguindo um programa
- Os devocionais no alojamento?
- Os cultinhos do quarto. O que você está fazendo com as meninas à noite antes de
dormir?
se abram mais. Vamos conversar na hora livre, hoje à tarde, e posso lhe dar algumas
idéias.
- Ótimo. Obrigada!
Cris teve a impressão de ver o Jason sorrindo para ela. Será que era porque ela era
inexperiente ou porque ele estava querendo ser agradável? A reunião terminou com um
maravilhoso período de oração em favor dos acampados. Pelo jeito como todos oravam,
Cris estava certa de que algo de valor eterno teria de acontecer logo com “suas” meninas.
no treino de arco e flecha. Ela não atirava flecha desde que tinha 13 anos. Felizmente,
“suas meninas” achavam que ela era a “entendida” em tudo e no momento ela apreciaria
As garotas fizeram fila, encarando o alvo afixado ao monte de feno. Cris pegou um
arco e mostrou como se segurava e mirava o alvo. A flecha voou uns três metros e parou
de rosto vermelho, foi até o lado dos meninos pegar a flecha extraviada.
- O seu cotovelo estava baixo. Ergue mais, assim, demonstrou Jason com o arco na
mão.
Cris tentou imitar sua postura e posição do cotovelo. Parecia que não estava certo.
- Deixa eu lhe mostrar pediu Jason, largando seu arco e aproximando-se dela.
Cris começava a sentir alguma coisa, sim; os olhos de onze meninas pré-
adolescentes vidrados nos dois. Sabia que jamais conseguiria convencê-las de que ele
- Agora experimente! falou Jason dando um passo para trás. Cris soltou a corda
- Claro que vimos, Jason. Tem certeza de que não quer que a gente vá embora para
Jason fingiu não ouvir a pergunta. Colocou os braços no ombro do primeiro garoto
da fila e mostrou a posição correta do mesmo jeito que tinha mostrado a Cris. Ela
aproximou-se da sua turminha, que mais parecia um bando de matracas, com uma
ensinada pelo Jason. Esperava que as meninas pensassem que era assim que todo mundo
aprendia a atirar a flecha, com o braço no ombro. Pacientemente, pôs a mostrar como se
atira. Elas pareciam querer agradar e Cris começou a encará-las por outra perspectiva.
Não as via mais como pestinhas, mas como bebês longe de casa que precisavam de um
grande abraço.
Quando já se aproximava o final do exercício, Cris olhou para o lado dos meninos e
gostava dela? Será que ficava olhando para ela no refeitório? Será que ele estaria na
pensamentos. Jason, Jason. Nenhum outro rapaz, no mundo inteiro, existia naquele
momento. Só ele.
No almoço ela procurou ver onde ele estava sentado antes de escolher sua mesa. A
regra era um conselheiro em cada mesa. Ela pensou que, se conseguisse vê-lo de imediato,
poderia sentar-se à mesa próxima da sua, de maneira a ficarem de costas um para o outro.
O plano deu certo. Havia uma mesa vazia ao lado da mesa dele, e uma cadeira vazia atrás
da sua. Ela sentou- se em silêncio, fingindo não perceber que ele estava lá.
- Olá, Jason! saudou, sentindo-se como uma de suas meninas cheias de manha. Não,
- Suas meninas ganharam dos meus garotos com uma diferença de dez pontos.
- Verdade? Nunca imaginei que isso pudesse acontecer! exclamou Cris sorrindo.
- De nada. Disponha.
Corriam como porquinhos-da-índia em fuga, sem saber para onde iam, mas alucinados
ficaram se acotovelando.
Jessica veio até a mesa de Cris, acompanhada de duas admiradoras, agarradas uma
em cada braço.
Quando elas se encontraram, conforme planejado, Cris ficou olhando por cima do
ombro para ver se Jason a estava seguindo. Ele parecia ir ao galpão de exposição de
artesanato. Talvez ela devesse ir para lá depois que conversasse com Jessica - verificar se
- Primeiro, disse Jessica, quando se sentavam no velho sofá, não estou tentando lhe
dizer como deve agir com as suas meninas. Você está fazendo um excelente trabalho. Não
Durante meia hora Jessica deu-lhe algumas sugestões práticas sobre como preparar
um bom devocional e falou do que fizera no ano passado quando ficara com as meninas
- Este ano, na verdade, está mais fácil por causa do grupo que tenho. Elas são as
mais novas, as que estão com 9 para 10 anos. Algumas estão tendo dificuldades por estar
com saudades dos pais. Mas não são muito boas nos cuidados higiênicos, a não ser que a
gente lembre a elas o que fazer. Assim mesmo, no todo, prefiro as mais novinhas.
- Bem, acho que aprendi muito com algumas falhas que cometi no ano passado. Só
percebi o que estava fazendo errado quando o acampamento se encerrou, e este ano estou
- Posso perguntar em que você errou no ano passado? indagou Cris, em tom
cauteloso.
Jessica parecia tão acessível, que ela sentiu que não haveria problema em fazer uma
pergunta pessoal.
- Cris, eu lhe digo que há uma coisa que você nunca pode fazer.
empunhando um boné de beisebol. Com gritos estridentes correu para trás do sofá e
implorou:
Fora da porta, Nick obedecia ao cartaz que dizia “proibido aos acampados” e ficou
- Chega! gritou Cris, saltando e exigindo que Jeanine devolvesse o boné. Já foi longe
demais. Me dê o boné. Agora largue o pobre do menino e não pegue mais nada do que é
dele. Entendeu?
Jeanine entregou-lhe o boné, mas parecia um cachorrinho espancado. Com sua voz
miudinha, murmurou:
- Desculpe!
Cris saiu pela porta e entregou o boné ao Nick, que parecia um pouco irritado. Dois
dos seus amigos colocaram-se do seu lado para dar-lhe apoio moral.
de correr atrás, ela não vai se divertir mais, e garanto que ela pára.
- Duvi-dê-ô-dó.
Nick colocou o boné na cabeça e os três foram para a quadra de beisebol. Cris
assistiu a tudo e quase soltou uma gargalhada. Eram versões em miniatura de Rick,
Douglas e Ted.
baixinho com ela. Jeanine bebia cada palavra em silêncio. Depois anuiu:
Jeanine deu um salto e olhou para Jessica de uma maneira que jamais teria olhado
- Eu lhe falei que, em vez de tirar as coisas do Nick, talvez ela devesse experimentar
dar-lhe alguma coisa para atrair a atenção dele. Ela foi para o centro de artesanato fazer
- Era o que eu ia dizer-lhe quando ela entrou correndo. Uma coisa que temos de
fazer é amar muito. Por mais que as amemos, nunca estaremos amando demais.
muitas coisas “certas” como conselheira, mas não havia amado as meninas tanto quanto
Cris lembrou-se de quando pegara as meninas mexendo em sua roupa. Sim, sabia
- Sabe, a gente não pode discutir com o amor. Quando o acampamento acabar, do
que é que as meninas se lembrarão? das briguinhas? da corrida das equipes no último dia?
- Mas de que é que você mais se recorda, além do acampamento? Quero dizer, em
toda a sua vida? Acho que todos nós nos lembramos das pessoas que nos amaram.
Cris acatou bem o conselho de Jessica. Sabia que sua nova amiga estava certa. Após
a conversa, andando animadamente até o centro artesanal, Cris ficou a imaginar como
aplicaria esse conselho ao Jason. O que ele lembraria a respeito dela, após o
acampamento?
juntado e estivessem sendo submetidas ao tribunal de sua consciência. Ela é que estava
sendo julgada. A voz do promotor dizia que ela era tola e imatura por estar correndo atrás
entrou como testemunha de defesa e disse que ela tinha o direito de cultivar
relacionamentos com qualquer rapaz que quisesse, e isso tudo fazia parte do
acampamento.
cabana como juradas. Suas frágeis vozes se ergueram em uníssono dizendo “Inocente”
bem alto em sua mente. Agora, sentia-se livre para entrar no centro e ver o que aconteceria
a seguir. Foi logo avistando o Jason. Ele ergueu os olhos e a viu no mesmo instante.
- Cris! saudou-a. Exatamente a pessoa que eu queria ver! Você pode ajudar essas
meninas a fazer essas pulseiras? Eu preciso ir ver os meus garotos na piscina dentro de
cinco minutos.
todas a falar ao mesmo tempo. Cris aproximou-se da mesa onde as três estavam quase
- Está linda, disse Cris, amarrando as duas tiras de couro no fino pulso de Sara. Você
- Muito obrigado pela ajuda aqui. Eu a vejo mais tarde. Talvez na piscina?
- Claro, a gente vai à piscina depois, respondeu Amy pela Cris. Não vamos,
- Então vejo você depois, disse Jason olhando por sobre o ombro ao tomar a direção
da piscina.
Vendo que o rapaz já se distanciara e não a ouviria, a garota sorriu para Cris, e falou:
- Jason perguntou se você tem namorado e nós dissemos que não, porque você nunca
disse se tem namorado ou não. A gente disse para ele que você gosta dele e ele disse que
gosta de você.
Cris mal podia acreditar no que ouvia. Resolveu que uma resposta forte e direta seria
melhor.
- Acho o Jason um cara muito legal. É um crente firme e isso é uma qualidade muito
- Nós sabíamos! gritou Sara. Sabíamos que você gostava dele! Vamos agora para a
piscina?
Jocelyn e Amy estenderam os braços para Cris amarrar as suas pulseiras e depois
Cris percebeu que Jeanine devia ter se distraído, porque não estava fazendo sua
pulseira para dar ao Nicolas. Ou, então, ficara tão entusiasmada, que já tinha terminado e
Cris levou alguns minutos fechando o centro artesanal e depois seguiu morro acima.
Encontrou-se com as meninas no meio do caminho, já vestidas de traje de banho e com
toalhas na mão.
piscina.
Quando Cris chegou à piscina pouco depois, elas estavam fazendo guerrinha de água
com Jason e os “seus meninos”. Não estava com muita vontade de “entrar nessa batalha”.
que os meninos não estavam sendo justos. Elas se enrolaram em suas toalhas e sentaram-
Jason se postou entre os seus meninos tentando aquietá-los. Olhou para Cris, sorriu e
deu de ombros, como quem diz: “O que se pode fazer com esses palhaços?” Cris
retribuiu-lhe o sorriso.
- Tão compridas exclamou Sara, enquanto Amy e Jocelyn se aproximavam mais para
- São mais compridas que as minhas, disse Amy. Como a gente faz pra elas
crescerem assim?
- Vamos colocar a rede de vôlei no lado raso, anunciou o salva-vidas. Todo mundo
que quiser jogar vôlei aquático passe para o lado de lá. O resto fica no fundo.
Aparentemente, fora idéia do Jason, porque ele já tinha tirado a rede do armário e os
- Eu não quero jogar com eles, disse Amy. Eles sempre roubam. Nós vamos ficar
Cris teve uma enorme vontade de se livrar desses carrapatos encharcados que a
de demonstrar que as amava. Além do mais, não era lá essas coisas em vôlei de terra,
como iria se sair no aquático? Sabia que na água seria bem pior.
Agora era a vez de Cris sorrir e dar de ombros para o Jason, que lhe fez sinal de
“tudo bem” e jogou a bola na água. O resto da tarde, ela ficou perto da piscina, olhando o
Jason, conversando com suas meninas e esperando que ele fosse conversar com ela. Ele
No jantar, Cris chegou no refeitório antes do rapaz e sentou- se numa mesa vazia e
ficou de olho na porta. Assim que ele chegou, foi logo para perto dela.
- Aí está você, disse ele, sentando-se a uma mesa próxima. Suas meninas me
a Cris.
- Enquanto a gente não ganhar uma dessas não pode se considerar conselheiro
- Obrigada! falou Cris, estendendo a mão esquerda para o Jason amarrar a pulseira.
A sua de ouro, “Para Sempre”, estava no pulso direito, e ela achava que as duas
abriu e a manada de acampados estourou. As meninas de Cris correram para a mesa ainda
a tempo de ver o rapaz amarrando a pulseira e dando um grande sorriso, que ela retribuiu.
Foi quanto bastou para que começassem a cochichar: “Agora os dois estão namorando.”
As pequenas “casamenteiras” fizeram tudo que podiam para que Cris e Jason se
sentassem juntos durante o culto e caminhassem lado a lado para o refeitório à noite, na
hora do lanche. Cris tinha de admitir que era divertido fazer o papel de heroína. Seis de
suas garotas agora ficavam grudadas nela e a conduziam pelo braço para onde queriam,
dizendo-lhe que ela estava muito bonita e que o Jason gostava dela.
Ele também parecia estar gostando do papel de herói. Dava para notar que já tinha
passado por essa espécie de tratamento muitas vezes antes, em virtude dos anos de
experiência como conselheiro. Cris sabia que devia ser assim a cada acampamento.
Também concluiu que era apenas uma numa longa fila de conselheiras destinadas a
Não tinha importância. Estava se divertindo demais para pensar no final desse jogo.
semana. Foram avisados na reunião de conselheiros que era aí que começariam a sentir o
peso da semana. Mas as meninas pareciam não ter problemas para acordar. Cris cobriu a
- Mas já são quase 6:30, disse uma das garotas. Você tem de chegar ao refeitório
- Ah! Tenho, hein? perguntou, afastando o saco de dormir do rosto e olhando para os
- Sim, ele gosta mesmo de você e vai ficar zangado se você não chegar na hora.
- Ah,é?
Cris retirou as pernas do seu casulo quentinho, sentindo nelas o ar frio da manhã, e
- Escutem, meninas, esse quarto está uma bagunça total. Ontem recebemos só cinco
pontos pela limpeza. Hoje quero que a gente ganhe os dez pontos. Quer dizer que cada
- Aqui! Veste isso, disse Amy, puxando uma camiseta corde-rosa da mala de Cris e,
quarto.
Cris estava começando a tomar ojeriza a essa parte do dia, quando não podia ir ao
banheiro ou lavar o rosto sem enfrentar o frio da manhã ou a caminhada até os sanitários.
trilha de terra.
- O quê?
- Finalmente, ontem consegui que todas dormissem na hora. Fiz o devocional mais
Cris molhou rápido o rosto, para não sentir muito o impacto da água gelada.
- Brr! exclamou ela, apertando contra o rosto a toalha que cheirava a mofo. Bem,
- Foi ótimo! falou Jocelyn respondendo por Cris. Conversamos a noite toda.
pedindo que cada uma me falasse sobre sua família. Foi longo demais, mas elas todas
- E ela gosta mais da gente, também, acrescentou Amy. Não é mesmo, “professora”?
- Por mais que amemos, nunca será demais, cochichou Jessica no ouvido de Cris.
estudo bíblico pela manhã, recreação e a tarde livre. Cris tencionava passar a tarde à beira
da piscina, com suas meninas, já que Jason dissera que ia para lá. Mas quando entrou na
- Gosta sim. Todo mundo gosta de você. Eu, por exemplo, gosto muito de você.
- Mas todas têm amigas aqui. Sentam-se juntas e fazem as coisas juntas no horário
livre. Eu não tenho ninguém. Ninguém me chamou. Elas todas vão pra lá sem me
convidar.
- Sinto muito!
Pensou nos muitos conselhos que poderia dar a Ruthie, mostrando-lhe que a melhor
atitude seria ser mais amigável, e que não adiantava ficar deitada com pena de si mesma
quando havia tanta coisa a fazer lá fora. Mas lembrou-se das vezes em que se sentira só,
em que fora deixada de lado e ficara triste. O melhor mesmo a fazer era estirar-se na cama
Não gostava quando sua mãe vinha dizer-lhe como deveria se comportar ou como
deveria sentir-se. Cris sempre desejou que sua mãe a deixasse chorar e ficasse triste com
- Toma aqui! falou Cris oferecendo-lhe sua caixa de lenços de papel. Use um desses
e não o seu travesseiro. Você vai ter de dormir nele à noite, lembra?
- De jeito nenhum, replicou Cris, dando-lhe outro lenço. Acho que você é uma linda
- Muito bem. E agora, o que você tem vontade de fazer? Vamos fazer juntas.
Ruthie pulou da cama, com ânimo renovado, e foi à porta. Cris seguiu atrás,
- Como é que você sabe direitinho o que tem de fazer quando uma menina está
chorando?
- Acontece que sou especialista nesses probleminhas. Quando eu tinha a sua idade
- Claro que ainda choro, mas não tanto. Ainda tenho alguns desses problemas que
me levavam a chorar no travesseiro quando era pequena, mas não choro mais tanto quanto
antes.
Ruthie soltou a mão de Cris e correu até a orla da mata, onde pegou uma pequena
- Obrigada, Ruthie, falou Cris, colocando a flor na beira da sua tiara, logo acima da
orelha. E você deve gostar muito do seu nome. Tem uma Rute na Bíblia, sabia? Tem um
livro inteiro sobre ela, porque ela foi uma amiga muito leal de outra pessoa. E é assim que
A garotinha deu um sorriso largo, o que raramente fazia, pondo à mostra o aparelho
dos dentes. Nada tinha da menina de cara amarrada que dissera detestar seu nome. Parecia
outra.
Caminharam pela clareira até a praia de cascalhos, ao lado da lagoa. Ruthie logo
notou que duas das meninas do alojamento delas, Sara e Jeanine, estavam lá. Cris pensou
que, se Jeanine estava ali, Nick provavelmente estaria por perto. Daí a pouco viu o garoto
com seus dois amigos no lugar onde guardavam os barcos, e parecia que retiravam uma
canoa.
- Vai perguntar às duas se elas querem dar um passeio de canoa conosco? Tenho a
Ruthie correu para convidar Jeanine e Sara enquanto Cris foi pegar uma canoa. Só
quando chegou na barraca de guardar os barcos é que notou que Jason estava atrás da
- Cris, você é exatamente a pessoa que eu queria ver! Que tal levar essa turma para
- Ela vai nos levar para passear de canoa, respondeu Jeanine, encostando-se na
Nick.
Jason olhou para o relógio e em seguida para o Nick e seus amigos, e disse:
- Eu não devia fazer isso, mas como vocês já remaram antes e sabem bem essas
coisas, vou deixar que remem sozinhos numa canoa. Cris, fique de olho nos três, e procure
Pegou no braço de Cris quando ela estendeu a mão para pegar seu colete e deu um
apertão.
até a canoa.
- Shhhh! fez Cris e, chegando bem perto de Jeanine, perguntou: E aí, como vão as
- Acho que vão bem. Hoje ele não bateu em mim nenhuma vez.
- Não. Eu dei pra ele uma pulseira, que nem a Jessica disse, mas ele não está usando
ela.
alaranjado. Estou muito satisfeita com você. Está indo muito bem.
A turma de Cris demorou mais do que os meninos para zarpar com a canoa. De
repente, havia ali quatro capitães e nenhum marinheiro. Jason foi ajudar, dando-lhes um
bom empurrão. Cris sentou-se na frente, remo na mão, e Ruthie no meio. Jeanine e Sara
- Escutem aqui, disse Cris por cima do ombro. Vocês todas me sigam. Se meu remo
estiver na água deste lado, coloquem os seus do mesmo lado. E façam o mesmo se eu
trocar de lado.
suspeitasse que ela já não remava desde a idade delas. E isso foi em Minnesota, com tio
Tom ao remo.
Pegou o remo e o meteu pelo lado esquerdo, puxando a água três vezes para corrigir-
lhe o curso, tomando a direção dos meninos. Aí mudou o remo para o lado direito, mas as
meninas não estavam prestando atenção. Sara e Ruthie continuaram remando no lado
Cris deu mais instruções. A canoa vagou devagarinho para o centro da lagoa, meio
sem rumo.
- Olha os patos! exclamou Sara. Estão chegando pertinho da canoa. Vamos parar
- Não, não pode. Temos de nos aproximar dos meninos, objetou Jeanine. Lembre-se
do que o Jason disse. Temos de ficar perto deles, e eles estão indo para o outro lado da
lagoa.
- É onde tem a “caçada” dos conselheiros no último dia, explicou Sara. Todos os
conselheiros vão para lá de canoa e se escondem, e nós corremos para procurá-los. Quem
achar seu conselheiro primeiro tem que pegar a fita dele e correr de volta para a barraca
dos barcos.
- Quem perde tem que servir o jantar no banquete da última noite. Temos os capitães
- Bem, espero que ganhemos. Gostaria muito que alguém me servisse o jantar.
meninos. Cris sentia um aperto nos músculos do braço. Nunca imaginara que remar
doesse tanto, nem que esse pequeno lago fosse tão difícil de atravessar.
- Como estão indo aí? gritou Cris para os meninos, quando estavam perto deles.
Ele puxou para fora d’água um pedaço de pau com uma corda marrom atada a uma
das extremidades. Havia uma minhoca na ponta da corda. Cris achou a vara de pescar a lá
Nick apontou a vara de pescar na direção da canoa das meninas, para que Sara
avistasse a minhoca mais de perto. Passou-a rente ao rosto da garota, e ela gritou,
assustada.
lhe dei!
- Valeu para alguma coisa, não é mesmo? comentou Nick, dando risada.
- Quero de volta! Dei duro para fazer. Não é para ser linha de pescar!
Jeanine ficou de pé e tentou pegar a linha, que Nick logo puxou. Antes que Cris
Ruthie inclinou-se para trás, buscando compensar o peso de Sara, que se jogara para
um lado, mas compensou demais. A canoa balançou para a esquerda e Ruthie caiu na
A canoa balançava para um lado e para outro. Cris tentava firmá-la, enquanto as três
ratinhas molhadas, sustentadas na superfície por seus coletes, procuravam entrar no barco
por lados opostos. As meninas riam-se e não pareciam achar ruim o banho inesperado.
- Esperem! Parem! Não está dando certo. Já que estamos tão perto da margem, por
Os meninos riam tanto, que não ouviram Cris pedir que ficassem parados, enquanto
ela ia atrás das meninas. Devem ter resolvido que a melhor coisa a fazer seria se afastarem
ao máximo das meninas, pois sabiam que elas iriam tentar se vingar. Então eles se
afastaram, remando a toda de volta à casa dos barcos, deixando com Cris a tarefa de
resolver sozinha como seria o resgate das meninas.
Estas ajudaram a puxar a canoa até a praia e tentaram entrar. Foi aí que as risadas
- Está lá do outro lado. Quando chegarmos lá, você poderá se enxugar, explicou
Cris.
- Não está tão frio. Tente sentar-se no fundo da canoa, para não pegar vento, falou
Cris.
- Não tem importância. Vocês já estão molhadas mesmo. Não vai fazer mal.
procurando manter-se aquecidas. Cris estava na proa, tentando manejar a canoa sozinha
pela lagoa. Sem ninguém no remo de trás, parecia impossível mover a canoa na direção
certa. A embarcação girava pela água, movida mais pelo vento e pelas ondas do que pelos
Sua tripulação reclamava e dava palpites sobre o lado em que ela deveria estar
remando, e dizendo que estava fazendo tudo errado. Cris agüentou os comentários por dez
minutos; aí estourou:
- Uma de vocês quer tentar fazer isso no meu lugar? Não é nada fácil!
Levantou-se para sentar-se no meio e colocou um remo na água do mesmo lado que
o de Cris. Juntas, conseguiram afastar-se um pouco do lugar. Dez minutos mais tarde
chegaram à praia. As meninas estavam quase secas. Os meninos haviam chegado fazia já
uns bons quinze minutos. Não havia mais nem sinal deles.
Jason veio ao encontro delas. Entrou na lagoa, ficando com água até a cintura e
ajudou-as a puxar a canoa para fora. Tirou cada uma das meninas da sua prisão flutuante e
ofereceu a mão a Cris para que ela pudesse pisar o cascalho. Ela se sentia uma conselheira
incompetente, pois derrubara suas meninas na lagoa e perdera o contato com os meninos.
Se ela mesma tivesse caído, talvez se sentisse um pouco melhor no momento. Pelo menos
Jason segurou sua mão e puxou-a para perto de si. Com voz baixa, disse:
- Depende de você. Pensei que quisesse ter alguma vantagem sobre os acampados
- Hoje no jantar eu lhe falo, concluiu ele dando-lhe um leve aperto na mão antes de
soltá-la.
No jantar, Jason e Cris sentaram-se de costas um para o outro, cada um no lugar que
se tinha tornado costumeiro. Durante a refeição, Jason inclinava-se para trás, no intuito de
fazer comentários, a boca próxima ao ouvido de Cris. Era difícil ouvir com a barulheira
dos acampados, mas, na verdade, não tinha importância. Bastava a atenção que ele lhe
dava.
Até o final do jantar ele nada dissera sobre a aula prometida. Talvez tivesse
esquecido. Cris evitou cair no desânimo. Afinal de contas, ainda era quarta-feira. Tinham
- Venha jogar bola conosco, insistiram as meninas, puxando-a pelo braço. Temos de
andar depressa! Só temos mais meia hora antes do culto da noite.
acampados já estavam jogando. Quando a viram chegar, insistiram para que ela atuasse
como arremessadora. Ela batia bem na bola, mas não tinha muita confiança no seu
direção à base central. Uma das meninas do alojamento de Jessica bateu na bola e ela foi
parar no centro do campo. As colegas de equipe deram vivas e a menina se curvou num
Outra girada, e a menina seguinte rebateu logo a primeira bola arremessada por Cris. O
mesmo aconteceu com a seguinte. Uma menina de uns 11 anos, tímida e magricela,
aproximou-se da base e Cris jogou três bolas com muita calma e lentidão. A menina errou
as três.
Era Jason. Ele ficou atrás da pequena rebatedora que estava desanimada, colocou os
braços em torno dela e mostrou-lhe como deveria segurar o bastão do jeito certo.
- 0K., Cris, faça seu melhor arremesso! pediu Jason, ainda com as mãos sobre os
Com um gesto dramático, Cris fez o lançamento. Foi uma jogada ridícula, com a
bola caindo a um metro e meio do marcador do lado esquerdo. Todo mundo riu, inclusive
ela.
- Se essa foi a sua melhor, como será a pior então, hein? indagou Jason.
- Estava só testando você. Queria ver se conseguia rebater qualquer coisa. Aqui vai
uma boa.
Ela arremessou uma bola devagar, bem dada que, com a ajuda de Jason, a menina
conseguiu rebater para longe, quase caindo no mato. Todos deram vivas e ela percorreu as
bases com Jason do lado. As outras corredoras conseguiram chegar com vivas e urras.
Um campista jogou a bola até a segunda base no momento em que Jason e a menina
tocavam a terceira. Agora a luta seria ver se conseguiria ganhar. Jason pegou a menina no
colo, carregando-a como se fosse uma bola, e correu até a base central. Conseguiram
chegar alguns segundos antes da bola, e Jason colocou a menina firmemente sobre a base,
como um explorador que planta uma bandeira e toma posse da terra para seu país.
Uma pequena multidão de acampados tinha se juntado, e todos deram vivas quando
- Não, você consegue sozinha. Vamos lá! Experimente! dizia o rapaz do seu lado,
animando-a.
Com a primeira tacada, a menina pareceu errar de propósito. Talvez esperasse que
Ela posicionou o taco no ombro e virou-se para Cris com uma expressão quase de
raiva. Cris teve vontade de rir. A menina levava o jogo mais a sério do que devia. Cris
mandou uma bola fácil, baixa, e a menina bateu nela de modo a tocar o chão e voltar
direto para Cris. Olhando-a pelo canto do olho, a correr para a primeira base, Cris esperou
que ela estivesse perto dela para pegar a bola e atirá-la à primeira base. A menina chegou
reclamaram. As meninas de Cris se queixaram de que não tinham tido tempo de rebater a
bola.
- Podemos terminar o jogo amanhã?
- Você foi boa demais para elas, disse Sara, Parecia que estava tentando ajudá-las a
ganhar.
- Ela atiraria a bola do mesmo jeito para você, se você a fosse rebater, disse Jason
A menina que Jason ajudara a correr as bases agora segurava no braço dele,
meninas.
- Por que vocês dois não se casam? perguntou Jocelyn. Aí poderiam fazer isso todo
- Isso mesmo! concordou Jeanine. Vocês podiam morar num alojamento na floresta e
nós todas viríamos visitar vocês. Vocês nos levariam a passear de canoa e jogar beisebol
todos os dias.
Cris estava envergonhada demais para encarar o Jason, mas sentia em seu olhar uma
culto com o resto dos acampados. O louvor começou e as meninas de Cris, cheias de
energia, cantavam alto, cutucando umas às outras e inventando outros gestos aos que já
conheciam. Jason atravessou o salão com seus meninos. Ele virou-se e olhou para Cris,
fazendo-lhe sinal de “tudo bem?”. Ela retribuiu-lhe o sorriso, esperando que suas meninas
Então Cris notou o projetor de filmes no fundo. Lembrou-se de que o Deão Ferrill
havia dito, na reunião de conselheiros, que exibiriam um filme que obrigaria as crianças a
mensagem do filme para ver se algum dos acampados não tinha certeza da salvação ou
Apagaram-se as luzes, e o filme começou. Cris sentiu uma mão firme no seu ombro.
- Venha comigo.
Ela saiu sem que “suas meninas” notassem, e o seguiu. No momento que fecharam a
- Agora?!
Ainda segurando sua mão, Jason puxou-a após si e correu com ela em direção ao
lago.
- Agora é a melhor hora, acabando o pôr-do-sol. A água está serena e tudo parece
quieto.
Ela sentia que estavam saindo meio às escondidas, deixando as crianças sem
supervisão. Achava que entrariam numa fria por abandonarem seus acampados e saírem
juntos sozinhos.
- Estaremos de volta antes que o filme acabe. Não vai ter problema. Confie em mim.
Ele continuou segurando firme a mão dela enquanto caminhavam pela mata.
Chegaram à casa de barcos quase sem fôlego. Quando entregou o colete salva-vidas e o
remo a Cris ele tinha no olhar uma expressão de aventureiro. Ela ainda sentia que estavam
- Você quer aprender a remar bem, não quer? Agora é sua oportunidade de ouro.
Teve de admitir que Jason tinha razão. A lagoa parecia o assoalho de um estúdio de
balé - liso e perfeito - com as luzes douradas do poente dançando sobre ela.
Cris equilibrou-se com cuidado, indo para o banco da frente, segurando-se aí para
manter a canoa em equilibrio. Jason colocou todo o seu peso no banco traseiro e usou o
De repente, tudo era silêncio. Os únicos sons eram o da calma água batendo nos
- Não é lindo aqui? Adoro esse cenário. Relaxe, Cris. Garanto que este será o ponto
Cris apertava o remo no colo. Seus olhos vasculhavam a água que escurecia à
Relaxar, é?
Piquenique ao Luar
- Agora, a primeira coisa que precisa aprender é segurar o remo. Notei hoje que você
Na tênue luz do pôr-do-sol, ele mostrou como as duas mãos deveriam se prender na
haste do remo.
- Tem de colocar uma mão em cima, assim, e a outra mais ou menos aqui.
- Muito bem. Sabia que você aprende depressa. Quando estiver numa canoa sozinha,
tem de remar no banco de trás para controlar o rumo. Hoje você estava tentando dirigir no
canoa para frente. Outro golpe de remo, do lado esquerdo, e a embarcação tomou novo
- Agora tente. Vire-se para mim, e seu lado será a parte traseira da canoa.
Cris levantou uma perna e tentou colocá-la do outro lado sem virar a canoa. Sentia-
Será que ele acha que sou um trambolho, uma desajeitada, ou o quê? Não sei se ele
- Tenho uma teoria de que a gente tem mais força remando no lado esquerdo, porque
assim a mão direita está em cima, no remo, e é a mais forte. Então, comece do lado
- Muito bem. Sempre comece com um movimento forte para o outro lado e dê outra
remada forte.
- Veja como é diferente quando a gente rema a partir da popa. Você tem muito mais
Jason começou a olhar para a copa das árvores, no outro lado do lago.
- Ainda vai demorar uns dez minutos. Ainda bem que trouxe provisões para nós.
Jason pegou um pacote no centro da canoa, que Cris notara quando entrou, mas
pensava ser apenas um cobertor. Desatou o pacote e expôs uma variedade de “provisões”.
- O que é isso?
havaiano, como as que seus tios usavam na varanda da casa de praia. A vela brilhava
através do vidro, mas estava protegida contra o vento. Então Jason retirou outro vidro e
encheu-o de água da lagoa, colocando-o ao lado da vela. Tirou do pacote uma dúzia de
criatividade.
- Charme? Já deram muitos nomes para isso, mas acho que “charme” é o melhor
deles.
Cris entendeu que, sempre que atuava como conselheiro do acampamento, Jason
levava garotas para fazerem um piquenique ao luar. Será que essa noite era diferente para
ele? Ela era uma garota especial? Ou simplesmente mais uma conselheira com quem ele
poderia flertar durante a semana? Ela queria ser a predileta, a única com quem ele tivesse
feito isso. Queria que fosse tudo romântico, tudo lindo para ele como estava sendo para
ela.
noite.
Cris ria-se.
- Isso é divertido! Obrigada por ter me trazido aqui, Jason, disse ela.
Mordeu o biscoito e escutou o som das águas, que batiam levemente no lado da
canoa.
- Ah! Quase ia me esquecendo!
Jason remexeu as coisas e tirou um walkman. Colocou uma fita, aumentou o volume
ao máximo e equilibrou-o no meio com os fones de ouvido apontados para Cris. Depois
Cris sentiu vontade de rir. Era tudo muito divertido. Uma brisa soprou, trazendo o
cheiro fresco e forte da relva com uma vaga lembrança de óleo de bronzear, decoco.
seus sonhos.
- O que?
Cris foi apanhada de surpresa. Sempre que sonhava com o futuro, os sonhos
incluíam o Ted. Não podia dizer isso ao Jason. Não ali com a música, à luz de vela e tudo
o mais.
- Claro que tem! Tem de ter. Todo mundo tem de sonhar. Quer saber dos meus?
- Claro.
- Quero ser piloto. Quero ter um avião. Não esses grandes aviões comerciais, nem
jatos militares, mas um aviãozinho. Ficaria contente até mesmo com um pulverizador de
- Não, mas obtive informações a respeito. Estou guardando dinheiro, porque não é
- É um sonho bom, disse Cris, tomando água. Garanto que você será um excelente
piloto.
- Agora é sua vez. Qual é o seu sonho?
- Bem, eu só pensei numa coisa. Acho que nunca contei isso para ninguém.
seguros.
um castelo de verdade e andar numa gôndola em Veneza. É o meu sonho, completou ela,
sentindo coragem.
- É um sonho muito bom, disse ele, imitando o sotaque britânico. Você tem um jeito
Naquele instante, ele viu algo acima da cabeça de Cris. Agora era mais fácil ver sua
Cris virou-se e viu o que animara tanto o Jason. A lua, parecendo uma bola de
manteiga, grande e gorda, aparecera justo nesse momento por cima das árvores, refletindo
- Bem na hora! disse Jason, virando devagar a canoa para que Cris não precisasse
- Como é linda! sussurrou Cris, olhando a lua que se erguia sobre a lagoa e brilhava
Tudo ao redor deles tomou a cor de âmbar e parecia mais caloroso. Ficaram em
viu que Jason estava certo ao dizer que esse seria o ponto alto de sua semana. Assim
mesmo, por mais romântico, maravilhoso e cheio de paz que tudo estivesse, a lembrança
Naquele instante Jason se inclinou para Cris, a mão estendida para o seu rosto.
- Ah, sim!
Cris levou a mão ao rosto e afastou o resto das migalhas que Jason não alcançara.
Sua pele parecia quente e ela esperava que ele não lhe percebesse o rubor à luz da lua.
- Quando deveremos voltar para que não percebam nossa ausência? perguntou,
- Já, já Tem certeza de que quer voltar? Este é o único momento de paz e silêncio
Cris tinha vontade de ficar. Queria flutuar sobre a lagoa silente durante horas, olhar a
lua, e compartilhar seus sonhos secretos com Jason. Queria que a fantasia continuasse.
Mas por dentro a luta crescia. Ela deveria estar ali, sozinha, com Jason? Entrariam numa
enrascada por terem se ausentado da reunião? E se falasse alguma coisa ao Jason de que
- Acho que devemos voltar, falou Cris dando um suspiro. Isso aqui foi maravilhoso,
Jason. A música, as flores, o luar. Adorei. Adorei estar aqui com você.
- Obrigado. Fico contente por você ter gostado, disse ele apagando a vela. Eu a levo
Dava para ver seu sorriso ao luar e ela sentiu-se feliz e um pouco aliviada, porque as
Cris tentou lembrar-se de todas as dicas que Jason lhe dera e enfiou fundo o remo.
Estava muito mais fácil do que a experiência da tarde. Daí a pouco a proa da canoa
raspava o cascalho.
equipamento, se você quiser voltar para o salão de cultos. Ou pode me esperar, se quiser.
A idéia de andar sozinha pelo mato escuro não a atraía. Então resolveu ajudar Jason a
guardar o equipamento. Ele colocou o pacote do “piquenique” num canto da casa dos
barcos. Cris logo pensou se a sacola ficaria lá até a semana seguinte, quando ele levaria
outra conselheira para passear na lagoa. Novamente, ele tomou a mão dela e eles se
- Está vendo? falou Jason soltando a mão dela e juntando-se ao grupo que se dirigia
Cris quase chegou a pensar que estivesse tudo bem, até a hora do devocional,
quando ela deveria conversar sobre o filme com as meninas. Quando começaram a
matraquear, Cris não tinha idéia do que falavam. Tomando rapidamente outra direção,
pediu que elas ficassem quietas e escutassem, que ela lhes contaria seu testemunho.
- Bem, porque a gente está contando alguma coisa que aconteceu com a gente e
falando que o que está dizendo é verdade, explicou Cris.
Ela contou às meninas que tinha sido criada num lar cristão.
- Claro que a casa não pode ser cristã. Quero dizer que meu pai e minha mãe são
- Mas depois entendi que não bastava eu saber sobre Deur. Tinha de convidá-lo para
entrar em minha vida. Fiz isso quando tinha quinze anos. Orei pedindo a Deus que
perdoasse meus pecados e entrasse em minha vida. Ele entrou, e desde então estou
mudando aos poucos e tornando-me mais como Deus quer que eu seja.
- Como pode existir uma escola cristã? perguntou Sara. As pessoas que freqüentam a
As demais meninas contribuíram com opiniões sobre a diferença entre uma escola
de cristãos e uma escola cristã. Cris compreendeu que nenhuma delas tinha ouvido seu
testemunho e, mesmo que tivessem escutado, parecia que ele não tivera muita importância
para elas.
- Está bem, meninas. Chega. Vou apagar as luzes e todo mundo se enfia já em seu
saco de dormir.
Agora vou orar. Se alguma de vocês quiser orar, poderá fazê-lo. Vamos ficar em
silêncio por algum tempo, dando oportunidade a quem quiser orar. Depois eu termino, está
Houve uns dois segundos de silêncio e uma das meninas deu uma fungada bem alta,
que resultou numa série de risos abafados. Então alguém se esforçou para produzir um
arroto. Jocelyn cochichou:
Silêncio. Silêncio absoluto. Nenhuma das meninas orou, e após dois minutos de
silêncio, Cris orou em favor de cada uma delas, do jeito que faziam nas reuniões dos
conselheiros. Depois orou pelos outros acampados, pelos conselheiros, pela equipe do
acampamento e pelo grupo que viria na semana seguinte. Sua oração durou uns cinco
Bem, pensou, esse é um bom jeito de conseguir que elas caiam no sono!
exemplo, que estava num barco a remo, singrando uma lagoa plácida, com cisnes nadando
em derredor. Atrás dela havia um imenso castelo, como de livro de histórias. Ela segurava
um guarda-sol rendado, que girava entre os dedos tão calçados de luvas brancas. Perto
dela, no barco, estava um homem de smoking, que servia chá numa xícara de porcelana.
Em dado momento, ele perguntou se ela queria um ou dois torrões de açúcar. Ela olhou
correu ao banheiro para uma rápida chuveirada. Jessica já estava lá e Cris contou-lhe
sobre a nova tática do culto devocional e de orar até que as meninas dormissem.
- O único ponto negativo foi que elas não prestaram atenção no meu testemunho e
nenhuma delas quis orar. Acho que nenhuma das minhas meninas está interessada nas
coisas espirituais.
- Acho que o próximo passo é você passar algum tempo a sós com cada uma, para
descobrir em que pé estão.
- Mas como vou conseguir? Já é quinta-feira. Não tenho muito tempo. Além do
mais, o que é que digo? Algo assim: “Vamos passar alguns minutos conversando sério.
- Assim não, Cris! Simplesmente sente-se com cada uma, diga-lhe que você se
interessa por ela e pergunte se ela tem alguma coisa sobre a qual gostaria de conversar.
Não sabemos quem está pronta para entregar o coração ao Senhor e quem não está. Deus
- Você está certa. Vou dar um jeito de conversar com cada uma. Gostaria que você
soubesse que se não estivesse me dando todos esses conselhos, eu estaria completamente
perdida!
- Tenho certeza de que você se sairia muito bem, disse Jessica. Mas estou contente
por estar ajudando-a nesta semana. Gostaria que me desse seu endereço para a gente
- Eu também. A minha amiga Katie não vai acreditar que eu disse isso, mas estou
- Ainda não acabou! Ainda temos de sobreviver à caçada aos conselheiros amanhã.
- Sugiro, disse o Deão Ferrill, que cada um de vocês dê uma caminhada até o outro
lado da lagoa hoje e arranje um lugar para se esconder. Isso ajudará a economizar muito
Como Cris tinha prometido às garotas que jogaria beisebol com elas após o almoço,
não tinha certeza se teria tempo para procurar um esconderijo. Felizmente fazia muito
calor naquela tarde, e após três tempos os dois times já queriam parar e procurar um
esporte mais refrescante. No momento que uma sugeriu vôlei de piscina, todas
lagoa.
- Boa idéia. Vou com você. Posso lhe mostrar alguns lugares que já utilizei.
ficava mais estreita, Jason ofereceu a mão a Cris. Ela sentia-se bem segurando a mão dele.
- Aqui tem um lugar que eu utilizei dois anos atrás, disse Jason, parando e apontando
para cima.
- Onde?
Lá em cima. É fácil de subir nesta árvore. Foi divertido, porque a meninada nem
pensou em olhar para cima, mesmo quando eu lhes dei um banho de agulhas de pinheiro.
- Claro. Siga-me.
Ele a conduziu pela mata, apontando cinco esconderijos possíveis. Ela achou o
último melhor e resolveu que seria o seu. Era o tronco oco de uma árvore atrás de outra
bastante alta, perto da trilha. Os acampados teriam de deixar a trilha e dar a volta na
árvore para encontrá-la. Achou que seria bom trazer uma toalha para não ter de sentar-se
Jason tomou novamente sua mão e começou a conduzi-la de volta. Parou diante de
- Acho que vou subir de novo este ano. Deu certo ano passado.
Então passou a sugerir estratégias com a canoa. Cris estava gostando da sensação
que experimentava naquele momento. Os pássaros cantavam no alto. O lago brilhava por
entre as árvores, e ela estava numa caminhada de mãos dadas com o conselheiro mais
bonitão do acampamento. Era como Cris imaginava que um acampamento seria. Nesse
instante nada de sua vida anterior importava. Tinha mais dois dias no Acampamento
Naquela noite, ao jantar, Jocelyn não estava comendo. Cris perguntou se estava se
sentindo bem.
Com o braço em volta de Jocelyn, Cris saiu com ela do refeitório barulhento, e
- Consegue chegar até aqueles arbustos? indagou Cris, puxando-a para que andasse
mais depressa.
segurou o fôlego. Esta era uma parte das tarefas de conselheira que não planejara.
dizendo:
- Já estamos chegando, disse Cris, colocando o braço em sua volta, para ampará-la
Jocelyn fez que sim com a cabeça e murmurou algo sobre chocolates, cheetos e
batatas fritas.
A enfermeira colocou uma toalhinha úmida na testa da menina, e disse baixinho para
Cris:
- Está me parecendo um caso típico de excesso de lanche. Vou dar alguma coisa para
- Faça o que a enfermeira lhe disser que logo estará novinha em folha. Eu venho ver
- Me faça um favor. Encha de água o balde que está ao lado da enfermaria e jogue
Cris deu uma tremida de nojo ao jogar água no lugar. Definitivamente, podia
dispensar este aspecto da tarefa de conselheira. Para que ficasse bem limpo, encheu outro
balde de água, derramando-o sobre o mato, para que não restasse nenhum sinal do
incidente.
Ótimo, o jantar acabou e eu não comi. Na verdade, não estou mais com fome.
Nesse dia Cris tencionara passar algum tempo, individualmente, com suas meninas,
mas com o jogo de beisebol e a caminhada com Jason, a tarde voara. Jeanine foi a
primeira das suas garotas que ela viu saindo do refeitório. Aproximou-se dela, e
perguntou:
- Não, replicou a menina agarrando o braço de Cris como que sentindo que havia
- Por que não vamos procurar algum lugar para conversarmos simplesmente? Sei
- Legal, disse Jeanine, animada. Se isso fizer com que você se sinta melhor.
- Quero que saiba que você é maravilhosa. Eu a quero bem e gostaria de saber se
- Tudo bem.
Por um instante, Cris ficou indecisa, sem saber o que dizer. Assim mesmo,
prosseguiu:
- Mas então, acha que entre você e Deus vai tudo bem?
- Sim, minha mãe e meu pai oraram comigo quando eu era pequena. Jesus mora no
meu coração e sei que vou para o céu. Você poderia fazer uma trança no meu cabelo, que
nem aquela outra conselheira, a Jessica, faz no cabelo das meninas do quarto dela?
- Posso tentar.
Por que nenhuma dessas meninas quer falar sobre coisas espirituais?
- Pra que tudo isso? perguntou Cris, tentando alisar o cabelo embaraçado de Jeanine
com os dedos antes de puxar as partes para fazer uma trança de raiz.
- A Jessica disse que eu devia dar alguma coisa ao Nick em vez de tirar as coisas
dele, sabe? Tentei dar a pulseira de couro, mas você sabe o que aconteceu. Agora tô lhe
dando outra coisa: um tiro de gominha bem no meio da nuca, quando não está olhando.
Cris achou bom que Jeanine não pudesse ver-lhe o rosto. Não dava para reprimir o
riso.
- Por que os meninos não começam a gostar das meninas na mesma época em que as
meninas começam a gostar deles? indagou Jeanine e ficou bem quieta, esperando a
resposta.
- Nao sei. Talvez Deus esteja dando às garotas um ano ou dois a mais para elas
melhorarem os modos. Assim, quando os meninos tiverem idade para se interessar por
- Nunca pensei desse jeito, disse Jeanine, realmente convencida. Você me ensina a
Cris prendeu a ponta da trança. Então, Jeanine virou-se para Cris. Com o cabelo fora
- Primeiro, pare com os tiros de gominha. Acho que isso não ajuda nada, para
conquistar o Nick. Segundo, procure comer de boca fechada e não conversar quando
- Assim?
- Isso! Está muito bem. Outra coisa: os gritos. Existe lugar para se gritar, como na
piscina ou na montanha-russa. Mas em geral uma jovem não precisa gritar muito apenas
por gritar.
- E o que mais?
- Isso aí já é um bom começo. Sempre procure dizer coisas boas sobre as pessoas e
Jeanine deu um largo sorriso, ansiosa para ir e experimentar algumas de suas novas
técnicas com o Nick. Quando ela estava prestes a levantar-se, Cris tocou seu braço, e
perguntou:
Meses antes, numa manhã gelada na praia, Ted havia colocado a mão na testa de
Cris, dando-lhe uma bênção. Na época ela não a queria e não a recebeu bem. Mas seu ato
tinha permanecido em sua lembrança todo esse tempo. Por alguma razão, Cris teve o
- O Senhor lhe abençôe e lhe guarde. O Senhor faça resplandecer o seu rosto sobre
você e lhe dê a paz. E que você sempre ame a Jesus em primeiro lugar, acima de tudo o
mais.
Jeanine abriu os olhos brilhantes, e sorriu.
- Quer dizer que em toda situação que você enfrentar ao crescer, que você ame muito
Cris deteve-se por um instante, pensando no conselho que acabara de dar. Queria
poder dizer à garota que tinha um amor assim por Jesus. Ela o amava, mas queria amá-lo
mais.
Certa vez Ted lhe dissera que isso era bom porque significava que ela tinha “fome e
sede de justiça”.
Embora a conversa com Jeanine não tivesse tomado o curso que ela previra, estava
contente. Tinha dado a Jeanine o que ela precisava, e talvez a bênção ajudasse a menina a
sentir-se amada.
Sentou-se com Amy, Sara e Ruthie no culto da noite. Sentia-se satisfeita porque
Amy e Sara tinham incluído Ruthie no seu grupinho, e elogiou-as no quarto aquela noite,
Para o culto devocional, Cris leu seu salmo predileto, o 139. Em seguida conversou
alguns minutos sobre como Deus amava a cada uma e queria que cada uma entregasse seu
coração a ele. Sentiu que a “mensagem” fora boa, e esperou que houvesse muitos
comentários depois - quem sabe uma ou duas conversões. Falou a frase final e esperou a
- Sara, isso não é razão suficiente para se beijar um rapaz. Quando a gente fica
distribuindo beijos, a gente está entregando à outra pessoa um pedacinho do coração que
não pode nunca mais pegar de volta. Temos de tomar cuidado para não distribuir demais,
- Mas você já foi beijada, não foi? Como foi? Você fechou os olhos?
- Sara, a gente conversa sobre isso outra hora. Acho que nós duas precisamos dormir
está bem?
Cris cobriu a cabeça com o saco de dormir e ouviu uma resposta abafada de Sara,
em que dizia que ninguém queria conversar com elas sobre isso. E prometendo a si mesma
Ficou a ter um sonho repetido, confuso, em que o Jason tentava beijá-la e ela não
Sexta-feira amanheceu nublado e frio. Foi o primeiro dia em que Cris vestiu jeans,
ao invés de short. Abriu mão do banho de chuveiro frio e puxou o cabelo para trás num
De manhã, no café, todos pareciam irritados também, talvez porque fosse o último
dia inteiro de acampamento, ou porque estivesse fazendo frio e chovendo. Fosse o que
suas meninas brigaram para comer a última metade de sanduíche de queijo quente, até que
uma caiu para trás na cadeira. Se Cris não tivesse corrido para acudi-las, a briga teria sido
pior.
- Aqui, disse Jessica, oferecendo para Cris um prato de sanduíches. As minhas
- Não gosto quando eles ficam assim logo antes da caçada aos conselheiros. Parece
No instante em que deixaram o refeitório, o sol saiu por entre as nuvens, parecendo
que resolvera passar a tarde com elas. Daí a instantes, Cris sentia calor dentro de seu jeans
e sua malha, e resolveu trocar de roupa, vestindo short antes da caçada aos conselheiros.
Queria pegar também uma toalha para sentar-se dentro de sua árvore.
A cabana estava uma bagunça geral. As meninas não tinham feito nada no horário de
limpeza e, como Cris estivera na reunião dos conselheiros àquela hora, faltou lá a
presença dela para motivá-las. Elas perderam pontos, mas não pareciam se importar.
Correu até a lagoa. Seis canoas estavam enfileiradas na praia com uma bandeira
colorida em cada uma. Cris foi designada para a canoa de bandeira alaranjada e amarrou
uma faixa de tecido da mesma cor à sua cintura. Teria de entregá-la ao primeiro acampado
que a encontrasse.
O Deão Ferrill passou o resto das instruções, e Cris montou seu “cavalo”, sentindo-
Cris mergulhou o remo na água, do lado esquerdo, do jeito que Jason ensinara. Teve
um bom começo, devido ao empurrão dado por ele. Em pouco tempo estava vários metros
à frente das outras moças. A cada remada, ia sentindo alongarem-se seus bíceps. Estava
sentia o sol queimar-lhe as pernas. O reflexo da água aumentava ainda mais a intensidade
do sol.
Cris ouvia os gritos da meninada lá atrás, na praia. Eles tinham de esperar até que a
primeira canoa atingisse a praia do outro lado. Aí podiam correr em volta do lago e sair à
Jessica tinha razão. Pelos gritos que soltavam, eles pareciam mesmo à procura de
sangue. Cris chegara ao meio da lagoa, e logo os três rapazes a ultrapassaram, remando
Cris remava mais forte, mantendo a canoa em linha reta e visando a um lugar aberto
e espaçoso na praia. Jason chegou primeiro, depois Mike, Jessica e Bob. Chegando logo
atrás deles, Cris ouviu o agradável ruído da embarcação tocando o leito de cascalho.
Saltou da canoa, puxou-a até a praia e correu com o tênis encharcado até seu esconderijo
no oco da árvore. Encontrou-a sem problema, mas percebeu que tinha esquecido a toalha
dentro da canoa. Pelo ruído da meninada, correndo endoidecida em volta da lagoa, sabia
esconderijo. Parecia levar mais barro para dentro do que tirar madeira mofada. A
barulhada dos baixinhos ia crescendo, à medida que se aproximavam.
Juntando as pernas compridas perto do peito, enrolou os braços em volta delas e tentou
encolher-se o máximo que pôde. Então procurou controlar o fôlego e respirar mais
devagar.
pouco a mofo, mas parecia mais de terra úmida, e não era de todo desagradável.
Quando criança, Cris sempre gostava de histórias de criaturas da floresta que viviam
nas árvores. Imaginou um dos anõezinhos das histórias todo satisfeito por morar ali no seu
esconderijo.
Logo ouviu os passos de um acampado que passava no trilho logo atrás da árvore
onde Cris estava. Ela prendeu o fôlego, mas temia que seu coração, que batia loucamente,
revelasse que ela se achava ali, Vários outros meninos passaram por ela correndo e
gritando, e, na verdade, Cris ficou assustada. Não porque a pudessem encontrar - isso
fazia parte do jogo. Mas o que aconteceria se estivessem tão alucinados, que lhes
Mexeu-se um pouco, tentando acomodar-se melhor. Embaixo, havia uma ponta meio
provavelmente por ter ficado na mesma posição muito tempo. Ajustando os olhos à
escuridão de sua caverna, Cris percebeu que a casca de árvore à frente do seu rosto
parecia se mexer. Olhou mais de perto e viu uma fileira de formigas vermelhas marchando
Com grande autocontrole, evitou gritar, e não se mexeu. Outro bando de acampados
passou trovejando pela trilha. Ela ficou quieta. Então, sentiu aquele formigamento das
pernas subir os braços e as mãos. Naquele instante, percebeu que estava coberta de
formigas.
- Aaaaiaiai! gritou, saindo de dentro do toco e pulando pelo mato, batendo os braços
aproximaram.
Sacudiu dezenas de formigas vermelhas e pisou nelas. Mas ainda havia mais.
puxá-lo da cintura de Cris, mais uma dúzia de formigas saíram e desceram pelo pano,
Agora ela também gritava e se agitava toda na mesma “dança das formigas” de Cris.
- O que vocês duas estão fazendo? perguntou a outra menina. Vou levar isso para o
outro lado!
- Você tem de entrar na sua canoa e chegar antes de nós ao outro lado, disse a
- Talvez se você correr até a canoa elas caem, e, se ainda estiver sobrando formigas,
Por falta de solução melhor, ela fez o que a menina sugerira, e saiu correndo em
direção à canoa, batendo nas pernas. Então, como a água fresca da lagoa parecia a única
- Cris! gritou Jason empurrando sua canoa para junto da de Cris. O que você está
sabendo que não tinha tempo de explicar. Com braços trêmulos, seguiu as instruções que
Ele foi à sua frente, dando sinal de que estava tudo bem, e zarpou como uma flecha
certeira. Chegou à praia e plantou sua bandeira antes do corredor chegar. Como ele era o
primeiro conselheiro a voltar e a maioria dos acampados ainda estava do outro lado,
parecia uma vitória vazia, com tão pouca gente a dar-lhe vivas.
Cris remava devagar, mas firme, tentando com todas as forças ignorar o ardume
crescente em suas pernas e braços. Ainda estava longe da praia quando os braços
desistiram.
Ela tentou, mas não adiantou. O peito arfava e a cabeça latejava. A corrente levou-a
alguns metros para mais perto da praia, enquanto tentava recuperar o fôlego.
- Vamos lá, Cris! gritou Jason de novo. Sua corredora está quase chegando! Só mais
umas remadas!
Cris deu mais três remadas de cada lado da canoa e parecia recuar ao invés de
avançar. Olhou para a praia, onde Jason gesticulava, dando-lhe instruções para que se
empenhasse com todas as suas forças.
Naquele instante a menina com a faixa alaranjada de Cris apontou na saída do mato
e chegou ao cascalho, onde colocou a faixa no lugar em que Cris deveria fincar a
bandeira. Agora a contagem era: conselheiros, um; acampados, um. Abaixando a cabeça,
Cris percebeu que estava passando mal. Viu que Jason nadava até sua canoa. Ele agarrou a
corda e puxou-a pelo espaço de mais ou menos sete metros que ainda faltavam para ela
chegar à praia.
- Cris, que foi que aconteceu? Você está cheia de manchas vermelhas!
Nesse momento, seu tênis molhado deslizou no cascalho. Jason amparou-a a tempo
- Vou levá-la à enfermaria. Ponha o braço no meu ombro. Eu a ajudo a caminhar até
lá.
- Você machucou? perguntou o Deão Ferrill ao ver a pele de Cris cheia de pequenas
manchas.
- Vou levá-la à enfermeira, disse Jason. Torça pelos outros conselheiros por mim,
está bem?
Mancando e amparando-se em Jason, Cris sentia-se ridícula por ter sido derrotada
por umas idiotas dumas formigas. Nada disse até chegar ao acampamento. Jason falou o
tempo todo sobre outros acidentes que vira no acampamento ao longo dos anos, tudo
desde clavículas quebradas até lábios cortados. Nada disso fazia com que ela se sentisse
melhor.
- Espere então até ver isso aqui, disse Cris, expondo a parte de trás das pernas.
- Que horror! O que foi que você fez? Sentou-se no centro de convenções das
formigas?
- Volto para vê-la depois, disse Jason, deixando Cris nas mãos da enfermeira.
- Vamos entrar nessa minha banheira aqui e providenciar para que todas essas
criaturinhas saiam de você. Espero que você não tenha nenhum plano especial para hoje,
Cris entrou na banheira com água morna, esperando ter uma sensação de alívio. Mas
em vez disso, a água deu a impressão de que mil agulhas tinham penetrado sua pele. Ela
- Não coce! De jeito nenhum! gritou a enfermeira pela porta fechada. Coloquei um
- Espero que saiba que esta é a pior tortura que uma pessoa poderia sofrer!
respondeu Cris.
10
Cris ficou deitada de bruços na enfermaria enquanto a enfermeira passava uma loção
fria e gosmenta em suas pernas. Sua vontade era chorar. Esta certamente era uma das
Gozado. Nunca tive tanta vontade de deitar de lado ou de costas, até agora, quando
Cris se mexeu e cerrou os dentes. Como descansar? A loção ardia quase tanto quanto
as picadas de formiga.
- E como vai a nossa paciente? indagou a voz do Deão Ferrill da porta da frente.
- Tentando descansar. Ela foi atacada gravemente, disse a enfermeira. O senhor pode
O deão teve de dar a volta pela frente da maca de Cris e se apoiar sobre um joelho
Seu tom de voz era tão terno, que Cris não conseguiu segurar as lágrimas.
Piscou, tentando parar de chorar. Então se deu conta de que não podia usar as mãos
para limpar as lágrimas, porque a loção entraria nos olhos.
- Quem ganhou?
- Este ano foram os acampados. Eles estão bastante animados com isso.
- Não, não pense assim. Você se saiu muito bem. Deu tudo de si. Estou satisfeito
com você.
- Então foi por esse motivo que você se sentou no maior formigueiro do mundo
- Deve haver métodos mais simples, disse Cris, sentindo-se um pouco melhor.
inteira, e acho que tem feito um trabalho excelente. Gostaria de tê-la como conselheira em
outras oportunidades.
- Sinto que, em se tratando da área espiritual, não consegui nada com as meninas.
Tentei falar com elas sobre o relacionamento com Deus, e até me sentei com algumas para
falar sobre isso. Mas elas ou diziam que já eram crentes, ou não queriam entregar o
- Cris, você fez a sua parte. Você lhes ensinou como podem receber a vida eterna. A
maneira como vão entender isso é responsabilidade de Deus. E como vão aceitar é
crianças durante a semana. Algumas talvez brotem daqui a uma semana, algumas daqui a
- Você pode. Pode orar. Sempre pode orar. Na verdade, parece-me que você se
encontra numa posição muito propícia para orar por nós durante o resto da noite.
Cris queria enxergar seu problema pelo prisma espiritual como fazia o Deão Ferrill.
Depois que ele foi embora ela pensou que ele talvez tivesse razão. Não tinha mais nada
que ela pudesse fazer aquela noite. Não podia servir as mesas, nem ensaiar com os outros
conselheiros para a peça que apresentariam na noite do teatro. Não podia nem ter o último
alojamento da Cris aquela noite, para que ela continuasse na enfermaria. A única coisa
Mexendo suas pernas que ainda ardiam, Cris tentava encontrar uma posição
confortável para a cabeça. Começou orando pelo Jason e os outros conselheiros. Orou
pelas meninas, todas as outras acampadas, e depois os meninos, todos. Orou pela equipe
da cozinha, do escritório, líderes e motoristas dos ônibus. Não deixou ninguém de fora,
Não tinha certeza sobre o que iria pedir para si mesma. Para sarar logo? Para passar
Era o Jason.
- Claro, pode entrar. Ela não pode se mexer. Leve este banquinho e fique sentado
copo de plástico com flores silvestres e Jason seguindo-a com o banquinho da enfermeira
na mão.
- Olá! saudou-os.
Tentou parecer animada, mas estava plenamente cônscia de como devia parecer
levantando o copo de flores. Onde será que eu coloco estas flores para você poder vê-las?
- Marchando vão as formigas, olé! Olá! Cobrindo a padaria da Cris, olé! Olá!
- Ei! gritou Jason, escancarando ajanela. Vocês vão ver só! Vão se ver comigo. Vou
- Um pouquinho. Sinto muito não poder ajudar a servir as mesas. E sinto mais ainda
- Nem pense nisso, disse Jason. Sinto muito por ter indicado aquele esconderijo.
Juro que não havia formigas dois anos atrás, quando me escondi ali.
- Não é sua culpa, Jason. Eu devia ter olhado antes de entrar lá, e devia pelo menos
ter ido de jeans. Ia levar uma toalha, mas deixei na canoa. Sinto mal por ter decepcionado
- Vou tentar.
- Nós temos de nos aprontar para o jantar, disse Jessica. Mais tarde a gente aparece
- Ah! Jessica, se você tiver tempo, poderia fazer uma trança no cabelo da Jeanine?
- Claro. Mais alguma coisa que você quer que eu veja? Acho que a secretária do
Jessica arrumou o copo de flores no chão para que Cris pudesse vê-las melhor.
- Vou jantar, disse a enfermeira uns quinze minutos depois. Eu lhe trago alguma
- Seria melhor se você pudesse esperar. A maioria das picadas é na parte de trás das
- Está certo, suspirou Cris. Tem certeza de que você não achou esse tratamento num
- Ainda bem que não perdeu o senso de humor, comentou a outra ao sair.
final, lá pelo motorista do ônibus, ela cochilou e só acordou quando ouviu a porta se abrir.
Deve ser a enfermeira com o jantar. Fome não é bem o que sinto. Mas podia beber
alguma coisa.
Ouviu uma música suave vindo de trás; aí virou a cabeça e viu Jason, trajando uma
pano branco no braço, e nas duas mãos equilibrava uma bandeja decorada com sua vela de
luau, o walkman, uma lata de 7-Up com um canudinho, e um prato de frango, purê de
batata e vagem.
Cris deveria estar encantada e sentir-se honrada com a atenção do rapaz. Em vez
disso, sentia-se totalmente incapaz, deitada com o rosto pintado de palhaço, virado para
que uma conselheira acabe na enfermaria, ele tem que servir o jantar para a inválida.
Foi quando Cris percebeu que tudo com Jason naquela semana tinha sido mesmo
sorrisos no campo de arco e flecha ou à beira da piscina. Estavam fazendo de conta que
eram namorados durante o acampamento. Depois ela iria embora e Jason começaria a
conta?
Jason se aproximou mais da maca, utilizando os joelhos como mesa, para que ela
- Quer dizer que não sei nada a seu respeito e no entanto a semana inteira você me
- Por quê? Por ter lhe ensinado a atirar flechas e mostrado a lua da canoa?
- Não o estou acusando de nada errado, disse Cris, percebendo que podia estar sendo
injusta com um rapaz tão gentil a ponto de servir-lhe o jantar. Eu também tenho brincado.
Gostei do relacionamento com você, de lhe dar as mãos, do piquenique ao luar, tudo o
mais. Só que amanhã tudo vai acabar e parecerá que foi apenas um sonho.
- É assim mesmo, concordou Jason. Melhor comer o purê, que está esfriando.
Cris comeu uma garfada de batata e arrependeu-se de ter dito as coisas daquele jeito.
- Sonhar não é errado, é? disse ele em tom cauteloso. Se os dois sabem que estão
Cris achou que de alguma forma não parecia certo. Não sabia como poderia dizê-lo
- Está uma delícia. Obrigada por ter trazido para mim. Acho que estou com mais
- Às ordens. E se você estiver chateada com alguma coísa que eu disse ou fiz esta
semana, me desculpe. Eu não queria magoá-la. Só queria aproveitar estes dias com você.
Depois que Jason foi embora, Cris permaneceu deitada sozinha no quarto, pensando
no que ele dissera. Por que aquilo deveria perturbá-la? Ela tinha levado a sério o romance
de acampamento. Foi ela quem o quis. Por que o coração doía agora?
Deve ser porque vou embora amanhã. E todo esse sonho vai acabar. O que vai
sobrar do relacionamento com Jason? Ele não disse que queria me ver de novo, nem que
escreveria ou telefonaria. Me tira da cabeça dele e coloca outra garota, e aposto que vai
fazer tudo igual com ela, logo na semana que vem. Com certeza.
Cris concluiu que o que houvera entre ela e Jason fora apenas um sonho. Começou
na sua cabeça e ela convencera o coração de que era de verdade. No dia seguinte sumiria,
evaporando-se como a neblina da manhã. E já sabia que não seria sua cabeça que se
entristeceria, mas seu coração. Esse relacionamento de sonho a deixaria querendo mais.
Havia bastante tempo para refletir sobre tudo isso deitada ali, sobre o estômago
cheio, ouvindo os sons da reunião da noite entrando janela adentro. Pelas risadas dos
animados. Muito melhor do que quando ela estava no meio das “suas” meninas e ouvia as
vozes delas, cantando o mais alto possível. De onde estava agora, a música distante
repente que cada coro que tinham aprendido nessa semana era um versículo bíblico
musicado.
Que ótima idéia! Sem saber, a meninada havia decorado uma dúzia de versiculos
O último cântico era o de que Cris mais gostava. Ela o aprendera fazia mais de um
Cris pensou nos seus sonhos, em suas fantasias e desejos. Se as palavras do cântico
eram verdade - e eram, já que foram tiradas da Bíblia - seus sonhos não eram nada em
comparação com os que Deus tinha para ela. Sua parte era amar a Deus. E isso era um
Cris cochilou alguns instantes, mas acordou de repente ao perceber que havia
- O que foi, Sara? Você está bem? perguntou Cris procurando espantar o sono,
desejosa de conversar.
- Ainda bem que você está acordada. Todo mundo foi sentar-se em volta da fogueira,
- Pedi para a Jessica e ela disse que podia. Ela arrumou o meu cabelo hoje para o
banquete. Gostou?
Cris olhou para a menina, que parecia uma boneca sapeca. Havia duas tranças finas
em sua cabeça, uma de cada lado, amarradas com uma fita cor-de-rosa. Parecia um halo
rapazes. Deu um grande suspiro. Sentiu impaciência ao pensar que esse “anjinho” a tinha
- Quer dizer, não tem outra pessoa que possa conversar com você? Quem sabe a
Jessica?
- Mas você disse, insistiu ela, que se a gente quisesse entregar o coração a Jesus
- Me desculpe. Claro que quero conversar com você sobre Jesus. É que pensei que
- Ah não! disse Sara, o brilho voltando aos olhos. Já perguntei a Jeanine. Ela beijou
o Nick hoje no mato durante a caçada aos conselheiros e disse que foi uma chatice. Só deu
um beijo no rosto quando ele não estava olhando, mas disse que os lábios ficaram com
gosto de lama salgada, explicou ela, dando uma tremida de frio. Acho que ainda vai
- Muito bem, disse Cris, rindo-se. É melhor esperar até que o menino esteja na idade
de perceber como é bom tomar banho mais de uma vez por mês. Também é bem melhor
quando a idéia parte do menino, e não só de você. Mas isso só será daqui a alguns anos.
Tenha paciência.
- Sim.
Cris estava prestes a dar uma longa explicação dizendo que nossos pecados nos
separam de Deus, que Cristo fez o sacrifício que pagou a nossa dívida com Deus, que
temos a salvação quando nos arrependemos de nossos pecados, e confiamos nossa vida a
Cristo. Mas uma vozinha, que lhe vinha da própria cabeça, lembrou-a de que os
acampados ouviram isso a semana inteira nas pregações. Sara não estava perguntando por
que precisava entregar seu coração a Jesus; perguntava como é que se fazia isso.
- Deus já sabe o que você está pensando, Sara. Você quer pedir a Jesus que perdoe os
- Sim.
- Não tem uma oração especial ou alguma coisa que tenho de fazer? perguntou a
garota.
- Não, isso é entre você e Deus. Seja sincera com ele e diga que está arrependida das
coisas erradas que o entristecem. Diga- lhe que você quer que ele reine em sua vida.
- Só isso?
- Sim, porque o que interessa mesmo não são as suas palavras, porque Deus vê o que
perdoasse seus pecados e entrasse em sua vida, e terminou com um “amém” apressado.
- Eu também não senti, quando entreguei o coração a Jesus. Mas isso não tem muito
a ver com sentimento não. É uma promessa. Deus cumpre a parte dele da promessa e lhe
perdoa. Agora você tem muitos anos pela frente para cumprir sua parte da promessa e
- Acho que me sinto diferente agora. Estou aliviada, porque, finalmente, aceitei. Eu
queria aceitar desde aquela noite, quando você falou sobre isso.
alegria, e disse:
- Sabe de uma coisa, Sara? A Bíblia diz que os anjos no céu estão se alegrando neste
- Verdade?
- Verdade!
- Ah, Sara! exclamou Cris, sentindo uma lágrima de satisfação escapar-lhe dos olhos
11
dias depois do acampamento. Sara quer dizer “princesa”. Ela diz na carta que pendurou o
Cris olhou para a amiga e percebeu que ela estava cerrando os dentes. Sempre que
Katie tinha alguma coisa por dentro, a bochecha apertava em pequenos espasmos.
- Ainda acha chato eu ter ido ao acampamento e você não? perguntou com cautela.
- Estou melhorando. Ainda bem que suas acampadas estão lhe escrevendo. Parece
que elas gostam muito de você. Espero que um dia chegue a minha vez de ser conselheira.
Sei que parece loucura, mas é uma meta importante que tenho.
- Loucura, não, Katie. Talvez o ano que vem. Tenho certeza de que Deus vai honrar
- Cris, você sabe que Deus não age de modo previsível assim. Mas não parece
estranho o jeito que meus pais vêem as coisas? Quer dizer, aqui estamos nós, sozinhas no
meu carro, fazendo uma viagem de uma hora e meia até Newport para passar o final de
semana, e eles nem perguntaram onde eu ia ficar, não pediram número de telefone, nada.
Mas quando eu queria ir ao acampamento, eles disseram “não” simplesmente porque tinha
a ver com a igreja. Disseram que não queriam que eu me envolvesse demais com gente
- Talvez eles tenham visto muita coisa esquisita rotulada de igreja, apesar de que o
cristianismo não tenha nada a ver com elas. Pense nas coisas horríveis que aparecem nos
noticários; aqueles assassinos, por exemplo, que dizem que foi Deus quem os mandou
matar. Acho que muita gente tem idéia errada do que seja um cristão de verdade.
- É, você tem razão. Agora entendo por que o Douglas disse que deram o nome de
- Certo. Ouvi o Douglas dizer certa vez que seu principal objetivo na vida é amar a
Deus. Deve ser por isso que inventaram esse nome. A propósito, vamos ligar para ele
assim que chegarmos à casa dos meus tios, para dizer que passaremos lá no final de
semana. Eu disse ao Ted, mas não sei se ele disse ao Douglas.
- Falou? Quando?
- Ah, semana passada. Eu estava conversando com ele. Que horas são?
- Você não me contou. Você ligou para ele ou ele ligou para você?
- Tem importância?
- Talvez.
- Tá bem, eu liguei. Mas e daí? Tem alguma lei contra uma garota telefonar para um
Cris olhou de novo o relógio e sorriu para a amiga, que estava sempre na defensiva.
- São 1:15, e não há nada demais em ligar para ele. Eu até gostaria de ver vocês
juntos.
- Verdade?
- Claro. Ele é muito legal e acho que vocês dois formariam um par legal.
- Ainda bem que me recuperei do Rick, acrescentou Katie. O que, por sinal, não
Um sorriso iluminou o rosto de Cris. Ela guardou seus pensamentos para si, mas
logo percebeu que sua amiga conseguia ler o que ela pensava.
- Eu sei o que você está pensando. E está certa. O Rick foi uma dessas fases por que
todas temos de passar. Agora que me livrei dele, estou preparada para ter um
relacionamento verdadeiro.
- Talvez...
- Pois tem a minha bênção nessa. E então, a gente chega lá, liga para o Douglas e o
Cris não conseguia ler o que se passava na cabeça da amiga. Katie conservou no rosto um
ar de riso até chegarem à casa de Bob e Marta. Mas começou a ficar nervosa quando
chegaram.
- A gente tira as coisas do porta-malas mais tarde, disse Katie, olhando rua abaixo,
ao fechar as portas do carro e subir a calçada da luxuosa casa de praia de Bob e Marta.
Katie deu uma risada nervosa que fez Cris pensar que talvez já estivesse esperando
- Vou tocar a campainha, disse Katie, saltando alguns passos à frente de Cris e
tocando a campainha três vezes. Olhou novamente por cima do ombro, e sorriu. Ninguém
veio à porta.
- Podemos simplesmente entrar, sugeriu Cris. Afinal, é a casa dos meus tios. Vamos
lá.
sinalizando, enviando uma mensagem em algum código secreto. Cris ouviu os passos de
alguém correndo às suas costas. Antes que se virasse, a pessoa chegou e cobriu sua cabeça
Pelo pulso dava para saber que era um homem que estava segurando suas mãos. Seu
coração disparara, mas ela não estava com medo. Esse seqüestro tinha todos os indícios de
O cara conduziu-a ao longo da escada da frente, para dentro. Parecia que entravam
na garagem do tio Bob. Ouviu a porta se abrir e o motor de um caminhão dar partida.
Katie cochichava algo parecido com “atrás”. No instante seguinte, Cris foi erguida e
misterioso ao seu lado segurava suas mãos, para evitar que ela tirasse a fronha. A
- Aonde vamos?
A camioneta virou tão depressa a esquina, que Cris pensou que fosse cair. Veio uma
guinada rápida, e mais outra. Não tinha idéia de onde estavam indo. Antes que
conseguisse equilibrar-se numa posição mais cômoda, passaram por cima de outra
- Sai daí!
Pela primeira vez, estava assustada. Tinha tanta certeza de que o seqüestro era
alguma coisa que Katie planejara para seu aniversário, que seria daí a dois dias... mas eles
a tinham virado para um lado e para outro, e ela não tinha mais idéia de onde estava.
Ficou apavorada.
O cara praticamente carregou-a para fora do carro. Cris sentiu outra mão em seu
- Está bem, gente! Isso tudo é muito engraçado, disse ela, rindo nervosamente.
Parecendo estar caminhando num piso de asfalto, a pessoa que a conduzia fez com
que ela andasse em círculos. Depois mandou-a erguer o pé, dar um passo para cima, outro
para baixo e a seguir, alguns passos à direita. Dava para ouvir o mar, portanto, Cris
sabia que não podia estar longe da casa de seus tios. Mas onde?
Quem é que estava segurando sua mão e mandando-a andar para a frente com passos
de criança? Não parecia o Ted. Quem sabe o Douglas? Mas então, quem estava dirigindo a
camioneta?
Mais alguns passos e Cris pensou sentir o cheiro da loção pós-barba de seu tio.
Cris ouviu os risos abafados de Katie, mas ninguém mais fez o menor ruído.
Primeiro, pensou que só estavam ali esse guia misterioso e Katie, mas agora percebia que
havia mais gente, olhando-a, tentando abafar o som dos passos. Quantos mais? E onde
estava ela?
- Por aqui, comandou a voz rouca, à direita. Dois degraus para cima.
Agora reconhecia que pisava sobre cimento. Uma forte brisa do mar tocava seu rosto
e ela ouvia o rugir das ondas. Tinha certeza de que havia mais gente, pelos sussurros e
Mais um passo, e algo leve e esvoaçante passou por sua cabeça. Sensação estranha.
Teve vontade de bater nele, mas as mãos estavam presas. Conseguiu ter um vislumbre de
cimento cinza sob os pés quando olhou para baixo, pela abertura da fronha.
Onde estou?
Com um puxão inesperado, a fronha foi arrancada de sua cabeça, soltaram suas
Todos os seus amigos da praia estavam à sua frente, no pátio da casa de tio Bob e tia
Marta, cantando “Parabéns pra você”, todos sorridentes pela surpresa que conseguiram
fazer.
dezessete velas acesas. Seus olhos azul-prateados encontraram os de Cris quando a canção
acabou. Com um sorriso, ele disse:
“desejos” que havia em sua mente e puxou a primeira ficha dele. Em seguida apresentou
seu pedido.
Todos bateram palmas. Ted colocou o bolo na mesa. Tia Marta começou a fatiá-lo e
Cris ria-se em companhia dos amigos, ouvindo-lhes o comentário sobre como ela
- Fui eu, confessou Douglas. Vocês chegaram cedo demais e sua tia nos disse para
- Tivemos de levá-la para dar uma volta no quarteirão, comentou tio Bob. Espero
- Calculei que fossem vocês, é claro. Mas não conseguia imaginar o que estava
- Seu tio dirigiu meu carro. Não posso dizer que é o mais tranqüilo dos motoristas
Katie entregou à Cris um pedaço de bolo com sorvete de chocolate e uma rosa cor-
de-rosa em cima.
- Sua tia me telefonou semana passada e combinamos tudo. Foi por isso que fingi
estar meio desinteressada quando você me convidou para passar o final de semana aqui.
Consegui guardar segredo, não foi?
- Que massa! Nem desconfiei. Obrigada, Katie. Foi uma surpresa e tanto.
- Aquilo ali é para depois, disse Katie, apontando para cima. Cris viu uma píñata*
cor-de-rosa em forma de porco, presa à cobertura de madeira da varanda. Notou que tudo
estava coberto de faixas de papel crepom e dúzias de balões coloridos. Os enfeites eram
de festa de criança de cinco anos, mas ela gostou. Sabia que sua tia se lançara de corpo e
_____________
Todos os amigos da praia estavam presentes. Helen, Trícia, Brian, Lillian, Douglas,
Ted e outros mais. Cris olhou à sua volta e notou a falta do Rick.
O fato de ela ser frágil e miúda não era vantagem neste momento. Ela usava short
rosa-shocking e uma camiseta. Qualquer outra pessoa da sua idade pareceria rídicula
nessa roupa, mas Marta conseguia ficar elegante. Conseguia manter um ar de juventude
em sua pessoa.
- Logo que vocês tiverem terminado com o bolo e o sorvete, tem uma lata de lixo no
canto. As geladeiras nos dois cantos estão repletas de refrigerantes. Qualquer hora que
tiverem sede esta tarde... Bob e Ted vão armar a rede de vôlei, não vão, rapazes?
estará aberta a tarde toda, para a eventualidade de que queiram se trocar ou coisa parecida.
Agora, divirtam-se todos na praia e lembrem-se de passar protetor solar.
- Vou tirar nossas coisas do carro, disse Katie a Cris. Ainda está surpresa?
- Ótimo.
Quando Katie se virou para buscar as coisas, seu cabelo cor-de-cobre agitou-se
Cris não conseguia terminar seu enorme pedaço de bolo, e o ofereceu ao Ted. Ele fez
- Vê com o Douglas. Ele é mais tolerante com rosas de açúcar cor-de-rosa do que eu.
praia.
Levou apenas dez minutos para Cris e Katie vestirem seus trajes de banho e
descerem até a praia, onde se juntaram ao grupo. Ao pisar na areia, Cris comentou:
- Você não convidou o Rick devido ao jeito como as coisas estavam indo entre
vocês? Quer dizer, ele é bastante amigo do Douglas e do Ted. Eles vão lhe falar da festa.
- Pedi ao Douglas que ligasse pra ele. Não quis falar com ele. Ele disse ao Douglas
que talvez aparecesse no final do dia. Planejamos esta festa para o dia inteiro, caso não
tenha percebido. Sua tia é o máximo em planejar festas. Comprou carne para fazer
churrasco e ingredientes para smore* à beira da fogueira. Alugou um punhado de fitas de
vídeo para o caso de alguém querer ficar para uma maratona de filmes à noite. É capaz
que o Rick apareça mais tarde, mas não tenho muita certeza. Se ele vier, prometo ser
____________
- Então, está bem. Desde que ele tenha sido convidado, é o que importa. O que ele
vier a fazer do convite, é problema dele. Não quero que ele se sinta excluído.
- Não se preocupe. Pode ser que eu não ache nada maravilhoso ter me interessado
- Mas tive uma ótima professora para me mostrar como se pode ser amiga de um
- Quem, eu?
- Sabe, acho que assim que a gente entende o que é o amor de verdade, compreende
que por mais que amemos uma pessoa nunca estaremos amando demais.
- É isso que acontece quando se faz dezessete anos? A mente fica cheia de
ponderações profundas e de repente você consegue explicar o sentido da vida para o resto
do mundo?
Antes que Cris pudesse responder, uma bola de vôlei cruzou o ar e acertou a cabeça
de Katie.
- Ei! gritou ela virando-se para ver quem tinha jogado a bola.
- Aqui! gritou Ted. Você está no nosso time, Katie. quer jogar, Cris?
Cris nunca fora boa em esportes como Katie. Mas era a festa do seu aniversário.
Imaginava que uma pessoa deveria superar seu acanhamento, pelo menos em parte, antes
Durante a hora seguinte, um intenso jogo de vôlei se travou. Cris divertiu-se, mesmo
não tendo conseguido jogar a bola para o outro lado da rede muitas vezes. Douglas, Bob e
mais duas garotas do seu time compensavam o seu fraco desempenho. No final, o time de
Ted cismou que o time vencedor teria de jogar os adversários no mar. E antes que
Cris percebesse o que se passava, ele a levou até a beira da água com a alegria de um
menino maroto.
Cris gritou e esperneou, mas Ted segurava firme. No momento em que seus pés
tocaram a espuma fria da onda, ela achou que teria chance de escapulir. Foi quando
- Viva! gritou Douglas, agarrando Ted e Cris com seus braços de gorila e levando-os
Os três amigos subiram à tona para respirar, rindo muito e jogando água uns nos
jogando-lhe água no rosto, quando reapareceu na superfície. Outra onda quebrou sobre
Parada na areia, a rir-se deles, Cris torcia no corpo a camiseta enorme, colada na
pele.
- Talvez depois, se eu conseguir tirar essa areia toda dos ouvidos. Mas notei que
Douglas e Ted correram pela areia, tirando o sossego de Katie. Daí a pouco, com sua
manobra de três pontos, atiraram-na no mar. Cris deitou na toalha da Katie, agora vazia,
Parece que certas coisas nunca mudam, pensou, lembrando verões passados nessa
mesma praia, quando ela e essas meninas observavam Ted e Douglas aperfeiçoarem a
Cris esticou as pernas compridas sobre a toalha e deixou que o sol quente de julho
secasse a água do mar. De mãos para trás, espalmadas na areia, olhava para o mar azul,
que reluzia ao sol. A cabeça ruiva de Katie apareceu sobre uma onda. Em seguida veio
Douglas, com sua risada contagiante, andando na direção dela, em meio à brisa marinha.
Ted, como um golfinho brincalhão, deslizou até a praia na onda seguinte. Saindo da água,
virou a cabeça para trás e sacudiu o cabelo clareado pelo sol, fazendo todas as gotículas
descerem por suas costas. Cris assistira àquela cena muitas vezes, mas esta foi a primeira
Ainda bem que algumas coisas não mudam. Eu queria continuar a ter esta idade, e
poder estar na praia, com estes amigos, nos próximos cinqüenta anos. Não quero que as
Cris percebeu que estava desejando quase o contrário de tudo que desejara antes.
Durante muito tempo quisera que tudo fosse diferente, principalmente que seu
relacionamento com o Ted mudasse e progredisse. Agora desejava que tudo parasse e
ficasse imóvel para que ela pudesse observar e sentir prazer em cada pedacinho de sua
vida.
conhecia o tesouro maravilhoso que era ter a amizade “para sempre” do Ted.
Cris inclinou a cabeça para trás e sentiu o beijo do sol no rosto e no pescoço.
Lembrou a bênção que recebera do Ted, e que ela passara adiante para a Jeanine: “Que o
reluzindo sobre ela. Com os olhos fechados e um sorriso abrindo-lhe nos lábios, ela
Fim