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Curitiba
Agosto, 2006
A LOUÇA DE MESA NA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA:
A CERÂMICA RIO BRANCO E SUA TRAJETÓRIA NO DESIGN DE LOUÇA DE MESA
1. RESUMO
A investigação tinha por objetivo geral estabelecer quais elementos foram importantes
para o desenvolvimento do design de produtos na região de Campo Largo. Para tanto,
trabalhou com os seguintes objetivos específicos:
- Levantar a história da empresa com base nos relatos de seu dono, ainda vivo, Sr.
Alberto Augusto;
- Recuperar peças produzidas, fotografá-las e catalogá-las;
- Formar um arquivo digital das fotos;
- Recuperar os dados ainda existentes e catalogá-los;
- Transformá-los em arquivos digitais;
- Analisar os produtos dentro do contexto local e mundial;
A escolha neste trabalho por um método de pesquisa apoiado na história oral se apóia
no fato de que existe uma grande carência de documentos que possam fundamentar uma
visão sobre o design cerâmico na região. Além disso, devido às particularidades da empresa
Cerâmica Rio Branco, da qual o seu antigo proprietário, hoje com 86 anos, encontra-se ainda
vivo, bem como da eminência em se ter o seu patrimômio arquitetônico e empresarial como
bem cultural perdido, devido à situação presente da empresa, a escolha por este tipo de
pesquisa se reforça (fonte).
A idéia do seu proprietário, depois de ser levantada a possibilidade de transformá-
la em um museu vivo, passou a considerar a venda da empresa para a municipalidade em
sua integralidade, na medida em que o maquinário e os moldes utilizados anteriormente se
encontram ainda em bom estado, podendo se transformar em um museu vivo. No entanto,
pressões familiares vêm acelerando o processo de venda, passando a ser considerada a
utilização do local para outra atividade. Com isto, o patrimônio cultural existente se perderia
(CAVIQUIOLO, 2005).
Neste contexto, esta pesquisa visa registrar a história da empresa por meio do relato
do seu proprietário e daquilo que ainda se encontra em situação de possível registro, conforme
projeto de pesquisa já em andamento (KISTMANN, 2001). Portanto, esta pesquisa se apoiou
na história oral e no registro fotográfico do material fornecido pelos entrevistados que apontam
para o design que era desenvolvido pela empresa.
O método utilizado foi, portanto, de entrevista não estruturada focalizada. Para tanto,
foram elaborados dois roteiros diferentes (ANEXOS A e B) para os dois entrevistados, o Sr.
Alberto Augusto, fundador e proprietário da fábrica, e seu auxiliar, Balduíno Vidal Filho que
trabalhou na fábrica entre anos de 1977 a 1993. Eles são diferentes porque objetivam no
primeiro obter dados que registrem o processo de fundação e os aspectos mais gerenciais e
no segundo os aspectos mais operacionais. Os registros foram feitos por gravação em áudio,
em 2 fitas de 60min cada. As entrevistas foram realizadas entre junho de 2005 e julho de
2006. Além desses registros, houveram relatos coletados de maneira informal, que vieram
à complementar os depoimentos anteriores, relatos esses concedidos por Alberto Augusto,
Balduíno Vidal Filho, Regina Vidal (esposa de Balduíno), Olimpia Augusto (esposa de Alberto
Augusto) e Zita Augusto Metzel (Irmã Alberto Augusto).
Paralelamente às entrevistas, foram fotografadas digitalmente as louças que foram
preservadas, de propriedade de Alberto Augusto e de sua filha, Regina Vidal. Foram
também realizadas fotografias digitais do interior da fábrica como se encontra atualmente.
Os produtos e equipamentos que foram registrados fotograficamente se encontravam em
poder do proprietário, guardados dentro da própria fábrica, e outros em poder de sua filha,
em sua residência. Alguns exemplares de louça também foram doados a esta pesquisadora
pelo próprio Sr. Alberto Augusto e fotografados posteriormente. Houve também o registro
digital de um caderno de propriedade do senhor Alberto Augusto, que continha as ilustrações
desenvolvidas para a decoração das louças da empresa, que era aplicada com máscaras
(estêncil).
As imagens obtidas foram tratadas por meio de técnicas gráficas computadorizadas,
utilizando o software Corel Photo Paint, a fim de melhorar a qualidade das mesmas, ajustando-
se o brilho, contraste e cores. Elas foram classificadas posteriormente segundo o tipo de
produto, época de produção, configuração formal e decoração.
Serviu também de base para esta pesquisa a técnica de levantamento bibliográfico.
Neste aspecto, foram consultados livros sobre as temáticas apontadas na revisão da literaura,
compreendendo: design cerâmico, história do design, história da industrialização do Paraná,
história de Campo Largo e documentos e revistas de época.
Com base no material coletado e sua confrontação com o levantamento bibliográfico
realizado, elaborou-se uma discussão de forma a contextualizar a produção e funcionamento
da fábrica com a história do design de louça cerâmica e os acontecimentos históricos da
economia, política e cultura no Paraná, no Brasil e no mundo.
Com base nestes dados, elaboramos a redação deste documento.
6. RESULTADOS
“E eu menti que era cozinheiro lá! As cartas eram todas censuradas, então a minha carta, o
que censurava não cortava uma palavra, porque eu só falava coisas que não tinha problema.
(...) Porque eu não contava nada o que tava se passando, contava tudo diferente. Eu tava
lutando na frente né...’eu era cozinheiro’ , pra não deixar a mãe sentida. Eu tava bem na linha
de frente.”
(Augusto, entrevista, julho de 2005)
Em virtude de sua ida para a Itália, vendeu a sua parte da fábrica São João para o sócio,
Sr. Leonardo Gavalak, que logo depois vendeu-a para o Sr. Pedro Puppi. Este, mais tarde,
vendeu a fábrica para a empresa Dyer, que fabricava produtos elétricos. Esta fábrica estaria
localizada onde hoje se localiza a sede da Fábrica Lorenzetti, em Campo Largo (AUGUSTO,
2006).
Depois de passar um ano na Guerra, Alberto Augusto retorna em 1945 a Campo Largo
e volta a atuar no setor cerâmico, passando a exercer o cargo no setor de produção na então
Cerâmica Aurora, na rua Benedito Soares Pinto, próximo de onde é hoje o Fórum de Campo
Largo. Nesse período ele também construiu uma pequena olaria, na mesma quadra onde é
hoje a Cerâmica Rio Branco. Pouco tempo depois a vendeu para seu vizinho, Victorio Fallarz
(AUGUSTO, 2005).
Neste retorno, casou-se, em 1946, com Olímpia Perbecen, com quem teve um filho,
Luciano. A outra filha do Sr. Alberto, Regina, é, na verdade, sua sobrinha, que foi registrada
como sua filha adotiva, após a morte da mãe.
Olímpia é apontada pelo senhor Augusto como uma pessoa que muito apoiou no início
da montagem da Cerâmica Rio Branco, em 1953 (AUGUSTO, 2005). Segundo ele, este foi um
período muito difícil, pois trabalhava durante o dia na Cerâmica Aurora e à noite na construção
da fábrica. Para isso, foi necessária a participação de mais três sócios no investimento: Albino
Augusto, seu irmão; Herculano Shimaleski, prefeito da cidade de Campo Largo nos anos
de 1955 a 1959 (www.cmcampolargo.com.br/historico.asp) e o médico Orlando de Oliveira
Melo. Estes três sócios eram capitalistas que apoiaram a construção, enquanto que o senhor
Augusto exercia a função de diretor geral (AUGUSTO, 2005) A fábrica foi construída em dois
anos, sendo concluída em 1955. Embora nas entrevistas a atitude da senhora Olímpia tenha
sido sempre de se colocar em segundo plano, observa-se que ela também teve um papel
ativo na construção da fábrica:
“O começo todo mundo ajudou um pouquinho, depois ela foi se pagando com o trabalho.
Vendendo e, quando podia, comprava coisas. (...) A Olímpia ajudou muito. Pra trazer água
pra construção, tinha o poço onde nós morava lá primeiro, tinha uma biquinha de madeira,
ela enchia o tambor e vinha correndo. Naquele tempo nem se falava em mangueira! Acho que
nem existia! Que coisa né!”
O primeiro forno foi construído em “serão”, no período da noite, em que Alberto não
estava trabalhando na Cerâmica Aurora. Nessa construção foram utilizados cerca de 90.000
tijolos, sem contar os tijolos refratários. O segundo forno, utilizado para a queima do esmalte,
foi construído através de “empreitada”, em 1956. Cerca de 20 anos mais tarde, esses mesmos
fornos foram reconstruídos para ampliação da capacidade. O primeiro a ser reformado foi o
forno para queima do biscoito, que possuia o dobro da capacidade do utilizado para a queima
do vidrado (AUGUSTO, 2005).
“Até aquela vez lá em cima do forno né, fazendo cerão, caiu uma pilha de tijolo lá... assustei o
povo. Daqui a pouco tava trabalhando outra vez! Não aconteceu nada, Graças à Deus. Tanta
coisa aconteceu e nada teve problema. Tudo sofrido! Aí tem valor!”
(Augusto, entrevista, julho 2005)
Figura 2 – Construção do forno Cerâmica Rio
Branco. Fonte: arquivo da família, foto por
Regina Vidal, sem data
A fábrica Rio Branco funcionou em Campo Largo entre 1953 e 1997 no endereço: Rua
Barão do Rio Branco nº1820
Figura 3 - Localização da Fábrica em Campo Largo. Fonte:
Desenho da autora
Ainda hoje podemos visitar as suas instalações, em situação muito similar ao da data
de seu fechamento, lembrando para alguns, uma fábrica fantasma.
A massa plástica era usada como matéria prima de pratos, saladeiras e travessas.
A conformação é feita por um torno tipo jaule, caracterizado por um molde em rotação e um
contramolde fixo. A massa era colocada sobre o molde e o contramolde era acionado pelo
operador através de um braço.
Quanto aos funcionários, a fábrica chegou a ter o número máximo de 28, e diminuiu
até chegar ao número 12, no período de seu fechamento. Os funcionários da fábrica eram
considerados pelo Sr. Alberto como uma família. Nas entrevistas, quando citados, recebiam
elogios, como o modelista Osvaldo Fressato, que além de fazer os modelos ajudava em
funções como a retirada de louça dos fornos (AUGUSTO, 2006). O Sr. Alberto era quem
gerenciava o processo, cujas etapas eram realizadas por pessoas especializadas. Muitos dos
melhores funcionários da Cerâmica Rio Branco receberam propostas da Empresa Incepa, em
Campo Largo, e acabaram saindo da fábrica em busca de melhores salários (ibid).
Cada etapa do processo empregava um certo número de pessoas, na preparação da
massa eram duas pessoas, na conformação era necessário um único operador para o torno,
que repassava o produto conformado para outro indivíduo fazer a limpeza. Para a colocação
da louça nos fornos era necessário o emprego de 5 a 6 pessoas, e na decoração 4 pessoas.
Segundo o Sr. Alberto, as mulheres que trabalhavam na fábrica tinham a função de fazer o
acabamento e a decoração da louça. As encarregadas da decoração eram chamadas de
“chapeadeiras”, pois eram elas que, com o auxílio de um pincel, aplicavam o vidrado sobre
uma máscara vazada (chamada “chapa”), porém haviam também homens encarregados
do processo de decoração que se ocupavam da feitura do filete, que era uma linha que
acompanhava a borda de pratos e saladeiras. Eram ao todo quatro pessoas.
Aí esse aqui foi uma coisa que o freguês da Bahia pedia. Esse aqui quando ia pra Bahia ele
dizia que lá em Fortaleza, a região que vendia a decoração com o barquinho, vendia por
causa que lá eles tem o barco. (...) e pra nós no Paraná é o pinheiro. Era a louça do Paraná
que ia pra eles.
(Vidal Fº, 2005)
A Cerâmica Rio Branco possuía o seu próprio carimbo, porém não eram todas as
peças que o recebiam. O motivo, segundo o Sr. Alberto Augusto, era o fácil desgaste quando
entrava em contato com a peça biscoitada que era muito áspera, chegando a ser utilizado
mais de um carimbo por dia. Houve uma ocasião em que o desenho foi enviado à Alemanha,
através de um funcionário da empresa Bragussa, mas a qualidade do carimbo produzido lá
também não foi satisfatória.
A decoração da louça acontecia tanto na forma do produto, com relevos que faziam
alusão à natureza, como espigas de milho ou ramos de flores, quanto na superfície, com
acabamento de vidrados coloridos. Há também o registro de peças em terracota, lixadas e
pintadas à mão com tinta “duco”. A decoração da superfície era de tais tipos:
a) pistola: vidrado colorido aplicado com uma pequena pistola, o resultado era um efeito
gradiente na cor aplicada.
b) filete: vidrado aplicado com pincel enquanto a peça gira em um torno manual, desenhando
uma linha que contorna a louça.
c) “stêncil”: máscaras em estanho ou película plástica, onde figuras eram vazadas com o
auxílio de lâminas. As figuras eram cópias de estampas encontradas em tecidos adaptadas
pelo Sr. Alberto Augusto, ou criações dele próprio, que as desenhava em um caderno que
funcionava como um guia para a decoração das peças.
d) decalque: começou a ser utilizado na fábrica a partir da década de 80. Caracterizado por
motivos florais aplicados, geralmente, nos pratos.
A louça da Cerâmica Rio Branco sempre foi vendida na própria fábrica e chegava
ao consumidor através dos armazéns (Figura 12), feiras e dos vendedores ambulantes, que
estacionavam caminhões carregados de louça em pontos de grande circulação de várias
cidades. Antes da existência de ambulantes, comboios de empresas vindos do Rio Grande
do Sul carregavam seus caminhões com a louça de Campo Largo pois, segundo o Sr. Alberto
(2005), na década de 70-80, muita louça era vendida. Uma dessas empresas, Amorim, ia para
Campo Largo com 10 a 12 caminhões e comprava o que podia. Com o tempo essas vendas
foram diminuindo até o ponto em que os compradores vinham só com automóveis para fazer
as compras, fazendo o pedido e mandando o caminhão para buscá-las logo em seguida.
“Quando chegava freguês aqui, vinha muito do Rio Grande, eles vinham especular o preço.
Então eu mostrava a mercadoria e o preço, e soltava o freguês. Cansei de levar freguês
em outras fábricas. Daí ele via o preço, via a mercadoria, ele já conhecia, ele comprava lá
mas vinha comprar um pouquinho aqui. Tem que ser educado né. A louça dos outros é boa
também.”
(Augusto, entrevista, 2005)
A fábrica tinha clientes em Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná,
Santa Catarina e Rio Grande do Sul (ibid). Um dos clientes do Paraná, a empresa Irmãos
Gionedes, que possuía sedes em Londrina e Apucarana até hoje existe em Campo Largo. Um
dos comerciantes de Tijucas – SC, proprietário da empresa “Armarinhos Mônica” foi citado
pelo Sr. Balduíno, em seu depoimento, como um bom exemplo de comércio:
“Ele chegava aqui na fábrica, numa época que tava difícil de fazer dois, três tipos de pratos
[...], aí ele disse:’Você pegue e faça bastante decoração! [...]. ‘Porque daí eu chego num
estabelecimento se eu vender uma dúzia de prato, eu vou vender uma dúzia de barquinho, e
se eu tiver cinco tipos de prato eu vou vender cinco dúzias de prato!’ (risos)”.
(Vidal Fº, entrevista, 17 agosto 2005)
7. DISCUSSÃO
“No campo das relações de gênero, ficam patentes as formas como normatizações sociais e
organização do trabalho se retro-alimentam para manutenção dos papéis sociais atribuídos
aos gêneros. Nesse aspecto, chegamos a um ponto crucial da divisão sexual do trabalho, que
também se traduz pela divisão técnica”.
(MACHADO, 2003, P.147.)
Através do registro dos produtos e dos relatos dos indivíduos ligados à Cerâmica Rio
Branco, é possível desenhar o cenário que levou ao fechamento da fábrica. O contexto em
que deu-se o fechamento é o da grande redução da produção de louça na região de Campo
Largo, encontrado em relatório do IPARDES (2003) que analisou os Arranjos Produtivos
Locais paranaenses na década de 90.
Com este trabalho, é possivel identificar alguns elementos de influência na gestão do design de
louça de mesa na região de Campo Largo. Pois nele é possível visualizar uma trajetória que resultou no
fechamento da fábrica ocorrido principalmente em conseqüência da falta de estratégias competitivas
frente ao cenário econômico, político e cultural da época.
No entanto, por possuir informações baseadas na pesquisa oral, muitos dados permanecem
ocultos, e que por falta de perspicácia da pesquisadora no momento das entrevistas, não foi possível
identificá-las. Mas percebeu-se que esse tipo de imersão deve considerar um grande período de tempo,
para que a relação com os entrevistados seja mais íntima. Uma continuidade do trabalho a partir de
agora, permitiria uma complementação do material, permitindo avançar nas discussões propostas.
Além desta análise, com o banco de imagens coletadas, é possível um maior aprofundamento
no que se refere ao design de louça de mesa em novas pesquisas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARNICOAT, John. Los carteles: Su historia y lenguaje. Barcelona: Editorial Gustavo Gili,
1972.
CMCL. História do Legislativo de Campo Largo: Relação dos Prefeitos de Campo Largo e
período de governo. Disponível em: http://www.cmcampolargo.com.br/historico.asp Acesso
em: 25 agosto 2006
HESKETT, John. Desenho Industrial. 2 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998.
________. Design e louça de mesa: Da elite à produção em série e ao life style. Notas (Não
Publicado) Curitiba: UFPR, 2005.
VIDAL Fº, Balduíno. Entrevista concedida a Suelen Caviquiolo. Campo Largo: 2005.