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Terça-feira, Dezembro 06, 2005

O Mundo Islâmico e Pêro da Covilhã - Parte III


A grande viagem
Esta viagem de que P. da Covilhã e Afonso de Paiva, foram encarregues (o primeiro para a Índia, o segundo para a
Abíssinia) insere-se na fase preparatória de exploração da rota do Cabo, juntamente com as viagens de Bartolomeu
Dias no Atlântico Sul. Inserido neste programa metódico e sistemático da Expansão, P. da Covilhã deveria recolher
informações sobre as linhas de comércio das especiarias, até então dominados por árabes e italianos,
nomeadamente de Veneza.
A partida deu-se em Santarém a 7 de Maio de 1487. A viagem até à ilha de Rodes fez-se sem problemas – a partir
daqui o viajante estaria sempre em terreno muçulmano.

1) O Egipto Mameluco
O Egipto dispunha de uma importância estratégica determinante no comércio entre o Oriente, nomeadamente a
Índia, e a Europa. Esse comércio, promovido, essencialmente por venezianos e genoveses, estes em menor escala,
assentava nas potencialidades da rota do Mar Vermelho. A grande vantagem desta rota sobre a do Golfo Pérsico é o
seu menor percurso terrestre. Assim, o delta nilótico ganha uma predominância importante, principalmente
Alexandria. Esta cidade passa a ser a porta de chegada dos produtos do Indico. A rota do Cabo descoberta por
Bartolomeu Dias em 1488 e o caminho marítimo para a Índia explorado por Vasco da Gama em 1498, levou a rota
do Mar Vermelho à decadência, arrastando consigo o vigor de Alexandria e dos comerciantes italianos.
Portanto, quando P. da Covilhã chegou a Alexandria, vindo de Rodes, provavelmente em Agosto de 1487, a cidade
mantinha-se ainda um importante foco mercantil. Politicamente, o Egipto era governado pelos mamelucos, cujo
poder estava sedeado no Cairo.
Aquando da ocupação cristã da Terra Santa, promovida pela Cruzadas, ocorrem algumas transformações no Egipto.
Em 1170, os turcos Seljúcidas dão o título, tal como o poder, do Egipto a um militar curdo, que se salientou na luta
contra os cruzados, de nome Salah al-Din ibn Ayyud (Saladino). Ele funda a dinastia Aiubida que governará o Egipto
até 1250.
A base do poder Aiubida consiste no seu exército mameluco13, recrutados entre jovens da Ásia. Em plena dinastia
Aiubida, os emires (comandantes dos regimentos de mamelucos) ganhavam cada vez maior influencia. No ano de
1250 tomaram, efectivamente, o poder. Depois de derrubarem o último sultão Aiubida – al-Mou’zzam Touran Chah –
formaram uma oligarquia militar que governou o Egipto até 1517, quando o país do Nilo foi conquistado pelos
otomanos.
Os mamelucos Baritas governaram até 1382. Foram eles que travaram o avanço mongol para ocidente: “D’une
manière paradoxale, c’est le Egypte, gouvernée par des semi-barbares importes dês marches d’esclaves de la Mer
Noire, qui est maintenant le refuge dés espoirs, le centre de civilisation pour tous les pays árabes”14. Garantiram
ilusória e efemeramente um Império que abarcasse todos os árabes – garantiram a sobrevivência da ficção califiana,
pois deram asilo aos descendentes do califa abássida após a conquista de Bagdad pelos mongóis.
Os mamelucos Burgitas governaram até 1517. Este período foi menos notável. Novos factores empurravam os
mamelucos para o fim: exército obsoleto; pressão otomana; portugueses no Índico e declínio da rota do Mar
Vermelho.
Em 1487 “o sultão do Cairo (…) era então Qayt-Bey, Chamado também Melik-el-Achraf (rei muito nobre). Reinava
havia vinte annos (…) o Egypto achava-se em relativo socego e prosperidade.”15. Era esta a situação quando P. da
Covilhã esteve no Egipto.
Após alguns contratempos (doença e desaparecimento da mercadoria de mel), os dois viajantes saíram do Cairo,
provavelmente “...pelo mez de abril a maio do anno de 1488.”16. Estiveram cerca de nove meses no Egipto.
Na companhia de um grupo de mercadores magrebinos partiram do Cairo em direcção ao Mar Vermelho.
Embarcaram em Tor para Adém, um percurso que não demoraria menos de dois meses17. A viagem no Mar
Vermelho era muito demorada. Por causa dos baixios e dos recifes só se podia viajar de dia. Ainda antes de
chegarem ao extremo sudoeste da Península Arábica, fizeram uma pequena escala em Suakim, na actual costa
sudanesa – P. da Covilhã nunca estivera tão perto da Abíssinia.

2) Adém
A pequena distância que separa Adém do estreito de Bab-al-Mandab e as suas boas condições naturais, tornaram-no
desde a Antiguidade um porto comercial e marítimo bastante importante. O primeiro europeu a ter conhecimento da
importância de Adém foi Marco Polo em 1295. No século XIV, Ibn-al-Wardi e Ibn Khaldum referem-se situação
estratégica deste porto no comércio Índico – Mar Vermelho – Mediterrâneo.
Entre 1229 e 1454, o Iémen, do qual a cidade de Adém faz parte, foi governado pela dinastia sunita dos Rassulidas,
sucessora dos Aiubidas egípcios. Durante este período foi encorajado o comércio com o restante mundo islâmico e

1
também com o extremo Oriente. Os séculos XIII-XIV- inícios XV foram de prosperidade no Iémen, graças, em parte,
ao dinamismo da cidade portuária de Adém. Desde 1442 até à conquista otomana de 1517, o período foi de
anarquia. Aos Rassoulidas sucedeu uma outra dinastia sunita de menor importância, os Tahiridas.
Em 1488, Adém era um pequeno potentado muçulmano autónomo, com graves conflitos em seu redor. O declínio
definitivo aconteceu com o desvio do tráfico no Índico pelos portugueses após 1498.
Em Adém, P. da Covilhã e Afonso de Paiva separaram-se. O primeiro partiu para a Índia, o segundo para a Abissínia.

3) Índia
A conquista muçulmana da Índia começou verdadeiramente a partir de 1175. Todavia, a norte – Sind (na bacia
inferior do rio Indo, conquistada em 712), Cabul (no actual Afeganistão) e o Punjab – a conquista islâmica foi
bastante anterior. A expansão islâmica foi contínua e gradual até 1340, momento do começo da contracção que
durou até 1556, com Akbar, o maior soberano do Império Mohgol. Como apontamento, devemos salientar que este
Império Mohgol, fundado por Babur, na Índia (1526/1858) é juntamente com mais dois – o Otomano (1300/1918),
na Ásia Menor, e o Sefévida (1501/1736), na Pérsia – consequência da decadência do Império de Genghis Khan e,
depois, de Tamerlão. Portanto, estes três Impérios – o Mohgol, o Otomano e o Sefévida (estes entram em ruptura
com o restante mundo muçulmano, pois são xiitas) – vão ocupar o espaço, anteriormente ocupado por Tamerlão e,
efemeramente, pelos seus sucessores, os Timúridas. Estes três Impérios que marcaram a passagem da Idade Média
para a Idade Moderna no mundo islâmico, foram a consequência lógica do processo de construção e expansão da
civilização islâmica. Dentro do enorme território muçulmano, só a África ocidental (incluindo Marrocos, que teve um
desenvolvimento autónomo sobre os Marinidas e os Sa’adidas) e o sudeste asiático ficaram de fora da alçada destes
três Impérios.
A ocupação muçulmana da Índia deveu-se, essencialmente, a contínuas vagas migratórias de povos da Ásia Central:
turcos, afegãos, mongóis18, devidamente islamizados. O primeiro passo para a penetração do Islão na Índia
profunda foi a fundação do Sultanato de Deli. As campanhas de Muhammad de Ghur (Ghur era um pequeno
principado junto a Herat, no Afeganistão) entre 1175 e 1206 e, particularmente, as vitórias nas batalhas de Taraori
(1192) e Chandawar (1194), foram indispensáveis para a conjugação desses dois elementos. O Sultanato de Deli
tornou-se, debaixo de diversas dinastias, o principal Estado do norte da Índia.
Como consequências desse poder surgiram as incursões muçulmanas ao sul do sub-continente, nomeadamente ao
Decão, e a respectiva resistência Hindu ao Islão. Essa resistência foi promovida sobre a forma de Estados coesos –
Orissa, Pandya e Vijayanagar – esta última, que em sânscrito significa “Cidade da Vitória” e na designação
portuguesa é conhecida como Bisnaga, foi fundada em 1336 e teve um papel notável como travão ao avanço
islâmico em direcção ao sul, a partir de 1340. Este Estado Hindu desapareceu na sequência de uma campanha,
organizada pelos reinos sucessores do poder Bahamanida, em 1565, na batalha de Talikota.
Pela mesma época, em 1347, surge uma alteração geo-política no mundo muçulmano. Com o sultão Muhammad ibn
Tughluq, surgiram problemas internos, dando origem no sul ao reino muçulmano de Bahmani, formado por nobres
descontentes e fundado por ‘Ala-ud-Din Bahman Shah. Atingiu o auge do seu poder entre 1466 e 1481. Entre 1490 e
1518 o sultanato de Bahamani dissolveu-se em cinco pequenos Estados: Golconda, Berar, Bijapur, Ahmadnagar e
Bidar – os mesmos que em 1565 destruíram o reino de Vijayanagar, como vimos.
Assim, o Estado Hindu de Vijayanagar e o Estado Islâmico de Bahmani, na fronteira norte do primeiro, bem como
outros pequenos potentados, marcavam a paisagem geo-política do sul da Índia. As guerras entre estes dois
importantes Estados eram frequentes e devastadoras.
A nível cultural e religioso, o islamismo e o hinduísmo entraram quase sempre em choque – hoje ainda visível nos
problemas hindu-paquistaneses. Contudo, as influências mutuas marcaram, também, as relações.

É nesta Índia, espartilhada pelos poderes muçulmanos e hindus no sul e com predominância islâmica no norte, que
P. da Covilhã vai permanecer alguns meses, preparando a viagem de Vasco da Gama. Visitou três cidades
importantes da costa ocidental da Índia: Cannanor, Calicut e Goa.
Cannanor era um porto comercial na costa do Malabar “...por onde se fazia parte do commercio para o rico reino
interior de Bijayanagara, chamado pelos nossos de Narsinga19, e onde se encontravam já muitas especiarias...”20.
Pouco tempo depois, P. da Covilhã partiu para Calicut.
Calicut era um pequeno Estado hindu. Os seus soberanos tinham o título de samorim. A sua grande prosperidade e
riqueza era devida à sua excelente posição geográfica: “...terminus da navegação oriental, e o terminus da
navegação occidental.”21. A colónia islâmica tinha uma grande importância no comércio. No início de 1489 partiu
para Goa.
Situada mais a norte, Goa apresentava uma realidade diferente. Era uma cidade muçulmana incluída no reino
Bahamani22. A sua importância comercial era crucial no comércio do Mar da Arábia. A partir daqui P. da Covilhã
abandonou a Índia e viajou em direcção a Ormuz.

4) Ormuz

2
Esta cidade, situada numa ilha, na entrada do Golfo Pérsico existia “...havia já perto de dois seculos (...) era uma
cidade commercial de primeira importancia, capital de um estado independente, onde reinava n’aquele Xawes ou
Salgor...”23. Esta era a nova Ormuz, fundada no início do século XIII.
A velha Ormuz situava-se no continente e foi visitada em 1272 e 1293 por Marco Polo, abandonada no século XIII
por motivos de segurança deu lugar a uma nova Ormuz, melhor apetrechada. De facto, esta nova Ormuz insular era
um verdadeiro empório comercial, tal como Ibn Battuta a descreveu no século XIV. A sua prosperidade advinha do
facto de geograficamente estar no cruzamento das principais rotas terrestres e marítimas do comércio oriental – por
lá passavam os produtos para a Pérsia e a Síria – daí o interesse de P. da Covilhã em visitá-la. Em 1507, com Afonso
de Albuquerque, Ormuz passaria a ser um protectorado português.
Geograficamente, Ormuz pertence à Pérsia (hoje Irão), contudo, manteve sempre alguma autonomia política, fossem
as grandes potências próximas Timúridas, Sefévidas ou Portugueses.
De Ormuz, P. da Covilhã, provavelmente, viajou para Sofala, situada no Canal de Moçambique, entre a costa africana
e Madagáscar. Na Verdadeira Informação... existem algumas incongruências, pois o Padre Francisco Alvares, refere
primeiramente que o viajante partiu de Ormuz para o Egipto24, para pouco depois referir que visitou Sofala25. Na
versão de Ramusio, a referência a Sofala é mais concreta26. É, então, indispensável tentar interpretar o complexo
panorama da África Oriental.

5) Sofala – a África Oriental muçulmana


A “colonização” islâmica da costa ocidental africana está intimamente ligada com a navegação comercial do oceano
Índico. O sistema de ventos provocado pelas monções tornam a navegação do Índico bastante acessível, se
compararmos, por exemplo, com o Atlântico. Esses ventos empurram, de Verão, as embarcações na direcção da
Arábia e da Índia, no Inverno, em direcção a África. Estes ventos funcionam de forma regular até, pelo menos, à
entrada do Canal de Moçambique.
Estas águas eram já sulcadas desde o Egipto helenístico e, depois, pelos sassânidas. No século VII, os árabes
começaram a dominar a navegação e o comércio oceânico. Como consequência começaram a instalar-se em
povoações ao longo da costa. Essa ocupação, inicialmente temporária, começou a estabilizar-se em cidades ao longo
do século IX e X, que cresceram, transformando-se em urbes de relativa grandeza ao longo do século XII e XIII –
Zeila, Mogadíscio, Zanzibar, Quíloa...
No decorrer do século XIII, o comércio na costa sul (actual Quénia e Tanzânia) tornou-se mais lucrativo do que no
norte (actual Somália). No século XIII e XIV, Quíloa era a mais rica e bela das cidades comerciais muçulmanas da
costa oriental africana, isto segundo as palavras do incansável viajante trezentista Ibn Battuta. Este povoamento
urbano árabe criou uma rede de ocupação bastante coesa no Sahil27, contribuindo para uma profunda aculturação
dos Bantos do interior. Esta sociedade árabe-suaíli permitiu o aceso a produtos do interior do continente, tais como o
ouro (do Zimbabué), o marfim e os escravos negros. Estas mercadorias mais abundantes no sul, convenceram os
mercadores a navegar nas difíceis águas do Canal de Moçambique. Neste momento surge Sofala, fundada ou
conquistada pelos muçulmanos no fim do século XII. À medida que o comércio no sul ia ganhando importância,
também Sofala, dada a sua proximidade do Zambeze e das fontes auríferas, se ia tornando uma cidade de
aportagem inevitável.
Portanto, foi este rico comércio levado a cabo por cidades-estado mercantis muçulmanas que levaram, entre fins de
1489 e inícios de 1490, P. da Covilhã a Sofala. Esta viagem de reconhecimento – parou certamente em outras
povoações árabes mais a norte – deu informações preciosas à armada de Vasco da Gama em 1498 (que não parou
em Sofala), e culminou com a conquista portuguesa de Sofala em 1505.

6) Regresso ao Cairo
A viagem até ao Egipto fez-se sem problemas. As surpresas estavam reservadas para mais tarde. Aqui soube da
morte de Afonso de Paiva (nunca se saberá se chegou ou não à Abíssinia) e encontrou-se com dois judeus
portugueses enviados por João II. Enviou uma carta a João II e recebeu, então, mais duas missões: a primeira era
mostrar Ormuz ao rabi Abraham28, a segunda era concluir missão de A. de Paiva, isto é, encontrar o Preste João – o
soberano da Abíssinia cristã.

A segunda viagem a Ormuz: foi uma repetição da primeira viagem. Permaneceu lá algum tempo, acabando por se
separar do rabi Abraham – seguiu para Portugal por terra até à Síria. P. da Covilhã encetou a sua viagem até à
Arábia29.
13 Mamlouk: “possuído”; “escravo branco”. Outro termo para designar escravo é abd: mas, o sentido é bastante
diferente – negros destinados ao exército.

3
14 Histoire Générale des…
15 FICALHO, pp 81
16 FICALHO, pp 84
17 FICALHO, pp 83
18 HEERS, pp 363
19 governador de uma província de Vijayanagar, que tomou o poder entre 1485-1490. Abriu novos portos na costa
oeste.
20 FICALHO, pp 87
21 FICALHO, pp 89
22 FICALHO refere o estado de instabilidade interna do reino de “Deckan, sob a dinastia independente de
Bahmany.”, pp 93.
23 FICALHO, pp 96
24 “...e foi a Ormuz e tornou ao Toro e ao Cairo em busca do seu companheiro....”, Cap. CIV
25 “...vindo demandar a costa de Sofala em que ele também fora ou uma grande ilha a que os mouros chamavam
ilha da Lua.”, Cap. CIV. Ver também CASTANHEDA – Livro I, cap. I, pp. 9: “... foy ter a Cananor, & dahi a Calicut, q
vio q era naqle tempo a principal efcala da cofta da India, & dahi foy ver a ilha de Goa. & foy a çofala & á ilha
que agora chamam de sam Loureço q os mouros chamauão da lua, & defpois á Dormuz.”
26 “...con una nave se ne vene verso il mar Rosso, e montó á Zeila (...) tanto andó che giunse fin al luogo di
Cefala.”. A referência a Zeila é importante, visto que é a principal porta de entrada na Abíssinia – esta paragem
talvez se deve-se ao desejo de P. da Covilhã ter notícias de A. de Paiva.
27 Sahil – litoral, praia. SABBAGH, A. N.; Dicionário árabe-português-árabe; Rio de Janeiro. Este vocábulo dá origem
à palavra Suaíli (povo da costa). A língua Suaíli, apesar de banto, tem milhares de vocábulos arábicos. Hoje é falada
na Tanzânia e compreendida desde a Somália até Moçambique e do litoral até ao Alto Congo.
28 “E mandado este recado a El-Rei pelo judeu de Lamego, se fora o Pêro da Covilhã com o outro judeu de Beja até
Adem, e dai a Ormuz, e o deixou aí...”. Verdadeira Informação...
29 “...e daí tornou-se e veio ver Judá, e Meca, e Medina (...) e daí a Monte Sinai...”. Verdadeira Informação..., Cap.
CIV

posted by JG @ 11:28

Segunda-feira, Maio 02, 2005


O Mundo islâmico e Pêro da Covilhã – Parte II
Viagens ao Magreb
Entre esta missão de espionagem e a grande viagem à Índia, P. da Covilhã empreendeu duas curtas viagens à
Berbéria. Era a sua primeira estadia no “Ocidente do Oriente”. As viagens a Tlemcen e ao “reino da Enxouvia” –
nome que as crónicas portuguesas dão ao território dos berberes Chauia (pastores), a norte de Azamor8. Antes de
analisarmos as viagens propriamente ditas, vamos tentar decifrar a confusa História magrebina do século XV e a
presença portuguesa no Norte de África.

O Magreb entre os séculos XI e XV, teve um percurso histórico independente do restante mundo muçulmano. Até ao
século XIII existiu uma união magrebina e hispânica, cimentada por duas dinastias berberes, intimamente

4
relacionadas com a resistência à ofensiva cristã Ibérica da Reconquista. De facto, os Almorávidas (1053-1147) e os
Almóadas (1130-1276) – estes últimos submeteram os primeiros pela força – fizeram reviver o sunismo e a força
muçulmana no Magreb e na Hispânia graças a um profundo puritanismo e unitarismo religioso, baseado na Jihad. A
estes Impérios Universais sucederam três reinos: o Marinida, em Fez, o Zianida ou Abdeluádida, de Tlemcen – estes
dois fundados por um dos mais importantes grupos berberes, os Zenatas – e o Hafécida, em Tunes – representantes
da continuação do poder Almóada9.
No século XV estes reinos enfrentavam três problemas que levaram ao seu desaparecimento: as incursões e
consequente ocupação de importantes pontos estratégicos, por parte dos Estados Ibéricos na costa Norte Africana,
começando tudo com a conquista portuguesa de Ceuta; o avanço imparável das forças otomanas em direcção ao
Ocidente, quer em direcção ao leste europeu, quer ao Magreb (em 1575 já tinham conquistado Argel, só Marrocos
escapou ao domínio otomano); as próprias querelas intestinas dentro dos próprios reinos e as guerras levadas a cabo
entre eles. Qual era, então, a situação política nesses reinos aquando das viagens de P. da Covilhã?
Em meados da década de 80, os reinos do Magreb estavam em progressiva decadência. A analise vai incidir
principalmente sobre o reino Zianida e o Marinida, respectivamente, dado que foi nesses territórios que P. da Covilhã
esteve.
Ao abrir o século XV, o reino Hafécida de Tunes era a maior potência do Magreb: fortaleceu-se internamente, pois
acabou com os principados independentes (Tripoli, Gafsa...); recebia tributos doutros Estados muçulmanos;
mantinha relações comerciais com potências cristãs, apesar da pirataria mútua; tinha grandes áreas de terra fértil e
o maior backgroud em sistemas de organização política. Mas, nunca teve uma organização militar da envergadura do
reino Marinida. Estes factos reflectiram-se no equilíbrio político magrebino.
Na época da viagem, o Estado Zianida mantinha relações de vassalagem para com os Hafésidas (como já tivera com
os Marinidas) desde 1424, quando o sultão Abu Faris atacou Tlemcen. Essa vassalagem foi confirmada pelas
expedições de Abu ‘Amr ‘Uthman, dirigidas contra Tlemcen, nos anos de 1462 e 1466. Contudo, apesar de
dominado, o reino Zianida e a sua capital mantinham-se teoricamente independentes. Tlemcen, aquando da estadia
de P. da Covilhã, era uma cidade pitoresca, com uma vida religioso-cultural e comercial activa – “...rodeada de
jardins e pomares regados (...) por mil fontes, possuindo magníficos palácios, mesquitas e escolas afamadas (...)
havia um comércio florescente e uma indústria activa.”10.
O viajante foi a Tlemcen “...comprar alambéis e fazer pazes com El-Rei de Tremezém...”11. O primeiro função era
compreensível, visto que Tlemcen era famosa pelos seus alambéis12. Quanto ao objectivo de fazer as pazes, a
analise já não é tão clara, por vários factores: entre Portugal e Tlemcen não havia guerra e o reino Zianida estava
fora da esfera de influência lusitana. Portanto, as únicas explicações possíveis são o desejo de contactos diplomáticos
entre os dois Estados, no sentido de Portugal garantir a neutralidade destes em relação às pretensões lusas no Reino
Marinida vizinho e, também, de controlar as operações castelhanas naquela área13, que pouco depois, estes últimos
haveriam, efectivamente, de dominar.

O Magrib al-Aqsa (Ocidente extremo), é denominado nas fontes cristãs por Berbéria ou por Reino de Belamarim –
corruptela de Banu Marin, nome da família que fundou a dinastia Marinida (1258-1465), e que sobreviveu até ao
advento da dinastia Sa‘adiana dos Xerifes de Marraquexe, apesar da sua decadência se iniciar em meados do século
XIV.
Em 1358, Abou Inan é assassinado e começa a desagregação do Império – no reinado anterior, a influencia Marinida
alastrara-se até ao reino Zianida, a Granada e às rotas caravaneiras – e o enfraquecimento do poder central. Os
sultões passariam a ser joguetes nas mãos de vizires. Um marco importante na História marroquina é a rebelião de
al-Mu’tamid em Marraquexe, com o apoio dos Hintata do Alto Atlas, pois começa uma tradição independentista nesta
cidade do Sul, culminado nos Sa‘adidas, que em 1554 conquistam Fez.
O canto do cisne do poder Marinida foi o reinado de Abu Faris ‘Abdul-‘Aziz (1366-1372), durante o qual algum do
poder foi restaurado, embora efemeramente. Os sultões sucessores voltariam a ser fantoches de diferentes
interesses, nomeadamente da dinastia Nazarí de Granada, com Muhammad V – a conquista cristã de Ceuta acaba
com essa influência.
Com o assassínio do Marinida Abu Sa‘id (1420), começa a chamada regência Oatácida. Esta durou até 1457, quando
‘Abdul-Haqq repôs os Marinidas no poder. Uma reforma fiscal levada a cabo por este último Marinida, foi o pretexto
para a Revolução Idrissida. Fez, durante 6 anos, foi governada pelo sharif al-Juti.
Em 1472, Muhammad al-Shaikh fundou a dinastia Oatácida – sucessores dos Marinidas – (em 1420, foram apenas
regentes). Este Sultão governou até 1505.
Estas transformações políticas foram agravadas por lutas étnicas e sociais entre berberes e árabes – estes últimos
acabam por vencer, integrando o governo e ocupando as melhores terras. Os berberes Zenatas não arabizados
resistirão no Rift e em algumas zonas do Atlas. A partir dessa resistência berbere vão ter origem as zaouia e os
marabutos, elementos religiosos que vão apelar à Jihad contra a presença portuguesa.
Vemos, então, que o inicio da expansão portuguesa no Magreb atlântico coincide com a decadência da dinastia
Marinida, prosseguindo durante o período Idrissida e a dinastia Oatácida. Esta desagregação e instabilidade facilitou

5
a conquista portuguesa das praças marroquinas. Quando P. da Covilhã fez a sua segunda visita à Berbéria, Portugal
dominava Ceuta (1415), Alcácer Ceguer (1458), Arzila (1471), Larache (1471), Tânger (1471) e Safim (1480). O
reino de Fez (o nome Marrocos só surge com os Sa‘adidas) era, como vimos, governado por Muhammad al-Shaikh (o
Muleixeque das crónicas portuguesas).
Esta demorada introdução à evolução política do Magrib al-Aqsa, permite-nos analisar com maiores certezas a missão
de P. da Covilhã.
“...fora mandado à Berberia Moli Belagegi, o que mandou a ossada do Infante D. Fernando (...) para lhe lá comprar
cavalos...” Esta passagem da Verdadeira Informação revela-nos alguns pontos importantes: P. Covilhã não fora
enviado a Muhammad al-Shaikh, mas sim ao, segundo as crónicas cristãs, rei da Enxouvia, com quem já tinham sido
mantidos contactos. A compra pode ser pretexto ou um objectivo paralelo.
Este rei da Enxouvia seria um vassalo poderoso do rei de Fez – factor sintomático da desagregação do poder
Oatácida. O encontro teria decorrido próximo de Azamor. A verdade é que pouco depois Azamor se colocaria debaixo
da suserania e protecção portuguesa, muito à semelhança do que havia acontecido com Arzila em 1471. Seria ainda
o efeito da trégua de 20 anos, assinada em 1471, por Afonso V e Muhammad al-Shaikh? A verdade é que este último
em troca de algumas praças conseguiu diminuir a pressão portuguesa, ganhando com isso um reino.
Não se sabe se este sucesso em Azamor foi devido à intervenção de P. da Covilhã. Mas, pelo menos, estas curtas
estadias no Magreb serviram para o viajante se acercar dos problemas muçulmanos e para se aperfeiçoar ainda mais
na língua e nos costumes. A grande viagem estava prestes a começar.
8 FICALHO, pp. 52
9 ABUN-NASR, pp 8 e 120
10 FICALHO, pp. 49
11 “Verdadeira Informação...”, Cap. CIV
12 “Alambel – Pano de cores para cobrir mesas, bancos, etc. (...) do árabe al-hanbal ?” (Dicionário de português –
Porto Editora).
13 CORTESÃO, Jaime não concorda com esta hipótese.

posted by JG @ 00:18

Quarta-feira, Abril 20, 2005


O Mundo islâmico e Pêro da Covilhã – Parte I
Sumário: as viagens de Pêro da Covilhã – cuja principal fonte da época é a Verdadeira Informação da Terra do
Preste João das Índias, escrita pelo Padre Francisco Álvares, que ouviu as palavras de Pêro da Covilhã na Abíssinia –
passaram inevitavelmente pela civilização islâmica. O mundo muçulmano atravessava longitudinalmente o Velho
Mundo desde Granada até aos reinos islâmicos da Índia, portanto, grande parte dessas viagens foi feita em
territórios islamizados. Essas viagens foram compostas por oito etapas[1], das quais só a segunda não é abrangida
pelo âmbito deste trabalho:

1) 1467 a 1474: primeira permanência em Castela, em Sevilha ;


2) 1476 a 1477: viagem à França e Borgonha;
3) 1483 a 1484: segunda permanência em Castela;
4) 1485 a 1486: viagens ao Magreb: a Tlemcen e, depois, ao reino de Fez;
5) 1487 a 1491: viagem à Índia:
Santarém – Lisboa – Valência – Barcelona – Nápoles – Rodes – Alexandria – Cairo – Suez – Tôr – Suakim – Adém –
Cannanore – Calecut – Goa – Ormuz – Sofala – Adém – Suez – Cairo;
6) 1491: segunda viagem a Ormuz;
7) 1492: viagem pela península arábica:
Ormuz – Jiddah – Meca – Medina – Sinai;
8) 1493: entrada na Abíssinia por Zeila – permaneceu lá até à sua morte, possivelmente em finais da década de 20
de Quinhentos.

Temos, assim, sete momentos que atravessam uma boa parte da segunda metade do século XV e inícios do século
XVI (845 até 907 da Hégira, aproximadamente). Através desses relatos das viagens de Pêro da Covilhã, temos a
possibilidade de percorrer o mundo muçulmano desde o Sul da Península Ibérica – apesar da Reconquista cristã os

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800 anos de presença árabe deixaram marcas perenes e irreversíveis – até à distante Índia islâmica, passando pelo
Magreb, Egipto mameluco e Arábia, subindo e descendo o Mar Vermelho e o Golfo Pérsico até tudo culminar na
Abíssinia – enclave cristão em guerra permanente com os reinos muçulmanos que a rodeavam.
Em suma, vamos poder analisar todo esse grande hemisfério islâmico sob vários pontos de vista, num momento em
que Portugal se preparava para entrar no oceano Indico a partir da rota do Cabo, gerando-se, assim, antagonismos
entre cristãos e muçulmanos, à semelhança do que vinha acontecendo na Ibéria e no Magreb, aqui principalmente
após 1415.

A Juventude Andaluza
Com aproximadamente 20 anos, Pêro da Covilhã, beirão de família humilde, foi para Castela colocar-se ao serviço do
primeiro duque de Medina Sidonia, passando, então a viver na cidade de Sevilha2. Assim, durante cerca de 7 anos,
“serviu” o Duque João Afonso e mais tarde o seu filho o Duque Henrique de Gusmão.
Analisaremos esta etapa segundo duas perspectivas: a situação política e a tradição cultural islâmica.

A estadia de Pêro da Covilhã em Sevilha verificou-se desde meados do reinado de Henrique IV de Castela até ao
início da guerra Luso-Castelhana (1475-80), provocada pelos problemas na sucessão ao trono castelhano. O
processo culminou com a coroação de Isabel, a Católica. Henrique IV durante o seu reinado não conseguiu acabar ou
atenuar a supremacia da nobreza em Castela. A política sevilhana desta época é um exemplo paradigmático do
enfraquecimento do poder real em favor de uma nobreza cada vez mais forte e impune. A cidade andaluza estava
dividida em duas facções rivais. Uma delas era o grupo do Duque de Medina Sidonia, o outro era o grupo do Conde
dos Arcos, e mais tarde Marquês de Cádiz. Estas rivalidades desencadearam algumas verdadeiras batalhas, tudo na
mais perfeita impunidade. Esta era a conjuntura política que P. da Covilhã encontrou em Castela, nomeadamente em
Sevilha.

“Durante el reinado de Enrique IV (1454-1474) la morofilia invadió los medios cortesanos...”3 De facto, alguns
elementos da cultura e tradição islâmica estavam latentes na vida e cultura castelhanas, principalmente no sul dada
a recente Reconquista. Sevilha era um caso premente nesse aspecto, como veremos adiante.
Castro4 enumera alguns desses elementos usados na vida quotidiana e cultural castelhana, como na portuguesa ou
catalã, reveladores de uma importante islamização: os arabismos na línguas ibéricas; os banhos públicos; os lenços
sobre as cabeças femininas; as formas de expressão corteses ritualizadas, como por exemplo, “ésta es su casa” (“Al-
bayt baytak) ou o “¡Venga usted a comer!) ou mesmo “si quiere Dios”, o ibérico ojalá/oxalá (wa sa’a-l-lah); os temas
mouriscos na poesia castelhana medieval; a islamofília dos cortesãos castelhanos (mencionado acima) que ia desde a
moda à forma de cavalgar à gineta.
A Sevilha que P. da Covilhã encontrou transpirava tradição islâmica. Reconquistada apenas em 1248 e demasiado
perto das influências granadinas e magrebinas, Sevilha era quase demasiado muçulmana para ser castelhana.
Aqui o viajante entrou em contacto com a língua e o modus vivendi muçulmano, algo indispensável para as missões
futuras.

No séquito de Afonso V de Portugal


A morte de Henrique IV (1474) despoletou uma crise sucessória entre a sua irmã Isabel e a sua esposa Joana. Esta
última era também irmã de Afonso V, daí a activa participação do rei português nessa crise, levando à guerra entre
os dois reinos. Foram estas as vicissitudes que em parte levaram P. da Covilhã a regressar a Portugal e a integrar-se
no núcleo de servidores do rei “...na qualidade de moço de esporas, mas sendo logo accrescentado a escudeiro,
servindo de armas e cavallo.”5. Em 1476, a batalha de Toro, em território castelhano, foi desfavorável às tropas
lusitanas. Daí a necessidade urgente de apoio internacional, logo a consequente viagem à França e à Borgonha, que
não surtiu efeito.
P. da Covilhã acompanhou de perto toda esta evolução, quer as incursões militares, quer a viagem diplomática.
Apesar dos esforços de Afonso V, Isabel e o seu marido Fernando, rei de Aragão, transformaram-se nos reis
católicos, elevando Castela ou pouco depois a Espanha unificada ao estatuto de maior potência europeia. Portugal já
não estava só na expansão ultramarina, pois a Espanha, no admirável ano de 1492, conquistou o reino Nazarí de
Granada – o último bastião muçulmano na Península Ibérica e Colombo descobriu o continente, mais tarde
denominado de americano. O Tratado de Tordesilhas (1494) confirmou o poder Ibérico no Velho e no Novo Mundo.
Após as experiências adquiridas na sua juventude, nomeadamente o contacto com os costumes e a língua árabe, P.
da Covilhã estava preparado para passar à próxima etapa: o Magreb. Antes, porém, seria espião em Espanha.

Ao serviço de João II
“E falecido El-Rei D. Afonso, ficara com El-Rei D. João, seu filho, ao qual servira de escudeiro da guarda até às
traições que El-Rei mandou andar em Castela porque sabia falar castelhano, para saber quais eram os fidalgos que
se deitavam lá.”6. Um dos grandes projectos de João II era a criação de um Estado Moderno. Portanto, o primeiro

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passo era acabar com os poderes instituídos da velha nobreza que logo se mostraram disponíveis para lutar contra
esses desejos régios. A luta intensificou-se. Fidalgos, como o Duque de Bragança, foram acusados de alta traição a
favor dos reis católicos. Com o acentuar da perseguição régia, alguns nobres optaram pelo exílio em Castela.
Todavia, para João II o perigo não acabara, bem pelo contrário, o grupo de exilados poderia formar um foco de
conspirações junto de Castela. Eram, por isso, necessários agentes secretos que vigiassem e informassem Lisboa.
Assim, P. da Covilhã regressou, como foi dito a “...Castela porque sabia falar castelhano, para saber quais eram os
fidalgos que se deitavam lá.”7. Este curto episódio de espionagem foi certamente aproveitado pelo viajante para
aperfeiçoar a língua árabe e conhecer ainda melhor os costumes muçulmanos.
[1] As cronologias apontadas são meramente aproximativas, visto que na principal fonte utilizada “Verdadeira
Informação...” os apontamentos a este nível são escassos.
2 “...e em sua mocidade se fora a Castela a viver com D. Afonso, duque de Sevilha...” Verdadeira Informação...,
Capítulo CIV
3 CASTRO:1948, pp. 94
4 Ibidem, capítulo III
5 FICALHO, pp 37
6 “Verdadeira Informação...”, Cap. CIV
7 “Verdadeira Informação...”, Cap. CIV

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