Vous êtes sur la page 1sur 32

JOHNNY KAGYN

§
A Linha Imaginária

Personagens
§
GABUD AIAR;
MARINA MOSS;
JOSEPH KEYNES;
DAVE.

Cenários
Estúdio de rádio;
Escritório;
Cadeia;
Casa/Estúdio;
Quarto de Hospital;
Estúdio de telejornal.
1-RADIO OCIDENTE

MARINA
Agora as noticias: E o presidente da Organização Ocidente, Joseph Keynes, anunciou
ontem o corte de aproximadamente 2 mil funcionários. Foram demitidos funcionários
da TV Ocidente; Radio Ocidente; Ocidente Records e Ocidente Publicações. Os
sindicatos planejam manifestações para amanhã. Eu sou Marina Moss, e esta é a radio
Ocidente. Agora vocês curtem 30 minutos de rock sem intervalos comerciais! Num
oferecimento de Cerveja Alive e cigarros Cool...

(Gabud e Dave invadem o estúdio).

GABUD
Enfim a torre! Chegamos à porra da torre!

MARINA
O que está acontecendo?

GABUD
Veja só: Marina Moss continua... Eu esperava alguém menos interessante neste posto.

DAVE
Estamos no ar Marina?

MARINA
E agora 30 minutos de música e já voltamos...

(Música).

GABUD
Essa é boa. Quer dizer que depenaram meio mundo, mas Marina Moss continua
intocada.

MARINA
As coisas vão bem por aqui...

GABUD
É uma pena.

(Dave e Gabud apontam suas armas para Moss).

DAVE
Não tivemos tanta sorte.

MARINA
A banda...

GABUD
Estamos fora.

MARINA
E agora?

DAVE
Quebraram o espelho...

GABUD
Sete anos de azar.
MARINA
Vocês ensaiaram isto?

(Ouvem-se gritos).

MARINA
E agora, qual o próximo número do show? Talvez: “Assassinato de Marina Moss”?
Porra! O que vocês querem aqui?

DAVE
E agora Gabud?

GABUD
Estamos na torre... Só nos resta cumprir o plano.

MARINA
O que vocês estão fazendo? Que plano?

GABUD
Você anda desinformada Marina Moss! Não lê jornais? Não escuta o noticiário? Onde
você estava na hora do telejornal?

MARINA
Que piada é essa Gabud? O que vocês estão pensando em fazer? Olha só pra você
Dave, está tremendo... Que porra vocês estão fazendo aqui?!

DAVE
Gabud... Ainda podemos recuar?

GABUD
Não. Não podemos recuar. Não iremos recuar! O plano será executado até o fim!

MARINA
De quê estão falando...?

DAVE
O sinal ainda não foi dado... Ainda podemos voltar! Salvar o Chad e o Thomaz!
Gabud...

GABUD
O caminho que nos trouxe até aqui está manchado com o sangue de alguns feridos e
talvez de alguns mortos. Acha realmente que podemos voltar? E afinal, salvá-los de
quê? Eles executarão a parte deles, e nós a nossa.

MARINA
Preciso colocar algo ou entraremos no ar...

GABUD
Deixe-nos ao vivo e coloque ao fundo “The Doors” com “The End”.

DAVE
Eu vou acabar com esta droga! Ainda há tempo para salvá-los.

(Gabud aponta sua arma para Dave).

GABUD
A escolha é deles. Se decidirem pela salvação, eles mesmos a inventarão. Agora
decida você por sua salvação.
DAVE
Vai me matar Gabud?

GABUD
De algum modo já estamos todos mortos.

(Ouvem-se dois tiros. Ao fundo, The Doors com The End).

GABUD
Dois tiros. Está iniciado o fim. Dave... A escolha deles foi feita.

(Gabud leva sua arma a própria fronte).

GABUD
Nossa vez de escolher.

(Após algum tempo Dave faz o mesmo).

MARINA
Vocês estão loucos? Vocês não precisam fazer isso! Escutem: vocês já chamaram a
atenção... Todos já entenderam... Parem com esta loucura!

GABUD
Cinco... Quatro... Três... Dois... Um...

(Dave atira e cai morto. Gabud continua imóvel. Policiais invadem o local e prendem
Gabud).

2- O ESCRITÓRIO

KEYNES
(ao telefone) Katerina, marque uma reunião com a diretoria da TV e da gravadora para
daqui a 2 horas. Sim... Depois me mande os jornais. Agora verifique quem temos no
judiciário; quero uma lista detalhada. Agora me ligue para o delegado responsável pelo
incidente na rádio, e enquanto converso com este, providencie o resto.

(Aguarda alguns instantes).

KEYNES
Alô. Bom dia Senhor... Senhor? Qual mesmo o seu nome? Oswaldo Brandão. Agora me
lembro perfeitamente do senhor. E como vão os negócios na fronteira? Ora, ora! Não
se acanhe. Acho que chegou a hora de você retribuir minha discrição com um pequeno
favor. Não se afobe Sr. Oswaldo Brandão! Não quero que encostem um dedo sequer
no rapaz! Bom. Bom mesmo não terem o importunado... Agora por favor, acalme-se e
escute-me com atenção. Dentro de exatamente 3 horas enviarei alguém para
conversar com o rapaz. Não interrompa... Nada é impossível. Apenas me escute e não
volte a interromper-me, geralmente fico de mau-humor a esta hora do dia, o que
“geralmente” não costuma ser muito prazeroso para os que me contrariam.
Prosseguindo, você deixará o meu enviado sozinho com o rapaz. Absolutamente
sozinho. Às quatro da tarde um dos meus advogados o procurará e passará instruções
exatas de como devem ser redigidos inquérito e interrogatórios. Sem mais Sr. Oswaldo
Brandão, espero que o senhor não contribua com meu mau-humor habitual. Seria uma
pena acabar com as suas atividades extra-oficiais. Tenha um dia produtivo Sr.
Brandão e cuidado com os negócios na fronteira.
KEYNES
Katerina ligue agora para Marina Moss. Ok? Aliás, logo em seguida ligue-me com o
diretor de jornalismo.

(Aguarda alguns instantes).

KEYNES
Bom dia Marina Moss.

MARINA
Eu costumo ser direta Sr. Joseph Keynes. O que, aliás, segundo biografias, é um traço
marcante em sua personalidade. Se for para me demitir - quanta honra! -, mas
sejamos rápidos. Se for algum tipo de promoção, apenas me diga onde assino e onde
será minha mesa. Agora, se o senhor está pensando em transar comigo, entre na fila e
pegue uma senha. Por enquanto estamos fechados para balanço, se é que o senhor
me compreende. E já que tocou no assunto, bom dia.

KEYNES
Seu senso de humor continua intacto. Porém meu tempo de enfrentar filas já passou.
Se é que você me compreende. Mas sejamos práticos e diretos, ok?

MARINA
Ok. Nada me daria mais prazer.

KEYNES
Tenho planos para você. Bons planos. Entretanto, necessito de alguns “favores” seus.
Quero que daqui a 3 horas você vá à delegacia onde está o rapaz. Seja amável e
convença-o a assinar um contrato comigo.

MARINA
E qual é a proposta?

KEYNES
Não ficará preso e embolsará 50 milhões.

MARINA
Uau! Joseph Keynes decidiu demonstrar que é extremamente generoso e que não
guarda rancor?

KEYNES
Apenas faça senhorita Marina Moss. Logo depois de convencer o rapaz, você ganhará
algo que deseja há muito tempo. Apenas faça e não me desaponte.

MARINA
Apenas farei.

KEYNES
Foi uma honra falar com você. Até breve.

MARINA
Claro. Bye.

KEYNES
Katerina o diretor já está na linha? (aguarda um pouco) Sou eu. Escute, esta é a
versão oficial dos acontecimentos de hoje na rádio...
3- PRISÃO

GABUD
Idiotas! Não vêem que esta algema é uma estupidez? Se não me matei quando
deveria, por que iria me matar agora? Não faz sentido! Eu sempre pensei que a prisão
fosse mais divertida. Por que me isolaram?

DAVE
Você resmunga muito Gabud.

GABUD
Certo. Você é apenas uma alucinação criada por meu sentimento de culpa.

DAVE
Espíritos são livres.

GABUD
Devo te chamar de remorso?

DAVE
Eu só quero que você me diga que não foi em vão.

GABUD
O quê? Eu vivo ou você morto?

DAVE
As variantes não são muitas.

GABUD
Sou apenas um artista da autodestruição.

DAVE
Parece que você traiu sua estética.

GABUD
O que você quer? Que eu corte os pulsos? Que me enforque?

DAVE
Há varias formas de suicídio. E de certa forma você logo escolherá a sua.

GABUD
Alguém vem vindo. Se não me engano esta é a parte onde o fantasma some e o
prisioneiro ganha fama de louco. Tchauzinho “espírito livre”, eu não pretendo alegar
insanidade no tribunal.

MARINA
Advogado imaginário?

GABUD
Não há muito que defender neste caso. Trouxe bolo?

MARINA
Suas piadas continuam péssimas.

GABUD
Foi isso que te fez transar comigo tantas vezes?

MARINA
E muita vodka, alguns comas alcoólicos... Você sabe, seu charme é irresistível.
GABUD
Mas não é pra isso que você está aqui.

MARINA
Joseph Keynes.

GABUD
Vai dizer que até o diabo tem alma?

MARINA
O diabo é quem paga melhor.

GABUD
Quanto?

MARINA
50 milhões por um ano de contrato.

GABUD
Não dá para comprar muita coisa na cadeia.

MARINA
Ops! E nada de cadeia.
GABUD
Talvez não faça mais sentido agora. Estão todos mortos. Quando todos seus amigos
morrem, sobreviver não é lá uma honra.

MARINA
Ainda mais no seu caso...
Mas dar sentido a morte deles já é alguma coisa.

GABUD
E o que vocês ganham com isso?

MARINA
Eu ainda não sei. Mas com certeza ele já planejou tudo. Em setenta anos de vida ele
nunca entrou em nada para perder, e sempre ganhou.

GABUD
Ele não estava quebrado há dois dias atrás?

MARINA
Estava apenas ganhando menos dinheiro. Gabud, eu adoraria ficar batendo papo com
você, mas não temos todo tempo do mundo.

GABUD
Não parece haverem muitas opções. Enfie este contrato...

MARINA
Então é isso? Você matou os únicos quatro amigos que tinha neste planeta pra isso?
Amanhã ninguém saberá ou entenderá o que vocês realmente queriam... Você sabe
por que eles foram até o fim? Porque confiavam cegamente em você e em suas idéias.
Mas que idéias? Você não passa de uma farsa! Gabud Aiar é uma grande e pomposa
farsa! Sua música é uma farsa! Sua poesia é uma farsa! Você não faz sentido Gabud.
O homem por quem um dia eu me apaixonei nunca existiu. Era melhor você ter
estourado sua cabeça com aquela arma. Vivo você não serve pra nada! Vivo você é
apenas mais uma mediocridade no mundo. Você me dá nojo. Adeus, farsa.

(Marina está indo embora).


GABUD
Marina espera...

MARINA
Se for pra contar mais alguma piada, é melhor que esta seja das boas.
GABUD
Um dia você foi apaixonada por mim?

MARINA
Foi uma piada Gabud. Tenha senso de humor...

GABUD
Eu aceito a outra piada. Aonde eu assino para que tenha mais graça?

4- O ESCRITÓRIO II

KEYNES
Bom dia Katerina. Como estão seus filhos? Todos ok? Então ok. Anote esta pequena
lista de providências para hoje: Entregar agrados para o Juiz Constanza e seus
familiares; Entregar agrados para o Delegado Brandão. Ligar para o Diretor de
Jornalismo e dar-lhe sinal verde para as mudanças relacionadas à Marina Moss. E por
último, providencie os preparativos para uma pequena recepção em minha casa, faça
uma lista de 15 personalidades disponíveis na cidade marque para as 22:00 horas.
Quero que todos assistam à estréia de “Gabud”. Você também assistirá Katerina? Sim
claro, ok, ok.

5- PRÉ-SHOW: ENTREVISTA

MARINA
Está preparado?

GABUD
Inicie.

MARINA
Nome?

GABUD
Todos já decoraram. Por que não tentamos perguntas menos obvias?

MARINA
Não custa tentar. Fale-nos sobre sua família.

GABUD
Matei meu pai e minha mãe. Enterrei-os embaixo da cama. Encontrei algum dinheiro
no pote de bolachas. Comprei uma guitarra, um gravador e uma passagem de avião
para a metrópole do momento. Eu já tinha vinte e um anos.

MARINA
Isto é realmente verdade?

GABUD
Pode ser que sim e pode ser que não. Mas na verdade não importa o que é; só
importa o que eu digo.

MARINA
Todos morreram e você sobreviveu... Como se sente.
GABUD
Posso dizer qualquer coisa e talvez nenhuma seja sincera.

MARINA
Você tem medo de quê?

GABUD
Eu não sei. Eu não sei de que eu tenho medo.

MARINA
Da vida? Da morte?

GABUD
Passemos direto para as perguntas rasas. A profundidade me assusta.

MARINA
Como queira. Diga-nos, como você se sente após ser sentenciado a um ano de prisão
em regime domiciliar, e, em uma decisão inédita ser posto sobre a tutelada da TV
Ocidente?

GABUD
Bem, só posso dizer que estou desapontado por não virar mulherzinha do pessoal
carente que fica nas prisões “convencionais”.

MARINA
E sobre estar sobre a tutela da TV Ocidente?

GABUD
Não assisto TV. Passa muita merda.

MARINA
Gostaria de fazer uma declaração para seus fãs?

GABUD
Fãs? Não tenho fãs.

MARINA
Agora você tem.

GABUD
Fãs…Eu sou a favor da pena de morte.

MARINA
Você gostaria então que a justiça terminasse o que você não conseguiu fazer sozinho?

GABUD
Que porra de pergunta é essa?

MARINA
Uma pergunta improvisada.

GABUD
Eu ainda não ensaiei resposta para esta.

MARINA
Está bem. Este foi Gabud Aiar... Corta.

(Escuridão).
6- O SHOW

MARINA
E começa agora a mais profunda investigação da alma humana, jamais feita em um
canal de televisão. Você conhece Gabud Aiar? Você conhece quem está ao seu lado?
Somos todos psicopatas, suicidas, assassinos, doentes ou vitimas? Quem é você?
Quem é o outro? Com o patrocínio de cigarros Cool e cerveja Alive, começa agora
“Gabud”. Você já olhou para o outro? Olhe “Gabud”.

7- PRIMEIRA NOITE

(Gabud está dormindo. Acorda assustado. Inquieto, pega a guitarra e tenta alguns
acordes. Consegue apenas um som desafinado. Tenta novamente. Apenas um som
distorcido).

GABUD
Estou só. Lá fora, agora eu posso ver o céu. Antes, eu olhava e só via o cume dos
prédios. Mesmo assim, tanto agora como antes, eu não vejo o horizonte. Tanto agora
como antes, não há nada para se ver além do que os olhos vêem. Estou só.

(Gabud arremessa a guitarra com ira).

DAVE
Quem dera fosse tão fácil.

GABUD
Eu preciso apagar...

DAVE
Há coisas que não se apagam.

GABUD
O espelho quebrou. Sou o mesmo animal e um novo animal.
DAVE
Você é a imagem no espelho.

GABUD
Eu não posso continuar assim.

DAVE
Aceite a verdade. Você continua a ser o mesmo animal, sem mudanças ou evoluções.

GABUD
Eu quero ser o novo.

DAVE
Então seja apenas você.
GABUD
Muito do que eu era e as coisas em que eu acreditava, morreram da forma errada
naquele dia...

DAVE
Ou ganharam sobrevida.

GABUD
O que você quer? Aonde você quer se encaixar nisto tudo? Eu sou cínico demais para
pintar o quadro da redenção, e amoral demais para cantar o remorso... Você não se
encaixa aqui! A minha descrença nunca vai te validar como um fantasma...
DAVE
Já que a conversa é sobre peças de Lego em um universo perfeito... Me diz, e você?
Onde você se encaixa? Olhe o cenário ao seu redor.

GABUD
Eu vou passar um tempo como um peixe no aquário.

DAVE
Não encaixa e você sabe disso. O arquiteto do seu mundo perfeito sabe que você não é
esta peça de Lego. Neste cenário, você se encaixa em outra posição...

GABUD
Em qual posição?

DAVE
Uma peça de cada vez e se constrói o que se quer.

GABUD
E agora você me vem com um enigma? Você realmente é uma alucinação
multifuncional. Mas eu estou só... Você é só uma alucinação. Estou só.

(Gabud pega novamente a guitarra e começa a tocar acordes tristes).

DAVE
Você não está só. E por mais que queira, nunca estará.

8- PRIMEIRO AMANHECER

MARINA
Bom dia Gabud. Acorde...

GABUD
E por que deveria?

MARINA
Eu diria que já está na hora.

GABUD
O que você está fazendo aqui?

MARINA
Sou eu quem apresenta “isto aqui”.

GABUD
Não sabia que ia ter apresentador...

MARINA
Você precisa ler melhor os seus contratos. Tá tudo bem com você?

GABUD
Quem está perguntando? A apresentadora ou...

MARINA
Ou o quê?

GABUD
A Marina. Aquela menina que eu conheci quando tocava bêbado em um porão
qualquer.
MARINA
Aquela menina está preocupada com você. Eu vi o que aconteceu na madrugada de
hoje...

GABUD
Quando editarem vai dar um bom programa.

MARINA
Eu estou preocupada...

GABUD
Com o quê? Com os índices de audiência? Com os anunciantes? Com a qualidade
fonética das palavras que eu pronuncio?

MARINA
Com você.

GABUD
Deixa de estória senhorita Moss. Você decorou este texto no camarim?

MARINA
Não foi normal o que aconteceu ontem.

GABUD
Eu invadi um estúdio de rádio com um plano de suicídio coletivo, e... 3 pessoas
morreram e eu estou aqui. Está com medo que eu enlouqueça? Se sanidade mental
fosse critério para isso aqui... Eu tenho um contrato que diz que eu vou passar um ano
aqui. Diz também que vou compor um CD aqui e que depois tudo acaba. É só isso. É
só isso! O contrato não exige normalidade.

MARINA
Eu tenho medo de imaginar você sozinho aqui... É tanto tempo.

GABUD
O que você quer Marina? O que você quer? Quer que eu lhe implore para ficar aqui? A
cena ia ser familiar não? O que você quer? Quer que eu confesse o que você me fez
esconder? É isso que você quer?

MARINA
Você concordou que deveríamos esconder... Jogar fora... Esquecer. Mas veja: está
tudo aqui. Está tudo sobre a mesa. Nós não escondemos direito, nós não conseguimos
jogar fora e não conseguimos esquecer.

GABUD
E você descobriu agora? Eu sei disto desde o dia em que você decidiu por nós dois.

MARINA
E por que nunca me mostrou? Pois agora parece tão óbvio...

GABUD
Marina, eu não vou pedir para que você fique.

MARINA
Mas e se eu pedir para ficar...
9- RECOMPENSA

KEYNES
(ao telefone)... Exatamente. Eu quero a máquina das Organizações Mundial
empenhadas nesta construção. Ok. Sim, eu vou pessoalmente articular as peças.
Comunique aos diretores de todos os núcleos que qualquer decisão relacionada a este
projeto será por mim pessoalmente tomada. Ok? Ok? Neste momento é só. Ok. Até
logo.

(Logo após Keynes desligar o telefone toca).

KEYNES
Sim Katerina? Mande-a entrar.

(Instantes depois entra Marina).

KEYNES
Esperava ansioso por sua visita.

MARINA
Confesso que também aguardei ansiosa.

KEYNES
Mas preservemos nosso antigo acordo e sejamos objetivos. Marina Moss, a sua
competência assustou-me. Foi uma surpresa agradável. Temos uma semana de
programa e não preciso repetir nada sobre o retumbante sucesso do programa. Você
se mostrou uma grande “personagem” para o show.

MARINA
Perdão, mas não vejo onde está a objetividade em seu discurso.
KEYNES
Nós dois sabemos o poder que você tem em mãos. Você se tornou...

MARINA
... Imprescindível para a construção do personagem Gabud Aiar. O que tem a me
oferecer senhor Joseph Keynes?

KEYNES
Visto o grande conhecimento que você possui sobre os processos deste negocio, creio
que você tenha sua própria proposta.
MARINA
Eu, assim como o senhor, sou uma jornalista. Não sou atriz, cantora, ou animadora de
atrações televisivas. Sou uma jornalista.

KEYNES
Seja direta.

MARINA
Quero o principal telejornal da emissora.

KEYNES
Eu não sabia o que esperar... Mas é o principal telejornal do país. Marina, você tem
apenas 28 anos... Não posso transformar o jornalismo em um circo. É necessário
credibilidade...

MARINA
Você não faria diferente. Eu conheço exatamente os mecanismos deste sistema. Não
há outro posto que me interesse... Sou uma jornalista e desejo o que qualquer
jornalista desejaria. Credibilidade se constrói, e você mais do que ninguém sabe disso.
KEYNES
Eu preciso de tempo para decidir.

MARINA
Acredito que não estamos nos entendendo senhor Joseph Keynes. Eu tenho o exato
panorama de seus planos para a construção de Gabud Aiar. Você sabe que eu tenho
uma função chave nos seus planos. E poucas coisas criariam mais impacto que Marina
Moss “Aiar” apresentando o principal telejornal do país. Eu sou uma peça que se
encaixa com perfeição na estrutura dos seus planos.

KEYNES
Há uma falha. Se eu pudesse contar integralmente com esta Marina Moss que se
apresenta a minha frente, não haveria hesitação. Porém, você traz consigo uma
grande falha e isto me preocupa. Você o ama Marina. E o ama de forma tão arrogante
que não vê o happy end do meu show.

MARINA
De certa forma você tem razão. Mas se fosse de forma diferente eu não estaria aqui...
Nada que fosse falso funcionaria. Foi assim que você construiu o seu império de papel
e tinta. Nunca com mentiras, mas sempre com a “adequada verdade”. Eu vou ver
apenas a “adequada verdade”.

KEYNES
Vou acreditar na sua incrível lucidez. Em 15 dias você estará a frente do telejornal.
Devo confessar que me assusta tamanha compreensão deste sistema por uma jovem
de apenas 28 anos.

MARINA
Acho que esta visita está terminada.

KEYNES
Sim. Totalmente terminada. Apenas mais uma coisa.

MARINA
Diga.

KEYNES
O sr. Carlos Costas, diretor da rádio ocidente, manda comovidas saudações.

MARINA
Parece que alguém andou estudando.
KEYNES
Não me subestime Marina Moss. Não me subestime, ok?

10- SOBREPOSIÇÃO

GABUD
(Para uma das câmeras)
Eu fico sozinho a maior parte do tempo, e vocês apenas observam. O pessoal da
edição deve ser realmente muito bom. Se eu fosse um otimista, diria que isso é uma
experiência científica. Mas como sou apenas cínico, digo que estou dentro desta caixa
na sala de estar da sua casa, apenas para que a sua filha compre o que passa nos
comerciais, para que sua mulher se masturbe escondida, para que seu filho consiga se
afirmar socialmente aderindo a este novo estilo, e principalmente para que você ache a
sua vida uma merda tão grande que a única opção seja se conformar com o seu
trabalho estúpido, seu salário medíocre, e com todas as frustrações que um homem
médio com você deve suportar.
DAVE
Este é o conceito conservador de família.

GABUD
Eu sei. Mas é mais fácil acreditar neste conceito do que...

DAVE
Acreditar que milhares e milhares de pessoas vivem solitários em suas casas,
interligados por caixas cinza e caixas brancas, consumindo todo tipo de informação.
Engordando ou passando fome. Chorando ou masturbando-se. Acreditando ou
imaginando.

GABUD
Você ficou tão filosófico depois que morreu.

DAVE
A morte tem destas coisas.
GABUD
Dave, eu já cansei disto tudo. Quero que as coisas sejam mais simples. Eu vou ficar
aqui um tempo, então, vou fazer o que devo fazer...

DAVE
Ela é realmente boa, Gabud. Ela tem um incrível poder sobre você.

GABUD
Do que está falando? Não é sobre ela, é sobre você.

DAVE
Não. É sobre você.

GABUD
Eu quero que desapareça. Eu não quero ficar ti vendo. Eu não quero ficar louco.

DAVE
O que você está tentando dizer?

GABUD
Um acordo. Eu posso fazer algo...? O que você quer? Você deve ter algum objetivo
aparecendo assim.

DAVE
Nada em particular.

GABUD
Seu fantasma filho da puta! Alguma coisa você deve querer!

DAVE
Uau! Você ficou realmente nervoso... Até me promoveu de alucinação a fantasma.

GABUD
Eu não quero ficar louco.

DAVE
Ora, por que não? Isso diverte o pessoal em frente à caixa cinza.

GABUD
Eu quero uma solução!
DAVE
Você pode me matar mais uma vez.

GABUD
Vá se fuder Dave.

DAVE
É meio difícil, quando seu cú e seu pau são imateriais.

GABUD
Você sempre foi bom em inventar curvas.

DAVE
Algumas coisas mudam, outras continuam. A morte tem destas coisas...

GABUD
Eu só preciso de um pouco de sentido...

MARINA
Está falando com quem?

GABUD
Esta não é hora em que você some?

DAVE
Vou experimentar ficar mais um pouco.

MARINA
Gabud?

GABUD
É só... Uma mania. Eu... Finjo estar conversando com o Dave. Me ajuda a compor.

DAVE
E eu é que sou bom com as curvas?

MARINA
Amanhã eu assumo o jornal. Estou um pouco nervosa.

DAVE
Nossa! A Marina tem se revelado tão talentosa nestes últimos tempos…

GABUD
Eu estive pensando. Porque ele ti deu o telejornal? Você estava jogada num programa
na madrugada da rádio e derrepente, você está no principal telejornal do país.

MARINA
Ele queria muito que você assinasse o contrato.

DAVE
É… O produto Gabud tem muito valor agregado.

GABUD
O que é isso tudo Marina?

MARINA
O cenário da sua nova vida.
GABUD
Não. Estou falando sobre tudo isto que está ao redor. Tudo isto que não vejo, mas me
atinge…

MARINA
Isso é só entretenimento.

GABUD
Me escuta…

MARINA
Eu acho que você não deve ficar pensando nisso.

GABUD
O quê você está evitando?

DAVE
Não me façam chorar, por favor…

MARINA
Gabud, não leve isto tão a sério.

GABUD
O quê? Não levar isto a sério?

MARINA
É só um programa de tv.

(silêncio)

DAVE
Singles de uma nota só. Você já pensou seriamente sobre por que não apertou aquele
gatilho? Dedo engessado? Aquela era a canção de Gabud Aiar, tocada com guitarras
estridentes e bateria violenta; O baixo era o contraponto, era a incoerência repetitiva;
E a sua voz era o desespero desafinado buscando atingir tudo aquilo que não se
explica. Era uma boa banda. Mas então você ficou frente a frente com a sua linha
imaginária. A um passo do abismo que leva ao absoluto e nega a falta de sentido
individual. Você pisou na sua linha imaginária e regressou... Mas para quê?

GABUD
Que merda toda é essa?! Eu só quero manter a sanidade!

MARINA
Calma... Você deveria ser menos confuso Gabud. Quero dizer, as coisas são mais
simples. Tudo deve acontecer naturalmente.

DAVE
Naturalmente você cruza a linha. Ops... Este é ainda é o mundo artificial.

GABUD
O que vocês querem? Querem que eu me mate?

MARINA
Será que você resiste à tentação de não morrer?

DAVE
E foi dado o conflito dramático para o show. Será que Gabud Aiar resiste à tentação?
GABUD
Isso seria péssimo para o programa... Mortos não cumprem contratos.

MARINA
A tentação é enorme. Confesso que se você tiver coragem, eu mesma faço depois.

GABUD
Eu não tenho medo do cenário Marina...

MARINA
As pessoas precisam acreditar nisso.

DAVE
(à Gabud) E você também. (Retira-se)

GABUD
Nós nem ao menos temos vínculos Marina. Aqui você é apenas Marina Moss, minha ex-
vítima. Isso aqui é uma incoerência.

MARINA
Não. Eu sou real Gabud... E de alguma forma eu ainda sou aquela que estava com
você em todos os porões sujos em que sua banda tocava...

GABUD
Eu só preciso de um pouco de sentido Marina...

11- O VISITANTE

(Gabud está afinando sua guitarra quando entra Keynes).

KEYNES
Parece que faz parte de você...

GABUD
O quê? Desculpe senhor... Eu não entendi... Você veio arrumar algum microfone, ou
câmera? Achei que não veria gente de verdade por um bom tempo.

KEYNES
Eu disse que parece que você e a guitarra parecem ser um só. E não, não estou aqui
para arrumar câmeras ou microfones. Na verdade é uma surpresa que você não
conheça o meu rosto... Prazer sou Joseph Keynes.

GABUD
Ou seja, nada de pessoas de verdade.

KEYNES
Pensei que poderíamos assistir juntos à estréia de Marina.

GABUD
Não sou muito de ver as porcarias que você coloca no ar.

KEYNES
Posso sentar-me?

GABUD
À vontade, afinal tudo aqui é seu.
KEYNES
É verdade, “tudo” aqui me pertence.

GABUD
O que você quer?

KEYNES
Conversar com você...

GABUD
Eu não sou tão idiota o quanto aparento...

KEYNES
Eu não pensaria o contrário.

GABUD
Eu estou meio sem paciência, então se você fosse direto à porra do assunto, evitaria
que, por exemplo, eu quebrasse esta guitarra, que está me dando um puta trabalho
para afinar, na sua cabeça.

KEYNES
Deve ser isso que o povo gosta em você. Intempestivo, rude e ao mesmo tempo com
certo charme... Você é um grande artista Gabud. É um bom músico e carrega aquela
áurea de quem tem algo a dizer... Você tem a alma manchada, o olhar sincero e
ingênuo, a voz agressiva da dor...

GABUD
Vai se masturbar na minha frente? E alma... Parece que eu aluguei por um tempo.

KEYNES
A ironia dos perdedores. Não me surpreende que todos se identifiquem com você.
Entretanto Gabud Aiar, eu quero mais.

GABUD
No contrato não dizia nada sobre favores sexuais.

KEYNES
Você pode ser maior. Você não é apenas o vocalista de mais uma banda de merda.
Você pode ser maior.

GABUD
Olha, há uns meses atrás se eu ti encontrasse por ai, só de brincadeira ou pelo bem da
nação, eu não hesitaria muito em meter uma bala na sua cabeça...

KEYNES
...Porém você meteu uma bala na cabeça dos seus amigos, e não meteu uma na sua,
e desde então alguma coisa mudou.

GABUD
Quantos seguranças você tem lá fora? Será que eles chegariam a tempo?
KEYNES
Você pode ser maior Gabud.

GABUD
O que você quer porra?! Será que eu vou ter que arrebentar a sua cabeça com a
minha guitarra favorita para que você vá direto ao assunto?!

KEYNES
Quero torná-lo um deus.
GABUD
E obviamente você é o “todo-poderoso” em pessoa.

KEYNES
Você não é mais o mesmo depois daquele dia. Você era apenas mais uma
mediocridade gritando nos vocais de uma banda qualquer... De alguma forma, aquilo ti
transformou em algo maior. Todos enxergam isso em você.

(Gabud desfere um golpe com a guitarra em Keynes, que fica caído no chão).

GABUD
Não consigo acompanhar a sua genialidade...

KEYNES
Eu quero transformá-lo em um deus. Eu intensifiquei sua dor, a tornei sobre-humana...
Lá fora todos falam de você. Você é capa de jornal, tema de documentário... As
músicas da sua banda tocam a exaustão. Na TV, a todo o momento, de forma direta
ou indireta você sempre é o tema. Muitos ti amam, outros, não menos importantes
para a criação de um deus, ti odeiam. À noite todos param em frente à TV para vê-lo.

GABUD
É um bando de idiotas.

KEYNES
Até eles precisam de um deus...

(Gabud desfere outro golpe de guitarra contra Keynes).

GABUD
Será que eu vou mesmo precisar rachar a sua cabeça para que tirem daqui?

KEYNES
Eu trago um presente para você.

(Keynes retira um embrulho de sua roupa e oferece a Gabud).

KEYNES
Não vai aceitar?

GABUD
Os seus presentes costumam custar caro. Quanto vai me custar este?

KEYNES
Talvez renegar o que ainda há de medíocre em você.

GABUD
Eu não sou deus.

KEYNES
Mas quer ser. Todos querem. Vamos, pegue.

(Gabud pega o embrulho. Ao desembrulhá-lo vê-se que é um revolver).

KEYNES
A arma não usada naquele dia.

GABUD
Você é louco?
KEYNES
O especialista no assunto aqui é você. Está carregada.

GABUD
Talvez eu ti mate com alguns tiros.

KEYNES
Seria o passo definitivo para tornar-se um deus. E afinal de contas, um homem na
minha posição deve assumir certas responsabilidades e correr certa parcela de riscos.

GABUD
Seria muito fácil.

(Gabud desfere novo golpe contra Keynes, este cai desacordado. Gabud se aproxima e
fica observando-o por algum tempo, depois se afasta e calmamente senta-se no sofá.)

12-PLANOS PERFEITOS

(Keynes está em um quarto de hospital. Entra abruptamente Marina).

MARINA
Você é doente!? O que pensa que está fazendo?!

KEYNES
Ora, ora... Alguém aqui foi surpreendida.

MARINA
Ele poderia ter ti matado.

KEYNES
Eu sempre me imagino já um homem morto. Facilita correr os riscos que devo correr.

MARINA
Não havia necessidade disso... Ele já está vendendo o suficiente. Tudo é um sucesso
absoluto e inquestionável.

KEYNES
Não é o suficiente.

MARINA
Suficiente? Ele vendeu a desgraça dele para que você coloca-se em um reality-show,
recheia os seus jornais e revistas com seu sangue, na sua rádio ele canta sua dor
quase que ininterruptamente e na TV ele é a pauta de todo tipo de programa. Isso é
mais que suficiente. Na verdade não há muito mais o que tirar dele...

KEYNES
Você está sendo dolorosamente ingênua Marina. Diga-me, quanto custa ser deus?

MARINA
Pelo que vejo você deve saber exatamente o preço.

KEYNES
Ele tem um contrato e deve cumpri-lo.

MARINA
Ele não vendeu a alma Sr. Joseph Keynes...
KEYNES
Sim, vendeu.

MARINA
Então você pagou um preço muito baixo.

KEYNES
Todas as almas custam barato.

MARINA
Como sabia que ele não ia ti matar?

KEYNES
Ele foi bem moldado, e nisso eu devo lhe dar os parabéns. Até nos gestos medíocres
ele mantém a arrogância. O que me surpreende é este seu contagioso desespero,
confesso que esperava mais de você.

MARINA
Estou cansada disso. É maior do que eu projetei.

KEYNES
Não, é do exato tamanho da sua projeção. Talvez a sua situação atual a faça querer
ver de outra forma, mas...

MARINA
Você está me espionando?

KEYNES
Eu disse para não me subestimar. E até quando você acha que poderia esconder uma
gravidez?

MARINA
Eu nunca tive a intenção de esconder...

KEYNES
Não há mais volta Marina. Só lhe resta desempenhar o seu papel.

MARINA
Posso ao menos como mulher grávida que sou desejar a sua morte.

KEYNES
Junte-se ao clube.

MARINA
Devo informá-lo que a história da surra que você levou já vazou...

KEYNES
Claro senhorita Marina Moss, fui eu mesmo a “fonte”. Sabe qual o seu problema
Marina, às vezes você me parece uma menininha que não enxerga o óbvio: Eu só
executo planos perfeitos.
13- OS FILHOS DE GABUD

(Gabud está olhando pela janela, Marina o observa).

GABUD
Antes eram dez ou quinze agora são centenas...

MARINA
O programa tem feito muito sucesso.

GABUD
O que eles querem de mim? Veja, eu abro os braços e todos me referenciam.

MARINA
Você é uma espécie de deus pra eles.

GABUD
Eu não gosto disso. (gritando) Vai pra casa bando de idiotas! Aquilo é só a edição, os
melhores momentos... Eu não sou os melhores momentos! Eu não sou o que vocês
enxergam em mim...

MARINA
Eles não estão aqui para escutá-lo Gabud, e nem sequer conseguem mesmo ouvir
qualquer palavra sua. Eles estão aqui apenas para estar com você.

GABUD
Vão embora! É tudo mentira! Vão embora! Vão embora...

MARINA
Acalme-se. É inútil...

GABUD
Sim, é inútil.

MARINA
Eu tenho algo a lhe dizer.

GABUD
Algum novo patrocinador? Eu sempre sonhei em anunciar aspirina...

MARINA
É sério...

GABUD
Talvez eu tente ti matar no programa de hoje. Daria boa audiência.

MARINA
Eu estou grávida.

GABUD
O quê?

MARINA
Estou esperando um filho seu.

GABUD
Porra, do quê você está falando?!
MARINA
Não foi planejado... Aconteceu.

GABUD
Isso aqui está ficando pior que novela. Nós já não temos o bastante? Pra quê apelar
pra uma barriga de pano?... Eu não quero a sua barriga de pano Marina.

MARINA
Não é um numero do show Gabud. É um filho. Um filho seu...

GABUD
É uma farsa! Uma barriga de pano...

MARINA
Não! É real! É real Gabud. Olhe nos meus olhos... É real. Do quê você tem tanto
medo?

GABUD
Marina, eu sou só isso e não posso ser mais. Eu sou só isso...

MARINA
Você é mais que isto, e eu sei.

GABUD
Eu sou só uma invenção... Um novo produto na prateleira, uma brinquedo para as
crianças, um analgésico para os velhos...
MARINA
Você é Gabud Aiar, seus medos, seus desejos, sua genialidade.

GABUD
Isso foi de muito mal gosto. Nem mesmo eu conseguiria acreditar numa besteira
dessas...

MARINA
Eles acreditam.

GABUD
Mas eles só vêem os melhores momentos, e eu sou também os piores momentos.
MARINA
Eu sei. E mesmo assim o amo tanto quanto eles.

GABUD
Isso tudo é uma grande estupidez.

MARINA
Sim, é uma grande estupidez. Mas nós vamos sobreviver a ela. Nós vamos sobreviver.

GABUD
Só mesmo uma mulher grávida para ter tanta esperança.
14 – EXTENSÕES

DAVE
Onze músicas, sete meses, milhares de pessoas em frente a sua janela, um mês para
terminar, um filho.

GABUD
Fazia já algum tempo que não batíamos um papinho.

DAVE
Foi ontem Gabud. Ele nasceu.

GABUD
Ele chega hoje.

(Dave pega a guitarra de Gabud e começa a tocá-la).

DAVE
Tudo está pronto Gabud.

GABUD
Não toque.

DAVE
Todos acreditam

GABUD
Pare!
DAVE
O quê há de errado? Dói não saber o porquê?

GABUD
Apenas pare!

DAVE
Apartir de amanhã você estará à venda em todas as lojas.

GABUD
Pare de tocar esta merda!

(Dave pára).

DAVE
É a sua música.

GABUD
Dói... Dói sim.

DAVE
É só uma canção.

GABUD
Não, são onze.

(Dave volta a tocar).

DAVE
Aprenda a conviver com isso.
(Marina entra com o bebê no colo).

MARINA
O seu filho chegou gabud.

(Gabud aproxima-se).

GABUD
Ele é tão...

MARINA
Lindo?

GABUD
E frágil. Ainda não sabe nada do mundo...

MARINA
Quer pegá-lo?

GABUD
Não. Eu sou desajeitado demais...

MARINA
Então ao menos dê um beijo no seu filho.

GABUD
É melhor não. Quero dizer... Estou todo suado e sujo e ele nasceu há tão pouco
tempo. Pode fazer mal.

MARINA
Eu vou descansar um pouco. Se mudar de idéia, estaremos no quarto.

(Marina se retira)

GABUD
Pare com este barulho Dave!

DAVE
Eu era o guitarrista, esqueceu?

GABUD
Você está morto.

DAVE
Tanto quanto você.

GABUD
Eu ainda estou vivo. Por favor, pare de tocar.

(Dave para de tocar).

DAVE
Você nem ao menos deu um beijo em seu filho.
GABUD
Eu tenho medo.

DAVE
Reaja Gabud. É um filho. É uma nova chance.
GABUD
Chance? O que você está dizendo.

DAVE
Falta um mês para terminar. Hoje você recebe o novo membro da família e amanhã
estará em todas as lojas cantando desesperadamente a morte. É um paradoxo e tanto
Gabud.

GABUD
Paradoxo?

DAVE
É... Contradição. “O senhor Gabud Aiar faz uma apaixonada apologia ao suicídio em
seu novo CD, mas o mesmo goza de vida e acaba de receber seu primeiro filho. Gabud
grita para que morram, mas em silêncio se perpetua”.

GABUD
Isso é uma grande besteira.

DAVE
Não é o quê as milhares de pessoas que estão lá fora acham.

GABUD
Eu não sou só uma imagem Dave. Eu ainda estou vivo.
DAVE
Se você acredita mesmo nisso, você está mais morto que eu. Quanto mais vai demorar
a perceber que você se tornou apenas uma extensão dos que estão lá fora?

GABUD
Não! Não! Não! Você é que é uma extensão. Você é uma extensão do meu caos. Eu
ainda estou vivo!

DAVE
Tanto quanto eu Gabud. Tanto quanto eu...

15- FAMÍLIA

(Escuridão. O bebê começa a chorar e logo depois o despertador começa a tocar).

GABUD
Acorde Marina. Acorde. O bebê está chorando e o seu despertador já está gritando
desesperado. Acorde...

MARINA
Estou cansada.

GABUD
O bebê está chorando e eu não sei como acalmá-lo.

(Marina levanta-se e troca-se com pressa. Ela sai e volta rapidamente com o bebê no
colo).

MARINA
Hoje é o último dia Gabud.

GABUD
Eu sei. Parece que sobrevimos.
MARINA
É... Sobrevivemos. Vou levá-lo para a babá agora.

GABUD
De novo?

MARINA
Sim, de novo.

GABUD
Deixe-o comigo hoje.

MARINA
Gabud, você nunca sequer o pegou no colo. Como vai conseguir cuidar dele durante
todo um dia?

GABUD
Eu quero tentar. Hoje é o ultimo dia de programa Marina... Acho que chegou a hora de
conhecer o meu filho.

MARINA
Exatamente. Nós já estamos a bastante tempo nesta casa e é normal que fiquemos
um tanto desequilibrados... Você voltou a falar sozinho nos últimos tempos... É melhor
levá-lo para a babá.

GABUD
Marina... Eu não vou ti matar, não vou me matar e não vou matar o nosso filho. Você
precisa confiar em mim...

MARINA
Eu tenho medo de acreditar em você.

GABUD
Confie em mim Marina.

MARINA
Estou tentando Gabud. Eu estou tentando...

GABUD
Vá Marina, você já está atrasada. Fique tranqüila. Afinal, ele precisa conhecer o pai.

MARINA
Não se esqueça: fraldas, mamadeiras e colo.

(Marina coloca o bebê no berço, beija Gabud e retira-se).

(Dave reaparece tocando a guitarra).

GABUD
Dave deixe-me viver em paz!

DAVE
Veja seus fãs ai fora. Hoje é o último dia de programa e eles estão ansiosos para saber
se será também o último dia da sua vida.

GABUD
Pare com esta música!
DAVE
Ainda é a sua música.

GABUD
Dave deixe-me viver o que resta...

DAVE
Se você realmente quer assim, eu estarei realmente morto.

GABUD
É o que eu quero. Deixe-me encarar a realidade.

DAVE
Adeus Gabud. Cuidado para não se perder no quê você acha que é real.

16- BASTIDORES

(Marina está lendo algumas folhas soltas de forma compenetrada. Keynes adentra o
estúdio e vendo que sua presença não foi notada caminha até Marina e toca-a no
ombro carinhosamente).

MARINA
(Sem olhar com quem está falando). Quanto tempo ainda temos?

KEYNES
Pouco eu creio.

MARINA
Você? O que está fazendo aqui?

KEYNES
Encantadora como sempre... Marina, eu estou aqui para pessoalmente lhe dar os
parabéns. Você conseguiu ser mais que apenas a Sra. Gabud Aiar.
MARINA
É agora que eu agradeço?

KEYNES
Você tem se mostrado exemplar como apresentadora do noticiário...

MARINA
Senhor Joseph Keynes, nós dois sabemos perfeitamente que o senhor não largaria a
sua torre de papel em vão. O que está fazendo aqui? Eu entro no ar daqui a pouco,
então se puder ser direto...

KEYNES
A algum tempo atrás você me disse que conhecia todos os “mecanismos deste
sistema”. Hoje eu desejei estar ao seu lado, aqui neste estúdio, apenas para vê-la
enxergar o quanto você foi pretensiosa. Abandonei minha torre de papel, como você
diz, apenas para pessoalmente assistir o telejornal de hoje.

MARINA
Eu já li a pauta de hoje. Sei da repercussão do CD e sei também que teremos um link
ao vivo com a casa... Nada disso vai me surpreender ou emocionar senhor Joseph
Keynes.

KEYNES
Esteja sempre pronta para a emoção e para a surpresa senhorita Marina Moss.
MARINA
Posso ir agora?

KEYNES
À vontade. Só uma última coisa... Não se esqueça que você foi imprescindível para a
construção de Gabud Aiar.

17 – A LINHA IMAGINÁRIA

(Uma garrafa é arremessada contra a janela. O bebê chora).

GABUD
Calma... São os fãs. Os nossos fãs. Calma... Eu estou aqui... Porra! Para de berrar!
Calma... Droga, eu não sei fazer isso. Vamos chamar a sua mãe.

(Gabud tenta telefonar para Marina).

GABUD
Merda! Desligado... Claro... Claro! É hora de ver sua mãe na TV.

(Gabud liga a TV).

TV/MARINA
...Gabud está preocupando diversas organizações não-governamentais. Um mês após
o lançamento de seu CD o número de suicídios e tentativas de suicídios aumentou
consideravelmente segundo dados não-oficiais divulgado pelas organizações. Elas
alegam que a forte apologia ao suicídio que está no CD está influenciando os jovens.
Em protesto em frente à sede das Organizações Ocidente elas reivindicaram que o CD
de Gabud seja banido das lojas...

GABUD
A voz dela é tão suave. Veja como nos deixou calmos.

(Gabud vai até a janela).

GABUD
Agora eu entendo. Vocês acreditam em mim...

TV/MARINA
...Agora vamos ao vivo à casa. Gabud, você está me ouvindo?

GABUD
E vendo também.
TV/MARINA
Você está ansioso para sair da casa?

GABUD
Não tenho pensado muito nisso.

TV/MARINA
Você não tem planos para depois que sair da casa?

GABUD
Tenho certeza que você já planejou por nós dois.
TV/MARINA
Um momento está chegando agora uma notícia... Gabud, neste exato momento, em
frente a casa, centenas de jovens estão cometendo uma espécie de suicídio coletivo.
Vá até a janela e peça para que parem.

GABUD
Vocês não deviam confiar tanto em mim.

TV/MARINA
Gabud vá até a janela e peça para que parem...!

GABUD
Eles não estão aqui para me escutar. Eles estão aqui apenas para “estar” comigo.

TV/MARINA
Gabud, você tem que...

(Gabud deixa a TV muda).

GABUD
Você me parece tão artificial dentro da caixa cinza...

(Gabud vai até a janela).

GABUD
O único sentido é a invenção de deus. Vocês precisam forjar um deus...

(Gabud pega o revolver).

GABUD
Querem um deus sem sentido? Um deus cruel... Um deus eterno... Só a morte trás a
eternidade. Eu estou pronto... Ouçam: eu estou pronto!

TV/MARINA
Gabud me escute... Ele está me escutando? Gabud, você poderá ser ouvido lá fora...
Peça para que parem ou logo estarão todos mortos.

GABUD
Veja filho, mamãe continua falando com a gente... Eu até tinha me esquecido que isso
aqui é um estúdio.

TV/MARINA
Gabud faça alguma coisa...! Eles estão se matando...

GABUD
De alguma forma já estamos todos mortos...

TV/MARINA
Diga a todos que não é isso o que você quer...

GABUD
O que querem de mim?! Já não lhes dei o bastante?

TV/MARINA
Gabud, uma palavra sua pode mudar tudo. Uma palavra...

GABUD
O nosso filho chora.
TV/MARINA
Diga-lhes que não é isso o que você quer.

GABUD
O show está chegando ao fim. E você sabe qual é o fim...

(Gabud caminha até o berço, retira o bebê e carrega-o em seu colo. O desespero mudo
das lágrimas de Marina na TV explica o repentino silêncio.).

GABUD
Agora somos apenas nós. Falta pouco. Você está em meus braços... Está calmo. Eu
não sabia que isto era tão bom.

(Outra garrafa é arremessada contra a janela, o bebê volta a chorar. Gabud vai até a
janela).

GABUD
Escutem, eu estou aqui! Meu filho chora, mas o mundo é maior. Minha dor é
verdadeira e eu não a nego. Não vou fingir... Vocês conhecem o meu caos... Entendem
minha dor. Deus! Se eu estiver discursando para os mortos que eles me escutem...
(leva o revolver à fronte da criança.) De mim você só herdará a dor. As canções eram
invenções de sentido... Eu não acredito mais! Eu não acredito mais! O amor é uma
invenção de sentido... E eu não acredito mais... Eu não entendo a minha dor. Eu não
sou deus! E todos querem sentido... Querem deus. Agora é só o caos e a dor... Vocês
acreditam no caos e na dor. Eu preciso acreditar... Eu preciso acreditar...!
(dispara na fronte da criança) É preciso inventar sentido. Todos querem sentido.
(recoloca o bebê, agora morto, no berço) Eu preciso acreditar... (leva o revolver à
própria cabeça) Eu preciso acreditar... Cinco... Quatro... Três... Dois... Um...

(Gabud não atira. Instantes depois, policiais invadem a “casa” e o levam preso.).

FIM.

Vous aimerez peut-être aussi