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As novas escravas
«Antes mesmo de Ludmila Ivanova pensar em emigrar, a teia já estava montada. Discreta mas à vista
de toda a gente, impressa em letra de forma, num anúncio de jornal – linhas brilhantes, sedutoras,
perfeitas. Era um estranho pedido de dinheiro, em troco de trabalho como “bailarina”, num soalheiro
país do sul da Europa – e também um ardil. A russa de 21 anos, licenciada em história, foi ingénua.
Talvez porque, afinal, uma amiga já a precedera na aventura ibérica e até casara com um espanhol.
“Queria conhecer outros mundos, sair dali.” Ela era a presa, sem que o soubesse. “Paguei 500 euros”.
O dinheiro que entregara a uma agência de trabalho, percebeu no destino, era apenas metade da pas-
sagem. O restante devia pagá-lo com o corpo, num bordel, em Almeria, na Andaluzia, onde encontrou
mais europeias do leste. Tão enganadas como ela, todas elas ilegais e enlaçadas na teia. Fora traficada:
“Não podia recusar clientes, nem sair sozinha à rua”, recorda. “Fingi-me doente mas, às tantas, tive
mesmo de ir com um homem.”
Esta história não acaba aqui. Ludmila tinha armas para resistir à lei do mais forte. Falava espanhol. E
escondera um cartão de telemóvel. Alguém possuía um aparelho e assim nasceu uma conspiração de
eslavas. Entre todas juntaram 50 euros. Uma saiu com um cliente para passar a noite fora e deixou a
porta aberta. A russa seguiu-a, descalça e chamou um táxi: “Leve-me à polícia”.
Ludmila denunciou o proxeneta que foi algemado à frente das mulheres, e recolheu a um convento:
“Ele disse às outras que me ia matar” (…).
Como Ludmila Ivanova (…), 4 milhões de mulheres caíram nas frotas do tráfico de pessoas para explo-
ração sexual, a que se somam outras 500 mil, em cada ano. Segundo a ONU, esta globalização do
comércio de carne humana é já o terceiro negócio ilícito mais rentável do mundo, depois da droga e
das armas.
No estudo “O Tráfico de Migrantes”, lançado em 2004 (…) é referido um número indicativo de 5 mil
mulheres forçadas a prostituírem-se em Portugal. (…) 80% são brasileiras. (…) O tráfico de pessoas
passa pelas casas de alterne e pela rua, cada vez mais apartamentos e pelos classificados dos jornais:
(…) mas ninguém quer ver: “A prostituição não é ilegal nem ilegal” comenta Joaquim Pedro Oliveira,
do SEF.