Artur Vasconcellos Araujo, 40 anos, mestrando da Escola de Comunicação e Artes (ECA), da Universidade de São Paulo (USP). Minha pesquisa investiga o blog como fenômeno jornalístico. Atualmente sou editor de Brasil (ou, se preferir, editor do noticiário nacional) do jornal Correio Popular de Campinas (SP). Já fui editor-executivo do site PrimaPagina (www.primapagina.com.br), de 2000 a 2001, e editor do site Cosmo Online (www.cosmo.com.br) de 2001 a 2004, que pertence à Rede Anhangüera de Comunicação (RAC), que também é dona do jornal Correio Popular.
1. Como os jornais, revistas, rádios e TVs devem se adaptar ao jornalismo on-
line? Artur Araujo - Bem, essa questão é complexa. A princípio, sob um ponto de vista bem simplório, as empresas jornalísticas não precisam se adaptar. Por que um jornal impresso tem de criar uma rádio? Por que uma rádio tem de criar um jornal impresso? Por que um jornal impresso tem de criar uma TV? Essas perguntas nunca tinham sido feitas – ou, pelo menos, nunca tinham se mostrado com tanto vigor – antes do surgimento da web. Houve, é verdade, casos de empresas jornalísticas, como a Globo, que se diversificaram: são rádios, TVs e jornais impressos, mas eram até então exceções, exceções notáveis, mas exceções. Pensemos, por exemplo, na Folha de S. Paulo. Ela tem TV ou rádio? Não. E, em termos internacionais, o The New York Times e o Le Monde não têm rádio ou TV. Inversamente, a BBC britânica nunca virou jornal impresso, apesar de ser TV e rádio. Nem por isso, esses quatro títulos deixaram de ser baluartes da atividade jornalística, certo? As empresas jornalísticas não precisaram, durante muito tempo, se adaptar a outras mídias. Entretanto, com o surgimento da internet, algo mudou, e essa premissa de não se diversificar tornou-se mais frágil. Na verdade, todas as empresas jornalísticas, das pequenas às grandes, buscam criar nichos para suas marcas na internet. Então, sob esse viés, sua pergunta é muito oportuna. Demonstra, de fato, uma percepção de uma nova realidade no mundo empresarial jornalístico. Os próprios exemplos que dei, da Folha de S. Paulo, do The New York Times, do Le Monde e da BBC, criaram projetos de internet. Um dos segredos para essa adesão está nos custos: criar uma TV, por exemplo, é um investimento caríssimo, o mesmo vale para revista, rádio ou jornal impresso. Criar um site, em comparação com as outras hipóteses, não: com pouco dinheiro é possível fazer algo bem razoável. Então, retomando a questão, eu diria que, pela própria lógica do mercado jornalístico, todos têm de se adaptar. Sua pergunta, entretanto, não é “se” as empresas devem se adaptar, mas sim “como”, o que pressupõe –corretamente, aliás–, que isso é inevitável. Bem, no caso do “como”, estamos diante de um problema que tem sido lidado de modo variado pelas empresas jornalísticas. Basicamente, eu diria que há duas hipóteses de trabalho. De um lado, há aquelas que ou pretendem investir pouco ou não tem como investir muito. Neste caso, simplesmente, reproduz-se o noticiário feito em outro meio. Os norte- americanos chamam pejorativamente esse tipo de projeto de “shovelware”: é um website pouco glamoroso, acrescente-se. Acrescente-se também que, segundo uma pesquisa de 2004 do professor brasileiro Rosental Calmon Alves, da Universidade do Texas (EUA), noves fora as grandes empresas jornalísticas norte-americanas, muitas publicações de médio e pequeno porte nos Estados Unidos utilizam algo muito próximo do “shovelware” para marcar espaço na web (o estudo, escrito em inglês, pode ser visto no Online Journalism Review, no endereço http://ojr.org/ojr/workplace/1090395903.php). No Brasil, provavelmente, a coisa é um pouco pior, mas não conheço pesquisa nacional nesse sentido. Há, entretanto, uma antítese do modelo “shovelware”, que são os projetos de internet extremamente ousados, que têm equipes altamente qualificadas para a web e usam textos de qualidade, vídeos e animações para produzir um jornalismo de excelência. Neste caso, contudo, estamos falando de grandes investimentos, que nem todas as empresas conseguem sustentar, principalmente se o projeto web se mostrar pouco rentável. Entre esses dois extremos, existem empresas que tentam um meio-termo adequado à realidade econômica ou à visão empresarial delas. Acrescentaria também, e aí em um caminho um pouco diverso de sua pergunta, que um projeto jornalístico pode ser exclusivamente web. Não seria então uma questão de adaptação, mas sim de produção exclusiva para o meio. É o caso do Assunto Principal, que tem sinalizado ser uma proposta jornalística interessante. Agora, invertendo a pergunta: será que um dia jornais exclusivamente de internet chegarão a virar jornais impressos, revistas, TVs e rádios? Ainda é cedo para tirar conclusões. Eles terão certamente de se tornar rentáveis no ciberespaço antes de se aventurar para outras mídias.
2. O JOL pode, no futuro, “suprir” a necessidade de outros meios de
comunicação, já que, cada vez mais, abriga multimídias, permitindo que as matérias não sejam apenas lidas, mas vistas e ouvidas? Artur Araujo - O Jornalismo On-Line, de fato, comporta multimídias. Entretanto, a qualidade dessa multimídia está vinculada a múltiplas questões. Estamos falando, nesse caso, dos projetos ousados de internet, que citei na primeira resposta. Do lado das empresas, implica, sob o aspecto da infra-estrutura, investimentos em programas e equipamentos de qualidade. Já sob o aspecto da mão-de-obra, implica pessoal gabaritado. O que seria esse “pessoal gabaritado”? Nessa definição genérica cabem tanto os bons jornalistas, capazes de apurar bem, de se expressar bem e de editar bem, até os profissionais de apoio, como webdesigners, para produzir infografias e páginas atraentes na web, os cinegrafistas, para produzir imagens de qualidade, os operadores de som, para produzir áudios de excelência, e outras atividades também importantes que exigem profissionais qualificados. Ou seja, estamos falando de investimentos, e investimentos altos. E isso fica mais evidente quando pensamos, por exemplo, que um jornal impresso precisará contratar um cinegrafista, o que a princípio é um investimento incerto, haja vista a baixa rentabilidade dos jornais de web. Ainda do lado da empresa, tal atitude implica também investimentos em largura de banda para enviar esse conteúdo e ainda permitir que um grande número de usuários acesse-o. Do lado do usuário implica também equipamentos de qualidade que consigam reproduzir todo esse material. E o número de internautas ainda é limitado, ainda mais de internautas com banda larga. Até onde sei, apenas o Clarín, na Argentina, e o The New York Times, nos EUA, chegam a atingir a excelência de que estou falando. É estranho que um jornal argentino, de um país pobre, seja um bom exemplo, superior, aliás, a projetos como a o da BBC e o do Le Monde, mas é a realidade. Não sei se é tino empresarial mais apurado ou delírio de grandeza, mas o Clarín é um dos melhores projetos web do mundo. Há ainda uma questão mais sutil: a web vai criar com o tempo uma linguagem própria, que será diferente das que já existem. Exemplos: uma foto de revista difere de uma foto de jornal; um filme para televisão difere de um para cinema. Imagino que isso também criará diferenças entre os projetos multimídia para a web no futuro. Por isso tudo, não creio que a palavra “suprir” seja a melhor para definir isso. Creio, sem ter certeza absoluta do que digo, que sempre haverá espaço para TVs, rádios, jornais impressos e revistas. Queria também acrescentar uma questão aqui: acho que recursos extras são extraordinários, mas jornalismo é basicamente duas coisas: a capacidade de apurar bem e de expressar bem o resultado de uma investigação jornalística. É isso que precisamos ter em mente quando fazemos qualquer tipo de jornalismo. Já vi projetos jornalísticos ousados no design e vazios no conteúdo. Já vi também jornais feios e extremamente bem-feitos no sentido do conteúdo. É isso que os jornalistas precisam ter em mente. Se há dinheiro para fazer algo hollywoodiano, parabéns, mas não vamos nos esquecer do sentido principal da profissão...
3. Como fica a questão da periodicidade?
Artur Araujo – Muitos acadêmicos que refletem sobre o jornalismo defendem a periodicidade como um traço essencial da profissão. O que significa a palavra? Segundo o dicionário Houaiss, quer dizer “período de tempo previsto entre duas edições sucessivas de uma mesma publicação”. Seria isso uma razão de ser da imprensa? Não estou plenamente convencido. Nesse sentido, para legitimar minha ponderação, invoco dois clássicos. O primeiro é Fraser Bond, professor da Universidade de Nova York, que no livro “Introdução ao jornalismo”, lançado na década de 1950, definia a atividade como “todas as formas nas quais e pelas quais as notícias e seus comentários chegam ao público”. A questão da periodicidade, como pode ver, não era vista como prioritária para ele. Outro clássico é o alemão Otto Groth. Na década de 1920, ele escreveu “Die Zeitung” (“O jornal”, em português). Nesse tratado de quatro volumes, ele procurou cunhar uma definição adequada para o conceito. Groth considerava a periodicidade, de fato, um traço essencial da atividade jornalística. Contudo, nas páginas 26 e 27 do primeiro volume deste livro, ele diz, em uma livre tradução minha do alemão: “A renúncia da periodicidade como característica espacial e temporal do jornal, que ameaça dissolver as diferenças dele com a revista, implica a equalização deste com qualquer forma de transmissão de mensagem. Tal postura subestima a forte conexão entre as propriedades de duas das mais importantes características do jornalismo, que são a publicidade e a atualidade. Isto porque o público leitor de jornal não poderia ser cultivado sem a periodicidade, graças a qual obtém uma segura sensação de continuidade. E a contínua reaparição das 'folhas' é certamente um sentido e uma conseqüência da atualidade, cujo atributo só pode ser seguido pela rápida aparição das edições.” Groth, acredito, considera a periodicidade como pré-requisito, como meio, que viabiliza a publicidade – entendida por ele como aquilo que é público, e não a propaganda – e a atualidade, propriedades compreendidas pelo autor como essenciais à natureza do jornal. A periodicidade viabiliza, para ele, a relação continuada entre o público leitor e o título, além de viabilizar a apresentação de um conteúdo atual. Neste sentido, se um jornal conseguir por outros métodos manter seu público leitor e oferecer um conteúdo atual, o que há de errado nisso? A periodicidade, aliás, não precisou esperar a internet para tornar-se um fundamento abalado na definição de jornalismo. Podemos lembrar que projetos em rádio e televisão já tinham essas características de não periodicidade. Eles a substituem por algo que pode ser definido como uma contínua atualização dos conteúdos, radicalizando de certo modo o conceito de periodicidade. Essas propostas não estariam, de modo diverso, mantendo uma relação ininterrupta com o público e viabilizando, do mesmo modo, a apresentação de um material atualizado e disponível à audiência? Diria que sim. A CNN, nos EUA e a rádio CBN, no Brasil, encarnam essa proposta de modo claro. Ainda sobre Otto Groth, a título de curiosidade, ele veio a escrever outro tratado sobre o mesmo tema na década de 1960: “Die unerkannte Kulturmacht”, que quer dizer “O desconhecido poder da cultura”. Trata-se de uma obra de sete volumes, a qual não tive ainda o prazer de ler.
4. O que ainda pode melhorar?
Artur Araujo - Tudo pode melhorar. Ainda bem, aliás. A perfeição, graças a Deus, não é o forte da raça humana, e sempre uma geração tem algo não melhor, mas diferente a acrescentar à geração anterior. Isso vale para cada pessoa também, e torna a nossa existência mais interessante, aliás. Acho, contudo, que esse problema tem alguns ângulos, no que ser refere ao Jornalismo On-Line, que gostaria de destacar. São eles em relação aos jornalistas, às empresas de jornalismo e em relação ao público. Em relação aos jornalistas, precisamos criar formas mais interessantes de nos relacionarmos com o público, e estou falando aqui no sentido de audiência. Não sabemos muitas vezes lidar com o público. É certo que a palavra “público” abrange muitos tipos humanos. Há, por exemplo, aquele tipo que acha que o jornalista tem de resolver um problema pessoal dele. Um tipo que quer, por exemplo, que a redação pare para fazer o trabalho escolar do filho. Há também e o sujeito que fantasia coisas e liga para denunciar fatos que não existem ou não são denunciáveis. Há ainda aquele que liga para desabafar... todos são difíceis de lidar e, bem, esses, especificamente, a redação costuma lidar muito bem. Até porque são pessoas geralmente agressivas e intimidadoras. Há também os que nos passam boas pautas, e esses algumas vezes não são bem tratados, apesar nos ajudarem. Há ainda um outro tipo que nos perturba: aquele leitor que sabe mais do que nós, e nós não sabemos lidar com ele. Até porque temos dificuldade, de um lado, de sair do pedestal de autoridade, mas também de outro, de que a denúncia na falha de uma apuração ou de redação resulte em desprestígio no ambiente de trabalho ou, pior, demissão. Sobre esse último tipo de leitor e o penúltimo, que nos dá boas pautas, nós, jornalistas, precisamos melhorar nossa postura. A internet é, dos meios existentes, aquele que mais estimula a participação do público. Ainda não sabemos bem o que fazer com isso. Um jornal on-line coreano teve uma idéia interessantíssima: usar a população como fonte das matérias. Trata-se do OhmyNews.com, que tem 2 milhões de leitores por dia. Ainda é cedo para saber se é um bom caminho, mas empresas de ponta do mundo inteiro têm acompanhado com interesse a iniciativa. Há ainda um fenômeno que não pegou forte aqui, mas já é comum nos EUA. Blogs, listas de discussão e sites de relacionamento como o Orkut estão se tornando ferramentas para denunciar erros nos jornais ou matérias que eles consideram importantes e que ou não foram levadas em conta ou foram subdimensionadas. Isso também será uma nova forma de pressão que nós, jornalistas brasileiros, temos de nos preparar para lidar em um tempo que eu não imagino muito distante. Não tenho fórmulas para essas questões, mas elas estão se impondo e precisamos ter respostas melhores para elas. Em relação às empresas jornalísticas, acho que elas ainda precisam pensar em formas mais rentáveis para viabilizar o negócio, que é promissor. E precisam achar esse caminho sem destruir a essência da profissão, que é não a de ser imparcial e, por extensão, indiferente às questões políticas, sociais e culturais da comunidade em que se insere, mas sim a de buscar a primazia do interesse coletivo, conciliando-o com sua atividade econômica. É difícil, eu sei, mas nunca foi fácil e não há motivo para que isso tenha deixado de ser difícil. Há, por fim, uma questão que tem a ver com o público. Trata-se da inclusão digital. Dependendo da estatística, há de 10% a, em estimativas ultraotimistas, 30% da população brasileira conectada. Nos dois casos, a performance é modesta. Há o projeto do computador popular, do governo Lula, mas que não parece tão barato assim: R$ 1.400,00 não é quantia que uma pessoa de classe média baixa possa dispor com tanta facilidade. Há a idéia de fazer da rede elétrica um canal condutor de dados, o que faria com que, para você se conectar, bastasse ter uma tomada em casa – e um modem adequado para fazer os dados chegarem ao micro, obviamente. Independente da fórmula, é preciso incluir digitalmente nossa população.
5. Como está a evolução dos sites de notícias? Faz-se jornalismo ou ainda há
muitos que recorrem ao ctrl C ctrl V da Internet? Artur Araujo - Olha, vamos primeiro olhar o lado ruim. O jornalismo de internet padece atualmente de uma certa má imagem pública, decorrente de baixos investimentos das empresas jornalísticas. Há exceções, sim. Mas vamos ver a regra: são notícias mal escritas, que se caracterizam pela superficialidade, por uma brevidade caricatural, por erros de ortografia e erros de sintaxe. São textos mal checados (o que muitas vezes é confundido com a pressa nos procedimentos, uma qualidade essencial à imprensa em geral). São textos copiados de outros sites, que muitas vezes também fizeram apurações ruins e redações piores ainda. Há também uma falta de políticas claras para lidar com erros. Muitas vezes apaga-se o dado errado e finge-se que nada ocorreu, e isso não é nada bom. Agora, depois desse quadro catastrófico, o que eu tenho a te dizer? Que tudo isso é relativamente fácil de resolver: um projeto jornalístico precisa primar pela qualidade. Se não dá para fazer, nem tente, porque fazer mal é pior. Faça bem-feito pouca coisa e já está muito bom. Tentar abraçar o mundo com as pernas resulta nessa má imagem. Todos os problemas que listei são relativamente fáceis de resolver: apure-se melhor, mesmo que não seja muito, escreva melhor, tente não copiar dos outros – se a notícia é importante e você não a tem, publique uma pequena nota citando a fonte da informação e comece a apurar por conta própria. Assuma seus erros, é melhor que varrer para baixo do tapete.
6. Quais são as expectativas quanto ao futuro do JOL?
Artur Araujo - O Jornalismo On-Line veio certamente para ficar. Ainda não está clara como será a relação da web com outros meios. Não há luz no fim do túnel, mas podemos talvez presumir, como Paulinho da Viola recomenda naquele samba “Argumento”: “Sem preconceito ou mania de passado, sem querer ficar do lado de quem não quer navegar, faça como o velho marinheiro, que durante o nevoeiro leva o barco devagar.” O que seria “levar o barco devagar”? É lembrarmo-nos que jornalismo é apuração precisa e expressão clara: essa é a essência, a natureza da profissão. O resto é “perfumaria”. Talvez estejamos no limiar de um processo de convergência de meios. Há projetos como o e-paper, que é um dispositivo portátil flexível, que pode, mantendo o formato jornal impresso de apresentação, ser atualizado continuamente durante o dia. Há convergências na TV e no rádio, que apelam cada vez mais aos recursos da web. As novas tecnologias digitais nos fazem imaginar a possibilidade de uma integração de mídias em suportes ainda não disponíveis, mas que talvez estejam na iminência de surgir. O importante, no fim das contas, é fazer bom jornalismo.