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Luta Social

Caderno Nº3
- EDITORIAL

- COMITÉS SYNDICALISTES
REVOLUCIONAIRES
- SINDICALISMO E
MOVIMENTOS
SOCIAIS

- CARTA ABERTA A TODOS


OS TRABALHADORES

- POR UM NOVO
ASSOCIATIVISMO
AMBIENTAL
Cadernos "LUTA SOCIAL"
Critérios para Publicação Declaração de Princípios

1. O conteúdo dos Cadernos deve inserir-se Acreditamos que é pela unidade


no âmbito dos estatutos do colectivo e solidariedade que
LUTASOCIAL. conseguiremos realizar uma
mudança em profundidade. Para
1.1. Os Cadernos visam constituir uma
a levar a cabo, nós -estudantes,
expressão da secular luta de
classes e do combate anti-
trabalhadores/as e activistas -
autoritário, contribuindo para a reunimo-nos para combater o
reflexão e o debate sobre os capitalismo, que é a causa de
mesmos, dando relevo à toda a miséria social, tanto aqui
divulgação da voz de quem não como em todo o Mundo. Um
tem voz; dos aspectos importantes para
alcançarmos uma sociedade
2. A colaboração nos Cadernos está aberta
melhor é a nossa auto-
a quem neles queira intervir, dentro
dos seguintes procedimentos: organização e a nossa acção
directa. Para que tal acção e
2.1. Qualquer texto proposto para organização possam efectivar-
publicação será objecto de análise se precisamos de autonomia,
pelo colectivo LUTA SOCIAL unidade, democracia directa,
2.2. Aspectos que estejam em visão colectiva e cooperação
contradição com os princípios que entre nós todos/as. Somos um
enformam os estatutos do colectivo anti-autoritário e
colectivo serão objecto de diálogo opomo-nos à criação de
com o autor do texto proposto; estruturas de vanguarda no
movimento revolucionário. Se
2.3. O colectivo LUTA SOCIAL poderá
partilhas os nossos objectivos e
fazer acompanhar a publicação
desse texto dos comentários que estratégias, junta-te a nós
entender necessários, frisando
assim os objectivos de debate e
reflexão do colectivo;

2.4. Em caso de recusa de publicação, o


colectivo LUTA SOCIAL não
deixará de expor ao autor do texto
os motivos dessa recusa.

3. Os artigos não assinados são da Internet: http://www.luta-social.org


responsabilidade do colectivo LUTA
SOCIAL; os que forem assinados são E-mail: iniciativalutasocial@gmail.com
da responsabilidade do seu autor.

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ENTREVISTA COM MILITANTES FRANCESES DOS
COMITÉS SYNDICALISTES RÉVOLUTIONAIRES
Luta Social : Como definis a vossa Luta Social: Qual é a proporção de jovens, de
organização ? trabalhadores precários, de
desempregados ?
Nós reivindicamo-nos da corrente
sindicalista revolucionária histórica. Esta A nossa organização está sobretudo
corrente começou por existir sob forma da activa nas Uniões Locais da CGT e na
Federação das Bolsas do Trabalho em juventude. Temos portanto uma forte
1892. Estas Bolsas do Trabalho
proporção de camaradas e de
organizavam as lutas operárias locais
numa base interprofissional. Mas estas simpatizantes precários (trabalhadores
estruturas também estavam muito activas temporários, contratados a prazo,
nas estruturas geridas pelos socialistas empregos precários do sector público).
integradas nas Bolsas do Trabalho : Estamos bem mais capazes de organizar
colocação de trabalhadores os jovens trabalhadores, visto que
desempregados, sociedades de socorro
defendemos a criação de sindicatos de
mútuo (subsídios de desemprego, de
doença, de acidentes de trabalho, de indústria que permitam sindicalizar os
reforma …), cooperativas de produção e precários e os trabalhadores das pequenas
de distribuição, centros de saúde, teatros e empresas.
actividades culturais, desporto operário,
escolas profissionais… Luta Social : Qual é o papel das lutas
sindicais e de classe, hoje em dia ?
A Federação das Bolsas do Trabalho
integrou-se, em seguida, na CGT, em Para nós não se trata de multiplicar as
1902. Desde essa data esta confederação lutas sectoriais mas de favorecer as
funciona sobre duas bases : as Uniões convergências interprofissionais.
Locais (Bolsas do Trabalho) e os
sindicatos de indústria. Recusamos os desvios localistas ou
corporativistas, assim como o activismo
Em 1914, a corrente SR perdeu a maioria de tipo esquerdista. O verdadeiro desafio é
na CGT, o que motivou a criação de uma de organizar os trabalhadores no seu
tendência SR : os Comités Sindicalistas sindicato a fim de desenvolver a formação
Revolucionários. Nós reconstituímos essa e as capacidades de gestão de um máximo
tendência em 1997 principalmente no seio de trabalhadores. Esta gestão operária
da CGT mas também na Confederação prepara as condições para a apropriação
«Solidaires» (SUD), na CNT e na CGT- da sociedade pelos sindicatos.
FO.
Uma das nossas actividades principais é
Nós defendemos o programa histórico da portanto de garantir a formação dos
CGT resumido na Carta de Amiens. sindicalizados, nas confederações onde os
nossos militantes têm responsabilidades
neste domínio, mas também enquanto
CSR.

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ENTREVISTA COM MILITANTES FRANCESES DOS
COMITÉS SYNDICALISTES RÉVOLUTIONAIRES

Encorajamos igualmente a sindicalização, O segundo obstáculo é a delegação de


explicando que o Socialismo se constrói poder, frequentemente mantida pelas
no quotidiano, criando uma contra burocracias social-democratas e
sociedade dos trabalhadores, na vida
esquerdistas. É necessário explicar
democrática do sindicato mas também nas
actividades de ajuda mútua que nós constantemente o que é o federalismo e a
animamos (apoio escolar para crianças, democracia operária e ligar esta prática
alfabetização dos trabalhadores com a perspectiva comunista* [*Nota do
imigrantes, desporto dos trabalhadores, tradutor : usam o termo 'comunista' no
actividades culturais nas UL…) sentido dos fins, de 'sociedade
comunista'].
Luta Social : Que estratégias propõem
para contrariar a ofensiva do patronato O terceiro problema é o retraimento
afinitário. Nos sindicatos «alternativos»
e do governo? (SUD, FSU, CNT) o discurso ideológico
serve como justificação a pequenas
Para contrariar a ofensiva da burguesia é burocracias. A identidade filosófica
indispensável preparar as condições para permite justificar a cisão sindical.
uma greve geral. Os aparelhos sindicais Existem, em França, 5 confederações que
multiplicam as lutas sectoriais com o fim se reivindicam do sindicalismo de classe e
de evitar um confronto frontal com o cada uma mantém a sua identidade com o
inimigo. Nós desenvolvemos uma objectivo de evitar a unidade de acção. A
estratégia alternativa, apoiando-nos nas ausência de Frente Única torna difícil a
Uniões Locais e nos sindicatos de mobilização mas também a perspectiva
indústria para alargar a relação de forças e revolucionária que consiste em avançar
as perspectivas da classe. com o conceito do sindicato enquanto
futuro órgão de gestão socialista.

Luta Social : Que problemas encontrais


A desorganização do PCF produziu a
para vos fazer compreender dos
desorganização da CGT, cada rede de
trabalhadores ?
militantes se centrando no seu sindicato,
O problema principal continua sendo as sua UL, sua UD (União Departamental).
lógicas individualistas e corporativistas Também neste caso a rede oriunda do
presentes no quotidiano do trabalhador. É PCF procura demarcar-se das outras, com
nas organizações interprofissionais e de o objectivo de proteger o seu pequeno
indústria que os trabalhadores poder.
compreendem que os seus problemas não
são individuais.

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ENTREVISTA COM MILITANTES FRANCESES DOS
COMITÉS SYNDICALISTES RÉVOLUTIONAIRES
Luta Social : Como definis a vossa Luta Social: Qual é a proporção de jovens, de
organização ? trabalhadores precários, de
desempregados ?
Nós reivindicamo-nos da corrente
sindicalista revolucionária histórica. Esta A nossa organização está sobretudo
corrente começou por existir sob forma da activa nas Uniões Locais da CGT e na
Federação das Bolsas do Trabalho em
juventude. Temos portanto uma forte
1892. Estas Bolsas do Trabalho
organizavam as lutas operárias locais proporção de camaradas e de
numa base interprofissional. Mas estas simpatizantes precários (trabalhadores
estruturas também estavam muito activas temporários, contratados a prazo,
nas estruturas geridas pelos socialistas empregos precários do sector público).
integradas nas Bolsas do Trabalho : Estamos bem mais capazes de organizar
colocação de trabalhadores os jovens trabalhadores, visto que
desempregados, sociedades de socorro
defendemos a criação de sindicatos de
mútuo (subsídios de desemprego, de
doença, de acidentes de trabalho, de indústria que permitam sindicalizar os
reforma …), cooperativas de produção e precários e os trabalhadores das pequenas
de distribuição, centros de saúde, teatros e empresas.
actividades culturais, desporto operário,
escolas profissionais… Luta Social : Qual é o papel das lutas
sindicais e de classe, hoje em dia ?
A Federação das Bolsas do Trabalho
integrou-se, em seguida, na CGT, em Para nós não se trata de multiplicar as
1902. Desde essa data esta confederação lutas sectoriais mas de favorecer as
funciona sobre duas bases : as Uniões convergências interprofissionais.
Locais (Bolsas do Trabalho) e os
sindicatos de indústria. Recusamos os desvios localistas ou
corporativistas, assim como o activismo
Em 1914, a corrente SR perdeu a maioria de tipo esquerdista. O verdadeiro desafio é
na CGT, o que motivou a criação de uma de organizar os trabalhadores no seu
tendência SR : os Comités Sindicalistas sindicato a fim de desenvolver a formação
Revolucionários. Nós reconstituímos essa e as capacidades de gestão de um máximo
tendência em 1997 principalmente no seio de trabalhadores. Esta gestão operária
da CGT mas também na Confederação prepara as condições para a apropriação
«Solidaires» (SUD), na CNT e na CGT- da sociedade pelos sindicatos.
FO.
Uma das nossas actividades principais é
Nós defendemos o programa histórico da portanto de garantir a formação dos
CGT resumido na Carta de Amiens. sindicalizados, nas confederações onde os
nossos militantes têm responsabilidades
neste domínio, mas também enquanto
CSR.

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ENTREVISTA COM MILITANTES FRANCESES DOS COMITÉS SYNDICALISTES
RÉVOLUTIONAIRES

Infelizmente esta deriva é frequentemente Todas as correntes são obrigadas a


bem acolhida pelos trabalhadores, trabalhar ao nível local com os nossos
sobretudo os jovens. Com efeito, é muito militantes, pois nós somos influentes,
tranquilizador afirmar-se apesar de nossos efectivos limitados. Mas
«revolucionário» num sindicato afinitário esta unidade é difícil de manter pois todas
sem precisar de assumir a as outras correntes, mesmo as com maior
responsabilidade de organizar o confronto implantação, têm medo de iniciar o debate
com a burguesia. A contestação tem cada connosco pois nós possuímos uma
vez mais tendência a deslocar-se para o verdadeira estratégia revolucionária ligada
terreno cultural e filosófico e a desertar as a uma actividade real no terreno.
lutas de classe no terreno social. Este
medo de organizar a batalha de classe Luta Social: Que contactos tendes
justifica-se pelo retraimento no interior mantido ao nível internacional ?
dos aparelhos e sobre a sua afirmação Desde a nossa criação, contactámos o
cultural. IWW. Procurávamos trocar reflexões
estratégicas com os nossos camaradas
Luta Social: Com que organizações
norte americanos. Nessa altura, no
sindicais ou tendências tendes diálogo ?
entanto, dissemos que não queríamos
Desde a criação do CSR, este propôs aderir [ao IWW]. Queríamos existir
constantemente campanhas centradas na enquanto organização activa e influente
unidade de acção. Mas nos sindicatos em França antes de nos coordenar com
alternativos, assim como na CGT, as outras organizações que se reivindicam do
pequenas burocracias «anti-capitalistas » SR.
cultivam o seu isolamento fim de
preservarem seu pequeno aparelho. Há dois anos, iniciámos um pedido de
adesão ao IWW, pois nós dispomos
Este fechamento provocou uma verdadeira actualmente de uma influência que
despolitização do meio militante. É o que permite coordenar as actividades
nós chamamos a « deriva anarco- internacionais.
sindicalista » tal como já existiu aquando
da crise do movimento operário dos anos
1920. O discurso filosófico abstracto vai
de par com uma ausência de debate
estratégico. A prática do CSR, favorecer a
Frente Única enquanto se continua
debatendo, inquieta todos os aparelhos
militantes.

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No entanto, queremos que esta adesão seja Luta Social : Qual é a vossa análise
acompanhada de um debate com o IWW, sobre Portugal e o movimento sindical
pois somos críticos em relação a português ?
elementos de táctica e de organização
interna dos IWW. Pensamos que não pode A situação sindical portuguesa parece-nos
muito mais simples que a que
haver apenas um único esquema de
organização dos SR ao nível internacional. encontramos em França. Existem duas
Nalguns países, é possível que se confederações, uma que se diz luta de
justifique criar sindicatos IWW classes e a outra que se gaba da
autónomos. Mas em muitos países colaboração com a burguesia.
existem já confederações onde os SR De facto, a história do sindicalismo
podem agir para o reforço dos sindicatos português é relativamente próxima do que
de indústria e das Uniões Locais. Criar encontramos em França, apesar de que a
sindicatos IWW seria totalmente artificial ditadura salazarista teve um verdadeiro
em França e iria cortar-nos da grande impacto. Com efeito, a [antiga] CGT
portuguesa é uma das confederações que
massa dos sindicalizados. No nosso país,
foi mais longe na imitação do modelo da
o sindicalismo revolucionário está ligado CGT francesa. Isto foi assim no início do
à CGT e a batalha interna não pode ser século XX, quando os sindicalistas
abandonada. revolucionários portugueses se inspiraram
largamente nos seus camaradas franceses
Criar um sindicato novo pode parecer no que diz respeito à estruturação sindical
reconfortante mas no final sacrifica-se (sindicatos de indústria, Bolsas do
frequentemente a formação dos aderentes Trabalho, Juventudes Sindicalistas…).
e se concentram as atenções na construção
de um novo aparelho que repousa sobre Isto também aconteceu no que respeita à
viragem de muitos SR para o PC, tendo a
forças militantes reduzidas e que está
França servido de exílio durante a
sujeito, portanto, a derivar em pequena ditadura. O CSR português foi criado em
burocracia. Para se construir verdadeiras 1923 sobre o modelo do CSR francês de
UL e sindicatos de indústria, é necessário 1919. Depois, o PC português inspirou-se
aderentes numerosos e militantes. da experiência da CGT estalinista francesa
para implantar um modelo sindical
Em França, constatamos o fracasso da bastante parecido em Portugal.
CNT e de SUD por estas razões. Estas
experiências devem servir para que Com todos estes elementos, pensamos que
noutros países os mesmos erros não se as nossas experiências respectivas na
reproduzam. CGTF e na CGTP devem ser debatidas e
dadas a conhecer para melhorarmos a
nossa intervenção sindical.

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Luta Social : Como podemos contribuir revolucionária inserida nas lutas. Depois é
mais activamente para a unidade de muito mais fácil usar a nossa formação e o
classe dos trabalhadores, aos níveis nosso material para propor análises nas
local, regional e internacional. AG de sindicatos. Seria irrealista crer que
a situação actual permite construir
Os nossos militantes participam desde há
sindicatos de massa, revolucionários. É
15 anos em toda uma série de encontros preciso primeiro redefinir um projecto de
internacionais das redes sindicais sociedade e uma estratégia que lhe esteja
alternativas e de influência libertária. associada e isto ainda não pode ser
Infelizmente, estas reuniões serviram, realizado no seio de uma organização de
sobretudo, a produzir textos de princípios massas, devido á ausência de formação
com uma dimensão muito afinitária. Com política da grande maioria dos
excepção de uma verdadeira coordenação sindicalizados. É esta a função que
de 4 ou 5 sindicatos ferroviários (CGT de atribuímos a organizações SR activas
Espanha, SUD, sindicatos de base enquanto tendências em confederações
italianos, RTM britânico…) estes sindicais. Esta estratégia será tanto mais
encontros não deram em grande coisa, fácil de elaborar quanto nós
excepto em fazer crer que existe uma conseguirmos, no seio da IWW, a
verdadeira actividade internacional. colectivizar o trabalho de reflexão.
Pensamos, pelo contrário, que o
A unidade internacional deve portanto ser
movimento sindical internacional deve se
reconstruir a partir de actividades de ramo levada a cabo a dois níveis : coordenar as
de indústria à escala internacional, actividades nos sindicatos de indústria,
coordenando sindicatos nas mesmas com os nossos sindicatos, mas também
multinacionais e nos mesmos sectores elaborar uma estratégia anti-capitalista
profissionais. É também a este nível que graças à existência de organizações que
podemos tecer laços entre sindicatos dos agrupam militantes sindicalistas
países de emigração e dos países de
revolucionários.
imigração.
Por isso, convidamos todos os militantes
No que diz respeito á dimensão anti- favoráveis ao sindicalismo revolucionário,
capitalista, é preciso ter em conta a independentemente das suas filiações
situação de recuo que nós sofremos desde filosóficas, a se reunirem no seio de uma
uma trintena de anos, na maioria dos única organização internacional para
países. Os sindicatos não estão em estruturar essa actividade comum.
situação de se apropriar de uma estratégia [traduzido por MB para o Luta Social]
anti-capitalista, pois os militantes
sindicais têm de se concentrar
constantemente em lutas defensivas. É
Internet : http://www.syndicaliste.fr/
neste quadro concreto que os SR devem
intervir com o objectivo de elaborar
colectivamente, entre militantes
revolucionários motivados, uma estratégia

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Sindicalismo e Movimentos Sociais

Breve histórico do sindicalismo contemporâneo

No início do ano de 1980, ainda sob o Trabalhadoras e conservava a legenda


espectro da ditadura militar, os CONCLAT. Esta última entidade seria
trabalhadores do Brasil iniciaram um responsável, em 1986, pela criação da
movimento em favor de uma nova Central Geral dos Trabalhadores, a
forma de organização. O tipo de CGT.
sindicalismo saído da ditadura era uma
estranha simbiose do velho Entretanto, já na I CONCLAT, a de
corporativismo varguista e outras 1981, o tema da greve geral, tradicional
formas de sujeição ao Estado militarista, bandeira do sindicalismo
inaugurado em março/abril de 1964. revolucionário, aparecia para clivar a
Reunidos em encontros estaduais, os distinção entre os grupos presentes.
Encontros Nacionais da Classe Muitos dos delegados de base
Trabalhadora (ENCLATs), os aglutinaram-se, então, em torno da
trabalhadores deram à estampa diversos proposta que, em 1982, deveria ser
documentos que deveriam ser posta em prática como forma de
analisados em um encontro nacional. anunciar o nascimento da CUT e
Para tanto, no mês de agosto de 1981, pressionar o governo e patrões a
na Praia Grande, São Paulo, aconteceu a transigirem em favor de uma pauta
Conferência Nacional da Classe unificada. Mas a formação de blocos
Trabalhadora, a I CONCLAT. Desse antagônicos no interior da CONCLAT –
evento participaram não apenas as o “Bloco Combativo”, formado por uma
velhas confederações e federações, nebulosa de grupos da esquerda radical,
como também um número expressivo setores progressistas da Igreja Católica
de associações pré-sindicais, e independentes, e o “Bloco da
representadas por delegados de base, Reforma”, de composição de ativistas
que prefiguravam, em grande medida, a pouco engajados politicamente, além de
renovação das premissas sindicais até partidários dos dois PCs e do MR-8 –
então vigentes. acabou por atrasar a programação para o
ano seguinte, inviabilizando, assim, a
Como resultado prático da Conferência, greve geral, sendo possível aos do
surgia uma Comissão Pró-Central Única “Bloco Combativo” apenas a fundação
dos Trabalhadores (CUT) e da CUT.
evidenciava-se uma ruptura
irreconciliável entre os setores mais
radicalizados e a antiga burocracia Dessa forma, a CUT nascia com um
sindical. Em agosto de 1983, com o estatuto provisório que destacava a sua
nome de Congresso Nacional da Classe independência dos patrões, do governo,
Trabalhadora, também sob a sigla de I dos partidos políticos e dos credos
CONCLAT, os grupos à esquerda religiosos. Além disso, o mesmo
organizaram as bases para a criação da documento, insistindo em três pontos,
CUT; enquanto, o bloco contrário, em definia-se pela autonomia e a liberdade
novembro do mesmo ano, no também sindical, a organização por ramo de
CONCLAT, inaugurava uma atividade produtiva e a organização por
Coordenação Nacional das Classes local de trabalho, as então em voga

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“comissões de base”. Tais genericamente por “CUT pela Base”,
posicionamentos afastavam o grupo que que defendia as teses ainda do estatuto
formou a CUT ainda mais do que, em provisório de 1983, foi derrotada e a
1986, criou a CGT. Assim, a opção da burocracia sindical ganhou, por assim
nascente central sindical colocava-a na dizer, definitivamente a Central Única
linha direta de sucessão da tradição dos Trabalhadores.
sindicalista revolucionária dos
primeiros anos do século XX, não Finalmente, com a vitória eleitoral de
apenas no Brasil como na França, EUA Lula, em 2002, a CUT, que havia se
e outros países em igual período. transformado na maior central sindical
Segundo Leôncio Martins Rodrigues: do país, passou a identificar sua política
“Esses pontos de contato podem ser com as diretrizes defendidas pelo novo
encontrados na valorização do sindicato governo. Um claro desdobramento da
como um instrumento de mudança tese vitoriosa em 1988 e que, por conta
social, na defesa de sua autonomia da fatídica associação, tornou mais
frente aos partidos políticos, na idéia da didático, portanto mais evidente, o
construção de um sindicalismo ‘de acelerado grau de burocratização da
base’, agressivo, sem burocracia, entidade de classe.
desprezando a atuação partidária,
política e parlamentar e exaltação da
ação direta e o conflito, vendo a greve
geral como principal arma do
trabalhador”.

Apesar das afinidades programáticas


com o sindicalismo revolucionário dos
primeiros tempos, boa parte dos
sindicalistas atuava na estrutura das
entidades oficiais. Tal situação
colocava-os em flagrante contradição
com os propósitos revolucionários e
autonomistas uma vez que, em paralelo,
gozavam dos benefícios concedidos
pela legislação trabalhista em vigor.
Assim, a ação dos sindicalistas acabava
por fortalecer a estrutura corporativa e
oficial que, contraditoriamente,
pretendiam estes destruir por força das
estratégias impressas nos documentos e
estatutos. O III CONCUT, em 1988,
selaria “pela direita” a idiossincrasia
que nascera com a CUT em 1983. Nesse Os sindicatos hoje
encontro celebrado no Estádio do
Mineirinho, em Belo Horizonte, no mês Grosso modo, podemos caracterizar a
de setembro, apesar das teses políticas identidade sindical a partir de três
reafirmarem o ethos do socialismo, foi a condutas distintas. Os sindicatos que
de número 10, apresentada pela corrente hoje representam mais claramente os
Articulação, organicamente ligada ao interesses do governo/patrões são os
PT, que ganhou a maioria dos votos do colaboracionistas ou chapa-branca.
plenário. A corrente conhecida Estes subordinam sua política a

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postulados puramente economicistas, pode se perder com impressionante
encarando o governo como um velocidade. Seus métodos acabam por
interlocutor legítimo, uma instância reforçar muito mais o campo do
imprescindível e fundamental na ativismo sindical – importante de fato,
resolução dos problemas. Via de regra, entretanto insuficiente – ao investirem
tentam fazer entender à base que a exclusivamente na reação às medidas
função do órgão de classe é, na sua governamentais. Agem, dessa forma,
essência, pôr em entendimento os estimulados pelas agendas eleitorais e
“interlocutores naturais” – políticas do Estado, ainda que em
governo/patrão e trabalhador – que, por oposição a elas. Assim, a despeito da
uma falha na dinâmica do diálogo, estão forma, no conteúdo orientam-se pela
em posição de oposição provisória. luta imediata, sem referências claras na
Mesmo invocando no campo da retórica própria classe, uma vez que o acúmulo é
imagens tradicionalmente esposadas insuficientemente utilizado para
pelo campo socialista, o que fazem, no formular um projeto de autonomia e
mais das vezes, é re-significar o emancipação definitiva dos
conteúdo das lutas dos trabalhadores em trabalhadores. Ancorados no que é
favor da conciliação de classe. Neste apenas visível, ou seja, as necessidades
caso, as vantagens para a categoria, imediatas, esquecem do que é desejável,
obtidas ou não na ação sindical, passam a mudança radical em favor de todos e
a ser encaradas como um fim em si não apenas da categoria. Aos sindicatos
mesmas, um acumular de “direitos” que que adotam esta conduta podemos
reforça a sujeição às políticas chamar corporativos.
econômicas macroestruturais do Estado,
justamente aquelas que são as A terceira conduta sindical pode ser
responsáveis pelas mazelas salariais da identificada por sua ação em associação
classe. Tal sindicalismo, portanto, com seus postulados teóricos. Em
mistifica a ação sindical determinando comum com as demais, ela caracteriza-
para as bases um papel de coadjuvante se também pela representação da classe.
no conjunto orquestrado das políticas de Preocupa-se com as necessidades
governo. imediatas da mesma e se legitima em
determinados ritos e emblemas
identitários do trabalho coletivo. Mas,
Existem também os sindicatos que, em para além destas semelhanças, o
determinada conjuntura, apresentam sindicalismo de resistência propõe-se a
certo grau de combatividade, sem a um enfrentamento mais claro e efetivo
pretensão de tornar determinante o do Estado burguês. Utiliza o corte
diálogo com o governo. Tais entidades classista não para evidenciar a
de classe entendem a posição que singularidade entre trabalhador e
ocupam no cenário da luta de classes, patrão/governo, mas para explicitar o
buscam o enfrentamento, mas o fazem a fosso que separa a classe trabalhadora
partir de uma pauta quase daqueles que a exploram. Pensa o
exclusivamente econômica, sindicalismo como um meio importante
aproveitando as crises e as agendas para que os trabalhadores dêem
eleitorais para arrancar do governo as combate diuturno ao sistema que
melhorias imediatas. Têm, mais por oprime a eles e aos seus iguais em
instinto que por ideologia, a disposição destino. Nas reivindicações econômicas,
para a luta, fato que se observa em igualmente, enxergam um meio para
momentos de ascenso organizativo, mas mais didaticamente perceberem os da
que, em uma conjuntura desfavorável, classe, por evidências numéricas, as

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suas reais condições de explorados. E, Não as possuem, ao menos, no sentido
uma vez que não se limitam ao sintoma, autônomo do termo, pois, uma vez que
denunciam o capitalismo e suas mais se guiam pelo pragmatismo,
claras manifestações como o motivo de dificilmente vão além do que se
todo o estado de coisas. Destarte, o apresenta de imediato. Além disso,
sindicalismo de resistência articula a diferenciam-se mais na forma do que no
teoria revolucionária, que podemos conteúdo ao se dirigirem ao governo,
chamar de socialismo, com suas ações não indo além da colaboração declarada
políticas e sociais, instituindo a primeira para um e consentida para outro.
em conformidade com a realidade Mutatis mutandis, acabam adotando
específica da segunda. como referencial para a luta as
estratégias do Estado, mesmo que na
Orientações e concepções sindicais forma inversa para os corporativistas,
visto que suas agendas serão sempre
Pode-se, de forma esquemática, determinadas pelos embates com o
apresentar três etapas importantes para governo, contra o qual deveriam estar
o desenvolvimento de um programa criando suas próprias estratégias, mas
estratégico de classe no sindicalismo. que, uma vez presos a este, não fazem
Tais etapas, no entanto, longe de mais do que repetir, como imagem
obedecerem uma linha evolutiva, invertida, o que determina a política
combinam-se e orientam-se oficial. Sofrem os efeitos de uma
mutuamente. São como vasos espécie de tautologia que os remete
comunicantes que formam um mesmo sempre ao mesmo ponto, percorrendo o
corpo vivo e indiviso. A primeira parte mesmo trajeto, em idas e vindas, em um
de um programa estratégico deve versar jogo de soma zero que acaba por
sobre os ganhos de curto prazo. Aqueles favorecer sempre aquele que é, de fato,
que vão orientar as lutas do dia-a-dia, o causador do problema.
que devem mobilizar os ânimos e que se
vinculam as necessidades igualmente De outra maneira, os sindicatos de
prementes, inadiáveis e comuns a todos resistência, buscam sempre em seus
indistintamente no interior da classe. programas estratégicos salientar as
Circunstância que pode contar com questões de médio e longo prazo. Tal
campanhas de naturezas diversas, mas preocupação deve-se a já terem os
de preferência com forte apelo sindicalistas, vinculados a esta
conjuntural. As campanhas salariais, concepção, entendido que aquelas
acompanhadas de análises da política entidades que lutam apenas pelas
governamental, são formas bastante questões imediatas, o que fazem, no
utilizadas e, quase sempre, trazem mais das vezes, é garantir ao governo
algum resultado. Nas questões de curto um certo grau de legitimidade. Se por
prazo, os sindicalismos um lado, as reivindicações podem
colaboracionista, corporativista e parecer contestatórias, e algumas vezes
mesmo o de resistência, às vezes se o são, elas induzem, por outro,
parecem muito. subliminarmente, o coletivo da
categoria a acreditar que a resolução
Entretanto, é nas questões de médio e depende sempre da aquiescência do
longo prazo que se distanciam governo. O que retira do trabalhador
sobremaneira as condutas sindicais. Na boa parte de seu princípio decisório e
realidade, tanto os colaboracionistas reforça as teses reformistas. É, portanto,
quanto os corporativistas, não possuem nas projeções mais de fundo, aquelas
as dimensões de médio e longo prazo. que irão possibilitar o contato com um

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universo mais amplo de explorados e, a revolucionária, que apareceu como
partir daí, consolidar a luta ideológica marginal, mesmo herética, teimou em
contra o capital, que se encontra a real registrar as nuances de um fazer
estratégia para o desmonte de toda a proletário de enorme vigor organizativo.
estrutura que garante a manutenção do O eixo insistentemente retomado pelas
atual sistema. Não apenas isso, mas ações organizativas “marginais” dos
também, a elaboração deste programa trabalhadores encontrou sempre seu
auxilia no acúmulo de valores que, por “ponto de Arquimedes” na autonomia.
ser de fato o resultado das experiências Foi com base nela que diversas
de luta e das reflexões extraídas a partir iniciativas culminaram na Revolução
delas, constitui-se na essência de uma Russa, de 1917, e na Espanhola, de
dimensão de mundo genuinamente de 1936. As correntes libertária e
classe. Para reforço de tal raciocínio, autonomista, esta última batizada pela
escreveu E. P. Thompson: “Por classe, derivação da palavra-essência, firmaram
entendo um fenômeno histórico, que seus postulados, ou antes, fizeram partir
unifica uma série de acon¬tecimentos tudo desta premissa. Não era uma
díspares e aparentemente panacéia, mas uma metodologia que
desconectados, tanto na matéria-prima permitiria colocar, em uma mesma
da experiência como na consciência. circunstância histórica, o conjunto da
Ressalto que é um fenômeno histórico. classe na condição de protagonista. Para
Não vejo a classe como uma ‘estrutura’, L. Bruno: “Uma luta é revolucionária
nem mesmo como uma ‘categoria’, mas quando cria relações sociais que
como algo que ocorre efetivamente (e permitem a união dos trabalhadores.
cuja ocorrência pode ser demonstrada) Quando viabiliza a associação de
nas relações humanas”. E ainda, homens livres que é, ao mesmo tempo,
segundo Lúcia Bruno: “A classe forma de luta e transformação social.
operária não é uma realidade moral, Quando os trabalhadores criam
mas social. Ela não tem qualquer organizações onde podem decidir em
realidade além da forma como se conjunto os rumos da luta, realizar uma
organiza”. Outra questão se soma, com nova divisão do trabalho e formas
idêntica importância, às aqui abordadas. comunitárias de existência, estão
Que tipo de organização ou dinâmica criando o terreno sobre o qual o
interna permitiria a plena realização de socialismo pode se desenvolver e
um sindicalismo de resistência? generalizar”. Este é, em poucas
palavras, o princípio lógico dos
O universo das experiências históricas “conselhos de trabalhadores”. Como se
em favor da organização dos organizam então os conselhos de
trabalhadores é generoso, entretanto, trabalhadores?
boa parte dos registros foi alienada de
sua diversidade por força de modelos Os conselhos de trabalhadores definem
hegemônicos que tomaram seu próprio sua representação a partir da base. É na
triunfo por verdade revolucionária. Sob base, organizada em comissões, que os
tal perspectiva, a “Comuna de Paris” delegados classistas são eleitos. Mas a
perdeu vários de seus matizes, os representação é diversa daquela
“sovietes”, viraram a manifestação de preconizada pelo capitalismo. As
um partido único e os “conselhos de diferenças são as seguintes:
trabalhadores”, momentos prévios em • 1ª: Os delegados não decidem por si
situações históricas que careciam de mesmos. São apenas a voz do seu
uma direção de vanguarda. Apesar das conjunto, daqueles que os elegeram;
versões autorizadas, uma outra literatura

13
embates contra o capital os elementos
• 2ª: Os delegados eleitos executam as vitais para sua emancipação. Como
tarefas, não determinam as linhas de chamavam os sindicalistas
ação, a menos que sejam sugeridas pelo revolucionários do século passado, é a
coletivo que o indicou; “ginástica revolucionária”. Uma relação
que se forja no fazer contínuo do
• 3ª: Os delegados ficam no cargo até o confronto e que, por ser
termino da tarefa, ou seja, o tempo concomitantemente experiência sensível
suficiente para executá-la, pois do e teórica, realizada por quem mais
contrário poderia haver certa necessita das mudanças, estabelece
cristalização de funções; novas formas de organização
desalienadas.
• 4ª: Os delegados não podem se afastar
por muito tempo de seu local de As tarefas de médio prazo e os
trabalho, junto à base, as suas atividades movimentos sociais
não lhes conferem nenhum privilégio.
Outro ponto importante é que as Uma vez que o sindicalismo de
delegações podem ser revogadas pela resistência se institui na luta e sem o
base a qualquer momento. A forma concurso da classe esta concepção é
sugerida garante também que as quase impossível de ser atingida, cabe
habilidades pessoais de determinados identificar as tarefas que são da
sindicalistas sirvam a todos e não ao responsabilidade dos trabalhadores
próprio indivíduo que, no que se envolvidos com as questões
verifica hoje, uma vez agindo em nome revolucionárias. As construções de
do coletivo, pode, na realidade, colocar médio prazo hoje são da maior
adiante das deliberações coletivas suas importância. Nelas se encontra o
próprias preferências partidárias. caminho através do qual irá a classe
efetivar a direção a ser tomada para a
liquidação final da ordem capitalista.
O método, cuja centralidade está na Nesse sentido, cabe uma pequena
autonomia dos trabalhadores, propugna ponderação sobre a separação que hoje
também pela ação direta no que diz se constata entre sindicalismo e
respeito aos interesses políticos e movimentos sociais.
econômicos. Para a produção e a
regulação da natureza do trabalho de No início do século XX, há exatos 100
cada categoria, indica o regime da anos, era fundada a Confederação
autogestão generalizada. E ainda o Operária Brasileira (COB). Com a
estímulo a atitudes que unifiquem todas entidade nascia também o seu órgão de
as frentes de luta: a econômica, a propaganda A Voz do Trabalhador, em
política e a ideológica, tendo-se como 1908. Por longos anos, a COB deu
fim a edificação da nova sociedade. suporte e foi espaço organizatório dos
trabalhadores contra a burguesia,
Tal estrutura organizativa é fundamental valendo-se dos métodos do sindicalismo
para impedir a burocratização dos revolucionário. Nas primeiras três
sindicatos, o distanciamento entre a décadas do século XX, a COB foi
base e a direção e a dicotomia entre fundamental para a caracterização da
massa e vanguarda. É também um meio fisionomia social que, em público,
no qual estão embutidos os fins, uma exibiam os operários grevistas e
vez que o trabalhador apreende e insurretos. Entretanto, com o advento
elabora no cotidiano do trabalho e nos do sindicalismo corporativista, elevado

14
a política de Estado após o movimento nesse sentido como no passado, por sua
político-militar de 1930, cujo fato prática social.
concreto mais saliente é a criação do
Ministério do Trabalho, Indústria e No caminho inverso estão, entretanto,
Comércio, as bases do sindicalismo se outros setores organizados ou em vias
viram bastante alteradas. O setor de organização. Estes, envolvidos em
reformista, já existente em períodos uma grande membrana conceitual a qual
anteriores, tornou-se paradigmático e as se atribui o nome de movimentos
ações radicais ganharam “foros” de sociais, são de procedência diversa.
crime contra a segurança nacional. Tal Apesar da pluralidade, esta nebulosa de
situação, reforçada por medidas oficiais organizações possui certa identidade.
em “benefício dos trabalhadores”, Existem elementos comuns a elas,
desmobilizou boa parte da massa mesmo com as demandas específicas.
assalariada e consagrou o Estado como Os eixos, como no passado, na
árbitro de todos os litígios entre capital Associação Internacional dos
e trabalho. Estes fatos estão na origem - Trabalhadores, são sempre de viés
inaugurando assim uma ainda presente econômico. O Movimento dos
matriz interpretativa da História do Trabalhadores Desempregados, cuja
Brasil - da perspectiva de que foi no centralidade se encontra na geração de
governo De Getúlio Vargas (1930- renda; o Movimento Nacional dos
1945) que os direitos dos trabalhadores Catadores, que tiram dos resíduos
foram, de fato, alcançados. Fenômeno urbanos a sua sobrevivência; o
conhecido como “ideologia da outorga”. Movimento dos Sem-Teto, que elegeu a
questão da moradia; os inúmeros grupos
O populismo que marcou as décadas que se formam nas comunidades
seguintes, até o golpe Militar de 1964, e faveladas, sob a bandeira da cultura ou
mesmo o sindicalismo de subordinação, da denúncia contra a violência e
praticado durante os “Anos de finalmente o Movimento dos
Chumbo”, alteraram ainda mais a Trabalhadores Sem-Terra, que sustenta
configuração das organizações com maior evidência a defesa da
sindicais. Nos anos posteriores, com o Reforma Agrária, contemporaneamente,
processo de redemocratização, após a assumiram um protagonismo
frustração das esperanças na retomada importante, cujos resultados não podem
de um sindicalismo revolucionário, o ser ignorados, até mesmo pela grande
aparelhamento que fez o PT da CUT mídia.
jogou por terra boa parte das
expectativas e drenou a energia de Em comum, e isso encontra
importantes bases sindicais. No correspondência nos comunicados e
conjunto, estes acontecimentos panfletos, possuem a radicalidade.
colaboraram para o afastamento dos Aquela disposição para o confronto,
sindicatos do que se convenciona típica das pautas de médio e longo
chamar hoje de movimentos sociais. A prazo. Tal característica tem sido
burocracia, triste emblema ostentado utilizada pelo governo, inclusive, para a
pela maioria das entidades, continua, a criminalização destes movimentos que
despeito de louváveis esforços de uns insistem nas táticas de ação direta e
poucos, a representar sérios limites ao gestão coletiva dos meios de produção,
desenvolvimento das políticas de médio esgarçando a formalidade jurídica do
e longo prazo. O sindicato passou a ter sistema. Inovações como as “Comunas”
outra fisionomia, determinada agora, e do MST, no Rio Grande do Sul e São
Paulo, têm obrigado o Incra a reinventar

15
a legislação vigente para adequar muitas demandas. Entre elas, a que mais
parâmetros ao quadro geral já se destacava era a autonomia. No
determinado pela prática concreta dos mesmo país, outros índios e “minorias”,
acampados e assentados. A dinâmica reunidos sob a legenda do magonismo,
social e a ação dos militantes concebeu alusão ao líder revolucionário Ricardo
experiências mistas, urbano-rurais, Flores Magón, já utilizavam a tática da
criando outra alternativa para o desobediência civil para enfrentar o
trabalhador das periferias. Nos grandes governo. Em outras partes de “Nuestra
centros, os desempregados ocupam America”, como Equador, Chile,
fábricas abandonadas, estabelecem Colômbia e Bolívia, empunhando a
novas normas de produção e tentam bandeira da autonomia, levantaram-se
instituir outro padrão de subsistência, também índios e camponeses em
inclusive, na direção inversa do capital. insurreições e levantes. Inaugurando o
novo milênio, os piqueteros na
A despeito da tentativa de apropriação Argentina, também pela ação direta,
dos movimentos por alguns partidos, e lograram sucessos e colocaram a classe
mesmo a clara atuação de militantes como protagonista da história.
destes nas bases ou direções, boa parte
da massa trabalhadora envolvida Para reforço do exposto, podemos
preserva um grau de independência analisar brevemente os recentes
satisfatório. Suficiente ao menos para acontecimentos no estado mexicano de
esboçar, em momentos de claudicância Oaxaca, no ano de 2006. Uma greve da
dos “quadros partidários” envolvidos, educação, promovida pela 22ª seção
quando estes tentam fazer passar a sindical, acabou por determinar a
política do partido, esquecendo as ocupação da praça central da capital do
demandas genuínas da classe, uma estado. Oaxaca (a capital tem o mesmo
reação dos setores mais organizados. De nome do estado), em maio, parecia ser
qualquer forma, é por força do modo palco de apenas mais uma de muitas
como se organizam os movimentos outras manifestações. O diferencial,
sociais que estes apresentam as entretanto, deu-se com a aproximação
características já bem salientadas aqui. da seção sindical dos movimentos
São eles a expressão sem retoques da sociais da região. As cerca de 16 etnias
luta de classes, a unidade pela ação e indígenas que estão representadas no
pelos propósitos, movimentos que estado, com importante tradição de luta,
conseguem nas suas bandeiras, algumas além de outras organizações populares,
muito simples, sintetizar e aglutinar os formaram a Assembléia Popular dos
esforços e esperanças de todo um setor Povos de Oaxaca, a APPO. Em junho,
de excluídos. os prédios públicos foram ocupados e o
governo popular foi decretado, em
O fenômeno que se caracteriza pelo substituição ao oficial de Ulises Ruiz
crescimento da importância e da Ortiz. Na prática, a capital passou a ser
visibilidade dos movimentos sociais não organizada pela APPO. As principais
é exclusivamente brasileiro. Com um demandas como: democracia, liberdade
número maior de exemplos podemos e autonomia, tudo isso estava resumido
observar, a partir do início dos anos 90 na proposta de deposição do
do século precedente, o ascenso de governador. A greve do sindicado gerou
manifestações nesse sentido. Em 1994, o fato, mas a evolução dos
o levante zapatista, em Chiapas, no acontecimentos e mesmo a reação do
México, revelou ao mundo um governo federal mexicano, que enviou
organização indígena-militar com tropas para reprimir o movimento, só se

16
deu por força da unidade entre entidade Marx, primeiro no Manifesto
de classe e movimentos sociais. Comunista, de 1848, com o reforço do
capítulo 24, de O Capital: “Sua [a
A experiência que se estendeu até burguesia] ruína e o triunfo do
novembro daquele ano, contribuiu proletariado são igualmente
sobremaneira para o acúmulo inevitáveis... Entre todas as classes que
revolucionário em toda a região. A hoje se confrontam com a burguesia, a
chamada “Comuna de Oaxaca” legou à única realmente revolucionária é o
sociedade a manutenção dos organismos proletariado. As outras decaem e
de resistência popular. As rádios desaparecem com a expansão da grande
comunitárias, os comitês de bairros que indústria, enquanto o proletariado é
se formaram no âmbito da APPO desta o produto mais autêntico. Todos
continuam vivos e funcionando na os setores da classe média, o pequeno
perspectiva de novos embates do industrial, o pequeno comerciante, o
aperfeiçoamento da organização. artesão, o camponês (grifos nossos),
combatem a burguesia para assegurar
A tormenta social que atinge a América sua existência como classe média em
Latina representa, assim pensando, nada face da extinção que os ameaça... São
mais que a reação a outro ciclo de reacionários, pois procuram fazer andar
ataques do capital. A posição que as para trás a roda da história”. Para Marx
organizações populares assumem diante existe um sujeito histórico, um que,
desta realidade é de transcendental mesmo sem sabê-lo, tem a missão de
importância para o que se dará a seguir. alterar a ordem social. Este sujeito é o
Os recuos são igualmente importantes, proletariado urbano, a massa que é
entretanto, para auxiliar as forças que explorada pelas indústrias.
exploram desde sempre os
trabalhadores. O sindicalismo, para Se considerado este postulado, a
tanto, deve aproximar-se dos História recente da América Latina
movimentos sociais para novamente encontrar-se-ia em desalinho com a
reencontrar nesta simbiose política a teoria. Uma vez que as forças
vocação revolucionária. insurgentes no continente, e mesmo a
guerrilha que sobrevive, possuem
Os paradigmas da esquerda e os caráter marcadamente camponês ou
partidos políticos indígena. Os grupos que, segundo Marx,
seriam “reacionários, pois procuram
Boa parte do que se discute hoje no fazer andar para trás a roda da história”,
campo estratégico da esquerda é ainda fazem muito mais pela revolução que o
tributário de concepções bastante “proletariado industrial” que, no caso
recuadas no tempo. Se por um lado, a brasileiro, é co-participe da gestão das
leitura e a observância dos clássicos do instituições e do próprio Estado. Razão
socialismo é fundamental, por outro, a pela qual as discussões corporativas,
interpretação dogmática e mecânica dos quase sempre nos limites da legalidade
mesmos traz sérios riscos para o burguesa, ocupam cada vez mais as
resultado das análises e, dessa forma, agendas sindicais.
também para as linhas estratégicas
gerais. Um exemplo claro podemos Outro problema, que deriva igualmente
encontrar, para não irmos muito além, de fonte correlata, é a idéia de que “o
na própria determinação de certos atores sindicato é correia de transmissão do
sociais privilegiados para liderar o partido”. Este primeiro executa e o
processo revolucionário. Segundo segundo pensa as políticas de médio e

17
longo prazo. Tal lógica acaba por podem ser fragmentados, secionados em
conferir status diferenciado a quem câmaras estanques, postos para dialogar
pensa e a quem trabalha, justificando, apenas articulados por direções “bem
inclusive, o afastamento de intencionadas”, porém equivocadas no
trabalhadores por longo tempo da base método. Nesse sentido, é fundamental a
em tarefas de direção que, no mais das criação das organizações de base e a
vezes, tornam-se uma porta para a definição do papel destas no contato
burocratização. Alguns, inclusive, com o coletivo de representantes de
vinculados a partidos político, como toda a unidade de produção.
referido anteriormente, acabam por não
ter clareza entre o papel de quadro O papel da ideologia, entretanto, é
partidário e de liderança sindical. fundamental. O debate de idéias no
interior do sindicato se faz necessário.
Mas tal prática encontra, sim, suporte na Mas tal debate deve obedecer aos fóruns
teoria, uma vez que boa parte dos organizativos e com eles dialogar
partidos de esquerda percebe no permanentemente. A pluralidade das
sindicato um meio para levar adiante o tradições de esquerda, sem a qual tudo
programa do partido, a dualidade se tornaria saber de manual, deve ser
pensamento-ação passa, dentro do contemplada e as diversidades devem
âmbito da classe, a vivenciar seu ser encaradas, todas elas, como um
correspondente prático. Mas, existe aí conjunto patrimonial a ser apropriado
um princípio deletério para a autonomia pela classe. Apropriado na medida das
dos trabalhadores. Uma vez que o necessidades, daquilo que o conjunto de
programa do partido pode substituir o trabalhadores entenda pertinente para o
da classe, este programa igualmente tempo e o espaço presentes. A ideologia
pode estar cumprindo o papel do deve servir à classe e não o inverso. São
Estado. Assim, um tipo específico de os trabalhadores que, em ultima
ideologia substitui o governo e abre instância, vão mudar as coisas. Não
caminho para uma nova burocracia, contribui para a autonomia dos
uma nova instância decisória, que se trabalhadores um sindicalismo que faça
assemelhará, no conteúdo, à ordem que opção tácita por qualquer ideologia de
se pretende derrubar. Ela é parcialmente esquerda; se assim fosse, estaria
estranha à classe, pois foi gestada fora fazendo papel de partido e não de
dela, ou antes, por um princípio que entidade de classe.
acredita pouco nas experiências não
tuteladas. A autonomia, para tal Podemos afirmar que a separação que
concepção, pode não passar de um hoje experimenta o sindicato em relação
“espontaneísmo” ou falta de aos movimentos sociais, para além do
consistência ideológica. fato da burocratização, pode ser
explicada pela associação desse com os
O entendimento que temos é o de que a partidos políticos, confirmada na adesão
organização dos trabalhadores é, de muitos às campanhas eleitorais. É
portanto, indivisa. Não se pode separar bom ainda que se diga que, uma vez que
as instâncias política, econômica e os trabalhadores têm posições políticas
social. O ato de pensar não pode estar diferentes, as paixões eleitorais acabam
desvinculado do ato de fazer. O fracionando ainda mais o corpo sindical.
programa da classe tem que partir dela Um programa próprio, que não
própria, do acúmulo de suas implicasse na utilização de candidaturas
experiências na luta por uma sociedade institucionais, mesmo sob a alegação
livre e socialista. Os corpos sociais não tática, diminuiria significativamente a

18
divisão e atribuiria aos programas de revolucionário e de seus virtuais
médio e logo prazo a importância que parceiros na direção da emancipação
estes realmente possuem. dos explorados. Embutidos na
apreciação geral estão elementos
Outro fato que pode ser verificado, cada importantes a serem considerados para
vez com mais clareza, é que a uma posterior tomada de decisão em
associação dos sindicatos aos partidos relação aos caminhos a serem trilhados
trouxe, com a crise destes últimos, pelos trabalhadores. O diagnóstico,
significativos desgastes para aqueles. longe de evidenciar inteiramente o
Associa-se livremente, com o respaldo problema, convida, a partir de indícios,
de inúmeros exemplos, os sindicatos aos à busca de soluções. Sempre optando
fracassos da democracia representativa pela ação coletiva de indivíduos
burguesa. Figuram as entidades de inseridos em sua classe e representados
classe nos mesmos veículos de denúncia em suas categorias profissionais.
onde deveriam estar apenas os partidos.
O sindicalismo, assim, cai na “vala O socialismo é o eixo propositivo e seu
comum da crise”. Por um motivo que é algoz, ainda tanto quanto o próprio
alheio à sua natural área de atuação capitalismo, a burocracia. Segundo
colhe os frutos amargos da difamação Cornelius Castoriadis: “O socialismo é
junto com as instituições que dele a supressão da divisão da sociedade em
fizeram uso para uma política ainda dirigentes e executantes, o que significa
mais alheia à classe. ao mesmo tempo gestão operária em
todos os níveis – da fábrica, da
economia e da sociedade – e poder dos
organismos de massa – sovietes,
comitês de fábrica ou conselhos. O
socialismo tampouco pode ser, em
nenhum caso, poder de um partido,
qualquer que seja a sua ideologia e sua
estrutura. A organização revolucionária
não é e não pode ser um órgão de
governo. Os únicos órgãos de governo
em uma sociedade socialista são
organismos tipo soviético, abarcando a
totalidade dos trabalhadores. O caráter
burocrático das organizações ‘operárias’
atuais não se expressa somente em seu
programa último, o qual – sob a
cobertura de uma fraseologia
mistificadora – não visa mais do que
modificar as formas de exploração para
Sindicalismo, burocracia e melhorar seu conteúdo. Expressa-se
movimentos sociais igualmente, ao mesmo tempo, em sua
estrutura própria e no tipo de relação
No geral, o que temos abordado desde o que mantêm com a massa operária: quer
início do texto à esta parte é, por assim se trate de partidos ou sindicatos, esses
dizer, o problema da burocracia, da organismos formam ou tentam formar
clausura e dos limites dos métodos direções separadas das massas,
adotados pelos sindicatos. Limites que reduzindo essa a um papel passivo e
afastam o sindicato do paradigma tentando domina-la, reproduzindo uma

19
profunda divisão entre dirigentes e
militantes (ou contribuintes) em seu
próprio seio”. Bibliografia:

A questão da autonomia, portanto, é Bernardo, João. Democracia Totalitária. São


fundamental para manter um órgão de Paulo: Cortez, 2004.
classe fiel aos postulados Bruno, Lúcia. O que é Autonomia Operária. São
emancipatórios sem afastar deste, por Paulo: Brasiliense, 1985.
uma conveniência político-partidária,
alheia quase sempre às necessidades dos Castoriadis, Cornelius. A Experiência do
trabalhadores, os objetivos de médio e Movimento Operário. São Paulo: Brasiliense,
1985.
longo prazo resultantes da experiência Colombo, Eduardo (org.). História do
da classe. Neste sentido, os movimentos Movimento Operário Revolucionário. São
sociais hoje podem servir de horizonte Paulo: Imaginário, 2004.
para o reforço de algumas práticas de
autonomia; a despeito da participação Leval, Gaston. Bakunin, fundador do
Sindicalismo Revolucionário. São Paulo:
de militantes com o duplo vínculo, Imaginário, 2007.
partidário e ativista de classe, a Marx, Karl. O Capital. São Paulo: Nova
dinâmica organizativa e mesmo setores Cultural, 1985.
hostis ao atrelamento partidário
contribuem sobremaneira para dificultar Rodrigues, Leôncio Martins. Cut: os Militantes
e a Ideologia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
o processo de burocratização. Com base
em tais reflexões, e certamente não Thompson, E. P. Formação da Classe Operária
serão estas as únicas ponderações a Inglesa. Vol. I. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
serem feitas sobre o assunto, é 1997.
fundamental hoje para os sindicatos a
construção de uma agenda que possa Revisão: Kátia Mota.
articular seus interesses mais imediatos
às lutas dos trabalhadores em geral, não
apenas os formalmente admitidos no * Alexandre Samis é militante da Federação
mercado de trabalho, mas todo aquele Anarquista do Rio de Janeiro (FARJ).
que estiver disposto a lutar e se Related Link: http://www.farj.org
organizar em favor de uma
transformação radical e efetiva da
sociedade rumo ao socialismo. Extraído de:

http://www.anarkismo.net/article/10648

20
[Carta aberta a todos os trabalhadores, em
particular aos docentes, por ocasião do dia
internacional do professor, 5 de Outubro de
2008]
Reflexão para a acção

Companheiros/as de profissão docente e No ensino, ao avançar a Fenprof com


todos/as os/as trabalhadores/as! uma greve geral mal conduzida, porque
desde o princípio não foi discutida e
Temos de reflectir sobre o estado em nem aprovada em assembleias
que se encontram as lutas sociais neste democráticas, redundou num vexame
país à beira-mar plantado! sindical, com muitas pessoas
Temos de reflectir como é possível ter- contrariadas a fazerem as vigilâncias de
se chegado a uma situação em que um exame, sabendo que o governo estava a
governo, eleito na base de promessas usar de prepotência e a abusar da figura
que pareciam absolutamente justas a de «serviços essenciais», com (ainda
uma consistente maioria de eleitores, no por cima) ameaças de processos aos que
dia seguinte às eleições começou logo a se recusassem a vergar!
desrespeitá-las e a fazer aquilo que nem Foi neste contexto, que se deu a
sequer os seus opositores políticos mais primeira traição da Fenprof, durante
directos tinham alguma vez sonhado este governo. Com efeito, não houve um
fazer. enfrentar do poder arbitrário, não houve
Lembro-vos que as posições dos que um congregar de energias, não houve
mandam despoticamente no país, a um apelar para a solidariedade dos
pretexto de uma «maioria absoluta», outros trabalhadores da função pública -
que em democracia nunca poderia igualmente afectados por muitas das
significar «poder absoluto», estão cada medidas que recaíram sobre os docentes
vez mais claras. Porém, o sentido que - não houve mais do que umas
quiseram dar à governação esteve logo declarações e queixas «pro-forma»
patente nos primeiros meses, com o traindo a expectativa e o desejo de
aumento da idade da reforma e resistência de toda uma classe
agravamento das condições para dela profissional e, para além disso, de todo
usufruir, além da injusta e iníqua o sector da administração pública. Este
redução do montante dessa reforma para recebeu o fracasso da greve geral dos
centenas de milhares, milhões de docentes como sinal de que não se
trabalhadores, a pretexto do aumento da encontrava em condições de enfrentar
esperança de vida! este governo, mesmo perante a ameaça
aos direitos vitais dos trabalhadores,
como é o caso das reformas.

21
Foi assim um fácil «quebrar a espinha» movimento sindical fortemente
do movimento sindical por parte do conotado com os partidos, ou se
governo e da ministra da educação, com distanciaram num momento ou
a ajuda da sua própria cúpula. noutro, ou ainda embora
participando em sindicatos, estavam
Depois, apresentou o governo um marginalizados pela burocracia
projecto de ECD com uma série de instalada. Foi esse número diminuto de
aspectos inconstitucionais, subvertendo pessoas (de que eu fiz parte), que
o espírito do anterior estatuto. A enorme impulsionou as primeiras reuniões, as
indignação suscitada em toda a classe primeiras vigílias e os primeiros
docente esteve na base da união de plenários.
sindicatos de docentes numa
plataforma. Infelizmente, devido ao
espírito burocrático e oportunismo que
imperam sobretudo nas cúpulas, esta
plataforma não soube fazer mais do que
uma simbólica e ineficaz manifestação
no dia do docente, a 5 de Outubro.
Fomos nós desfilar (mais uma vez) para
nada.

A segunda traição, foi-se


desenvolvendo à mesa «negocial», com
as organizações a recusarem assinar o
novo estatuto para, logo de seguida,
aceitarem (em Janeiro 2007), após a sua
promulgação pelo governo (e sem
assinatura de uma única organização
sindical docente!) «negociar» a
regulamentação de um diploma cujo
conteúdo ‘veementemente’ recusaram.
Fizeram isto, todos os sindicatos
docentes, que são cada vez mais Os sindicatos vieram a seguir, no fundo
corporativistas e mais clientelares do dando o dito por não dito, visto que
poder. estavam amarrados pés e mãos pela
«negociação» da regulação do ECD e
A partir daqui, o regulamento do ECD para eles (cúpulas) esta contestação só
sendo aprovado, a avaliação de poderia ser assumida como uma
desempenho seria necessariamente reviravolta. Aparentemente, assim foi:
fixada por uma série de diplomas os sindicatos apadrinharam as
previstos no próprio ECD. manifestações locais, promoveram eles
próprios a mobilização de 8 de Março.
As movimentações destinadas a colocar
em cheque esta política, surgiram em A sua estratégia de controlo do
Janeiro de 2008, dinamizadas por um «movimento de massas» foi perfeita...
conjunto de pessoas à margem dos com um senão: muitos de nós já
sindicatos burocráticos (ou seja, de conhecíamos o «filme» por o ter visto
todos). Os seus impulsionadores, ou se em «n» versões no passado.
posicionaram sempre à margem deste

22
Houve uma consciência aguda de O mandato que os membros dos
traição das cúpulas, quando esta sindicatos dão aos seus dirigentes é
movimentação se traduziu no acordo revogável, embora as cláusulas dos
da Páscoa de 2008. Um acordo que estatutos por vezes sejam omissas, é um
desarmava as hostes que queriam lutar direito que assiste sempre a um grupo
nos locais de trabalho, que iria dar de sócios (convocar uma AG de Sócios
campo para todas as manobras do ME. para revogar o mandato de dirigentes
traidores).
Apesar dessa consciência de ter sido
traída, é dramático que muita gente Será que ainda estão na ilusão do
obnubilada pelo «complexo de «complexo de esquerda»?
esquerda» (o que é de esquerda é bom,
os dirigentes sindicais «de esquerda», Pensarão alguns: «os dirigentes são
estarão sempre do nosso lado e outras membros de partidos socialistas ou
ingenuidades do género...) não viu que a comunistas ou de esquerda; terão algo
condição mesmo para esta política de bom, porque comungam com a
passar é que tinha pela frente um minha ideologia». Nada mais falso: a
movimento sindical largamente ideologia verdadeira deles é a ideologia
controlado por umas cúpulas do poder. Podem mascarar-se de várias
burocráticas, que «fazem que andam coisas, mas apenas para se manterem no
mas não andam»... gritam muito, mas poder, nos seus lugares. São hierarcas e
não mordem, enfim cúpulas que servem são apenas fieis aos seus interlocutores
perfeitamente o fim de manter a governamentais: não se sentem
ilusão nos trabalhadores de que estes obrigados perante as «massas», mas
estão a ser «defendidos» quando não cavalgam-nas, como eu já ouvi, da boca
estão. Os seus direitos estão a ser dalguns desses «dirigentes», com mal
vendidos (é «negociado»... o que disfarçado desprezo pelos seus colegas.
deveria ser inegociável!) em sucessivas Um grupo profissional, que no passado
rondas de pseudo negociações. se posicionou «à esquerda», foi foco de
O poder PS é totalitário por vocação, «rebeldia» face ao poder, está hoje
mas só pode sê-lo porque tem a proletarizado e sem nenhum prestígio
conivência disfarçada (caso da social que já teve, em eras longínquas.
CGTP) ou aberta (todos os outros) Mas, o essencial ultrapassa - em
dos sindicatos. muito - a questão de uma «classe»
A miopia política e social que afecta profissional e diz respeito a todos os
muita gente em Portugal, também afecta trabalhadores:
(e até um pouco mais) os docentes, pois - Os métodos usados para vergar os
apesar de tanta evidência de traições docentes são particularmente anti-
sucessivas, não realizam o democráticos, arbitrárias as categorias
saneamento necessário das estruturas em que foram encerrados,
sindicais, não compreendem que a luta violentamente hierárquicas as formas de
sindical é para ser organizada desde a avaliação impostas, sem qualquer
base, desde dentro dos respeito pelos direitos e garantias
estabelecimentos e não a partir das consignados na constituição e na lei (em
secretárias e gabinetes alcatifados dos particular, o direito de tratamento com
dirigentes sindicais. equidade, o direito de recurso, o direito

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de iguais oportunidades...). pública se degrada haverá um reforço e
não uma atenuação das desigualdades
- A um nível mais amplo, o governo age sociais: certamente serão os filhos dos
como um órgão de propaganda trabalhadores, não os da burguesia, a
permanente, lançando campanha sofrer com isso.
demagógica atrás de campanha, para
fazer crer que está a fazer «obra». Num
povo castigado muitos anos pelo
analfabetismo, é fácil fazer passar gato Por um sindicalismo democrático,
por lebre e é difícil fazer distinguir o independente, de base e combativo!
trigo do joio. Mas os docentes e os
outros tinham e têm o dever de explicar
(com toda a pedagogia que são capazes, Solidariedade,
a quem não tem contacto directo e
pessoal com o quotidiano do sistema), Manuel Baptista
como estas pseudo-reformas, na
realidade são recuos, vão piorar a prazo
(senão imediatamente) a situação das
aprendizagens na escola pública.

Cabe aos professores e restantes


trabalhadores da educação, assumirem
uma atitude adulta e colocar perante as
suas responsabilidades os dirigentes
sindicais traidores: devem ser exigidas
AG onde sejam desmascarados os
seus comportamentos dúbios, de
cedências, de desrespeito pela palavra
dada, de desprezo pela opinião, mesmo
quando claramente expressa, dos
docentes em geral, e até mesmo dos
próprios sócios.

Agindo assim, poderão um dia


retomar o caminho da luta
verdadeira, poderão um dia
reconstruir estruturas sindicais
(essenciais enquanto houver opressores
e oprimidos, enquanto houver
capitalismo).

A partir daqui, terão começado a ir ao


encontro dos outros trabalhadores, em
particular os da administração pública,
sujeitos aos mesmíssimos ataques,
mas também aos trabalhadores em
geral, pois são eles que colocam os seus
filhos na escola pública. Ora, se a escola

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Por um Novo Associativismo Ambiental

Numa altura em que, em Portugal, o consumo o responsável pela violação


dos direitos humanos e ambientais da
movimento associativo de defesa do
maior parte da humanidade, sendo
ambiente institucionalizou-se e perdeu a também responsável pelo sofrimento
infligido aos animais.
combatividade, nos Açores, está em
formação uma associação, de carácter Defendemos uma nova relação do
homem com o ambiente, assegurando
informal, cuja finalidade é a reflexão -
que todos os recursos estejam
acção sobre os problemas ambientais, equitativamente repartidos entre todas
as pessoas, tanto as do Norte como as
tendo presente que estes são problemas
do Sul, não esquecendo as gerações
sociais e que a sua resolução não é uma vindouras.
simples questão de mudanças de
Pensamos que um mundo mais justo,
comportamentos, mas sim uma questão pacífico e ecológico só será possível
através do contributo de todas as
de modelo de sociedade.
pessoas e não apenas das opiniões dos
técnicos ou especialistas.
Contando já com o apoio de diversos
activistas da causa ecológica em várias ilhas Assim, consideramos importante que
sejam respeitados os seguintes pontos:
dos Açores, o CAES- Colectivo Açoriano
de Ecologia Social que não aceitará 1. O capitalismo, seja ele liberal ou de
estado é o responsável pela crise global
quaisquer receitas provenientes do estado
que afecta todos os habitantes do
ou de empresas públicas ou privadas, reger- Planeta. A política e a economia
se-á pelos princípios que abaixo deverão sofrer alterações profundas,
contemplando o desenvolvimento
transcrevemos:
humano e a satisfação equitativa das
necessidades, ultrapassando a sua
“Embora plural no que diz respeito à obsessão pelo crescimento ilimitado.
forma de pensar e viver o ecologismo,
consideramos que não se pode separar 2. Consideramos que é fundamental o
os ecossistemas naturais da vida do respeito do homem para com os
homem na sociedade, não esquecendo restantes animais domésticos e
que a crise ecológica global não atinge selvagens, assim é imprescindível
de igual modo as pessoas no mundo. promover uma educação, cultura e
legislação que garantam os direitos dos
É o modelo actual de produção e animais. A sociedade que defendemos
não pode aceitar espectáculos onde se impedimentos à livre circulação das
torturem animais, como as touradas, pessoas e defendemos que nenhum ser
etc. humano possa ser considerado ilegal.

3. Hoje, a nível mundial, assiste-se à 7. Defendemos um modelo de


crescente extinção de espécies da fauna democracia real, onde a participação
e flora, o que se traduz numa perda cidadã e o acesso o mais amplo possível
incalculável de património genético e à e livre à informação seja a coluna
delapidação de recursos geológicos do vertebral de todas as deliberações. Não
planeta. Consideramos imprescindível a aceitamos os totalitarismos políticos e a
tomada de medidas com vista à acumulação de poder, defendemos a
conservação da biodiversidade e da máxima descentralização e pugnamos
geodiversidade. por um associativismo livre e
independente.
4. Defendemos uma agricultura
sustentável, orientada para a protecção 8. Somos pacifistas, consequentemente
da biodiversidade e do direito dos defendemos a solução não-violência dos
povos à soberania sobre o seu conflitos e opomo-nos à militarização
património genético comum. Assim, das sociedades e ao uso da ciência e da
consideramos que a aposta deverá ser tecnologia para fins militares.
na soberania alimentar e na agricultura Advogamos o fim dos exércitos e
biológica. Opomo-nos ao cultivo e uso denunciamos o impacto social e
na alimentação de Organismos ambiental da indústria militar e do
Geneticamente Modificados. comércio de armas.

5. A única energia limpa é a que não é 9. Defendemos para todas as pessoas


consumida. Assim, defendemos um trabalhos, dignos e livres de
modelo energético alternativo ao exploração, que contribuam para a
actual, com produção descentralizada e satisfação das aspirações individuais e
baseado na poupança e eficiência colectivas.
energética e nas energias renováveis.
Opomo-nos à utilização da energia 10. Reclamamos uma educação integral
nuclear, tanto para a produção de e multidisciplinar que torne responsável
electricidade como para a construção e consciente o indivíduo da sua posição
de armas, não só pelos riscos na natureza e que não reproduza a
envolvidos, mas também por fomentar actual sociedade, discriminatória e
um modelo de sociedade militarizada e competitiva.”
monopolista.

6. A terra é de todos os seus habitantes, Os interessados em acompanhar a


daí que sejamos solidários com todos os actividade do CAES poderão consultar
povos do mundo, defendendo o seu o blog Terra Livre:
direito à autodeterminação, o respeito
http://terralivreacores.blogspot.com/
às suas culturas autóctones e seus
modos de vida. Rejeitamos os JB

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EDITORIAL

No meio de uma situação de grande «guerra fria», com uma série de


instabilidade económica, política e tensões entre a super-potência
social causada pelo avolumar de dominante (já então os EUA) e a
mais uma crise do sistema financeiro super-potência que em breve
mundial, que já alastrou à «economia perderia o seu estatuto, com a queda
real» e cujo fim não se vislumbra, o do muro de Berlim, o
nosso país está mergulhado numa desmembramento da URSS e a
«crise endógena». conversão acelerada das
«democracias populares» do Leste à
Esta «crise endógena», ainda está
forma mais selvática de capitalismo,
por analisar e compreender ao nível
após meio século de experiência
teórico e prático (sobretudo para a
forçada de capitalismo de estado.
acção) pela esquerda não autoritária,
a esquerda não comprometida com o No meio dessa reconfiguração dos
neo-liberalismo. poderes e da política, a classe
trabalhadora dos diversos países
Com efeito, o nosso país é
europeus sempre afirmou o repúdio
historicamente um país com um
pelas soluções impostas, pela
passado de império colonial, mas
retirada de seus direitos, contra o
cedo neo-colonizado por várias
reforço do capitalismo, contra o
potências.
aumento da precariedade e do
Na etapa pós 25 de Abril de 1974, a desemprego, erigidos em arma
viragem para a Comunidade terrorista pela entidade patronal e
Europeia, significou o amarrar deste pelos estados, incluindo os de
país à democracia formal. Mas «democracia liberal».
também representou um amarrar ao
Porém, devido às décadas de
capitalismo (em contradição com o
subordinação dos seus instrumentos
sentimento popular, pelo menos
de classe - os sindicatos - a interesses
dessa altura, meados de anos 80).
alheios à sua própria realidade,
Isso traduziu-se numa subordinação identidade e natureza, a classe
política e económica – num grau trabalhadora esteve mal armada para
nunca antes visto - às potências a batalha. Com efeito, os dirigentes
dominantes, sem que houvesse uma sindicais, geralmente colocados e
consciência clara do que estava em mantidos por serem membros ou
jogo. É certo que para isso contribuiu simpatizantes de determinados
o facto de se estar no final da partidos políticos, estiveram

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«controlando» o movimento de Qualquer que seja o desfecho destas
massas, como capatazes úteis à casta lutas, o certo é que a classe
dominante. trabalhadora e todo o povo aprende -
com a prática das lutas sociais - a
A traição dos dirigentes deve ser
auto-determinação da sua vontade,
compreendida como corolário de se
impondo aos dirigentes que
terem transformado paulatinamente
respeitem o mandato que lhes foi
numa casta ou «classe
conferido. Embora estes tenham
coordenadora», usufruindo de
tendência permanente para se
privilégios diversos, com estatuto -
substituir à vontade dos que os
aparentemente inamovível - de
elegeram, já perderam a hegemonia
«interlocutores sociais»
sobre o movimento social.
indispensáveis, para o grande circo
da «concertação social», da busca de Neste momento, em Portugal, as
(falso) consenso entre exploradores e pessoas estão a compreender cada
explorados, para chamar a coisa pelo vez mais e melhor, que a sua auto-
nome. organização, horizontal,
democrática, com uma solidariedade
Porém, quer no Brasil (ver o artigo
actuante, inter-grupos profissionais,
de Alexandre Samis sobre
unindo na acção todos,
Sindicalismo e Movimentos Sociais),
independentemente da sua
quer em França (ver entrevista a
preferência partidária ou ideológica,
membros dos CSR) quer mesmo no
é a chave para conseguirem impor a
nosso país, as organizações sindicais
sua vontade a todos os níveis,
estão sujeitas a mudança, a rupturas
defendendo a sua dignidade, a sua
por vezes, por vezes a reunificações,
subsistência e o seu futuro.
sobretudo a uma dinâmica das bases.
É necessário que este movimento se
Debaixo dos nossos olhos (ver
aprofunde e se alargue ainda mais,
também neste número, Carta aos
pois o objectivo último do mesmo
Trabalhadores da Educação) a luta
será a eliminação do capitalismo, a
dos docentes da escola pública, pela
construção do socialismo desde a
dignidade, pela preservação da
base, a mudança profunda que nós
autonomia e qualidade do próprio
designamos por «revolução social».
acto de ensinar, mostra como as
pessoas se organizam espontânea,
autonomamente, forçando as
O Colectivo «Luta Social»
máquinas pesadas dos sindicatos a
mexerem-se, a tomar posições que
na véspera eram rejeitadas como
«demasiado radicais».

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