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Novembro de 2008
Resumo
Reflectir sobre blogues culturais e o contributo que podem dar à definição e prática do
jornalismo cultural implica considerar a complexidade do termo “cultura” e a sua
evolução, no seio das indústrias culturais e criativas. É a partir desta relação entre
conceitos ─ indissociáveis actualmente ─ que se torna possível constatar as vantagens
que a complementaridade entre bloggers culturais e jornalistas culturais pode trazer à
sociedade.
ÍNDICE
1
Mestranda na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa, na variante de
“Cultura Contemporânea e Novas Tecnologias” do Mestrado em Ciências da Comunicação.
integrados num contexto de evolução tecnológica e do aparecimento das indústrias
culturais e criativas.
Até metade do século XX, foi preponderante a noção de cultura “clássica” ligada ao
erudito e às artes superiores, tendência que ainda se verifica em alguns media culturais.
Com a emergência da sociedade de massas, duas grandes concepções se articularam –
uma emergente do pensamento marxista e outra liberal – com diferentes visões sobre a
cultura de massas. Neste âmbito, destacam-se Adorno e Horkheimer, da Escola de
Frankfurt, que, no célebre livro “A Dialéctica do Esclarecimento”, criam o conceito de
indústria cultural, símbolo apocalíptico de “uma união forçada das esferas de arte
superior e inferior, que permaneceram separadas durante milénios” (Adorno,1991:
98), e os Cultural Studies, que rompem com a distinção entre cultura de elite e cultura
popular, não restringindo cultura à produção artística, mas incluindo todas as expressões
e valores de um povo. Esta visão antropológica já tinha sido, aliás, dada por Edward B.
Taylor: “Cultura é o complexo unitário que inclui o conhecimento, a crença, a arte, a
moral, as leis e todas as outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem como
membro da sociedade” (Ferin, 2002: 37).
No entanto, quer apocalípticos quer integrados 2 admitem o papel determinante
que os media tiveram e têm na cultura. Abraham Moles (1920-1992) afirma mesmo que
a cultura é uma noção moderna que “só assumiu uma importância real a partir do dia
em que os meios de comunicação a transformaram numa característica da sociedade –
e também uma alavanca desta”. (Moles, 1974: 30, citado por Ferin: 2002: 131). A
noção de cultura alterou-se, neste sentido, em função da “expansão dos media –
inicialmente a imprensa e a rádio, posteriormente o cinema, a televisão e todas as
indústrias culturais, nas quais se incluem os museus, as bibliotecas, os centros de
documentação, etc. – que promovem a alteração e a multiplicação das instituições de
socialização, assim como a diversificação das fontes de informação” (idem).
2
“Apocalípticos e Integrados” é o título de um livro de Umberto Eco (Lisboa, Difel: 1991), representando
as duas posições contrárias em relação à cultura de massas.
A indústria cultural, como entendida por Adorno, começou a ser questionada na
década de 70 do século XX, em França, promovendo-se a sua pluralidade a partir daí.
Grande parte das abordagens às indústrias culturais está resumida no livro de Rogério
Santos, intitulado “Indústrias culturais. Imagens, valores e consumos” (2006).
As indústrias culturais combinam “criação, produção e comercialização de
conteúdos por natureza intangíveis e culturais, adicionam valor individual e social aos
conteúdos e baseiam-se em conhecimento e trabalho intensivo, criam emprego e
riqueza, alimentam a criatividade e desenvolvem a inovação nos processos de produção
e comercialização”. Esta definição, dada pela Unesco, em 2006, seria o bastante para
justificar a importância que as indústrias culturais têm na actualidade e das quais fazem
parte os meios de comunicação, que, paralelamente, divulgam as próprias indústrias
(Santos, 2006: 65).
“A edição (jornais, revistas, livros, etc.), a música, a tecnologia audiovisual
(cinema e televisão), a electrónica (multimédia), a indústria fonográfica (discos),
videojogos e Internet” são os sectores que fazem parte das indústrias culturais, segundo
Rogério Santos (2006: 65). Abre-se também a porta para o design, a arquitectura, as
artes visuais e performativas, a moda, o desporto, a publicidade a o turismo cultural.
David Hesmondhalgh (2002) dá um contributo fundamental para a compreensão
das indústrias culturais e, naturalmente, da cultura. Estas são aquelas cuja principal
actividade é produzir textos 3 , comunicar com uma audiência. Todos os bens culturais
estão sujeitos a interpretação e a um consumo social. Neste sentido, o core business das
indústrias culturais é a produção industrial e circulação de conteúdo simbólico e, por
isso, incluem: a televisão e a rádio (e os novos canais por cabo e por satélite), a indústria
cinematográfica (assim como vídeos e DVDs); a Internet e os seus conteúdos; a
indústria discográfica (incluindo concertos); indústria editorial impressa e on-line
(livros, cd-roms, serviços de informação, jornais e revistas); videojogos e jogos de
computador; publicidade e marketing 4 .
A cultura da Era da Informação é, precisamente, uma cultura gerada através das
indústrias culturais e dos seus processos de inovação e produção. Tem a diferença de,
3
David Hesmondhalgh (2007: 7) utiliza frequentemente a expressão “conteúdo simbólico” ou a palavra “textos” para
se referir a todas as criações simbólicas emergentes das indústrias culturais por parte dos “criadores simbólicos”.
Nesta definição, incluem-se, naturalmente, os jornalistas, bloggers e produtores de conteúdos culturais.
4
Embora não estejam incluídas na maior parte das definições de indústrias culturais, David Hesmondhalgh inclui a
publicidade e o marketing, dado que são actividades que se centram na criação de textos e requerem o trabalho de
criadores simbólicos.
segundo Gustavo Cardoso (2006:39), ser caracterizada “por um maior poder exercido
pelas necessidades culturais dos consumidores sobre as próprias indústrias culturais.
Um poder cuja origem está no aumento da sua capacidade de interacção,
nomeadamente pelo acesso a tecnologias como a Internet, e de assim gerar capital
simbólico para o exercício de influência sobre as indústrias culturais”.
Nos últimos anos, os activos criativos transformaram-se em elementos centrais
para a produtividade e competitividade empresarial. Neste contexto, começou a discutir-
se a importância das indústrias criativas – sectores de actividade económica que
colocariam a criatividade como elemento essencial na sua produção. As actividades
criativas adquiriram uma maior importância económica e social com o surgimento da
sociedade do conhecimento, composta por indústrias de música, audiovisual, design,
software, moda, etc., que lidam com conteúdos simbólicos. Com isto, a propriedade
intelectual passou a ser pensada como um elemento essencial de desenvolvimento de
países e como vantagem competitiva.
Para John Hartley (2005:5), as indústrias criativas combinam as artes criativas com
as indústrias culturais – o exemplo mais flagrante é o entretenimento nos media. As
primeiras descrevem, neste sentido, “a convergência conceptual e prática das artes
criativas (talento individual) com as indústrias culturais (escala de massa), no contexto
das novas tecnologias dos media, dentro da designada economia do conhecimento e
para uso de cidadãos e consumidores interactivos”. Tomam, assim, “talentos criativos
tradicionais nas áreas do design, da representação, da produção e da escrita, e
combinam-nos com técnicas de produção e distribuição dos media (para escala) e com
novas tecnologias interactivas (para personalização) de forma a criar e distribuir
conteúdo criativo pelo sector de serviços da nova economia” (2004: 143). O método de
produção não é industrial nem normalizado, mas, sim, baseado na inovação e em
projectos – aqui John Hartley diferencia-se do conceito de indústrias culturais.
Para Hartley, é importante o facto de as indústrias criativas combinarem as artes
criativas com as indústrias culturais, porque esta mudança permite que as artes integrem
as indústrias de larga escala como as de media e entretenimento, ultrapassando as velhas
dicotomias de elite/massa, arte/entretenimento, patrocínio/comercial, alto/trivial.
Os blogues culturais são um produto das indústrias culturais e criativas, tal como
o é, hoje, o jornalismo cultural.
3. A cultura que o jornalismo cultural representa e mediatiza
A definição de jornalismo cultural foi, assim, evoluindo paralelamente à de
cultura, ajustando-se às suas duas concepções básicas: a “ilustrada” (que se restringia ao
campo das belas-artes) e a antropológica, criada por E. B. Taylor e desenvolvida
posteriormente por Richard Williams e outros estudiosos dos Cultural Studies. Como
Rivera salienta, a primeira concepção tendeu a privilegiar meios específicos e
selectivos, enquanto a segunda se infiltrou nos media em geral “de certa forma, como
acontece hoje – através de suplementos, revistas, fascículos coleccionáveis, etc. – com
uma variedade de ofertas culturais antes confinadas aos órgãos do primeiro tipo ou
não reconhecidas de todo por eles” (2003: 16). 5
A partir da segunda metade do século XIX, com o surgimento do conceito
antropológico de cultura, esta deixou de ser exclusiva das elites iluminadas e estendeu-
se ao povo, ficando conhecida como cultura popular. O jornalismo cultural começou a
reflectir a dicotomia “cultura clássica” e “cultural antropológica”. Mais tarde, com o
advento da cultura de massas, como já vimos desprezada por apocalípticos e eleita por
integrados, levou o jornalismo cultural a encarrilar numa filosofia de entretenimento e
lazer.
Ao longo do século XX, a cultura de massas conjugou “os ideais de progresso
humanista oriundos da cultura iluminista” (Alzamora, 2005; 27) e a diversidade de
práticas e costumes da cultura popular, originando uma cultura a que Garcia Canclini
intitulou de híbrida. Perante este cenário, o jornalismo cultural reflectiu este hibridismo
e passou a interessar-se cada vez mais pelos produtos da cultura de massa.
Todavia, hoje, a concepção de jornalismo cultural não é unânime nos media
mundiais e portugueses. Algumas publicações optam por uma abordagem “clássica”;
outras, por uma cultura de tendências e alargada aos produtos das indústrias culturais e
criativas, como veremos nos capítulos posteriores. E isso verifica-se também em
Portugal: ao mesmo tempo que a cultura aparece normalizada e subordinada à agenda
de eventos e ao mercado das indústrias culturais, surgem novas instâncias de
legitimação da cultura em revistas alternativas, que conseguem fidelizar públicos com
propostas estimulantes e originais. São os casos da Egoísta, da NEO 2, da N&Style, da
DIF, da Parq e de muitas outras também disponíveis on-line.
O jornalismo cultural é, segundo Jorge Rivera, “uma zona muito complexa e
heterogénea de meios, géneros e produtos que abordam com objectivos criativos,
reprodutivos e informativos os terrenos das belas-artes, as ‘belas-letras’, as correntes
de pensamento, as ciências sociais e humanas, a chamada cultura popular e muitos
outros aspectos que têm a ver com produção, circulação e consumo de bens simbólicos,
sem importar a sua origem e o seu destino” (Rivera, 2003; 19).
É nessa tradição que se insere Eliane Corti Basso para quem o jornalismo
cultural deve levar à reflexão por parte do leitor não apenas da obra em questão, mas
também sobre o contexto em que esta se insere. Para esta jornalista, o campo
“transborda a análise e a divulgação dos produtos da chamada cultura ilustrada
(literatura, pintura, escultura, teatro, música, arquitectura e cinema) e abrange a
cultura popular, o comportamento social – formas de ser e se portar, e as ciências
sociais, ajustadas em certa medida ao campo de produção jornalística” (Basso, 2007;
7).
Para Rodriguez (2004; 7), o jornalista cultural tem de possuir “uma cultura geral
que o permita identificar e correlacionar fenómenos, épocas, autores e obras
significativas nas vertentes local e universal, segundo uma forte dose de observação e
criatividade, e uma capacidade para sistematizar e sintetizar processos complexos
numa fórmula comunicacional” 6 .
7
“A Biblioteca de Babel” é o título de um conto de Jorge Luis Borges.
8. Os blogues culturais contribuem para o alargamento da cultura além-
fronteiras
Não era fácil, antes dos media sociais, ter contacto com criadores simbólicos
nórdicos, orientais ou australianos, pelo menos aqueles que estavam fora do circuito
mediático. Agora, através de experiências divulgadas na primeira pessoa, é possível
recolher vozes de todo o mundo – não só as mediatizadas, como também as anónimas.
BIBLIOGRAFIA