Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
Narrando comunidades
1
Estudo em desenvolvimento junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS, na Linha de
Pesquisa Estudos Culturais em Educação, sob orientação da Profª Drª Elisabete Maria Garbin. Esta pesquisa está
vinculada também ao Núcleo de Estudos sobre Currículo, Cultura e Sociedade (NECCSO), como integrante do
projeto Culturas Juvenis em Porto Alegre: cenários de múltiplos desordenamentos, coordenado e orientado pela
professora acima citada.
2
Pesquisa Financiada pelo CNPq/Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica
ISSN - 1982 - 887X.
Remete-nos a uma descrição de um modo de ser jovem, de ser gaúcho, que é
legitimado por aqueles que aderem à comunidade referida. Há inclusive uma juventude
prescrita e referenda a uma importância e reconhecimento de uma “verdadeira” cultura
gaúcha, apontando para um modo único de ser gaúcho. Nessa mesma comunidade encontra-se
no fórum [espaço na comunidade, para discussões], eleições de “frases gauchescas mais
lindas”, discussões acerca de “O que é ser tradicionalista”, nas quais encontram-se narrativas
de como é “ser tradicionalista”, constam condutas como:
Para mim é ter aquele amor e respeito pela tradição do Rio Grande, sentir
orgulho de usar a pilcha e não ter vergonha disso.
Eu sou tradicionalista por que, não importa frio, chuva, vento, sol ou até
mesmo q o céu caia la estarei eu de bota bombacha chapéu e reio, lidando
com os meus cavalos e as vacas, se acordando cedo pra ir pra lida e vindo
ao entardecer quando o serviço termina para matear solito, pensando na
vida, me pilcho até pra ir na escola, todos os dias, só tiro a bombacha para
dormir.Eu sou assim por que gosto da tradição deste "grande" Rio Gande do
sul. Sou assim por que sou Gaucho, irei pelear até a morte pela tradição do
Rio grande.Um quebra costela “coisas de gaúcho”
Percebe-se nos excertos que há uma valoração dos costumes e do cotidiano do gaúcho
do campo, quer por sua vez prescreve o comportamento do gaúcho urbano. Para os membros
dessa comunidade o gaúcho deve manter respeito pela “pátria”, ou seja, o próprio Estado do
Rio Grande do Sul, cujo caráter é sagrado aos que cultuam o tradicionalismo gaúcho. Outra
comunidade analisada chama-se: ”Amo ser prenda”, em sua descrição encontramos:
Prendas somos nós, nós que adoramos usar uma pilcha, seja um vestido de
Prenda ou uma bombacha feminina!!!!!!!
Podemos ser Prenda Campeira ou Prenda Artística! Mas Todas nós somos
Prendas e AMAMOS muito tudo isso!!,
Essa cultura ultrapassa a questão de gênero, pois tanto homens participam e ditam
condutas, como mulheres apontam para os modos de ser gaúcha, mulher. No fórum dessa
comunidade, constam discussões acerca de faixas3, que as participantes relatam de maneira
orgulhosa as suas experiências e traçam trajetórias na sua vida tradicionalista. Há espaços
nessas comunidades para divulgação de eventos relativos ao tradicionalismo.
3
Faixas são premiações em concursos de prendas dos C.T.Gs, nos quais as meninas concorrem à provas
culinárias, de história do Rio Grande do Sul e dotes domésticos. É atribuído um título e uma classificação, como
por exemplo, 1° Prenda Juvenil, a menina é a primeira de todas as prendas da categoria juvenil.
ISSN - 1982 - 887X.
Perfis: uma construção mutante de identidades juvenis
Com relação aos perfis, foram analisadas descrições de dois membros das comunidades
anteriormente detalhadas. No perfil da internauta que se nomeou Franciele, a narrativa
encontrada versa sobre:
Acerca da narrativa referida podemos afirmar que vem carregada de uma ‘conduta
padrão’ dos indivíduos, para que os mesmos sejam chamados de “gaúchos/as”. Seus gostos
denotam forte ligação com a cultura gaúcha – dança de invernada, música nativista-
compõem o perfil analisado outras comunidades ligadas ao tradicionalismo que reforçam seu
modo de ser vista pelos membros do site Orkut. Outro perfil é o do internauta Duda, no qual
consta a seguinte descrição na forma de poema:
Álbuns são espaços que os membros possuem para divulgar imagens e fotos. A seguir
foram retiradas, com consentimento dos integrantes, imagens que fazem a leitura de uma
cultura tradicionalista gaúcha juvenil.
A imagem extraída do perfil de uma jovem, na qual ela exibe danças gaúchas e
escreve abaixo da foto: ”Sou do sul”, título de música que discorre sobre o orgulho de ser
gaúcho. As próprias ações do sujeito, bem como as imagens, são construtoras de identidades
que muitas vezes são lidas num contexto errôneo, legando a tais culturas o status de
subculturas ou até mesmo na sua excessiva valoração de hegemônicas.
(figura 2)
Imagem retirada do perfil do jovem Duda. Lê-se na legenda da foto: ”Eita baile bom”
que se refere apenas a foto. Apresenta jovens dançando vestidos de maneira típica
tradicionalista e explicita a preferência, dentre os jovens, pela dança que é motivo de
animação e atividade exercida em grupo, características prementes da juventude.
Conclusões parciais
Pelas análises iniciais é possível identificar que uma das vias de disseminação de
informações na internet é o site Orkut, no qual se pode conhecer e agregar dados dos mais
diversos tipos de cultura, tanto de países vizinhos, quanto os mais longínquos constituir
identidades através das comunidades. Esse site faz parte do que é referendado como a
cibercultura, ou seja, uma cultura da Internet, de um mundo virtual, um mundo cuja
interatividade se faz a cada segundo, com uma infinidade de pessoas. Segundo Lévy (1999,
p.111): “O próprio fato do processo de interconexão já tem, e terá ainda mais no futuro,
imensas repercussões na atividade econômica, política e cultural. Este acontecimento
transforma, efetivamente, as condições de vida em sociedade”, ou seja, transformam-se as
relações sociais, e adota a pluralidade de culturas. Nas comunidades que são favoráveis e
contribuem para a disseminação do tradicionalismo gaúcho, são encontrados modos de ser
ISSN - 1982 - 887X.
jovem, que devem ser exatamente àqueles prescritos para que se adeque ao grupo e/ou
cultura. São normas que são defendidas, exibidas à exaustão por esses jovens, sempre
ressaltando o orgulho de pertencer a cultura gaúcha. As narrativas em comunidades e em
perfis comprovam que esses modos de ser medeiam regras pessoais, costumes e conferem ao
jovem status de “gaúcho”.
As análises dos perfis e dos álbuns levaram, num primeiro momento a uma
confirmação da função desses recursos, construir identidades que sejam legitimadas através
desses artefatos. Nota-se que através de fotos, comunidades, comentários em discussões há
plena exposição de idéias e posições culturais, e que muitos deles trazem para a “realidade”
esse modo de ser gaúcho tradicionalista, não por serem alienados e levados a ser na sua
totalidade, mas sim por gostarem e se identificarem com a cultura. Logicamente, é admitido o
fato de esses jovens serem influenciados pelos pais, escola e circulo de amizade, entretanto, o
que realmente se quer é provar que a cultura gaúcha já se aliou a cibercultura de maneira
harmônica e transita do virtual ao real sempre mantendo suas características fundamentais.
Segundo Freitas (2002, p. 20) ”Todos esses marcadores identitários, apesar de adquirirem só
um significado e um sentido discursivamente, apresentam uma materialidade inquestionável”,
existem de maneira real e legitimada na comunidade gaúcha.
O constituir-se gaúcho(a) advém do sentimento de pertencimento que as comunidade
dão ao membro, bem como do que Freitas aponta (2002, p.23) ”Eu só posso me considerar
gaúcha/o, se partilho da idéia de gauchidade, dos sistemas de representação que criam o/a
gaúcho/a, com todas as suas práticas discursivas e não-discursivas.”, quando se aceita aderir a
uma comunidades, postar esse ou aquele comentário e exibir fotos com a intenção de reforçar
essas identidades. A cultura juvenil que estamos considerando nessa comunicação é a matéria
prima, seu comportamento, sua características, enfim seu modo de se comunicar através de
auto-narrativas, e posicionamento cultural. Está se tratando de cultura juvenil no sentido que
Feixa apud Garbin (2003, p.119) afirma:
O termo culturas juvenis (Youth Cultures) está sendo usado (...) como um conjunto
de formas de vidas e valores característicos e distintos de determinados grupos de
jovens, a maneira como tais experiências são expressas coletivamente mediante a
construção de seus estilos de vida distintos, localizados, fundamentalmente em seu
tempo livre ou em espaços de interstício da vida profissional.
E é inspirada nessa definição de culturas juvenis que esta comunicação está balizada.