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FORMAÇÃO
Raul Lino nasceu no dia 21 de No-
vembro de 1879 e passou a sua infân-
cia em Lisboa. Como filho de um abas-
tado comerciante teve o privilégio de
poder estudar em Inglaterra, onde fre-
quentou um colégio católico de 1889 a
1893. Depois foi para a Alemanha
estudar arquitectura. Em Hanover fre-
quentou a Escola de Artesanato e a
Escola de Artes e Ofícios, assim como
o Instituto Superior Técnico, ficando com
uma formação profissional no trabalho
prático de carpintaria e também com a
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Cultura
A MÚSICA E A NATUREZA
A sua paixão pela natureza teve gran-
de influência na sua atitude moral e
profissional. Raul Lino dava uma gran-
de importância ao diálogo entre a ar-
quitectura, ou seja, o edifício em si, e
a localização geográfica da sua obra,
ou seja, o ambiente natural.
Determinado acontecimento no ano
1905 exemplifica essa sua atitude. Lino
foi encarregado de fazer o projecto de
uma habitação para o francês Conde
Armand, um rico proprietário de mi-
nas. O arquitecto passou uma noite
inteira no terreno da futura casa, em
Setúbal, para captar a área, enquadrá-
la na natureza e assim criar a nova
obra de uma maneira adequada à sua
imediação.
A tendência de Raul Lino para a
meditação, para o isolamento e a sua
paixão pela natureza são componentes
importantes de uma visão do mundo
tradicional e romântica. Neste contex-
to, a obra literária do americano H.D.
Thoreau teve uma função importante,
pois esta “Bíblia” para os amantes da
natureza aprofunda os valores de uma
vida de meditação virada para o inte-
rior.
formação teórica. Raul Lino aprendeu neste livro, inspi-
O seu trabalho no estúdio de Albrecht Haupt, um arquitecto doutorado e rado pelo transcendentalismo, que só
especialista na arquitectura portuguesa do Renascimento, foi de especial impor- através do respeito pela relação entre a
tância na sua carreira. Este arquitecto alemão teve uma enorme influência na casa e a sua localização geográfica, a
formação artística de Raul Lino e o contacto entre o mestre e o seu aluno nunca obra poderá enriquecer a região.
cessou, mesmo com o regresso de Raul Lino a Portugal. O contacto manteve-se Raul Lino viajava muito pelo país e
até ao falecimento de Albrecht Haupt. conhecia muito bem a região do Alen-
Na Alemanha, o jovem Raul Lino teve contacto com as ideias e obras da tejo. Na sua juventude ele adorava
arquitectura contemporânea alemã e foi testemunha da progressiva separação
cultural com a França. Neste sentido, a sua estadia no estrangeiro marcou
também a sua compreensão do fenómeno do Modernismo e determinou a grande
importância que ele dava à música e à natureza, ou seja, à universalidade do
espírito artístico.
Em 1899 projectou um pavilhão para a Exposição Universal de Paris de 1900,
onde se fez notar aos olhos da crítica.
Mesmo depois do seu regresso a Portugal, Raul Lino visitava com frequência a
Alemanha. Em 1911 passou 11 meses em Berlim, onde tirou um curso de Arte
Gráfica e Decorativa.
Os valores tradicionais e nacionais como o amor pela pátria tiveram grande
influência e fizeram parte da formação de Raul Lino nos últimos anos do século
XIX em geral, e principalmente em Portugal, onde a industrialização começou
tarde. Lisboa crescia e muitas das novas zonas foram projectadas a partir dos
princípios do design moderno vindo de Paris. Mas esses projectos não interessa-
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Cultura
passear por corredores largos, podendo apreciar ao pormenor as paisagens que nado tipo de casas, enquanto outro tipo
se sucediam. As suas caminhadas solitárias focavam, muitas vezes, a Serra de de edifícios tinha um papel secundário.
Sintra, onde posteriormente viria a construir a famosa Casa do Cipreste. Esta é A questão sobre as verdadeiras ca-
uma obra que está de tal forma integrada na natureza que se torna difícil detectá- racterísticas da Casa Portuguesa atra-
la ao longe. vessa tanto as suas obras práticas como
A música foi outra paixão de Raul Lino. Após regressar da Alemanha, passou teóricas e é causa de admiração mas
algum do seu tempo com Viana da Mota, tendo um círculo de amigos ao qual também de crítica ao seu trabalho. O
também pertencia o pianista Alexandre Rey Colaço, para quem Raul Lino projec- que é notável é que foi um estrangeiro
tou a Casa Monsalvat em 1901. Este círculo intelectual influenciou Lino, não só - Albrecht Haupt - que incendiou esta
no seu interesse pela música romântica, mas também na sua maneira de encarar
a arquitectura. Na sua longa carreira como arquitecto, tal como no seu gosto
pela música, Raul Lino teve sempre tendência para o conservadorismo. Por isso
mesmo afastou-se do primeiro Congresso Nacional de Arquitectura, em 1948,
que visava e exigia uma ruptura da arquitectura portuguesa com o seu passado.
Em 1968 Lino escreveu um artigo no Diário de Notícias sobre a música
contemporânea, criticando-a por considerar que já não existia “uma fronteira
entre os sons e o ruído”. Como grande admirador de Richard Wagner, Raul Lino
empenhava-se pelo regresso ao Clássico.
A obra Quatro palavras sobre a Arquitectura e Música, da autoria de Raul
Lino, cria uma ligação entre estas duas formas de arte. Lino opõe-se à ideia de
que a sociedade de consumo inunde as “massas” de objectos de baixa qualida-
de. Em vez disso ele acha possível e desejável elevar o nível cultural das massas.
EDIFÍCIOS URBANOS
Lino projectou poucos edifícios urbanos, e estes distinguiam-se bastante de
outros edifícios, que na maioria dos casos se encontravam fora da cidade. A
explicação está na sua paixão pela natureza, nos seus princípios étnicos e filo-
sóficos. Muitos dos seus projectos urbanos nunca chegaram a ser construídos o
que o fez chegar a uma conclusão: “O português para quem eu projectei este
trabalho, não existe”.
Os espaços comerciais projectados por Raul Lino, como a loja dos chapéus
Gardénia no Chiado ou a Loja das Meias no Rossio adaptam-se ao local, ao
tipo de comércio, assim como ao tipo de clientela e os seus interesses. A obra
urbana mais importante de Raul Lino é, sem dúvida, o Teatro Tivoli, construído
em 1925 na Avenida da Liberdade, prometendo aos Lisboetas um novo meio de
paixão no jovem arquitecto: como entretenimento.
amante de Portugal e da arquitectura
portuguesa, o mentor alemão de Raul
Lino influenciou a sua carreira profissi-
onal de uma forma essencial.
Lisboa viveu no final do século XIX
um renascimento do estilo manuelino
(neo-manuelino), um estilo que se dis-
tinguia fortemente na Europa de outras
orientações estilísticas dominantes, sen-
do esta uma forma de expressão tipica-
mente portuguesa.
Raul Lino não era da opinião de que
no estilo neo-manuelino se encontra-
vam as verdadeiras raízes da arquitec-
tura portuguesa. Para ele, este estilo
era uma composição do Gótico, Mu-
déjar, Renascimento e Naturalismo. Ele
estava convicto de que as origens ar-
quitectónicas do país se encontravam
no Período Romano. Lino encontrou nes-
ta arquitectura portuguesa originária
aquilo de que sentia falta na arquitec- O estilo do Teatro Tivoli apresenta influências francesas e tem pouco a ver com
tura individualista do Liberalismo: o a ideia da Casa Portuguesa. Por isso não foi a obra preferida do arquitecto, mas
bom gosto, o bom senso e a lealdade foi projectada com grande amor pelo detalhe e ocupou Raul Lino durante vários
na construção das casas. anos.
A campanha para a Casa Portugue- Os únicos apartamentos urbanos que ainda existem são a casa de António-
sa ambicionava reconstituir a harmo- Sérgio e a própria residência de Raul Lino, em Lisboa. Estas casas caracterizam-
se por um design bastante funcional que se contrapõe às casas no Estoril e Sintra,
com um design que cria um espaço menos formal.
“O caiar das casas é de boa tradição
no nosso país e bem merece ser man- CASAS DE CAMPO
tido pelo que tem de praticamente O primeiro projecto de Raul Lino foi construído em 1901, na região do Monte
vantajoso e pelas possibilidades ar- Estoril. Aí nasceu um núcleo de habitações: quatro casas só separadas por
tísticas que oferece. Abençoado o uso jardins, as casas de Monsalvat, Schalk, Batalha Reis e Vila Tânger. Nesta última
da cal que com a sua variegada pale- casa notam-se influências de Marrocos.
ta salpica a nossa paisagem de ale- A casa Monsalvat é um dos primeiros exemplos da preocupação de Raul Lino
gria, ora exuberante com as ocas e com a problemática da Casa Portuguesa. Por fora a casa está adaptada às cores
os vermelhos, ora cheia de delicade- do terreno. No interior, Raul Lino completou o efeito de uma casa de campo
za onde o acaso ou o instinto dos al- tipicamente portuguesa com decorações de azulejos por ele criados. A arquitec-
venéis justapõe as mais finas cambi- tura de interiores tem uma orientação funcional. O arquitecto sabia do estilo de
antes dos amarelos claros e dos ro-
sas numa tonalidade que lembra o vida do proprietário Alexandre Rey Colaço, pianista e amigo de Raul Lino. A casa
aspecto apetitoso dos alperces madu- deveria conjugar a vida familiar com a vida intelectual, sem criar duas esferas
ros”. separadas. Raul Lino conseguiu um ambiente onde estes dois mundos coexistem
de uma maneira natural.
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