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Rodrigo Peixoto Campos1, Domingos Candiota Chula1, Miguel Carlos Riella2 e Marcelo Mazza do
Nascimento3
1Setor de Nefrologia Intensiva e Intervencionista do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba; 2Faculdade
Evangélica do Paraná e Pontifícia Universidade Católica do Paraná; 3Faculdade Evangélica do Paraná e Programa
de Pós-Graduação em Princípios da Cirurgia da Faculdade Evangélica do Paraná.
Trabalho realizado com auxílio da Fundação Pró-Renal e baseado em dissertação de mestrado de 2006.
RESUMO
Introdução: A detecção precoce de disfunção nas fístulas arteriovenosas (FAVs) para hemodiálise (HD) auxilia na otimização da patência do acesso vascular.
Segundo as diretrizes de acesso vascular da National Kidney Foundation, diversos métodos podem ser usados na detecção precoce de estenose, apesar de ainda
não haver evidência estabelecida para todos os métodos em FAVs. Objetivo: Avaliar a acurácia do Exame Físico (EF) no diagnóstico de estenose das FAVs em
comparação ao diagnóstico estabelecido pelo Ultra-som Doppler (UD). Material e Método: O estudo foi realizado em uma única unidade de HD. Um total de 84
pacientes participou do estudo (54% homens, idade média de 50,7 ± 12,7 anos, 24,9 ± 7,8 meses de idade das FAVs, 52% Radiocefálicas). A suspeita diagnóstica
de estenose foi considerada como positiva quando no EF, à palpação, foi detectado: 1- frêmito de baixa intensidade na anastomose; 2- ou quando o frêmito
apresentou apenas o componente sistólico (não-contínuo); 3- ou quando foi observado surgimento de novo frêmito no segmento venoso; 4- ou quando o pulso
não foi suave e não colapsou com a elevação do braço; 5- ou quando o segmento venoso não se tornou hiperpulsátil com a oclusão manual do pulso. O EF foi
realizado por um único médico nefrologista. O UD e o diagnóstico de estenose foram realizados por um único radiologista. A medida do Volume do Fluxo Sanguíneo
(VFS) foi a primeira etapa do exame (UD), sendo mensurada em um ponto da veia que apresentava fluxo laminar. O diagnóstico de estenose foi considerado
presente quando havia uma redução do lúmen maior que 50% e quando o valor do pico de velocidade sistólica na área da estenose duplicava em relação ao pico
de velocidade sistólica da área adjacente normal. Foram calculadas sensibilidade (S), especificidade (E), valor preditivo positivo (VPP), valor preditivo negativo
(VPN) e acurácia para o EF. Resultados: Pelo UD, 50 (59%) FAVs foram consideradas positivas para a presença de estenose. O VFS médio para as FAVs com
diagnóstico normal foi de 1684 ± 641ml/min e para as FAVs com diagnóstico de estenose foi de 509 ± 151ml/min (p<0,0001). Foram consideradas positivas 56
(66%) FAVs pelo EF. A S, E, VPP e VPN para o EF foram respectivamente de 96%, 76%, 86% e 93%. A acurácia encontrada para o EF foi de 88%. Conclusão:
O EF mostrou ser um método acurado na suspeita diagnóstica de estenose e deve fazer parte de todo protocolo de detecção de estenose nas FAVs.
ABSTRACT
Introduction: early detection of arteriovenous fistula (AVF) dysfunction aids in optimizing vascular access patency in hemodialysis (HD) patients. Although there is
no established evidence for all methods of surveillance in AVFs, the Vascular Access Guidelines of National Kidney Foundation recommends these methods for
the detection of stenosis in AVFs. Objective: To evaluate the accuracy of Physical Examination (PE) in the diagnosis of stenosis in AVFs compared to the diagnosis
established by Doppler Ultrasound (DU). Materials and Methods: The study was performed in one HD unit. A total of 84 patients (54% male, 50.7 ± 12.7 years
old, 24.9 ± 7.8 months of AVFs age, 52% Radiocephalics) were allocated. The diagnosis of stenosis was considered to be positive when in PE evaluation was
observed: 1- a low intensity thrill at the anastomosis; 2- a thrill with only systolic component; 3- the presence of a new thrill in the venous segment; 4- a non-soft
pulse which did not collapse with arm elevation; or 5- a pulse which did not present hyper-pulsation with total occlusion of venous segment. The PE was performed
by a single nephrologist and the DU exam by a radiologist. The measurement of blood flow volume (BFV) was the first stage of DU evaluation and was carried out
in a location with laminar flow in the venous segment. The diagnosis of stenosis was positive by DU if a reduction in internal vessel diameter was higher than 50%
and an increased systolic peak velocity was greater than 100% in the location of stenosis compared with the normal adjacent area. The sensitivity (S), specificity
(E), positive predictive value (PPV), negative predictive value (NPV) and accuracy were calculated for PE. Results: The diagnosis of stenosis was made in 50
(59%) AVFs by DU. The mean BFV was 1684 ± 641ml/min for normal AVFs and 509 ± 151ml/min for AVFs with stenosis (p<0.0001). The suspected diagnosis
was positive in 56 (66%) AVFs by PE. The S, E, PPV, and NPV for PE were, respectively, 96%, 76%, 86% and 93%. The accuracy found for PE was 88%.
Conclusion: The PE achieved a great accuracy in detecting AVFs with suspicion of stenosis. The PE should be part of every AVFs surveillance protocol.
hipertensiva em 30 (36%), glomerulonefrite em 15 (18%), doença A primeira etapa do exame consistia na medida do
renal policística em seis (7%), uropatia obstrutiva em cinco (6%), volume de fluxo sanguíneo da FAV, detalhada a seguir. A
pielonefrite crônica em dois (2%) e outras causas não identifi- segunda etapa era a avaliação da fístula quanto à procura de
cadas em seis pacientes (7%). Em relação ao tipo das fístulas estenose significativa. Todos os componentes da fístula eram
arteriovenosas, 44 (52%) eram Radiocefálicas, 27 (33%) avaliados: a porção arterial, no caso a artéria braquial para
Braquiocefálicas e 13 (15%) Braquiobasílicas (tabela 1). fístulas Braquiocefálicas e Braquiobasílicas e artéria radial para
Radiocefálicas; a anastomose e todo o trajeto venoso, incluindo
Exame físico as veias axilares, braquiais e subclávias. O exame foi
considerado positivo para estenose arterial, da anastomose ou
O exame físico foi realizado antes da sessão de HD por venosa significativa se, em algum local desses componentes,
um único médico nefrologista (RPC). Todos os dados referentes fosse encontrado uma redução do diâmetro interno do vaso
à identificação, características clínicas da FAV e dos achados no maior que 50% em relação ao diâmetro da porção
exame físico foram registrados no prontuário de HD do imediatamente anterior e com uma velocidade de pico sistólico
paciente. O EF foi dividido em três etapas e nelas foram (cm/s) que duplicava em relação ao valor da área normal
avaliadas o pulso e o frêmito, seguindo o que foi idealizado por adjacente22,23. Quando essa redução não foi maior que 50% ou
Beathard19-21. Para o EF ser considerado positivo para a suspei- não atingiu uma velocidade de pico sistólico aumentada, o
ta diagnóstica de estenose, foi necessário o achado de apenas um exame não foi considerado positivo para a presença de estenose
dos sinais sugestivos de estenose, independente da etapa reali- significativa em algum dos componentes da FAV.
zada (tabela 2). A presença de edema e circulação colateral no Foram calculados o Kt/V, como medida de adequação
tronco ou dorso indicava o diagnóstico de estenose. da sessão de hemodiálise pela fórmula de Daugirdas24, de todos
os pacientes na mesma semana da realização do ultra-som
Doppler, na tentativa de correlacionar baixa adequação dialítica
Realização do ultra-som doppler
com a presença de estenose na FAV.
O UD foi realizado em um tempo máximo de 15 dias após
a realização do EF. Se o UD não fosse realizado nesse tempo, o EF Medida do Volume de Fluxo Sanguíneo
era repetido. Todos os exames foram realizados por um único
examinador em clínica privada, já com experiência nessa área. O A medida do fluxo sanguíneo foi a primeira etapa da
equipamento utilizado foi o Megas GPX (ESAOTE S.p.A., realização do UD e foi feita com o mesmo transdutor usado no
Gênova, Itália), com transdutores de 5 a 10MHz. Todos os exames restante do exame para avaliação da FAV. O local da veia
foram gravados para avaliação posterior. O examinador recebia utilizado para se fazer o cálculo do fluxo sanguíneo situava-se
apenas a informação do tipo da FAV, se Radiocefálica, em algum ponto que apresentasse fluxo laminar. Geralmente se
Braquiocefálica ou Braquiobasílica, não tendo acesso ao resultado escolhia um ponto entre os locais de punção. Se, porventura, no
do EF. O exame era realizado com o paciente deitado e com o braço ponto escolhido fosse encontrada uma estenose, determinava-se
da FAV em repouso confortavelmente no leito. outro ponto para a medida do fluxo. Para avaliação do fluxo, o
diâmetro da veia era determinado por ultra-sonografia (modo-B)
em um plano transverso de uma margem interna à outra, para,
Tabela 1. Características clínicas dos pacientes
assim, determinar a área de secção transversa, sendo esta última
Pacientes n. 84
Sexo masculino n. (%) 45 (53,5%)
Idade média (anos) a 50,7 ± 12,7
Tempo de HD (meses) b 22,7 (0,9-177,3) Tabela 2. Achados no exame físico que sugeriram o diagnóstico
de estenose na FAV.
Idade da FAV (meses) b 21,1(1,7-151,2)
Etiologia da insuficiência Etapas Sinais Clínicos que determinaram
renal crônica n. (%) a suspeita diagnóstica de
Nefropatia diabética 20 (24%) estenose na FAV
Nefroesclerose hipertensiva 30 (36%)
Avaliação da anastomose - Frêmito reduzido na anastomose
Glomerulonefrites 15 (18%) - Frêmito apenas com componente
Doença renal policística 6 (7%) sistólico
Uropatia obstrutiva 5 (6%) - Pulso resistente e de difícil
Pielonefrite crônica 2 (2%) compressão
Causas não identificadas 6 (7%) Avaliação do segmento - Presença de novo frêmito
Tipo de FAV n. (%) venoso - Pulso resistente e de difícil
compressão
Radiocefálicas 44 (52%)
- Ausência de colapso de alguma
Braquiocefálicas 27 (33%) porção do segmento venoso
Braquiobasílicas 13 (15%) com elevação do braço
a Valores expressos em media ± desvio padrão; b Valores Avaliação do aumento - Ausência de aumento da
expressos em mediana e intervalo. de pulso intensidade do pulso
J Bras Nefrol Volume 29 - nº 2 - Junho de 2007 67
calculada automaticamente pelo software do equipamento. Na O valor médio do volume de fluxo sanguíneo entre
mesma localização, era mensurada a velocidade média de fluxo os pacientes com diagnóstico positivo para estenose pelo
pelo Doppler em um ângulo de 60 graus ao longo do eixo da veia. ultra-som Doppler (509 ± 151ml/min) foi significativa-
O fluxo da FAV, em ml/min, era determinado automaticamente mente menor em relação àqueles com diagnóstico nega-
pelo software do equipamento, usando a fórmula: velocidade
tivo (1.684 ± 541ml/min) (p<0,0001). Quando analisamos
média de fluxo (cm . s-1). área de secção transversa (cm2). 6025.
as FAVs de acordo com sua localização, observamos que
as proximais (Braquiocefálicas e Braquiobasílicas) sem
Análise estatística
estenose apresentaram um volume de fluxo sanguíneo
significativamente mais elevado (2.035 ± 508 ml/min) em
Para o EF, foram determinadas a acurácia, sensibilidade,
especificidade, assim como o valor preditivo positivo e negativo relação às proximais com estenose (606 ± 118 ml/min)
em relação ao diagnóstico determinado pelo UD. Os dados estão (p<0,01). As FAVs distais (Radiocefálicas) sem estenose
apresentados como média ± desvio padrão (DP), mediana e também apresentaram um volume de fluxo sanguíneo signi-
intervalos, taxas percentuais, obedecendo a um intervalo de ficativamente mais elevado (1.467 ± 358 ml/min) que as
confiança de 95%. Foi utilizado o teste-t de Student para distais com estenose (412 ± 87 ml/min) (p<0,01) (gráfico 2).
comparação entre as variáveis de distribuição normal, enquanto Ao se compararem os pacientes com diagnóstico
que, para as variáveis com distribuição anormal, foi utilizado o positivo e negativo de estenose na FAV pelo Ultra-som
teste-U de Mann-Whitney. A análise de variáveis categóricas foi Doppler, constatou-se que a única variável que apresen-
realizada através da análise de tabelas de contigência (Qui- tou diferença estatística entre os dois grupos foi o valor do
quadrado). Um valor de p menor que 0,05 foi considerado sig-
Kt/V. Os pacientes com diagnóstico positivo de estenose
nificativo. A análise estatística foi realizada utilizando o
apresentaram um Kt/V médio de 1,15 ± 0,20 contra 1,33
software NCSS 2001 e PASS 2002 (Hintze J. NCSS & PASS
statistical system, Kaysville, EUA). ± 0,16 daqueles com diagnóstico negativo (p<0,0001).
A avaliação da FAV pelo EF obteve acurácia de
88% (intervalo de confiança de 95%, 80% a 93%). Sua
RESULTADOS sensibilidade e especificidade foram respectivamente de
96% (intervalo de confiança de 95%, 88% a 99%) e 76%
No EF, foram identificados 56 (66%) pacientes (intervalo da confiança de 95%, 60% a 87%). Os
como caso suspeito de estenose na FAV. O gráfico 1 resultados de acurácia, sensibilidade, especificidade, va-
mostra a distribuição dos pacientes suspeitos de estenose lor preditivo positivo e valor preditivo negativo para o EF
para cada achado do exame físico. O UD evidenciou a são apresentados na tabela 4.
presença de estenose significativa em 50 pacientes, deter-
minando, assim, uma prevalência de 59,5%. Entre todas
as FAVs, duas apresentaram estenose arterial (artéria 3000
2500
noses encontradas foram no segmento venoso, incluindo
três na veia Subclávia. As características dos pacientes de 2000
500
68% 68%
0
Frêmito alterado na
anastomose
se
se
se
se
no
no
no
no
te
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50%
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Aparecimento de novo
te
es
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m
frêmio
m
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al
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Pulso resistente
al
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st
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ox
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di
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32%
pr
pr
V
FA
V
FA
V
FA
FA
Tabela 3. Características clínicas dos pacientes e das FAVs de acordo com o resultado do
Ultra-som Doppler.
Variáveis Sem estenose Com estenose Valor de p*
(n.=34) (n.=50)
Sexo masculino n.(%) 18 (52,9%) 27 (54,0%) NS
Idade (anos) a 48,6 ± 9,5 52,2 ± 8,7 NS
Diabetes Mellitus n.(%) 7 (20,6%) 13 (26,0%) NS
Idade da FAV (meses) b 18,9 (1,7 - 151,2) 21,5 (3,4 - 149,7) NS
Tempo de HD (meses) b 21,7 (2,7 - 177,3) 24,2 (0,8 - 175,2) NS
Kt/V a 1,33 ± 0,16 1,15 ± 0,20 <0,0001
Tipo de FAV n.(%)
Radiocefálica 18 (52,9%) 26 (52,0%) NS
Braquiocefálica 11 (32,4%) 16 (32,0%) NS
Braquiobasílica 05 (14,7%) 08 (16,0%) NS
O valor de p menor que 0,05 foi considerado significativo. NS= não significativo; n.= número de pacientes.
a Valores expressos em média ± desvio padrão; b Valores expressos em mediana e intervalo.
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