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em Psicanálise e os desafios
da Contemporaneidade
2018
Julguei necessário formar uma associação oficial porque temia os abusos a que a psicanálise
estaria sujeita logo que se tornasse popular. Deveria haver alguma sede cuja função seria
declarar: “Todas essas tolices nada têm que ver com a análise; isto não é psicanálise”. Nas sessões
dos grupos locais (...) seria ensinada a prática da psicanálise e seriam preparados médicos, cujas
atividades recebiam assim uma espécie de garantia. Além disso, visto que a ciência oficial lançara
um anátema solene contra a psicanálise e tinha declarado um boicote contra médicos e
instituições que a praticassem, achei que seria conveniente os partidários da psicanálise se
reunirem para uma troca de ideias amistosa, e para apoio mútuo.
FREUD, Sigmund
História do movimento psicanalítico, 1914, p.56-57
Em defesa da psicanálise
(das restrições)
1926 – Acusação de Theodor Reik de charlatanismo: a Análise Leiga
Talvez venha a acontecer que nesse caso os pacientes não sejam como
outros, que os leigos não sejam realmente leigos, e que os médicos não
tenham exatamente as mesmas qualidades que se teria o direito de
esperar deles e nos quais suas alegações devem basear-se. Se isto puder
ser provado, haverá fundamentos justificáveis para exigir que a lei não
seja aplicada sem modificação ao caso perante nós.
FREUD, Sigmund
A questão da análise leiga, 1926, p.180
Do que trata a Psicanálise?
O Sintoma para a Psicanálise
Imagine agora o que acontecerá se esse ego impotente experimentar uma exigência
instintual do id ao qual ele gostaria de opor resistência (...), mas que ele não pode
controlar, porque ainda não possui bastante força para fazê-lo. Em tal caso o ego trata
do perigo instintual como se ele fosse externo; faz uma tentativa de fuga, afasta-se
dessa parte do id e o deixa entregue ao seu destino, depois de retirar dele todas as
contribuições que em geral presta aos impulsos instintuais. O ego, como costumamos
dizer, institui uma repressão desses impulsos instintuais. Por enquanto isto tem o efeito
de desviar o perigo, mas não se pode confundir o interno e o externo impunemente. Não
se pode fugir de si mesmo. Na repressão o ego está acompanhando o princípio de
prazer, que em geral ele tem o hábito de corrigir, estando destinado a sofrer dano como
vingança. Isto está no fato de o ego haver permanentemente estreitado sua esfera de
influência. O impulso instintual reprimido agora está isolado, abandonado a si mesmo,
inacessível, mas também não influenciável. Ele segue seu próprio caminho. Mesmo
depois, em geral, quando o ego se tornou mais forte, ainda não pode suspender a
repressão; sua síntese fica prejudicada, uma parte do id permanece terreno proibido ao
ego. Nem o impulso instintual isolado permanece ocioso; ele compreende como ser
compensado por lhe ser negada satisfação normal; produz derivados psíquicos que lhe
tomam o lugar; vincula-se a outros processos que por influência dele também arranca
do ego; e finalmente irrompe no ego e na consciência sob a forma de um substituto
irreconhecivelmente distorcido, criando o que denominamos de um sintoma.
FREUD, Sigmund
A questão da análise leiga, 1926, 197
Quais objetivos da Psicanálise?
A finalidade do trabalho psicanalítico
É fácil agora descrever nossa finalidade terapêutica. Tentamos restaurar o ego, livrá-lo
de suas restrições, e dar-lhe de volta o domínio sobre o ego que ele perdeu devido às
suas primeiras repressões. É para esse único fim que efetuamos a análise, toda nossa
técnica está dirigida para essa finalidade. Temos de procurar as repressões que foram
estabelecidas e instigar o ego a corrigi-las com nossa ajuda e a lidar com os conflitos
melhor do que mediante uma tentativa de fuga. Visto que essas repressões pertencem
bem aos primeiros anos da infância, o trabalho de análise nos leva também de volta
àquele período. Nosso caminho a essas situações de conflito, que na maior parte foram
esquecidas e que tentamos reviver na lembrança do paciente, nos é mostrado pelos
seus sintomas, sonhos e associações livres.
FREUD, Sigmund
A questão da análise leiga, 1926, 199
Não procuramos levar-lhe alívio recebendo-o na comunidade católica, protestante ou
socialista. Antes procuramos enriquecê-lo a partir de suas própria fontes internas,
colocando à disposição do seu ego aquelas energias que, devido à repressão, se
acham inacessivelmente confinadas em seu inconsciente, bem como aquelas que seu
ego é obrigado a desperdiçar na tarefa infrutífera de manter essas repressões.
FREUD, Sigmund
A questão da análise leiga, 1926, 246
A prática da Psicanálise
O trabalho com as Resistências
O paciente deseja ser curado - mas ele também deseja não ser. Seu ego
perdeu sua unidade, e por esse motivo sua vontade também não tem
qualquer unidade. Se isto não fosse assim, ele não seria nenhum neurótico.
FREUD, Sigmund
A questão da análise leiga, 1926, 214
Tipos de Resistências
FREUD, Sigmund
A questão da análise leiga, 1926, p.183
As ferramentas da Psicanálise
O trabalho com a “influência pessoal” (a Transferência)
Uma influência existe e desempenha relevante papel na análise - mas não o mesmo
papel que no hipnotismo. (...) Talvez seja bastante ressaltar que não devemos utilizar
essa influência pessoal, o fator de ‘sugestão’, para suprimir os sintomas da doença,
como ocorre com a sugestão hipnótica. Ademais, seria um erro crer que esse fator é o
veículo e promotor do tratamento em toda sua extensão. No seu início, sem dúvida.
Mas depois ele se opõe às nossas intenções analíticas e nos força a adotar as
contramedidas mais exageradas.
FREUD, Sigmund
A questão da análise leiga, 1926, 185
Essa influência pessoal é a nossa ama dinâmica mais poderosa. É o novo elemento que
introduzimos na situação e por meio do qual a tornamos fluida. O teor intelectual de
nossas explicações não pode fazê-lo, pois o paciente, que partilha de todos os
preconceitos do mundo que o cerca, precisa acreditar em nós tão pouco quanto o fazem
os nossos críticos científicos. O neurótico põe-se a trabalhar porque tem fé no analista e
neste crê porque adquire uma atitude emocional especial para com a figura do analista.
(...) Já lhe disse que uso fazemos dessa influência ‘sugestiva’ particularmente grande.
Não para suprimir os sintomas - isso distingue o método analítico de outros processos
psicoterapêuticos -, mas como uma força motora a fim de induzir o paciente a superar
suas resistências.
FREUD, Sigmund
A questão da análise leiga, 1926, 217
Psicoterapia e Psicanálise
MILLER, J. A.
Psicoterapia E
Psicoterapia e Psicanálise, 1997, 15
A formação do analista
...exigimos que todo aquele que quiser praticar a análise em outras pessoas se submeta ele
próprio a uma análise. É somente no curso dessa ‘auto-análise’ (como é confusamente
denominada), quando eles realmente têm a experiência de que sua própria pessoa é afetada - ou
antes, sua própria mente - pelos processos afirmados pela análise, que adquirem as convicções
pelas quais são ulteriormente orientados como analistas.
FREUD, Sigmund
A questão da análise leiga, 1926, 194
E aqui, antes de tudo, somos levados à obrigação do analista de tornar-se capaz, por uma
profunda análise dele próprio, da recepção sem preconceitos do material analítico. (...) Esse fator
individual sempre desempenhará um papel mais significativo na psicanálise do que alhures. Uma
pessoa anormal pode tornar-se um médico cuidadoso; como analista ele será prejudicado pela
sua própria anormalidade de ver os quadros da vida mental não distorcidos.
FREUD, Sigmund
A questão da análise leiga, 1926, 212
A análise, à qual todos os candidatos num instituto de formação analítica têm de submeter-se, é
ao mesmo tempo o melhor meio de formar um opinião sobre sua aptidão pessoal para o
desempenho de sua exigente profissão.
FREUD, Sigmund
A questão da análise leiga, 1926, 235
A formação do analista
Supervisão
Se - o que pode parecer fantástico hoje em dia - alguém tivesse de fundar uma faculdade de
psicanálise, nesta teria de ser ensinado muito do que já é lecionado pela escola de medicina:
juntamente com a psicologia profunda, que continua sempre como a principal disciplina,
haveria uma introdução à biologia, o máximo possível de ciência da vida sexual e
familiarização com a sintomatologia da psiquiatria. Por outro lado, a instrução analítica
abrangeria ramos de conhecimento distantes da medicina e que o médico não encontra em
sua clínica: a história da civilização, a mitologia, a psicologia da religião e a ciência da
literatura. A menos que esteja bem familiarizado nessas matérias, um analista nada pode
fazer de uma grande massa de seu material.
FREUD, Sigmund
A questão da análise leiga, 1926, 236
Um esquema de formação para analistas ainda tem de ser criado. Deve ele abranger
elementos das ciências mentais, da psicologia, da história e do estudo da evolução. Há tanto
a ser ensinado em tudo isso que é justificável omitir do currículo qualquer coisa que não
tenha relação direta alguma com a prática da análise e somente sirva indiretamente (como
qualquer outro estudo) de formação para o intelecto e para os poderes de observação.
FREUD, Sigmund
A questão da análise leiga, 1926, 242
De quem o analista se autoriza?
Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola
Antes de mais nada, um princípio: o psicanalista só se autoriza de si mesmo.
Esse princípio está inscrito nos textos originais da Escola e decide sua posição.
Isso não impede que a Escola garanta que um analista depende de sua
formação. Ela pode fazê-lo, por sua própria iniciativa.
LACAN, J.
Outros escritos, 2003, p.248
Podría decirse así: "el ser sexuado no se autoriza más que por sí mismo". En el
sentido de que puede elegir quiero decir que aquello a lo cual uno se limita,
para clasificarlo varón o mujer en el estado civil, no impide que el puede elegir.
Esto, por cierto todo el mundo lo sabe. El ser sexuado no se autoriza más que
por sí mismo; pero yo egregaría "y por algunos otros“ (…) Mientras tanto, ¿no
habría podido ocurrírsenos en la Escuela que es eso lo que equilibra mi decir de
que el analista no se autoriza más que por sí mismo? Esto no quiere decir que
él esté sólo para decidirlo como acabo de hacerles observar en lo que se refiere
al ser sexuado.
LACAN, J.
Les non-dupes errent., 9 de Abril de 1974
Os deveres do psicanalista
Deveres do Psicanalista segundo Jacques Alain-Miller
Primeiro dever do psicanalista: ser um psicanalista (...) Isso só pode ser efeito de uma
psicanálise, e uma psicanálise é confidencial (...) Disso que é a psicanálise como prática
resulta que a garantia de que um analista é analista só pode ser validamente dada por
uma comunidade na qual essa confidência possa ser avaliada.
Segundo dever do psicanalista: indicar ao público o que é um analista, isto é, o que ele
não sabe e o que ele pode prometer. O analista não sabe, isto é, ele não determina a
priori o que você precisa, como algo distinto de qualquer outro. O psicanalista não
determina que uma mulher deve ter filhos, não determina que um homossexual deve
necessariamente tornar-se heterossexual, não determina a questão de saber se é
melhor que o filho seja como o pai, segundo o provérbio “Tal pai, tal filho”, ou se o filho
deve opor-se ao pai, segundo o provérbio “A pai avaro, filho pródigo”. O analista não
pode prometer nem a felicidade nem a harmonia, nem a plenitude da personalidade,
posto que ele visa além do princípio do prazer. O que ele pode é prometer elucidar o
desejo do sujeito.
Terceiro dever do psicanalista: sua responsabilidade é proporcionar os efeitos analíticos
de acordo com as capacidades do sujeito de suportá-los. O que pode eventualmente
conduzir o analista a moderar os efeitos analíticos por razões terapêuticas. Não é todo
sujeito que pode ou deve fazer uma análise...
MILLER, J.A.
Psicanálise e psicoterapia., 1997, p.18
Referências Bibliográficas
FREUD, Sigmund. História do movimento psicanalítico. In ________.
Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud:
Volume XIV (originalmente publicado em 1914). Rio de Janeiro:
Imago, 1996.
FREUD, Sigmund. A questão da análise leiga. In ________. Edição
Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud:
Volume XX (originalmente publicado em 1926). Rio de Janeiro:
Imago, 1996.
OLIVEIRA, H. M. & NEVES, T.I. Considerações sobre a formação do
analista: ética, saber e transmissão. In: Revista Cadernos de
Psicanálise, Rio de Janeiro: CPRJ, v. 35, n. 28, pp.91-110, jan./jun.
2013.
FREUD, Sigmund. Sobre a psicoterapia. In ________. Edição Standard
das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud: Volume VII
(originalmente publicado em 1905). Rio de Janeiro: Imago, 1996.
MILLER, J. A. Psicanálise e psicoterapia. In: ______. Psicanálise ou
psicoterapia? Campinas: Papirus, 1997. p. 9-19.
Saber x Conhecimento
Saber pré-digerido
saber nem sempre é a mesma coisa que saber: existem diferentes formas de saber,
que estão longe de serem psicologicamente equivalentes.
FREUD, S.
Fixação em traumas, 1915-16, p.288
Não se trata de um saber, mas de um conhecimento, principalmente se nos
reportamos a outro texto lacaniano (1960/1998) que definirá o instinto, estejamos
ou não sob a ótica da biologia, como um conhecimento que não pode ser um saber.
O inconsciente não é composto de um conhecimento sem saber, de um instinto,
mas, pelo contrário, de um saber do qual o sujeito não tem o menor conhecimento
(o que estaria mais próximo do conceito freudiano de pulsão). É por essas vias que,
à psicanálise, não interessa o conhecimento, o “acúmulo de informação”, mas um
saber.
LACAN, J.
1, 1960, p.6