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Teoria do reconhecimento e Hegel

Aspectos introdutórios
 “A teoria do reconhecimento (...) oferece uma matriz interpretativa
atenta à dimensão moral dos conflitos sociais e capaz de perceber a
complexidade de tais conflitos, em suas dimensões materiais,
simbólicas e legais. A noção de reconhecimento traz a
intersubjetividade para o cerne da justiça e destaca o caráter relacional
e agonístico da construção da sociedade. No entanto, alguns autores
operam com a palavra reconhecimento de modo distinto, como se ela
fosse um novo nome para lutas simbólicas ou um novo jeito de falar de
lutas pela valorização de identidades. Seja para defender uma noção
alternativa de reconhecimento – como o fazem Nancy Fraser e Anna
Galleotti – ou para criticá-la – como o faz Patchen Markell –, o que se vê
é uma descaracterização das idéias que Taylor e Honneth buscam em
Hegel para renovar a teoria crítica. O reconhecimento é visto
simplesmente como a luta de grupos minoritários para alterar sentidos
partilhados ou valorizar especificidades culturais.” (MENDONÇA.
Ricardo Fabrino. Dimensão intersubjetiva da auto-realização: em
defesa da teoria do reconhecimento. Rev. bras. Ci. Soc. vol.24
no.70 São Paulo June 2009, http://dx.doi.org/10.1590/S0102-
69092009000200009)
Aspectos introdutórios
 A emergência da ideia de reconhecimento na teoria política contemporânea está ligada
aos estudos sobre multiculturalismo. Foi marcante, nesse sentido, a palestra proferida
por Charles Taylor na inauguração do Princeton University's Center for Human Values,
em 1990, na qual ele mostrou a riqueza da idéia de reconhecimento intersubjetivo para
lidar com os dilemas entre igualdade e diferença. Pouco depois, em 1992, Axel Honneth
publica Kampf um Anerkennung (Luta por reconhecimento), obra em que busca atualizar
alguns insights hegelianos por meio da psicologia social de Mead.
 Desde então, a filosofia política tem sido palco de um frutífero debate. A palestra de
Taylor foi publicada em um livro editado por Amy Gutmann e analisada por autores de
peso como Habermas, Walzer e Appiah. Em 1995, Nancy Fraser se insere no debate,
confrontando a idéia de reconhecimento com a de redistribuição. A mesma autora
desenvolve esses insights iniciais em um coerente quadro filosófico que vai se delineado
em finais da década de 1990. Também importante nessa trajetória foi um colóquio
realizado em Londres em 1999, que contou com a participação de Scott Lash, Mike
Featherstone, Zygmunt Bauman, Stuart Hall e Boaventura Santos, além de Honneth e
Fraser.2 Os anos 2000 assistem não só ao aprofundamento do debate entre Fraser e
Honneth, mas às significativas contribuições de James Tully (2000, 2004), Anna Galeotti
(2002) e Patchen Markell (2000, 2003, 2006). Também trazem novo fôlego as idéias de
Zurn (2003, 2005), Kompridis (2007), Seglow (2009), Forst (2007), Caillé (2008) e
Feldman (2002). No Brasil, além de aplicações e leituras do conceito, é importante
mencionar o rico trabalho de Jessé Souza (2006, 2003) que investiga a Invisibilidade da
desigualdade brasileira e a Construção social da subcidadania.” (Idem).
Aspectos introdutórios
 “Como já mencionado, o precursor da teoria do reconhecimento é o filósofo Charles Taylor
(1994) que revisita a obra de Hegel para propor uma renovada teoria da justiça. Taylor (1997,
1994) está essencialmente preocupado com os processos de construção do self, defendendo que
os indivíduos dependem do reconhecimento intersubjetivo para se autorrealizarem. Em uma
arqueologia filosófica, o autor demonstra como o mundo ocidental construiu uma "noção
multifacetada de self" (Taylor, 1997, p. 273). Noção essa que é atravessada por categorias como a
racionalidade, a autonomia, a interioridade e a autenticidade, que foram construídas filosófica
e praticamente ao longo de séculos. Caras aos indivíduos ocidentais, essas categorias teriam
possibilitado tanto a universalização da noção de dignidade, como o surgimento da ideia de que
os indivíduos precisam ser verdadeiros consigo próprios. A ideia é a de que todos merecem
respeito, mas cada um tem uma identidade singular que ganha sua forma moral em associação
com o ideal de autenticidade (Thompson, 2006, p. 23).Segundo Taylor (1994), o
reconhecimento envolve, portanto, um misto de políticas universais e políticas da diferença.
Para alcançar a possibilidade de autorrealização, as pessoas lutam, simultaneamente, por
dignidade e para que suas particularidades sejam reconhecidas. Fazem-no em esferas íntimas e
públicas de interação social. Taylor sugere que, nessas lutas, a diferença profunda deve ser
submetida a comparações de modo a promover fusões de horizontes, no sentido gadameriano
do conceito. Isso depende da interação permanente com o outro. Tal como Taylor, Axel
Honneth (2001a, 2003a, b e c) também embasa sua proposta na filosofia de Hegel, recorrendo,
especificamente, aos seus escritos no período de Jena. Seu modelo teórico assinala a gramática
moral que rege os conflitos sociais, buscando ultrapassar a ideia de que tais lutas são
simplesmente governadas pela razão instrumental e pelo desejo de autoconservação. Para
Honneth, é por meio do reconhecimento intersubjetivo que os sujeitos podem garantir a plena
realização de suas capacidades e uma autorrelação íntegra, uma vez que as identidades são
construídas relacionalmente.” (Idem)
Aspectos introdutórios
 “No mês de março de 2009, Axel Honneth participou como conferencista no Centro de
Cultura Contemporânea de Barcelona. Em fevereiro do mesmo ano já havia gravado
entrevista com Daniel Gamper Sachse, professor do Departamento de Filosofia da
Universidade Autônoma de Barcelona (UAB). Os dois eventos resultaram na publicação
de Reconocimiento y Menosprecio: sobre la fundamentación normativa de una teoria
social, em 2010. O livro divide-se em duas partes. Na primeira, Honneth destaca o que ele
chama de evolução da filosofia política a partir de mudanças sutis e graduais nas
orientações teóricas normativas. Até o fim da década de 1980, havia uma hegemonia do
marxismo na Europa e uma ampla repercussão das ideias de John Rawls, nos Estados
Unidos. Em que pese diferenças entre esses pensadores, existia uma sintonia acerca da
necessidade de eliminar as desigualdades sociais e econômicas, mas que, segundo
Honneth, não com argumentos razoáveis. Porém, mais recentemente, outra ideia de
justiça social começa a emergir no campo político-filosófico cujo foco não se radicaliza na
eliminação rasa da desigualdade, mas na prevenção da humilhação e do menosprezo. No
bojo dessa perspectiva, as categorias centrais já não são a distribuição equitativa ou a
igualdade de bens, senão a dignidade e o respeito humano (HONNETH, 2009, p.19). Dito
de outro modo, Honneth deixa claro já ao início da conferência que o reconhecimento da
dignidade das pessoas e dos grupos constitui o elemento central do que ele compreende
Aspectos introdutórios
 por justiça social e que é essa tese, em última análise, a que ele defende. Adiante, Honneth discorre
sobre os vários teóricos, além de Hegel e Mead, que contribuíram no desenvolvimento da categoria
“reconhecimento”, revisitando desde a ética antiga, até Maquiavel, Hobbes, Rousseau, Fichte, Kant,
Marx, chegando até Habermas. Faz também algumas observações sobre Charles Taylor e Nancy
Fraser, seus contundentes interlocutores, na atualidade. A segunda parte do livro apresenta a
entrevista que Daniel Gamper realizou com Honneth. Nesse espaço, Honneth responde questões de
cunho teórico e emite posições pessoais sobre temas como multiculturalismo, políticas de identidade,
tolerância às diferenças e o seu itinerário intelectual dentro da sociologia e da filosofia. Ali, ele
também distingue o seu conceito de “reconhecimento” dos de Charles Taylor e de Nancy Fraser.
Honneth, (p.49), na contramão de seus interlocutores, já citados, defende que reconhecimento não
tem a ver com reivindicações de legitimidade da diversidade cultural, tampouco com normas de
redistribuição reduzidas exclusivamente às relações de produção – esta visão simplificada de luta por
reconhecimento não se ajusta aos meus objetivos, diz ele. Das es Paradoxien der Kapitalistischen
ModerniIchimwiri , publicado em 2010, na Alemanha, contém quatro capítulos que compilam vários
artigos, dentre esssierung. Ein Untersuchungsprogrammi”, em coautoria com Martin Hartmann e
“Das Gewebe der Gerechtigkeit. Über die Grenzen des zeitgenössischen Prozeduralismusxxiii”. Esses
dois artigos, em particular, não são inéditos. O primeiro está disponível na língua inglesa sob o título
“Paradoxes of Capitalism”.No primeiro capítulo Honneth apresenta dois artigos que versam sobre os
elementos essenciais da Filosofia prática de Hegel. De certo modo se redime do peso exagerado que
conferiu aos primeiros estudos hegelianos, em Jena, no seu livro “Luta por Reconhecimento”. No
segundo capítulo Honneth apresenta, em cinco artigos, a partir dos estudos hegelianos, uma
sistematização que contempla temas (...)
Aspectos introdutórios
 “(...) Por uma questão de atualização, cita-se também a obra mais recente do
professor Honneth, lançada na Alemanha em junho de 2011. Apresenta os
estudos e resultados de suas pesquisas empreendidas nos últimos cinco anos,
no Instituto de Pesquisa Social, em Frankfurt. Sob o título “Das Recht der
Freiheit. Grundrißeiner demokratischen Sittlichkeitvi”, o livro se compõe de
três partes. A primeira faz uma apresentação histórica sobre o direito da
liberdade. No segundo capítulo ele menciona a possibilidade da liberdade, a
liberdade jurídica e moral. No terceiro capítulo o autor discorre sobre a
realidade da liberdade – a realidade social: o nós das relações pessoais;
amizade, relações íntimas e família. Temas como mercado e moral, consumo,
mercado de trabalho, esfera pública democrática, Estado de direito
democrático e cultura política também são temas desenvolvidos nessa obra.
(FUHRMANN, Nádia. Luta por reconhecimento. Reflexões sobre a teoria
de Axel Honneth e as origens dos conflitos sociais. Barbaroi, Santa Cruz do
Sul, n. 38, jan/jun 2013, p. 79/96).
Aspectos introdutórios
Iremos, portanto, analisar apenas a obra Luta por reconhecimento de Axel Honneth,
publicada pela primeira vez no exterior em 1992 e, no Brasil, em 2003. Apenas cuidado
com a advertência anterior no sentido de que o autor revisitou a obra, com uma revisão
em especial da parte em que cuida das influências do jovem Hegel na sua teoria do
reconhecimento e aprofundamento das questões de psicologia. No entanto, pela
importância da obra (com a qual muitos teóricos brasileiros possuem diálogos em suas
obras) e para entender especificamente os dados originários da teoria, faremos análise
crítica apenas da obra “Luta por reconhecimento” nos moldes em que a teoria foi ali
exposta.
 A opção se justifica, pois a despeito das alterações na abordagem de aspectos específicos
da obra (tentativa de se revisitar os pontos de influência do jovem Hegel e uma
abordagem mais intensa a partir da psicologia social, como mencionado acima), é
importante entender o caminho percorrido pela teoria do reconhecimento partir dos
aspectos daquela obra – onde há uma sistematização importante para a compreensão de
um pensamento estratégico para a teoria do reconhecimento. Ali os aspectos desta teoria
estão expostos de forma orgânica e densa, como, a meu ver, em nem outro autor da teoria
crítica (nem mesmo Taylor, no meu entendimento), o que nos facilita a sua compreensão.
 O texto utilizado foi publicado pela Editora 34, com primeira edição em 2003 e segunda
edição em 2009. Faremos uso desta segunda.
Luta por reconhecimento: apresentação de
Marcos Nobre
 Marcos Nobre retoma no tempo a criação do instituto de Pesquisa Social, junto à Universidade
de Frankfurt (Main) por Max Horkheimer, Felix Weil e Friederich Pollok. O ano era 1924.
 Este instituto foi extremamente importante para a constituição, a partir de um referencial
teórico marxista, da conhecida “Teoria Crítica” e consolidada nos anos 1930 com a direção de
Horkheimer do Instituto (que, muitos, confundem com a chamada “Escola de Frankfurt” - o
que é debatido por Marcos Nobre como não sendo coincidentes, apesar de expressão ter
surgido apenas nos anos 50, ou seja, quando a teoria crítica já teria sofrido os influxos da
Grande Guerra mundial e contar já com outros pesquisadores, que se somaram aos iniciais.
Assim, enquanto esta expressão designaria uma atitude política político-intelectual no debate
público do pós-guerra, a expressão “Teoria Crítica” abrangeria portanto campo teórico mais
amplo do que a configura histórica conhecida como “Escola de Frankfurt”).
 Nobre defende que, enquanto pertencente à terceira geração da “Teoria Crítica”, é importante
que entendamos um pouco da trajetória desta corrente do pensamento, para se situar a obra
“Luta por reconhecimento”.
 Mencionar a obra fundamental para se compreender a evolução histórica da “Escola de
Frankfurt”. DOIS TEXTOS FUNDAMENTAIS: “A imaginação dialética – história da escola de
Frankfurt e do Instituto de Pesquisas Sociais 1923-1950” de Martin Jay e “A escola de Frankfurt –
História, desenvolvimento teórico, significação política” de Rolf Wiggershaus.
Luta por reconhecimento: apresentação de
Marcos Nobre
 Aqui é importante destacar artigo de 1937 de Horkheimer, segundo o qual a teoria crítica
não se limitaria a descrever o funcionamento da sociedade, mas pretende fazer a sua
leitura a partir de uma emancipação possível e bloqueada pelo capitalismo. De Marx,
extrai-se exatamente o comportamento crítico em relação ao conhecimento produzido na
lógica de acumulação do capital.
 No entanto, a partir da década de 1940, Hokheimer e Adorno já começam a distanciar do
diagnóstico e das soluções propostas por Marx e pelo marxismo. Movimento seguido
também por Habermas, que, como discípulo de Adorno, forma a conhecida segunda
geração da “Teoria Crítica”. Não há um total abandono por parte de Horkheimer e Adorno
de Marx, mas há uma guinada nas proposições marxianas.
 Como aparece Honneth nisto tudo? Ele foi assistente de Habermas na Escola de
Frankfurt, tendo em maio de 2001 assumido a direção do Instituto de Pesquisa Social.
Logo, se não há sentido em incluí-lo, a partir do que falamos acima na “Escola de
Frankfurt”, há sim razão em localizá-lo na “Teoria Crítica”, ou mais especificamente na
sua terceira geração.
 Voltando no tempo para recuperar as trilhas do pensamento que levou a Honneth, mais
especificamente no objeto de sua pesquisa, tem-se o seguinte.
Luta por reconhecimento: apresentação de
Marcos Nobre
 Começando por Adorno e Horkheimer, em sua obra “A dialética do esclarecimento”. O
livro busca investigar a razão e as formas sociais da racionalidade, com especial atenção
para a razão instrumental, forma estruturante e única da racionalidade no capitalismo
administrado. Aqui há uma redução das pretensões da razão com o conformismo à
dominação dominante. Não há alternativas a esta racionalidade instrumental, o que se
apresenta como um impasse inclusive para a “Teoria Crítica”, já que as próprias formas de
emancipação se encontram obstadas pela razão instrumental. Ao reconhecer esta
limitação, Adorno e Horkheimer admitem a precariedade e limites da própria crítica, que
reconhece a sua precariedade.
 Para Habermas ancorar a teoria crítica em uma condição precária implica em reduzir a
potencialidade da crítica em si e colocar em risco o projeto crítico, que tende exatamente
à emancipação. Ora, se não há possibilidade da produção de um pensamento
emancipatório, não há espaço para qualquer crítica. Para Habermas, no sentido de se
recuperar os limites da crítica, haveria que se ampliar os temas e encontrar um novo
paradigma explicativo (ou seja, o paradigma marxiano, por si só, seria insuficiente).”Para
Habermas, portanto, são as próprias formulações originais de Marx que têm de ser
abandonadas” (p. 12 da apresentação de Marcos Nobre da obra de Axel Honneth, “Luta
por reconhecimento - a gramática moral dos conflitos sociais”, 2009).
Luta por reconhecimento: apresentação de
Marcos Nobre
 Para Habermas a razão instrumental, acima mencionada, não deve ser
simplesmente demonizada, mas precisa ter um freio em seu curso. Para
tanto, formula uma teoria da racionalidade de dupla face em que a
racionalidade instrumental convive com a racionalidade
comunicativa.
 “A ação instrumental é aquela orientada para o êxito, em que o agente
calcula os melhores meios para atingir determinados fins previamente”,
sendo que aqui há dominação da natureza e a organização da produção
das condições materiais de vida, por meio do trabalho (p. 13). Veja-se
que o trabalho, central ao pensamento marxiano e relevante para o
processo de transformação da sociedade em Marx, já estaria capturado
e não poderia ser mais a fonte da emancipação social – o que levou
Adorno e Horkheimer a um estado de prostração na sua Dialética do
esclarecimento. OBSERVAÇÃO MINHA.
Luta por reconhecimento: apresentação de
Marcos Nobre
 Ao tentar fugir da prostração do trabalho na produção, Habermas sugere uma outra
racionalidade, ainda capturada, que é a do tipo comunicativo. Trata-se de uma razão
dirigida ao entendimento e não à manipulação de pessoas e objetos no mundo da
reprodução das condições materiais de vida. Esta razão comunicativa, portanto,
uma vez orientada para o entendimento permite a reprodução simbólica da
sociedade, onde há uma real possibilidade de emancipação social.
 Aqui Habermas introduz a diferença entre “sistema” e “mundo de vida” (ambas não
acolhidas quer por Honneth, quer por Charles Taylor, reconhecidamente os dois
mais importantes exponenciais da teoria do reconhecimento). Esta distinção
responde a uma exigência de racionalidade complexa, em que a racionalidade
instrumental “passa a ser limitada, de modo a não sufocar e obscurecer as estruturas
comunicativas profundas presentes nas relações sociais. Trata-se de um conceito de
sociedade em dois níveis, em que a reprodução material é obtida essencialmente por
mecanismos de coordenação da ação tipicamente instrumentais (cuja lógica
caracteriza o domínio social do ‘sistema’), e em que a reprodução simbólica depende
de mecanismos comunicativos de coordenação da ação (cuja lógica caracteriza o
‘mundo da vida’)” (p. 13 de Marcos Nobre).
Luta por reconhecimento: apresentação de
Marcos Nobre
 É interessante perceber que, se o circuito do sistema está dominado pela
razão instrumental, portanto, o trabalho já está dominado na lógica da
produção. Há, no entanto, uma possibilidade emancipatória no
entendimento do processo de reprodução cultural, nas instituições em que
o indivíduo é socializado e nos processos de aprendizado e de constituição
da personalidade. Neste “mundo da vida”, vige a racionalidade
comunicativa, que nos permitirá a emancipação. Assim, para Habermas o
“mundo da vida” é o espaço de potencial emancipatório, com as estruturas
próprias da ação comunicativa, em oposição ao colonizado (pela razão
instrumental) “sistema”.
 Já é possível de se perceber, sem qualquer esforço maior, os limites de uma
teoria que separa o sistema do mundo da vida, o trabalho capturado do
restante das manifestações da vida humana, com potencialidades para
serem libertadas. Neste caminhar, Habermas teria se utilizado de
elementos legados pelos próprios Adorno e Horkheimer, bem como do
jovem Hegel do período de Jena.
Luta por reconhecimento: apresentação de
Marcos Nobre
 Percebe-se, algo que é alertado por Marcos Nobre, como constante da teoria
crítica, nas três gerações que, a partir das ilações da geração anterior, a geração
posterior tenta descobrir as suas limitações e avançar. Para tanto, costuma até
mesmo fazer uso de caminhos que não foram escolhidos e aprofundados por
seus antecessores. Assim, se deu no processo acima de Habermas em relação a
Adorno, de quem foi aluno.
 Nesta mesma perspectiva é que deve ser entendido Axel Honneth em relação ao
seu antecessor Habermas. Senão vejamos.
 Nos seus primeiros escritos, havia mais proximidade de seus escritos com as
primeiras gerações da “Teoria Crítica”, lembrando-se que, a despeito da posição
anterior de Habermas, havia ainda entre este e as primeiras gerações algumas
proximidades: partindo do diagnóstico de que o capitalismo passou a ser
regulado pelo estado, as potencialidades das ideias de Marx teriam sido
neutralizadas. A diferença entre os pensamentos, como visto, não era de que
não havia mais esperanças, mas não havia mais esperanças a partir da matriz
marxiana.
Luta por reconhecimento: apresentação de
Marcos Nobre
 No curso de sua trajetória, no entanto, Honneth passa a acreditar que o simples alargamento do
conceito de racionalidade e de respectiva sua ação social não seria suficiente para dar conta de
uma crítica de natureza emancipatória (proposta que, como visto, estava sempre nas diretrizes
da “Teoria Crítica”). Para Honneth, na realidade, há um déficit da teoria crítica no que concerne
à ação política. Portanto, tendo centrado sempre na questão filosófica, para Honneth o
problema da “Teoria Crítica”, até aquele instante (incluído aqui Habermas), seria a falta de uma
de uma base mais sociológica para fundamentar a ação política. O déficit, portanto, seria de
natureza sociológica.
 Assim, se a proposição de Habermas conseguia dar conta do bloqueio emancipatório posto
pelos seus antecessores, não dava conta de uma ação política suficiente para a emancipação em
si, na medida em que ignorava o mais importante: o conflito social. “Desse modo, Honneth
preferirá partir dos conflitos e de suas configurações sociais e institucionais para, a partir daí,
buscar as suas lógicas. Com isso, torna-se possível, em princípio, construir uma teoria do social
mais próxima das ciências humanas e de suas aplicações empíricas” (p. 17). NOTA - Na
realidade, do que percebi do texto, de certa forma esta postulação não foi atendida em sua
inteireza já que, em algumas hipóteses, o autor parte de premissas que entende como
suficientes para a demonstração de sua tese - em especial na dimensão afetiva e mais
psicológica de sua teoria do reconhecimento -, atribuindo a isto o nome de empírico. A meu ver,
isto aparece no texto quase que como uma concessão formal à razão instrumental que hoje
ainda, embora com contornos mais específicos, domina a lógica do pensamento capitalista).
Luta por reconhecimento: apresentação de
Marcos Nobre
 O tal déficit sociológico em Habermas estaria presente, por exemplo, na sua
divisão entre “sistema” e “mundo da vida” e na noção de intersubjetividade
comunicativa, que não é estruturada a partir da luta e do conflito social. Isto
tudo, em especial a divisão proposta, seria artificial e mecânica na perspectiva
de uma teoria da evolução social.
 Ao tentar tornar neutralizar normativamente o sistema, tornando-o infenso ao
“mundo da vida”, Habermas tornou-se incapaz de pensar o próprio sistema e
sua lógica instrumental como resultado de permanentes conflitos sociais, que o
molda a partir da correlação de forças políticas sociais. A racionalidade
comunicativa assim acabaria sendo prévia ao conflito, que ocupa um papel
secundário. “Se Honneth concorda com Habermas sobre a necessidade de se
construir a Teoria Crítica em bases intersubjetivas e com marcados
componentes universalistas, defende também, contrariamente a este, a tese de
que a base da interação é o conflito, e sua gramática, a luta por
reconhecimento” (p. 17).
Luta por reconhecimento: apresentação de
Marcos Nobre
 Neste compasso, é justificável que um dos referenciais teóricos de Honneth sejao jovem
Hegel, com a suas preocupações com o desenvolvimento de uma intersubjetividade, ao
mesmo tempo que busca a preservação do “desenvolvimento do indivíduo, do singular”
(p. 17 e 18).
 Assim, em Honneth estaria presente a ideia de conflito e de desrespeito social, de ataque
à identidade pessoal e coletiva, ou seja: “A reconstrução da lógica dessas experiências do
desrespeito e do desencadeamento da luta em sua diversidade se articula por meio da
análise da formação da identidade prática do indivíduo num contexto prévio de relações
de conhecimento. E isto em três dimensões distintas, mas interligadas: desde de a esfera
emotiva que permite ao indivíduo uma confiança em si mesmo, indispensável para os
seus projetos de autorrealização pessoal, até a esfera da estima social em que esses
projetos podem ser objeto de um respeito solidário, passando pela esfera jurídico-moral
em que a pessoa individual é reconhecida como autônoma e moralmente imputável,
desenvolvendo assim uma relação de autorrespeito. No entanto, é somente nas duas
últimas dimensões que Honneth vê a possibilidade de a luta ganhar contornos de um
conflito social, pois na dimensão emotiva não se encontra estruturalmente, segundo ele,
uma tensão moral que possa suscitar movimentos sociais, o que não faltaria às formas de
desrespeito como a privação de direitos e a degradação de formas de vida, ligadas
respectivamente às esferas do direito e da estima social” (p. 18).
Luta por reconhecimento: prefácio
 A proposta do texto: “Nesse escrito, proveniente de uma tese de livre-docência,
tento desenvolver os fundamentos de uma teoria social de teor normativo,
partindo do modelo conceitual hegeliano de uma ‘luta por reconhecimento’”
(p. 23).
 A tese terá como referência o jovem Hegel do período de Jena, que, como
reconhece, tem uma matriz idealista. Pretende-se dar uma dimensão menos
idealizada às proposições de Hegel e, para isto, fará uso de uma inflexão
empírica com recurso à psicologia social de G. H. Mead.
 Nesta toada partirá, para tanto, é indispensável a perspectiva das três formas
de reconhecimento: amor, direito e estima – às quais corresponderão também
formas respectivas de desrespeito.
 Diz que, embora as correntes feministas tenham adotado o mesmo caminho da
teoria do reconhecimento, renunciou a discuti-las, já que este intento
extrapolaria o quadro argumentativo que desejava apresentar.
Luta por reconhecimento- Presentificação
histórica: a ideia original de Hegel
 Em Jena, Hegel defenderia, segundo o autor, a tese de uma luta
dos sujeitos pelo reconhecimento de suas identidades como
indispensáveis à existência de instituições garantidoras da
liberdade.
 Segundo o autor, esta preocupação deixa de existir a partir da
“Fenomenologia do espírito” (a despeito mesmo do texto
conhecido como dialética do senhor e do escravo, que muitos
conhecem como a referência principal da teoria do
reconhecimento – o que é mais exaltado em outros autores como
Charles Taylor), sendo que aparece de forma mais relevante em
textos anteriores do jovem Hegel, em especial nas obras como
“Sistema da eticidade” (1802) e “Realphilosophie” (1803/1804).
Luta por reconhecimento- Presentificação
histórica: a ideia original de Hegel
 Em Jena, aparece as primeiras incursões de Hegel na noção de uma sociedade
eticamente integrada de cidadãos livres: “Hegel acaba dando um passo decisivo
além de Platão e Aristóteles, ao incluir na organização institucional da
eticidade absoluta uma esfera que ele define provisoriamente como um
‘sistema de propriedade e direito’; a isso está ligada a pretensão de mostrar que
as atividades mediadas pelo mercado e os interesses dos indivíduos particulares
– o que em seu todo será sintetizado mais tarde sob o título de ‘sociedade civil
burguesa’ (bürgerlichen Gesellschaft) – seriam uma ‘zona’ realmente negativa,
mas ainda assim constitutiva do todo ético; à inflexão realista que desse modo
Hegel procura dar a seu ideal de sociedade corresponde no texto também o fato
de que, divergindo da teoria política antiga, o estamento dos não livres ser
introduzido primeiramente como uma camada de cidadãos que produzem e
trocam mercadorias” (p. 41 e 42) NÃO SEI SE VALE A PENA COLOCAR ESTA
PARTE NOS SLIDES.
 Para Hegel, neste instante, a teoria filosófica deve partir primeiramente dos
vínculos éticos, que fazem os sujeitos se moverem de forma intersubjetiva.
Luta por reconhecimento- Presentificação
histórica: a ideia original de Hegel
 Já em 1802, na obra “Sistema da eticidade”, Hegel retoma de forma positiva a teoria
fichtiana do reconhecimento, “para descrever com seu auxílio a estrutura interna das
formas de relação ética, que el quis pressupor fundamentalmente a título de um
‘primeiro’ da socialização humana” (p. 46).
 “A estrutura de uma tal relação de reconhecimento recíproco é para Hegel, em todos os
casos, a mesma: na medida em que se sabe reconhecido por um outro sujeito em algumas
de suas capacidades e propriedades e nisso está reconciliado com ele, um sujeito sempre
virá a conhecer, ao mesmo tempo, as partes de sua identidade inconfundível e, desse
modo, também estará contraposto ao outro novamente como um particular. Nessa lógica
da relação de reconhecimento, porém, Hegel vê inscrita ao mesmo tempo uma dinâmica
interna que lhe permite ainda dar um segundo passo além do modelo inicial de Fichte:
visto que os sujeitos, no quadro de uma relação já estabelecida eticamente, vêm sempre a
saber algo mais acerca de sua identidade particular, pois trata-se em cada caso até mesmo
de uma nova dimensão de seu Eu que veem confirmada, eles abandonam novamente a
etapa da eticidade alcançada, também de modo conflituoso, para chegar de certa maneira
ao reconhecimento de uma forma mais exigente de individualidade; nesse sentido, o
movimento de reconhecimento que subjaz a uma relação ética entre sujeitos consiste
num processo de etapas de reconciliação e de conflito ao mesmo tempo, as quais
substituem umas às outras.” (p. 47).
Luta por reconhecimento- Presentificação
histórica: a ideia original de Hegel
 Assim, diferentemente do que pensaria Hobbes, “um contrato entre os
homens não finda o estado precário de um luta por sobrevivência de
todos contra todos, mas, inversamente, a luta como um médium moral
leva a uma etapa mais madura de relação ética.” (p. 48)
 Depois em sua obra “Sistema da Eticidade” fala em estado mais natural
desta, consubstanciado na família; um intermediário, que se dá relação
entre proprietários por meio do contrato e, por fim, no máximo da
eticidade consubstanciada na solidariedade. Nas diversas etapas, o
reconhecimento se faz presente com perfil e intensidade próprias.
Neste processo, o papel do crime não é olvidado, sendo a sua origem o
fato de um reconhecimento ainda incompleto: “nesse caso, o motivo
interno do criminoso é constituído pela experiência de não se ver
reconhecido de uma maneira satisfatória na etapa estabelecida de
reconhecimento mútuo” (p. 52 e 54).
Luta por reconhecimento- Presentificação
histórica: a ideia original de Hegel
 “O fato de as pretensões de identidade dos sujeitos implicados se ampliarem
passo a passo na evolução das três etapas de conflitos sociais exclui uma
posição meramente negativa dos atos destrutivos apresentados; ao contrário,
tomados em conjunto, os diversos conflitos parecem constituir justamente o
processo que prepara a passagem da eticidade natural para a absoluta,
provendo os indivíduos das qualidades e dos discernimentos necessários para
tal. Hegel não quer apenas expor como as estruturas sociais do reconhecimento
elementar são destruídas por atos de exteriorização negativa da liberdade; ele
quer, além disso, mostrar que só por tais atos de destruição são criadas as
relações de reconhecimento eticamente mais maduras, sob cujo pressuposto se
pode desenvolver então uma ‘comunidade de cidadãos livres’ efetiva.” (p. 56 e
57). Este processo tem um cunho pedagógico, em que os sujeitos em luta,
especialmente o que quer ser reconhecido pelo outro, mostra ao oponente que
a sua personalidade é digna de ser reconhecida.
Luta por reconhecimento- Presentificação
histórica: a ideia original de Hegel
OBJETO/MODO DE INDIVÍDUO PESSOA SUJEITO
RECONHECIMENTO (carências (autonomia (particularidade
concretas) formal) individual)

INTUIÇÃO FAMÍLIA
(AFETIVO) (amor)

CONCEITO
(COGNITIVO) SOCIEDADE
CIVIL
INTUIÇÃO (direito)
INTELECTUAL
(AFETO QUE SE TORNOU
RACIONAL) ESTADO
(solidariedade)
Luta por reconhecimento- Presentificação
histórica: a ideia original de Hegel
 O esquema anterior foi o que se desenhou na obra denominada “Sistema da
eticidade”. Neste instante, a categoria da consciência ainda aparece para a
explicação das formas de eticidade.
 O problema aqui é que os conceitos ainda não estavam bem claros, assim como
o papel do crime na teoria da eticidade ainda era muito incipiente (p. 61). O
criminoso traz para a coletividade, pelo ato de desonra, da violação, a
percepção nos sujeitos da importância de reconhecer coletivamente como
membros de uma mesma comunidade. Logo, os criminosos possuem “um
papel construtivo no processo de formação ético, visto que são capazes de
desencadear os conflitos sociais unicamente através dos quais os sujeitos se
tornam atentos às relações de reconhecimento subjacentes” (p. 61). No entanto,
Hegel não explicou de forma satisfatória como isto se daria de forma
sistemática, sem considerar as diferentes espécies de crime e sua participação
distinta para aquele fim.
 Assim, resta claro que a insuficiência da obra “Sistema da eticidade” e da teoria
do reconhecimento ali exposta ainda precisa de alguns aprimoramentos.
Luta por reconhecimento- Presentificação
histórica: a ideia original de Hegel
 Nos anos de 1803/1804, este aprimoramento vem com a “Realphilosophie”. Aqui haverá
um maior cuidado com a filosofia da consciência e os pressupostos teóricos para o que a
noção de espírito – que norteará toda a obra futura de Hegel, inclusive o seu sistema. Há a
inclusão do caráter absoluto do espírito, que se dará na arte, religião e ciência. O fim do
processo não é mais o estado, mas sim o espírito absoluto. A teoria da eticidade perde
espaço para a filosofia do espírito (veja-se que, no processo de amadurecimento de Hegel,
a eticidade é apenas uma das etapas do processo de evolução do espírito, mais
especificamente a mais elevada no espírito objetivo – que começa com o direito abstrato,
passa pela moral e termina na eticidade, com a família, a sociedade civil e o estado.
Depois deste estágio, teremos ainda o espírito absoluto, que evoluirá no futuro para a
arte, religião e a filosofia). “Desse modo, Hegel mantém sem dúvida, segundo a forma
categorial, sua intenção original de reconstituir a formação do espírito no interior da
esfera da consciência humana até chegar ao ponto onde começam a se delinear, na
relação ética do Estado, as estruturas institucionais de uma forma bem-sucedida de
socialização; não se pode explicar de outra forma o fato de ele ter continuado a intitular a
última seção de sua exposição sistemática com o termo ‘constituição’, que caracteriza
basicamente, como no Sistema da eticidade, uma estrutura de instituições
políticas” (p. 71)
Luta por reconhecimento- Presentificação
histórica: a ideia original de Hegel
 Embora em Jena já se apresente as etapas do espírito subjetivo, objetivo e
absoluto, ainda na “Realphilosophie” se encontra presente, o que desaparecerá
depois, a teoria do reconhecimento, pelo menos na etapa referente ao espírito
objetivo – de forma que o reconhecimento aqui ainda é percebido no sentido do
percurso para a consolidação do espírito absoluto.
 Aqui, na fase referente à família, o reconhecimento continua a ter base na
relação amorosa, que inclui também, embora não apenas, o desejo sexual como
primeira forma de experiência com a subjetividade oposta - é considerado um
reconhecimento natural: “Não diferentemente do Sistema de eticidade, Hegel
concebe o amor como relação de reconhecimento mútuo na qual a
individualidade dos sujeitos encontra primeiramente confirmação; no entanto,
aqui é atribuída a essa determinação, ainda mais claramente do que antes, o
significado, oriundo da teoria da subjetividade, de que só na própria
experiência de ser amado o sujeito querente é capaz de experienciar-se a si
mesmo pela primeira vez como sujeito carente e desejante”.
Luta por reconhecimento- Presentificação
histórica: a ideia original de Hegel
 O pensamento anterior é sofisticado por Honneth em sentido
não atribuído originariamente por Hegel: “Para a relação de
reconhecimento, isso só pode significar que está embutida nela,
de certo modo, uma pressão para a reciprocidade, que sem
violência obriga os sujeitos que se deparam a reconhecerem
também seu defrontante social de uma determinada maneira: se
eu não reconheço meu parceiro de interação como um
determinado gênero de pessoa, eu tampouco posso ser
reconhecido em suas reações como o mesmo gênero de pessoa, já
que lhe foram negadas por mim justamente aquelas
propriedades e capacidades nas quais eu quis me sentir
confirmado por ele.” (p. 78) A relação amorosa aparece como um
primeiro passo para o processo de formação da pessoa de direito.
Luta por reconhecimento- Presentificação
histórica: a ideia original de Hegel
 No entanto, “sob o ponto de vista inscrito na questão sobre as condições
de constituição de uma pessoa de direito, a relação de reconhecimento
do amor se revela ainda um domínio de experiência incompleto; pois,
na relação amorosa com os membros da família, o espírito subjetivo
não é perturbado em princípio por conflitos do tipo que poderia
obrigá-lo a refletir sobre as normas abrangentes, gerais, da regulação do
relacionamento social; mas, sem uma consciência sobre essas normas
universalizadas de interação, ele não aprenderá a se conceber a si
mesmo como uma pessoa de direitos intersubjetivamente válidos. Daí
Hegel ser forçado mais uma vez a ampliar o processo de formação do
sujeito, abarcando uma dimensão suplementar da relação prática com o
mundo. Para esse fim, ele retoma agora, no contexto de sua
Realphilosophie, o meio construtivo de uma ‘luta por reconhecimento’.”
(p. 81 e 82)
Luta por reconhecimento- Presentificação
histórica: a ideia original de Hegel
 Depois o autor, nesta linha, realça a importância do contrato, da constituição do sujeito
de direito, para o reconhecimento, tratando-se de uma necessidade empírica dos seres
humanos passarem da condição natural para a contratual: “Sua linha de pensamento
pode ser entendida do seguinte modo: se, em contraposição à tradição predominante,
deve ser mostrado que os sujeitos, mesmo sob condições sociais de concorrência hostil,
alcançam uma solução jurídica do conflito como formulada na ideia de contrato social,
então a atenção teórica deve ser deslocada para aquelas relações sociais intersubjetivas
através das quais um consenso normativo mínimo é previamente garantido desde o
começo; pois apenas nessas relações pré-contratuais de reconhecimento recíproco, ainda
subjacentes às relações de concorrência social, pode estar ancorado o potencial moral,
que depois se efetiva de forma positiva na disposição individual de limitar
reciprocamente a própria esfera de liberdade.” (p. 85) Afinal como diz o próprio Hegel,
citado por Honneth: “No reconhecer o si cessa de ser esse singular; ele está juridicamente
no reconhecer, isto é, não está mais em ser-ai imediato. O reconhecido é reconhecido
como válido imediatamente, por seu ser, mas precisamente esse ser é gerado a partir do
conceito; é ser reconhecido. O homem é necessariamente reconhecido e necessariamente
reconhecente. Essa necessidade é a sua própria, não o nosso pensamento em oposição ao
conteúdo. Como reconhecer, ele próprio é o movimento, e esse movimento supera
justamente seu estado de natureza: ele é reconhecer”(p. 86, citando a Realphilosophie).
Luta por reconhecimento- Presentificação
histórica: a ideia original de Hegel
 Como o autor se afasta da utilização da dialética da consciência independente e da
consciência dependente (mais comumente conhecida como dialética do senhor e do
escravo), para ele há que se mitigar a questão de se tratar, no processo de
reconhecimento, de uma luta de vida e morte (p. 93 e 94). Acho que entendo o esforço,
inclusive para afastar a fenomenologia das obras informantes da sua teoria do
reconhecimento (neste ponto, inclusive é diferente de Charles Taylor, que a inclui na sua
teoria do reconhecimento). Se no reconhecimento houver morte de uma das partes, é
possível que não seja mantida intacta a expressão da parte mais fraca da relação que
pretende ser reconhecida. Assim, é como se não houvesse qualquer morte como forma de
se preservar, na íntegra, o que busca o reconhecimento na luta que se processa. Acho que
a questão se resolveria pela questão da posse, a luta não se processa sem a intermediação
do objeto. No entanto, neste caso, a luta se processa muito mais entre proprietários do
que entre grupos que postulam o reconhecimento. O grupo que é proprietário seria – e
realmente é sempre- o que dita a forma de reconhecimento, baseada em regras ligadas à
propriedade. No entanto, isto infirmaria o reconhecimento em si, já que haverá sempre
um que será mais livre do que o outro – e parece que é sobre que Hegel fala quando diz da
dialética da consciência independente e da consciência dependente.
Luta por reconhecimento- Presentificação
histórica: a ideia original de Hegel
 “Para a vida social, a relação jurídica representa uma espécie de base intersubjetiva, porque
obriga cada sujeito a tratar todos os outros segundo as suas pretensões legítimas; pois,
diferentemente do amor, o direito representa para Hegel uma forma de reconhecimento
recíproco que não admite estruturalmente uma limitação ao domínio particular das relações
sociais próximas. Por isso, só com o estabelecimento da ‘pessoa de direito’ é dada numa
sociedade a medida mínima de concordância comunicativa, de ‘vontade geral’, que permite uma
reprodução comum de suas instituições centrais; pois, só quando todos os membros da
sociedade respeitam mutuamente suas pretensões legítimas, elas podem se relacionar
socialmente entre si da maneira isenta de conflitos que é necessária para a solução cooperativa
das tarefas sociais. Todavia, para isso, o mero princípio da relação jurídica com que até o
momento tivemos de lidar não oferece ainda nenhuma base adequada, visto que, enquanto tal,
ele deixa totalmente indefinido quais direitos o sujeito de fato dispõe em particular; no ponto
de interseção do ‘ser-reconhecido abstrato’, onde os processos de formação individual de todos
os membros da sociedade acabam coincidindo por fim, permanece em aberto de certo modo
em que aspecto e em que medida eles têm de se reconhecer reciprocamente como pessoas de
direito. Por essa razão, Hegel reconstitui no segundo capítulo de sua ‘Filosofia do espírito’ a
construção da realidade social como processo de formação através da qual a relação abstrata de
reconhecimento jurídico se amplia pouco a pouco, abarcando conteúdos materiais; que procede
da acumulação de formas sempre novas de concretização da relação jurídica.” (p. 96) MUITO
IMPORTANTE, DESTACAR EM AULA.
Luta por reconhecimento- Presentificação
histórica: a ideia original de Hegel
 Uma das fases importantes deste processo é o reconhecimento
da pessoa no contrato, que aí a relação passa a ser
institucionalizada. A violação do contrato, por sua vez, como
uma forma de negação do outro, e a obrigação legal de que a
palavra empenhada seja cumprida, com o uso das instituições
para isto, faz parte do processo de reconhecimento. Há um
reconhecimento da pretensão do que sofreu a lesão com a
quebra contratual, passando o direito de uma abstração para
uma concretização em que cuja esfera se dá o
reconhecimento.
 A quebra contratual, o crime e o criminoso, tudo isto, neste
contexto seria, com a reação do sistema à negação, uma forma
de reconhecimento.
Luta por reconhecimento- Presentificação
histórica: a ideia original de Hegel
 O CRIME: “O crime representa o ato deliberado de uma lesão no ‘ser-reconhecido
universal’; da parte do autor do crime, ele acontece com a consciência irrestrita do fato ‘de
que ele lesa uma pessoa, um ser tal que é reconhecido em si’. Na qualidade de causa
motivacional, subjaz a essa ação o sentimento de não ser reconhecido na particularidade
da ‘própria vontade’ pelo emprego da coerção jurídica; assim, efetua-se no crime, na
etapa avançada do direito, o mesmo que na luta de vida e morte, sob as condições do
processo de formação individual: um sujeito procura, mediante uma ação provocadora,
levar o outro indivíduo ou muitos associados a respeitar o que não foi ainda reconhecido
nas próprias expectativas pelas formas de relacionamento social. No primeiro caso, o do
processo de formação individual, aquela camada da personalidade ainda não reconhecida
se compusera das pretensões que se dirigem à disposição autônoma dos meios para
reprodução da própria vida; por conseguinte, o desfecho do reconhecimento bem-
sucedido era acompanhado também de um progresso no modo de socialização, pois em
seguida cada indivíduo podia saber-se ao mesmo tempo como pessoa de direito
autônoma e como membro social de uma comunidade jurídica. Por sua vez, no segundo
caso, o do processo de formação da ‘vontade geral’, aquela camada do ainda não-
reconhecido consiste visivelmente das pretensões que se referem à realização de
finalidades individuais, sob as condições de direitos e deveres iguais; nesse sentido ainda
muito vasto, é possível pelo menos entender o enunciado em que a afirmação ‘própria
vontade’ é qualificada como objetivo do crime.
Luta por reconhecimento- Presentificação
histórica: a ideia original de Hegel
 O CRIME: Mas Hegel dificulta ainda mais o que tem em vista porque de acréscimo
associa a experiência do desrespeito da unicidade individual à pressuposição do emprego
da coerção jurídica; pois o que significa que um sujeito deve sentir-se lesado em sua
pretensão à realização da própria vontade no instante mesmo em que é legitimamente
forçado a cumprir seus deveres contratualmente combinados? Como não é difícil de ver,
com a resposta a esta questão já é prejulgada ao mesmo tempo a maneira de interpretar a
luta pelo reconhecimento para a relação do direito em seu todo. Com efeito, Hegel
concebe o processo de formação da ‘vontade geral’, e por conseguinte a constituição da
sociedade, como um processo de concretização gradativa dos conteúdos do
reconhecimento jurídico, não diferentemente do Sistema da eticidade, deve-se atribuir
aqui ao ato do crime a função catalisadora de uma provocação moral, através da qual a
‘vontade geral’ dos sujeitos de direito associados é compelida a dar um novo passo de
diferenciação; mas em que consiste seu conteúdo em particular só é possível medir, por
sua vez, pelas expectativas normativas que o sujeito desrespeitado procura expor à
sociedade na forma cifrada do crime. Daí a resposta da questão acerca do papel que a luta
por reconhecimento assume no nível da realidade social depender da solução das
dificuldades de entendimento provocado pela tese de Hegel sobre a ‘fonte interna do
crime’.” (p. 101 e 102 SOBRE O CRIME)
Luta por reconhecimento- Presentificação
histórica: a ideia original de Hegel
 O CRIME - A solução é dada na seguinte frase: “(...) visto que o crime representa o ato
individualista de uma lesão na vontade geral, a reação desta tem por objetivo,
inversamente, fazer valer de novo seu poder intersubjetivo em face do indivíduo
desgarrado; mas isso, a ‘inversão do ser-reconhecido universal lesado’, só pode acontecer
na forma de uma punição do criminoso, pela qual o seu ato é revidado de tal modo que a
relação destruída do reconhecimento jurídico é restabelecida em seguida; no entanto,
com a execução da pena, entram no mundo dos fenômenos externos aquelas normas
morais, que até o momento subjaziam à vida social somente na qualidade de um
elemento espiritual; daí que, na execução da penalidade, os sujeitos de direito associados
contemplam pela primeira vez seus pontos normativos comuns na forma objetivada de
uma lei; essa representa, por sua vez, a quintessência de todas as prescrições negativas
através das quais as relações jurídicas entre sujeitos são formalmente reguladas, sob a
ameaça de sanções do Estado” (p. 104). No entanto, “o crime tem sua origem no
sentimento de um desrespeito, cujas causas normativas, portanto, não podem ser
realmente eliminadas pelas inovações jurídicas que ele mesmo deve poder forçar; pois
para isso teriam sido necessárias aquelas alterações com as quais seria corrigido o erro,
seja de um uso demasiado abstrato, seja de um conteúdo demasiado formalista do direito”
(p. 104)
Luta por reconhecimento- Presentificação
histórica: a ideia original de Hegel
 É engraçado reparar que o autor tangencia a luta pelo reconhecimento por parte do que comete o
crime. Este poderia ser reconhecido. Embora esta questão fique sempre nas entrelinhas ela não é, a
meu ver, totalmente enfrentada por Honneth (será que por questões morais, que atentariam contra a
sua própria tese, na forma como veremos a seguir?). A verdade, me parece, é que haveria um sentido
de se atribuir aqui a luta pelo reconhecimento não apenas como uma afirmação daqueles contra os
quais foi cometido o crime, como maneira de, com a sanção, ver reconhecidas as suas pretensões
gerais como pretensões específicas – tirando do quadro da generalidade e passando para o quadro
mais individualizado. Mas o mesmo percurso poderia ser considerado para o “criminoso”, em busca de
um reconhecimento contrário ao que está posto pelo ordenamento jurídico. Parece interessante que,
após desprezar a luta de vida e morte, Honneth recupere o conceito nesta parte – quase que o
utilizando para a morte necessária do que comete o crime e com a vida, ou liberdade total, do que
ganha a luta ou daquele contra quem foi cometido o ato criminoso. Esta interpretação parece não ter
sentido se vista a obra de maturidade de Hegel. Na “Filosofia do direito”, há uma preservação
interessante dos direitos do criminoso, contra quem, por exemplo, as penas de morte serão apenas
excepcionais. O criminoso também tem personalidade jurídica, sendo que a quebra do direito faz
parte apenas do processo de negação da dialética, com a qual Hegel vive muito bem. DESENVOLVER
MAIS ISTO P. 100 A 106 DA OBRA. Será que não há motivos, mais do que crê o autor, para Hegel ter
abandonado, segundo ele acredita, a teoria do reconhecimento na sua fase madura? De a consciência
tenha passado para o espírito subjetivo e não tenha sido tratada de forma semelhante nos espíritos
objetivo e absoluto?
Luta por reconhecimento- Presentificação
histórica: a ideia original de Hegel
 Do amor para o direito: do espírito como realização amorosa para o espírito como realização jurídica,
falta apenas a passagem do reconhecimento para o plano superior, o da eticidade propriamente dita, o
estado:
 “Um conceito de eticidade próprio da teoria do reconhecimento parte da premissa de que a integração
social de uma coletividade política só pode ter êxito irrestrito na medida em que lhe correspondem,
pelo lado dos membros da sociedade, hábitos culturais que têm a ver com a forma de relacionamento
recíproco, daí os conceitos fundamentais com que são circunscritas as pressuposições de existência de
uma tal formação da comunidade terem de ser talhados para as propriedades normativas das relações
comunicativas; o conceito de ‘reconhecimento’ representa para isso um meio especialmente
apropriado porque torna distinguíveis de modo sistemático as formas de interação social, com vista ao
modelo de respeito para com a outra pessoa nele contido.” (p. 108) No entanto, o autor lembra que
esta unidade somente se realizaria, em Hegel, em torno do estado enquanto corporificação do
espírito: “são os hábitos culturais fundados em tal relação de autoridade que assumem
inopinadamente em sua abordagem o papel que, na verdade, teria de ser desempenhado por certas
formas extremamente exigentes de reconhecimento recíproco, num conceito de eticidade próprio da
teoria do reconhecimento” (p. 109) Talvez aqui já se anteveja a razão pela qual o nosso autor não
poderá se utilizar apenas de Hegel para a sua teoria do reconhecimento, na medida em que o estado
será a instância ética última em que o reconhecimento se daria de forma completa. Isto certamente
traria problemas para uma teoria do reconhecimento que pretende reconhecer a importância do papel
dos movimentos sociais de luta para o reconhecimento dos seus direitos específicos.
Luta por reconhecimento- Presentificação
histórica: a ideia original de Hegel
 LANÇA A SEGUINTE CRÍTICA: “Se ele tivesse seguido o mesmo processo de modo
coerente até a constituição da comunidade ética, então teria ficado patente também a
forma de uma interação social na qual cada pessoa pode contar, para sua particularidade
individual, com um sentimento de reconhecimento solidário; além disso, a experiência da
morte, cujo significado emotivo para o encontro com o outro Hegel observou muito bem,
poderia ter encontrado um lugar mais adequado do que na relação intersubjetiva cujo
tema de conflito são os direitos do indivíduo. Esse passo, porém, a guinada consequente
para o conceito de eticidade próprio de uma teoria do reconhecimento, Hegel não o
efetuou; no final, o programa da filosofia da consciência obteve tanto predomínio sobre
as intuições da teoria do reconhecimento que, na última etapa do processo de formação,
até mesmo seu conteúdo material acabou sendo pensado inteiramente conforme o
modelo de uma autorrelação do espírito. Mas, por isso, na Realphilosophie permanecem
igualmente em suspenso, até o fim, dois pontos: o destino da ‘vontade singular’, ao qual o
próprio Hegel se remetera em sua interpretação do ‘crime’, e as perspectivas daquela visão
de uma ‘comunidade genuinamente livre’, da qual ele havia partido em seus escritos de
Jena. Para a solução dos dois problemas teria sido necessária a pressuposição de um
conceito intersubjetivista de ‘eticidade’, do qual Hegel já não pode mais dispor, depois de
quase consumada a passagem para a filosofia da consciência.” (p. 113).
Luta por reconhecimento- Presentificação
histórica: a ideia original de Hegel
 E FINALIZA DISCORRENDO SOBRE O ABANDONO DA TEORIA DO RECONHECIMENTO EM
HEGEL A PARTIR DA FENOMENOLOGIA:
 “Nunca mais Hegel retomou em sua forma original o programa esplêndido que ele seguiu em seus
escritos de Jena com abordagens sempre novas e também sempre fragmentárias. Na sua obra teórica
com que ele, logo depois da Realphilosophie, conclui seu trabalho em Jena e que define a rota de sua
criação futura, encontra-se uma sistemática destituída de um ponto decisivo: a Fenomenologia do
espírito deixa para a luta por reconhecimento, que até então foi a força motriz que havia impulsionado
o processo de socialização do espírito através de todas as etapas, tão somente a função única de formar
a autoconsciência; além disso, restrita a esse único significado, representado na dialética do senhor e
do escravo, a luta entre os sujeitos que pugnam por reconhecimento é ligada tão intimamente à
experiência da confirmação prática no trabalho que sua lógica específica acabou quase saindo
inteiramente de vista. Por isso, a nova concepção da Fenomenologia, certamente superior do ponto de
vista do método, teve o efeito de um corte profundo na trajetória do pensamento de Hegel; ela lhe
obstruiu daí em diante o recurso à mais forte de suas antigas intuições, o modelo, ainda inacabado, da
‘luta por reconhecimento’. Consequentemente, nas grandes obras que iriam se seguir, não se
encontram senão sinais de uma reminiscência do programa perseguido em Jena; mas nem o conceito
intersubjetivista de identidade humana, nem a distinção de diversos media de reconhecimento, nem
a diferenciação correspondente de relações de reconhecimento gradualmente escalonadas, nem
muito menos a ideia de um papel historicamente produtivo da luta moral voltam a assumir uma
função sistemática na filosofia política de Hegel” (p. 113 e 114)
Luta por reconhecimento- Atualização sistemática: a
estrutura das relações sociais de reconhecimento

 A proposta do autor é abandonar o idealismo hegeliano e dar uma


guinada materialista na sua teoria do reconhecimento. Assim, se
propõe o desafio de criar uma teoria normativa social a partir do
reconhecimento de Hegel, mas sem cair no seu idealismo, este seria o
grande desafio e Honneth pensa se colocar a fazê-lo (uma teoria que
chama de pós-metafísica).
 Para tanto se propõe as seguintes metas:
 o reconhecimento social deveria partir de premissas da psicologia
social;
 tomar como ponto de partida diferentes formas de reconhecimento
segundo as distintas autonomias dos sujeitos envolvidos no processo de
reconhecimento;
 utilização do horizonte histórico como fuga dos perigos idealistas.
Luta por reconhecimento- Atualização sistemática: a
estrutura das relações sociais de reconhecimento

 Para tanto irá fazer uso da psicologia social de George Herbert Mead, na medida em que “seus escritos
permitem traduzir a teoria hegeliana da intersubjetividade em uma linguagem teórico pós-metafísica”
(p. 123).
 Mead aposta na psicologia social para acessar a solução a problemas deixados pelo idealismo: “A
explicação de Mead toma seu ponto de partida na observação de que um sujeito somente dispõe de
um saber sobre o significado intersubjetivo de suas ações quando ele está em condições de
desencadear em si próprio a mesma reação que sua manifestação comportamental causou, como
estímulo, em seu defrontante: do que meu gesto significa para o outro, eu posso me conscientizar ao
produzir em mim mesmo, simultaneamente, seu comportamento de resposta. Essa capacidade de
desencadear em si mesmo o comportamento reativo causado no outro está ligada para Mead, porém,
ao pressuposto evolucionário do surgimento de uma nova forma de comportamento humano; pois,
como Herder já tinha visto, e mais Gehlen, só ao ‘gesto vocal’, diferentemente de todos os meios não
vocais de entendimento, cabe a propriedade especial de influir sobre o agente no mesmo momento e
da mesma maneira que no seu defronte: ’Enquanto se sente apenas imperfeitamente o valor da
própria expressão facial ou do da própria postura corporal para com os outros, escuta-se com os
próprios ouvidos o gesto vocal, na mesma forma que ele possui para um próximo’. Se um sujeito influir
sobre o seu parceiro de interação por meio de seu gesto vocal, ele é capaz ao mesmo tempo de
desencadear em si mesmo a reação dele, visto que sua própria expressão é perceptível a ele próprio
como um estímulo vindo de fora; mas por isso seu gesto vocal, a que ele pode reagir da mesma
maneira que qualquer outro ouvinte, contém para ele o mesmo significado que possui para seu
destinatário” (p. 128 e 129).
Luta por reconhecimento- Atualização sistemática: a
estrutura das relações sociais de reconhecimento

 Trata-se de desdobramento da teoria do agir comunicativo. .


 Enfim, uma expressão do individualismo metodológico, proveniente de uma matriz
idealista como a hegeliana.
 Começa a analisar, em Mead, os conceitos de “Me” e de “Eu”, fundamentais à sua teoria.
 “O conceito de ‘Me’, que Mead emprega aqui caracteriza o resultado dessa autorrelação
originária, deve tornar terminologicamente claro que o indivíduo só pode se conscientizar de si
mesmo na posição de objeto; pois o Self que entra em seu campo de visão quando ele reage a si
mesmo é sempre o parceiro da interação, percebido na perspectiva de seu defrontante, mas
nunca o sujeito ativo das próprias manifestações práticas. Por isso, Mead distingue do ‘Me’, que
conserva minha atividade momentânea tão somente como algo já passado, uma vez que ele
representa a imagem que o outro tem de mim, o ‘Eu’, que é a fonte não regulamentada de todas
as minhas ações atuais. O conceito de ‘Eu’ deve ser referido à instância na personalidade
humana responsável pela resposta criativa aos problemas práticos, sem poder jamais entrar
como tal, porém, no campo de visão; no entanto, em sua atividade espontânea, esse ‘Eu’ não só
precede a consciência que o sujeito possui de si mesmo do ângulo de visão do seu parceiro de
interação, como também se refere sempre de novo às manifestações práticas mantidas
conscientemente no ‘Me’, comentando-as. Portanto, entre o ‘Eu’ e o ‘Me’, existe na
personalidade do indivíduo, uma relação comparável ao relacionamento entre parceiros de um
diálogo.” (p. 130)
Luta por reconhecimento- Atualização sistemática: a
estrutura das relações sociais de reconhecimento

 O processo é contínuo formando, nas relações com os outros,


“vários Mês”: “Um sujeito só pode adquirir consciência de si
mesmo na medida em que ele aprende a perceber sua própria
ação da perspectiva, simbolicamente representada, de uma
segunda pessoa” (p. 131). Como se dá no jovem Hegel, mas
usando uma ciência empírica (será?), Mead afirma “a
precedência da percepção do outro” como indispensável para
o “desenvolvimento da autoconsciência” (p. 131). A grande
inovação de Mead é que ele transfere este raciocínio para o
plano da dimensão normativa do desenvolvimento individual,
chegando a uma nova etapa da psicologia social. A relação
“Me” e “Eu” passa a ser encarada de forma coletiva na
perspectiva do conjunto das normas morais.
Luta por reconhecimento- Atualização sistemática: a
estrutura das relações sociais de reconhecimento

 Partindo do desenvolvimento das crianças, no plano das atividades lúdicas (os jogos e das brincadeiras), Mead
faz o mesmo exercício para dizer como as crianças se desenvolvem a partir da percepção dos demais quer nos
seus jogos, quer nas suas brincadeiras, e que isto será indispensável para a sua fase adulta. Assim, a partir
desta perspectiva, a criança aprenderá a regular as suas expectativas ético-normativas na relação com as
demais crianças, a partir das quais aprenderá, quer no jogo, quer nas brincadeiras, observando o
comportamento da outra criança. A criança, por meio destas atividades, se reconhecerá na outra criança, a
partir de um diálogo entre o “Me” e o “Eu”. Isto se dará a partir de relações subjetivadas, mas que irão operar
em expectativas normativas generalizadas. No jogo e na brincadeira, cada um a sua maneira, a criança irá
entender, a partir da atuação da outra criança (Me) e não da sua própria (Eu), que, no entanto, é importante
para o processo dialógico de compreensão, o seu papel no mundo, incluída aqui a divisão do trabalho. “É claro
que, nesse contexto, as explicações de Mead se aproximam bem mais do que foi visado por Hegel do que deixa
supor a mera coincidência do uso do termo ‘reconhecimento’; pois, não diferentemente de Hegel, ele também
quer que a compreensão que aquele que aprende a conceber-se na perspectiva do outro generalizado tem de si
mesmo seja entendida como a compreensão de uma pessoa de direito. Com a adoção das normas sociais que
regulam as relações de cooperação da coletividade, o indivíduo em crescimento não aprende só quais
obrigações ele tem de cumprir em relação aos membros da sociedade; ele adquire, além disso, um saber sobre
os direitos que lhe pertencem, de modo que ele pode contar legitimamente com o respeito de algumas de suas
exigências: direitos são de certa maneira pretensões individuais das quais posso estar seguro que o outro
generalizado as satisfará. Nesse sentido, pela concessão social desses direitos, é possível medir se um sujeito
pode conceber-se como membro completamente aceito de sua coletividade; é por isso que lhes cabe, no
processo de formação do Eu prático, um papel particularmente significante: ‘Se alguém quer manter sua
propriedade na comunidade, é de maior importância que ele seja um membro dessa comunidade, uma vez
que a adoção da atitude dos outros garante que os próprios direitos sejam reconhecido. (...) Com isso recebe-
se uma posição, consegue-se a dignidade de ser membro da comunidade’” (p. 136 e 137) MUITO
Luta por reconhecimento- Atualização sistemática: a
estrutura das relações sociais de reconhecimento

 IMPORTANTE: “Não é por acaso que Mead fala nessa passagem de ‘dignidade’, com a qual um sujeito
se vê dotado no momento em que ele, pela concessão de direitos, é reconhecido como um membro da
sociedade; pois com a expressão está implicitamente associada a afirmação sistemática de que
corresponde à experiência de reconhecimento um modo de autorrelação prática, na qual o indivíduo
pode estar seguro do valor social de sua identidade. O conceito geral que Mead escolhe para
caracterizar uma tal consciência do próprio valor é o de ‘autorrespeito’; ele refere-se à atitude positiva
para consigo mesmo que um indivíduo pode adotar quando reconhecido pelos membros de sua
coletividade como determinado gênero de pessoa. Por sua vez, o grau de autorrespeito depende da
medida em que são individualizadas as respectivas propriedades ou capacidades para as quais o
sujeito encontra confirmação por parte de seus parceiros de interação; visto que ‘direitos’ são algo por
meio do qual cada ser humano pode saber-se reconhecido em propriedades que todos os outros
membros de sua coletividade partilham necessariamente com ele, eles representam para Mead uma
base muito geral, embora sólida, para o autorrespeito.” (p. 137 e 138). Assim, além do “Me”, em Mead,
com a noção de autorrespeito entra em jogo o “Eu”. O “Eu” aparece como as possibilidades
inesgotáveis das identidades. Trata-se de uma constante tensão revelada no fato de que o “Me” é fonte
do próprio reconhecimento a partir do outro e o “Eu” é fonte das identidades que cada um busca ver
reconhecidas, sendo a existência do “Me” força o sujeito a engajar-se, no interesse do “Eu”, a engajar-se
por novas formas de reconhecimento social. Assim, “Mead elucida primeiramente a estrutura desses
conflitos morais lançando mão de exemplos que se referem a pretensões internas cuja satisfação
pressuporia uma ampliação dos direitos individuais.” (p. 141 e 142)
Luta por reconhecimento- Atualização sistemática: a
estrutura das relações sociais de reconhecimento

E mais, buscando dar materialidade a tudo isto, Honneth explica que a relação acima se dá no processo
histórico, sendo que “em toda época histórica acumulam-se novamente antecipações de relações de
reconhecimento ampliadas, formando um sistema de pretensões normativas cuja sucessão força a
evolução social em seu todo a uma permanente adaptação ao processo de individualização progressiva.
Pois, uma vez que os sujeitos, mesmo após a efetuação de reformas sociais, só podem defender as
exigências de seu ‘Eu’ antecipando uma coletividade que concede mais espaço de liberdade, origina-se
uma cadeia histórica de ideais normativos que apontam na direção de um crescimento em autonomia
pessoal. Sob a pressão desse padrão evolutivo, por assim dizer coletivamente antecipado, o processo de
civilização seguiu, como diz Mead, uma tendência à liberação da individualidade’” (p. 144) Ou seja, a
partir do reconhecimento generalizado, na perspectiva histórica, há uma liberação das identidades que
foram reprimidas, fazendo assim com que as individualidades pudessem se manifestar mais livremente.
São alcançados novos patamares éticos (a tal eticidade de Hegel, portanto), com o aumento da autonomia
pessoal. “A liberação histórica da individualidade se efetua por isso, para os dois pensadores, como uma
luta por reconhecimento de longo alcance” (p. 145) No entanto, “diferentemente de Hegel, Mead oferece
para o processo evolutivo assim circunscrito uma explicação que o torna transparente em seus
fundamentos motivacionais: as forças que impelem reiterada e inovadoramente o ‘movimento de
reconhecimento’ são representadas pelas camadas incontroláveis do ‘Eu’, que só podem se exteriorizar
livre e espontaneamente quando encontram o assentimento de um ‘outro generalizado’. Porque os
sujeitos, sob a pressão do ‘Eu’, são compelidos a uma delimitação continua das normas incorporadas no
‘outro generalizado’, eles se encontram de certo modo sob a necessidade psíquica de engajar-se por uma
ampliação da relação de reconhecimento jurídica; a práxis social que resulta da união de esforços por um
tal ‘enriquecimento da comunidade’ é o que se pode chamar, na psicologia social de Mead, ‘luta por
reconhecimento’.” (p. 145)
Luta por reconhecimento- Atualização sistemática: a
estrutura das relações sociais de reconhecimento

Outro elemento importante, destacado no reconhecimento, é a necessidade de que a identidade


social seja reconhecida pelos demais, o que se á por meio da autorrealização. A autorrealização é o
processo em que “o sujeito desenvolve capacidades e propriedades de cujo valor para o meio social
ele pode se convencer com base nas reações de reconhecimento de seu parceiro de interação”, mas
não no plano dos direitos e deveres, sendo que a autorrealização individual requer “poder
entender-se a si próprio como personalidade única e insubstituível” (p. 148). Exemplo: alguém
possui uma superioridade em relação aos outros em relação a uma qualidade que o distingue, tal
como ser um bom advogado ou um cirurgião, provocando-lhe um sentimento, não apenas
egoística, mas de que está a serviço da sociedade. Para o processo de reconhecimento, a
autorrealização é elemento não desprezível, sendo que, para atribuir elemento mais socializante a
esta, Mead a vincula à noção de trabalho socialmente útil, como a “medida de reconhecimento
demonstrada a um sujeito, que cumpre ‘bem’ a função atribuída a ele no quadro da divisão social
do trabalho, basta para lhe proporcionar uma consciência de sua particularidade individual” (p.
150)
E FINALIZA, QUANTO À IMPORTÂNCIA DA DIVISÃO FUNCIONAL DO TRABALHO:
“Portanto, tomando isso em conjunto, a ideia de Mead representa uma resposta pós-
tradicional ao problema hegeliano da eticidade: a relação do reconhecimento recíproco,
no qual os sujeitos, para além de suas comunidades morais, podem saber-se confirmados
em suas propriedades particulares, deve ser encontrada num sistema transparente de
divisão funcional do trabalho”.
Luta por reconhecimento- Atualização sistemática: a
estrutura das relações sociais de reconhecimento

 Enfim, agora está tudo esclarecido: o seu reconhecimento depende de seu valor na participação
da produção da lógica capitalista: a mulher se autorrealiza e, consequentemente é conhecida,
por exemplo, na medida em que pode ser valorizada a partir da divisão social do trabalho. Nada
mais do que a velha noção de meritocracia, camuflada na forma de reconhecimento de
identidades. A partir de outros parâmetros (o valor atribuído em cada sociedade à importância
das atividades distribuídas). O problema que surge, para Honneth, é que a fase em que se dá a
eticidade, em ambos os autores, revela dificuldades. Seja da relação dialética entre o amor e o
direito, seja da psicologia social com as noções de “Me” e “Eu”, observada ainda a divisão social
do trabalho, quando a questão se depara na perspectiva da eticidade, há um problema que
significa a dificuldade da dimensão do que seria efetivamente a ética que envolve o
reconhecimento – um pouco mais objetivada em Mead com a sua divisão social do trabalho. No
momento da eticidade, o reconhecimento aparece como um conteúdo vazio de expressão,
sendo que o conceito de solidariedade que aparece nesta fase “carece dedo fundamento dado
por um contexto de experiência motivador” (p. 154) Portanto, a materialidade continua a ser
um problema no reconhecimento, em especial se considerarmos os aspectos materiais que o
informam. Algo como a vagueza da expressão dignidade da pessoa humana, de certa forma,
também habita a solidariedade que deve informar o reconhecimento (em especial se o
considerarmos não na sua injunção íntima da família ou do aspecto delimitador do direito,
consideradas as etapas anteriores dadas pelo próprio Hegel).
Luta por reconhecimento- Atualização sistemática: a
estrutura das relações sociais de reconhecimento

 A despeito da observação anterior, Honneth acredita que, com a sua noção de


divisão social do trabalho e alguns dos aspectos anteriores, “com os meios
construtivos da psicologia social de Mead foi possível dar à teoria hegeliana da
‘luta por reconhecimento’ uma inflexão materialista. Não foi somente a
premissa geral do primeiro Hegel, segundo a qual a formação prática da
identidade humana pressupõe a experiência do reconhecimento intersubjetivo,
que reapareceu em Mead na forma alterada de uma hipótese empírica de
pesquisa; também foi possível encontrar em sua obra os equivalentes teóricos,
oriundos de uma concepção pós-metafísica e naturalista, para a distinção
conceitual de diversas etapas de reconhecimento, e mesmo para a afirmação, de
longo alcance, acerca de uma luta que medeia essas etapas. Portanto, com a
inclusão da psicologia social de Mead, a ideia que o jovem Hegel traçou em seus
escritos de Jena com rudimentos genais pode se tonar o fio condutor de uma
teoria social de teor normativo; seu propósito é esclarecer os processos de
mudança social reportando-se às pretensões normativas estruturalmente
inscritas na relação de reconhecimento recíproco.” (p. 155)
Luta por reconhecimento- Atualização sistemática: a
estrutura das relações sociais de reconhecimento

 Alguns enganos, a nosso ver, estão evidentes na constatação anterior. Primeiro, não se torna
materialista algo apenas pela inserção de um dado empirista. Assim, Honneth é vítima da razão
instrumental, tão denunciada pela “Teoria Crítica”. O empirismo apenas tenta, a partir da eficiência
típica desta racionalidade, comprovar fatos por meio de suas demonstração práticas da teoria não se
confundindo com o materialismo histórico-dialético. Ainda que consideremos (o que não é fácil de se
entender como tal) que a psicologia social de Mead tem as suas premissas demonstráveis pela prática
diária dos fatos (coisas como a demonstrabilidade do “Me” e do “Eu” e os reflexos no plano dos fatos
sociais, observada a divisão social do trabalho, não é algo, a meu ver, tão simples assim), ainda assim
isto não se confunde com uma inflexão materialista (talvez pós-metafísica sim, mas não materialista,
em especial materialista-histórico dialética). Por fim, em ambas as hipóteses, em Hegel e Mead, a
meu ver, continua a existir, mesmo que se considere o empirismo do segundo, uma certa generalidade
que abstrai, tornando a expressão reconhecimento social um conteúdo formal e vazio – que não é
preenchido, na forma como tomada por Mead, pela expressão histórica, mas por fatores psicológicos
que o determinam, ainda que aparentemente socializados. O conteúdo individualista, ainda que
plural, mas individualista, o que revela o individualismo metodológico de Mead se encontra na
expressão autorrealização, que esconde, na divisão do trabalho, um esforço dos grupos de se
mostrarem merecedores do reconhecimento. De novo, o que se coloca como histórico, aparece com
um fator que emerge como natural, atravessando de forma eterna os tempo, algo que informa, desde a
sua origem, o capitalismo: a noção de meritocracia. Os indivíduos, ainda que pertencentes a certos
grupos, somente serão reconhecidos se merecerem o reconhecimento, ou seja, se demonstrarem o seu
valor na lógica da divisão do trabalho.
Luta por reconhecimento- Atualização sistemática: a
estrutura das relações sociais de reconhecimento

 O máximo da razão instrumental travestida de razão comunicativa. Ou seja, o


que é denunciado, em certa medida, por Honneth em Habermas aparece
novamente e de maneira sutil no primeiro. Não é possível, enfim, como tentou
demonstrar, mas tendo caído no mesmo equívoco, dividir de forma plena
“sistema” e “mundo da vida”. Não há como se dividir, de forma plena, quando se
adota teorias como do reconhecimento, ainda que com o “materialismo”
acrescentado por Mead, fazer uma separação entre o mundo do trabalho e o
mundo da cultura, sob pena de se cair num idealismo que se APRESENTA como
materialista. Ou seja, de novo se caiu na descontinuidade contínua, que já
informava a passagem de Kant para Hegel. Ou seja Honneth continua, embora
aparente descontinuidade, a trajetória de Habermas.
 No entanto, não se deve esquecer que, até o instante, Honneth ainda não deu a
sua contribuição original às ideias do jovem Hegel e de Mead, apenas os fez se
comunicarem, acreditando ter ultrapassado o idealismo hegeliano com o
materialismo de Mead expresso na divisão social do trabalho . Não obstante,
como se verá a seguir, mesmo com a sua contribuição, persevera a
“descontinuidade contínua”.
Luta por reconhecimento- Padrões de reconhecimento
intersubjetivos: amor, direito e solidariedade

 E é exatamente aqui, nos parece, que o tom idealista da teoria proposta se


apresenta bastante evidente. Ele se propõe, então, a clarificar a tipologia
deixada por Hegel e Mead, “pois ambos os pensadores, em igual medida, não
estiveram em condições de definir de forma mais adequada a experiências
sociais sob cuja pressão a asseverada luta por reconhecimento deve se originar
no processo histórico: tanto em Hegel como em Mead não se encontra uma
consideração sistemática daquelas formas de desrespeito que podem tornar
experienciável para os atores sócias, na qualidade de um equivalente negativo
das correspondentes relações de reconhecimento, o fato do reconhecimento
denegado. Por isso, no capítulo subsequente, tentaremos fechar essa lacuna,
diferenciando as diversas espécies de rebaixamento e de ofensa por que passam
os homens; nesse contexto, a remissão à tipologia das formas de
reconhecimento resultará na tese segundo a qual as formas de desrespeito
podem ser distinguidas lançando-se mão do critério de saber qual nível de
autorrelação de uma pessoa, intersubjetivamente adquirida, elas
respectivamente lesam ou chegam a destruir” (p. 157).
Luta por reconhecimento- Padrões de reconhecimento
intersubjetivos: amor, direito e solidariedade

 Portanto, passará, a estudar, a partir da premissa acima, as três


formas de reconhecimento recíproco – que será, embora com
algumas especificidades em um e em outro autor, a mesma em
Hegel e Mead: amor, direito e solidariedade. Da mesma
maneira, lembra que em ambos aparecem, nestas três
dimensões, as figuras da família, sociedade civil e estado –
embora em Mead mediadas pela divisão social do trabalho.
 AMOR -
 “Para falar do ‘amor’ não apenas no sentido restrito que o
conceito recebeu desde a valorização romântica da relação
íntima sexual, recomenda-se primeiramente um modo de
emprego neutro o máximo possível: por relações amorosas
devem ser entendidas aqui todas as relações primárias, na
Luta por reconhecimento- Padrões de reconhecimento
intersubjetivos: amor, direito e solidariedade

 medida em que elas consistam em ligações emotivas fortes entre poucas pessoas, segundo
o padrão de relações eróticas entre dois parceiros, de amizades e de relações pais/filhos.
Essa proposta coincide com o emprego que Hegel faz do conceito, no sentido de que nele
o ‘amor’ também designa mais do que somente o relacionamento sexualmente
preenchido entre homem e mulher; é verdade que seus primeiros escritos estão ainda
fortemente marcados pela caracterização da ligação emotiva intersexual feita pelo
primeiro romantismo, mas nossa interpretação havia mostrado que ele aplica o conceito
também ao raelacionamento afetivo entre pais e filhos no interior da família, por
exemplo. Para Hegel, o amor representa a primeira etapa de reconhecimento recíproco,
porque em sua efetivação os sujeitos se confirmam mutuamente na natureza concreta de
suas carências, reconhecendo-se assim como seres carentes: na experiência recíproca da
dedicação amorosa, dois sujeitos se sabem unidos no fato de serem dependentes, em seu
estado carencial, do respectivo outro. Além disso, visto que carências e afetos só podem
de certo modo receber ‘confirmação’ porque são diretamente satisfeitos ou
correspondidos, o próprio reconhecimento deve possuir o caráter de assentimento e
encorajamento afetivo; nesse sentido, essa relação de reconhecimento está também
ligada de maneira necessária à existência corporal dos outros concretos, os quais
demonstram entre si sentimentos de estima” (p. 159 e 160).
Luta por reconhecimento- Padrões de reconhecimento
intersubjetivos: amor, direito e solidariedade

 A partir desta noção de amor o autor começa a fazer várias digressões


prenhes de psicologismo.
 Parte do bebê e de sua dependência materna, para demonstrar as
primeiras fases do reconhecimento, descendo inclusive a detalhes sobre
desvios no processo de formação do ego e do id de qualquer ser
humano.
 No entanto, é a partir da relação entre mãe e filho que tece os
comentários, a partir de “dados empíricos”, sobre uma primeira fase do
reconhecimento. Indo do início do processo de dependência absoluta
do bebê em relação à mãe ao de sua independência, passando pela
dependência relativa, como indispensáveis para a consolidação do
reconhecimento na fase adulta. Estes dados serão importantes também
para o processo de denegação do reconhecimento, que serão analisados
a partir desta primeira relação, que é de cunho afetivo.
Luta por reconhecimento- Padrões de reconhecimento
intersubjetivos: amor, direito e solidariedade

 Começa de premissas como os trabalhos de Winnicott, que, partindo da teoria


freudiana referente ao narcicismo primário, diz que “não só o bebe deve
alucinar, tomando o comportamento cuidadoso materno como uma emanação
da própria onipotência; também perceberá todas as reações de seu filho como o
elemento de um único ciclo de ação. Essa unidade originária do
comportamento, reciprocamente vivenciada, para a qual ganhou cidadania na
pesquisa empírica o conceito de ‘intersubjetividade primária’, suscita a questão
com que Winnicott se ocupou principalmente durante sua vida: como se
constitui o processo de interação através do qual mãe e filho podem se separar
do estado do indiferenciado ser-um, de modo que eles aprendam a se aceitar e
amar, afinal, como pessoas independentes?” (p. 164 e 165).
 A seguir passa a descrever como se dá este processo de independência e como
ele é importante para que se possa chegar à etapa seguinte do reconhecimento,
que é o direito (considerando-se aqui a vida adulta), em que são ultrapassadas
as limitações da dependência filho/mãe.
Luta por reconhecimento- Padrões de reconhecimento
intersubjetivos: amor, direito e solidariedade

 Aqui aparecem coisas como: “Para a criança, resulta do


processo de desilusão, iniciado quando a mãe já não pode
estar à sua disposição em virtude do novo aumento de sua
autonomia de ação, um grande desafio, difícil de ser vencido:
se a pessoa fantasiada até então como parte de seu mundo
subjetivo escapa gradativamente de seu controle onipotente,
ela precisa começar a chegar a um ‘reconhecimento do objeto
como um ser com direito próprio’” (p. 168).
 Há um deslocamento do olhar do filho, que, primeiro,
reconhece o objeto por meio do olhar da mãe onipresente, e
depois passa para o seu próprio olhar, à medida em que a sua
dependência da mãe – por um processo doloroso, mas
necessário, de separação – se esvai.
Luta por reconhecimento- Padrões de reconhecimento
intersubjetivos: amor, direito e solidariedade

 O papel da mãe também é importante, já que a criança, no processo de


separação, ficará agressiva, sendo que a mãe deve sobreviver aos ataques
destrutivos dele sem revidar: “se a mãe sobrevive a seus ataques destrutivos sem
revidar, ele se desloca praticamente, de certo modo, para um mundo no qual
existem ao lado dele outros sujeitos. Nesse sentido, os atos destrutivos e lesivos
não são a expressão de uma elaboração negativa de experiências frustrantes;
eles formam os meios construtivos com base nos quais a criança pode chegar a
um reconhecimento da mãe, isento de ambivalência, como ‘um olhar com
direito próprio’: se ela suportar seus atos destrutivos como pessoa capaz de
resistência, chegando até mesmo a lhe dar, com negativas, ensejo a erupções de
fúria, então ele se torna capaz, através da integração de seus impulsos
agressivos, de amá-la sem fantasias narcisísticas de onipotência.” (p. 169) E
mais adiante: “com efeito, só na tentativa de destruição de sua mãe, ou seja, na
forma de uma luta, a criança vivencia o fato de que ela depende da atenção
amorosa de uma pessoa existindo independentemente dela, como ser com
pretensões próprias” (p. 170).
Luta por reconhecimento- Padrões de reconhecimento
intersubjetivos: amor, direito e solidariedade

 “Se a mãe soube passar pelo teste de seu filho, tolerando os ataques agressivos sem a
vingança de privá-lo do amor, então, da perspectiva dele, ela pertence de agora em diante
a um mundo exterior aceito com dor; pela primeira vez, como foi dito, ele terá de tomar
consciência agora de sua dependência em relação à dedicação dela. Se o amor da mãe é
duradouro e confiável, a criança é capaz de desenvolver ao mesmo tempo, à sombra de
sua confiabilidade intersubjetiva, uma confiança na satisfação social de suas próprias
demandas ditas pela carência; pelas vias psíquicas abertas dessa forma, vai se
desdobrando nela, de maneira gradual, uma ‘capacidade elementar de estar só’. Winnicott
atribui a capacidade da criança de estar a sós, no sentido de que ela começa a descobrir de
maneira descontraída ‘sua própria vida pessoal’, à experiência da ‘existência contínua de
uma mãe confiável’: só na medida em que ‘há um bom objeto na realidade psíquica do
indivíduo’ ele pode se entregar a seus impulsos internos, sem o medo de ser abandonado,
buscando entendê-los de modo criativo e aberto à experiência” (p. 173). Neste processo, a
criança vai adquirindo autoconfiança, indispensável para a vida adulta, além do que estas
relações da primeira infância constituir elemento indispensável da estrutura
comunicativa para o reconhecimento recíproco. Não apenas de si com a própria mãe, mas
no futuro em relação a todos os demais.
Luta por reconhecimento- Padrões de reconhecimento
intersubjetivos: amor, direito e solidariedade

 “Além disso, visto que essa relação de reconhecimento prepara o caminho para uma
espécie de autorrelação em que os sujeitos alcançam mutuamente uma confiança
elementar em si mesmos, ela precede, tanto lógica como geneticamente, toda outra
forma de reconhecimento recíproco: aquela camada fundamental de uma segurança
emotiva não apenas na experiência, mas também na manifestação das próprias
carências e sentimentos, propiciada pela experiência intersubjetiva do amor,
constitui o pressuposto psíquico do desenvolvimento de todas as outras atitudes de
autorrespeito” (p. 177)
 DIREITO –
 “Para o direito, Hegel e Mead perceberam uma semelhante relação na circunstância
de que só podemos chegar a uma compreensão de nós mesmos como portadores de
direitos quando possuímos, inversamente, um saber sobre quais obrigações temos
de observar em face do respectivo outro: apenas da perspectiva do ‘outro
generalizado’, que já nos ensina a reconhecer os outros membros da coletividade
como portadores de direitos, nós podemos nos entender também como pessoa de
direito, no sentido de que podemos estar seguros do cumprimento social de
algumas de nossas pretensões.” (p. 179)
Luta por reconhecimento- Padrões de reconhecimento
intersubjetivos: amor, direito e solidariedade

 Em Mead, o outro generalizado no direito tem um conteúdo normativo


reduzido, na medida em que o sujeito individual alcança aqui
reconhecimento a partir de uma qualidade legítima baseada na divisão
do trabalho. Esta determinação, que para Honneth é a dimensão
histórica de Mead, não se encontra presente em Hegel, onde aparece
com conteúdo mais universal, na medida em que nos reconhecemos
reciprocamente na observância, para todos e de forma igual, no
cumprimento dos direitos e obrigações recíprocos.
 Percebe-se que onde há direito não implica haja respeito. Há um
desacoplamento das figuras do reconhecimento e estima social. Pelo
direito, portanto, podemos reconhecer um ser humano sem
necessariamente estimá-lo. Mesmo no caso de Mead, esta estima não
está necessariamente presente.
Luta por reconhecimento- Padrões de reconhecimento
intersubjetivos: amor, direito e solidariedade

 Há, portanto, um problema valorativo que, quer numa, quer noutra vertente,
não é resolvida imediatamente.
 Há, ainda, uma importância, revelada por Honneth, no procedimento pelo qual
é reconhecido o direito das pessoas nesse processo de luta.
 Quanto mais o procedimento de incorporação de direitos, nesta luta por
reconhecimento, for informado pela democracia, mais será possível afirmar-se
que o reconhecimento pelos direitos incorpora o elemento valorativo das
pessoas reconhecidas. E neste passo é importante entender o processo histórico
das dimensões dos direitos nas lutas por reconhecimento, momento em que o
autor passa para uma análise das conquistas de direitos individuais, sociais e de
solidariedade, sempre no sentido de que “a ampliação cumulativa de
pretensões individuais, com a qual temos de lidar em sociedades modernas,
pode ser entendida como um processo em que a extensão das propriedades
universais de uma pessoa moralmente imputável foi aumentando passo a
passo, visto que, sob a pressão de uma luta por reconhecimento, devem ser
sempre adicionados novos pressupostos para a participação na formação
racional da vontade” (p. 189)
Luta por reconhecimento- Padrões de reconhecimento
intersubjetivos: amor, direito e solidariedade

 Diz da importância do reconhecimento das pretensões jurídicas, no


plano dos direitos individuais, como relevante para a teoria do
reconhecimento, mas não como suficiente, sendo necessários os
demais direitos para que o reconhecimento se faça pleno. E mais ainda
há necessidade que estes direitos (parece se referir em especial aos
direitos sociais) tenham efeitos concretos na vida das pessoas, não
valendo apenas como pretensões em tese.
 Neste contexto, colhe registrar que a denegação de direitos a certos
grupos, pela experiência do direito denegado ou do desrespeito aos
direitos já conquistados representa, na luta pelo reconhecimento, dado
importante – já que indicam conflitos em “torno da ampliação tanto do
conteúdo material, como do alcance social do status de uma pessoa de
direito.” (p. 194)
Luta por reconhecimento- Padrões de reconhecimento
intersubjetivos: amor, direito e solidariedade

 “(...) assim como, no caso do amor, a criança adquire a confiança para manifestar
espontaneamente sua carências mediante a experiência contínua da dedicação materna,
o sujeito adulto obtém a possibilidade de conceber sua ação como manifestação da
própria autonomia, respeitada por todos os outros, mediante a experiência do
reconhecimento jurídico. Que o autorrespeito é para a relação jurídica o que a
autoconfiança era para a relação amorosa é o que já se sugere pela logicidade com que os
direitos se deixam conceber como signos anonimizados de um respeito social, da mesma
maneira que o amor pode ser concebido como expressão afetiva de uma dedicação, ainda
que mantida á distância: enquanto este cria em todo ser humano o fundamento psíquicos
para poder confiar nos próprios impulsos carenciais, aqueles fazem surgir nele a
consciência de poder se respeitar a si próprio, porque ele merece o respeito de todos os
outros. No entanto, só com a formação de direitos básicos universais, uma forma de
autorrespeito dessa espécie pode assumir o caráter que lhe é somado quando se fala de
imputabilidade moral como o cerne, digno de respeito de uma pessoa; pois só sob as
condições em que direitos universais não são mais adjudicados de maneira díspar aos
membros de grupos sociais definidos por status, mas, em princípio, de maneira
igualitária a todos os homens como seres livres, a pessoa de direito individual poderá ver
neles um parâmetro para que a capacidade de formação do juízo autônomo encontre
reconhecimento nela.” (p. 195)
Luta por reconhecimento- Padrões de reconhecimento
intersubjetivos: amor, direito e solidariedade

 Por fim, associa a conquista de direitos individuais à noção de autorrespeito e à


sua ausência ou descumprimento a experiências a de desrespeito. Menciona
especificamente a situação envolvendo os negros nos EUA dos anos 50/60 –
encontrando-se ali o exemplo bom de desrespeito pelo não reconhecimento de
direitos (segregação) e a luta pelo reconhecimento a partir daí: o subprivilégio
jurídico “conduz a um sentimento paralisante de vergonha social, do qual só o
protesto ativo e a resistência poderiam libertar.” (p. 198).

 SOLIDARIEDADE - ESTIMA SOCIAL

 “(...) para poderem chegar a uma autorrelação infrangível, os sujeitos humanos


precisam ainda, além da experiência da dedicação afetiva e do reconhecimento
jurídico, de uma estima social que lhes permita referir-se postivamente a suas
propriedades e capacidades concretas.” (p. 198)
Luta por reconhecimento- Padrões de reconhecimento
intersubjetivos: amor, direito e solidariedade

 “Como já tínhamos visto, diferentemente do reconhecimento jurídico em sua forma moderna, a


estima social se aplica às propriedades particulares que caracterizam os seres humanos em suas
diferenças pessoais; por isso, enquanto o direito moderno representa um medium de reconhecimento
que expressa propriedades universais de sujeitos humanos de maneira diferenciadora, aquela segunda
forma de reconhecimento requer um medium social que deve expressar as diferenças de propriedades
dentre sujeitos humanos de maneira universal, isto é, intersubjetivamente vinculante.” (p. 199)
 Aqui teríamos, portanto, um elemento mais poroso que se refere ainda as manifestações valorativa e
ética, com objetivo de uma autocompreensão cultural de uma sociedade. A intersubjetividade decorre
do fato de que as capacidades e realizadas são julgadas a partir destes critérios de autocompreensão
cultural. Há aqui uma manifestação em torno de objetivos culturais que dão base a uma comunidade
de valores que vão sendo incorporados na constituição ética desta sociedade. Seria, em Hegel, o
máximo da eticidade. Assim, “quanto mais as concepções dos objetivos éticos se abrem a diversos
valores e quanto mais a ordenação hierárquica cede a uma concorrência horizontal, tanto mais a
estima social assumirá traço individualizante e criará relações simétricas” (p. 200). Percebe-se desta
fala o individualismo metodológico, já que o reforço destes valores éticos abre espaços para o exercício
de direitos individuais que, em seu aspecto subjetivante (ainda que de grupos), irá possibilitar, cada
vez mais, a ampliação dos espaços éticos. Cada uma das fases não elimina a anterior, mas ocorre num
constante processo dialético – na exata forma, das evoluções do espírito já no sistema de maturidade
de Hegel.
Luta por reconhecimento- Padrões de reconhecimento
intersubjetivos: amor, direito e solidariedade

 “A mudança estrutural que isso pôs em marcha é marcada, no plano de uma história conceitual, pela
transição dos conceitos de honra às categorias da ‘reputação’ ou ‘prestígio’ social.” (p. 201)
 Veja-se como a questão valorativa (os tais valores éticos) traz em si sempre o elemento do
merecimento típico do capitalismo. O que merece ser colocado na esfera dos valores, a partir de uma
reputação, preenchendo o conteúdo do prestígio social, decorre da luta pelo reconhecimento. O que
não consegue vencer nesta luta será desprestigiado, não terá reputação suficiente para ser
reconhecido. Já está morto antes mesmo de travar a luta pelo reconhecimento.
 Da sociedade estamental da idade média, há uma transformação para a sociedade capitalista, em que
a noção de honra vai sendo substituída pelo conceito de prestígio social. Ou seja, determinado
conteúdo ético que, historicamente, preenchia as relações sociais feudais, em que a noção de honra
ocupava o centro das preocupações, há uma transformação ética, em cujo contexto histórico o
conceito de honra social vai sendo gradativamente substituído pelo de prestígio social. Os conceitos
de estima e prestígio social são revelados pela estima, na medida em que o sujeito a goza socialmente
quanto às suas realizações e capacidades individuais. No plano jurídico, há uma transformação da
honra em dignidade da pessoa humana e, no plano dos valores, as noções de prestígio e reputação
referem-se ao grau de reconhecimento que o indivíduo merece na sociedade para “sua forma de
autorrealização, porque de algum modo contribui com ela à implementação prática dos objetivos da
sociedade, abstratamente definidos; tudo na nova ordem individualizada do reconhecimento
depende, por conseguinte, de como se determina o horizonte universal de valores, que ao mesmo
tempo deve estar aberto a formas distintas de autorrealização, mas que deve poder servir também
como um sistema predominante de estima.” (p. 206)
Luta por reconhecimento- Padrões de reconhecimento
intersubjetivos: amor, direito e solidariedade

“(...) nas sociedades modernas, as relações de estima social estão sujeitas a uma luta
permanente na qual os diversos grupos procuram elevar, com os meios da força simbólica e
em referências às finalidades gerais, o valor das capacidades associadas à sua forma de vida.
Contudo, o que decide sobre o desfecho dessas lutas, estabilizando apenas
temporariamente, não é apenas o poder de dispor de meios da força simbólica, específico de
determinados grupos, mas também o clima, dificilmente influenciável, das atenções
públicas: quanto mais os movimentos sociais conseguem chamar a atenção da esfera pública
para a importância negligenciada das propriedades e das capacidades representadas por eles
de modo coletivo, tanto mais existe para eles a possibilidade de elevar na sociedade o valor
social ou, mais precisamente, a reputação de seus membros. Além disso, uma vez que as
relações da estima social, como já havia visto Georg Simmel, estão acopladas de forma
indireta com os padrões de distribuição de renda, os confrontos econômicos pertencem
constitutivamente a essa forma de luta por reconhecimento”.
Enfim, a revelação é uma luta de todos contra todos camuflada, em que o escopo final é a
autorrealização, para fins de obtenção de vantagens econômicas. Embora não se revele que o
seja, esta frase mostra o quanto cruel é a luta por reconhecimento aqui proposta. É uma luta
em que sobreviverão, e receberão as vantagens da vitória, apenas os que merecem ser
reconhecidos.
Luta por reconhecimento- Padrões de reconhecimento
intersubjetivos: amor, direito e solidariedade

 E além de tudo, há um prêmio suplementar: “A autorrelação prática a que a uma experiência de


reconhecimento desse gênero faz os indivíduos chegar é, por isso, um sentimento de orgulho do
grupo ou de honra coletiva; o indivíduo se sabe aí como membro de um grupo social que está em
condição de realizações comuns, cujo valor para a sociedade é reconhecido por todos os seus demais
membros. Na relação interna de tais grupos, as formas de interação assumem nos casos normais o
caráter de relações solidárias, porque todo membro se sabe estimado por todos os outros na mesma
medida; pois por ‘solidariedade’ pode se entender, numa primeira aproximação, uma espécie de
relação interativa em que os sujeitos tomam interesse reciprocamente por seus modos distintos de
vida, já que eles se estimam entre si de maneira sim ética. Essa proposta explica também a
circunstância de o conceito de ‘solidariedade’ se aplicar até o momento precipuamente às relações de
grupo que se originam na experiência da resistência comum contra a repressão política; pois aqui é a
concordância no objetivo prático, predominando sobre tudo, que gera de súbito um horizonte
intersubjetivo de valores no qual cada um aprende a reconhecer em igual medida o significado das
capacidades e propriedades do outro” (p. 209)
 Na medida em que tudo isto vai se processando, os indivíduos pertencentes a dado grupo passam a ter
sentimento de valor próprio, de autoestima, em vista da autoconfiança e autorrespeito que passam a
adquirir. Tais relações são solidárias por despertar não apenas a tolerância relativamente às
particularidades de cada pessoa, mas também um efetivo interesse por esta particularidade. Assim
desenha-se o seguinte quadro: PDF
Luta por reconhecimento- Padrões de reconhecimento
intersubjetivos: amor, direito e solidariedade

 O contrário disto tudo, portanto o desrespeito, a ofensa à identidade pessoal, pode levar à ruína do
indivíduo, minando as suas pretensões identitárias. Em complemento a Hegel e Mead, portanto,
Honneth introduz, a partir do diagnóstico acima (em especial do seu aspecto negativo: a negação pelo
desrespeito), as possibilidades a partir das quais surgem as lutas pelo reconhecimento, pela resistência
social. Elenca três possibilidades: a) ofensa ao corpo ou à psique de uma pessoa (“Os maus-tratos
físicos de um sujeito representam um tipo de desrespeito que fere duradouramente a confiança,
aprendida através do amor”, sendo que o mesmo se dá com os maus tratos psíquicos; b) o desrespeito
pessoal indicado pela exclusão de direitos a certa pessoa ou certo grupo; c) por fim elenca o
desrespeito proveniente da desconsideração do modo de vida individuais ou coletivos.
 Após fala nas consequências decorrentes dos alijamentos acima que vão desde os sentimentos de
vergonha do indivíduo e do grupo até revoltas que são responsáveis pela luta pelo reconhecimento,
fato não identificado, segundo Honneth, nas teorias do reconhecimento de Hegel e Mead, na medida
em que não consideraram o elemento ativo que seria importante como dado prático para a ação dos
movimentos sociais na luta por reconhecimento. No entanto, na tentativa de evitar o excessivo
psiquismo e voluntarismo que vinha se abatendo sobre a sua teoria, Honneth utiliza-se de Dewey, que
fala dos sentimentos humanos como importantes fatores para a ação política, sendo que sentimentos
negativos como a ira, a indignação, a tristeza e o orgulho ou felicidade seriam um aspecto efetivo de
deslocamento do plano das expectativas para a ação, sendo que “os sentimentos representam de modo
geral as reações afetivas no contrachoque do sucesso ou do insucesso de nossas intenções práticas”. A
tentativa é vã, já que torna mais evidente que estamos diante de uma teoria que aposta enormemente
nos sentimentos, com o que retoma ao seu elemento considerado mais primário das relações de
reconhecimento: o amor. Os sentimentos é que, em última instância, movem a ação política.
Luta por reconhecimento- Padrões de reconhecimento
intersubjetivos: amor, direito e solidariedade

 Há uma crise na perspectiva da comunicação, na medida em que as pessoas, desapontadas em suas


expectativas normativas de reconhecimento não foi atendida por seu defronte. Após falar da força quase que
revolucionária que tem o sentimento de vergonha moral, encerra com o seguinte discurso:
 “Nessas reações de emocionais de vergonha, a experiência de desrespeito pode tornar-se o impulso
motivacional de uma luta por reconhecimento. Pois a tensão afetiva em que o sofrimento de humilhações
força o indivíduo a entrar só pode ser dissolvida por ele na medida em que reencontra a possiblidade da ação
ativa; mas que essa práxis reaberta seja capaz de assumir a forma de uma resistência política resulta das
possibilidades do discernimento moral que de maneira inquebrantável estão embutidas naqueles sentimentos
negativos, na qualidade de conteúdos congnitivos. Simplesmente porque os sujeitos humanos não podem
reagir de modo emocionalmente neutro às ofensa sociais, representadas pelos maus-tratos físicos, pela
privação de direitos e pela degradação, os padrões normativos do reconhecimento recíproco têm uma certa
possiblidade de realização no interior do mundo da vida social em geral; pois toda reação emocional negativa
que vai de par com a experiência de um desrespeito de pretensões de reconhecimento contém novamente em
si a possiblidade de que a injustiça infligida ao sujeito se lhe revele em termos cognitivos e se torne o motivo
da resistência política. Contudo, a fraqueza desse suporte prático da moral no interior da realidade social se
mostra no fato de que a injustiça do desrespeito não tem de se revelar inevitavelmente nessas reações afetivas,
senão que apenas o pode: saber empiricamente se o potencial cognitivo, inerente aos sentimentos da vergonha
social e da vexação, se torna uma convicção política e moral depende sobretudo de como está constituído o
entorno político e cultura dos sujeitos atingidos – somente quando o meio de articulação de um movimento
social está disponível é que a experiência de desrespeito pode tornar-se uma fonte de motivação para ações de
resistência política. No entanto, só uma análise das experiências morais instrui acerca da lógica que segue o
surgimento desses movimentos coletivos.” (p.224)
Luta por reconhecimento- Padrões de reconhecimento
intersubjetivos: amor, direito e solidariedade

 Em vista da nova eticidade buscada, “saber se


aqueles valores materiais apontam na direção de
um republicanismo político, de um ascetismo
ecologicamente justificado ou de um
existencialismo coletivo, saber se ele pressupõem
transformações na realidade econômica e social ou
se se mantêm compatíveis com as condições de
uma sociedade capitalista, isso já não mais assunto
da teoria, mas sim do futuro das lutas sociais” (p.
280). COM ESTA FRASE ENCERRA O LIVRO.

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