contemporânea: questão da justiça em uma sociedade liberal-democrática. Pergunta central: o que é uma sociedade justa e democrática? Outras questões: quais valores fundamentais deveriam compor o núcleo central de uma teoria da justiça ou de um ideal de sociedade justa? O que é a liberdade? O que é a igualdade? Etc. Principais teorias contemporâneas da justiça e da democracia • O liberalismo político/liberalismo igualitarista – John Rawls – Uma Teoria da Justiça (1971); O Liberalismo Político (1993). • O libertarismo – Robert Nozick – Anarquia, Estado e Utopia (1974). • O comunitarismo – Michael Sandel – O liberalismo e os Limites da Justiça (1982); Alasdair MacIntyre – Depois da Virtude (1981); Charles Taylor – As Fontes do Self (1989); Michael Walzer – Esferas da Justiça (1983); • O feminismo – Judith Butler – Mecanismos psíquicos do poder (1997); • Outras autoras feministas: Nancy Fraser, Seyla Benhabib, Iris Marion Young etc. • A teoria do reconhecimento – Axel Honneth – Luta por Reconhecimento (1996); O Direito da Liberdade (2011). A teoria da justiça de John Rawls – teoria da justiça como equidade • Uma teoria da justiça – publicada em 1971 – crítica a doutrina moral e política que havia dominado o debate filosófico-político no mundo de língua inglesa: o utilitarismo (Jeremy Bentham e John Stuart Mill). • Tese principal do utilitarismo: um ato ou procedimento moralmente correto (e, portanto, justo) é aquele que produz a maior felicidade para a maioria dos membros de uma dada sociedade. • Rawls: ideia central de sua “concepção geral de justiça”: todos os bens primários sociais – liberdade e oportunidade, renda e riqueza, e as bases do respeito de si mesmo – devem ser distribuídos igualmente, a menos que uma distribuição desigual de qualquer um ou todos esses bens seja vantajosa para os menos favorecidos. • Importante: a única injustiça aceita é aquela que beneficia os menos favorecidos, isto é, aqueles que receberam até agora uma parcela menor dos resultados da cooperação social. • Prioridade das liberdades e dos direitos frente as questões de ordem da redistribuição: os direitos e liberdade jamais podem ser sacrificados em detrimento de um ganho econômico maior; • Dois princípios da justiça: - Primeiro Princípio: Cada pessoa deve ter um direito igual ao sistema total mais extenso de liberdades básicas compatíveis com um sistema de liberdade similar para todos; - Segundo Princípio: as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de modo que sejam: a) Para o maior benefício dos que têm menos vantagens; b) Vinculadas a cargos e posições abertos a todos sob condições de igualdade de oportunidades equitativas; Importante: na concepção de justiça de Rawls, os direitos e as liberdades possuem prioridade em relação a distribuição econômica; O argumento da igualdade de oportunidades
- “A igualdade equitativa de oportunidades exige não só que
cargos públicos e posições sociais estejam abertos no sentido formal, mas que todos tenham uma chance equitativa de ter acesso a eles. Para especificar a ideia de chance equitativa, dizemos: supondo que haja uma distribuição de dotes naturais, aqueles que têm o mesmo nível de talento e de habilidade, bem como a mesma disposição para usar esses dons, deveriam ter as mesmas perspectivas de sucesso, independentemente de sua classe social de origem, a classe em que nasceram e se desenvolveram até a idade da razão. Em todos os setores da sociedade, deve haver praticamente as mesmas perspectivas de cultura e de realização para aqueles com motivação e com dotes semelhantes”. • Os cargos públicos devem ser abertos para todos; • A sociedade não pode fazer distinções arbitrárias entre os indivíduos; • Ninguém deve ser prejudicado ou favorecido por causa das circunstâncias sociais; • A raça, a classe, o sexo etc. não são elementos legítimos para um tratamento desigual por parte da sociedade e de suas instituições mais importantes. • “Ao assegurar os direitos e as liberdades básicas iguais para todos, bem como a igualdade equitativa de oportunidades, a sociedade política garante os elementos essenciais do reconhecimento público das pessoas como membros livres e iguais, isto é, seu status de cidadãos”. A ideia principal da teoria da justiça • A teoria da justiça é uma teoria contratualista aos moldes de como se lê em Locke, Rousseau e Kant; não se trata de um contrato que introduz uma sociedade particular ou que estabelece uma forma particular de governo; • A ideia norteadora é a de que os princípios da justiça para a estrutura básica da sociedade são objeto de um consenso original – posição original; Posição Original • Na teoria da justiça como equidade, a posição original de igualdade corresponde ao estado de natureza da teoria do contrato social; • A posição original é uma situação puramente hipotética que conduz à escolha dos princípios de justiça; • As características essenciais dessa situação: • a) ninguém conhece seu lugar na sociedade, sua classe social, sua condição na distribuição dos dotes e habilidade naturais, sua inteligência, força etc.; • b) ninguém conheceria sua concepção de bem ou propensão psicológica particular; • Os princípios da justiça seriam escolhidos sob um véu da ignorância; • a) isso garante que ninguém seria favorecido ou desfavorecido na escolha dos princípios pelo resultado do acaso natural ou pelas contingências das circunstâncias sociais; • b) uma vez que todos estejam numa condição semelhante e não podem direcionar os princípios para seu caso particular, os princípios da justiça seriam o resultado de um consenso ou de um ajuste equitativo; O Utilitarismo Clássico • O objetivo de Rawls é elaborar uma teoria da justiça que se coloque como opção à todas as versões do utilitarismo clássico; • Tese principal: “a sociedade está ordenada de forma correta e, portanto, justa, quando suas instituições mais importantes estão planejadas de modo a conseguir o maior saldo líquido de satisfação obtido a partir da soma das participações individuais de todos os seus membros”; • Raciocínio utilitarista: a) cada homem, ao realizar seus interesses, é livre para avaliar suas perdas e ganhos; b) podemos nos impor um sacrifício agora por uma vantagem maior depois; c) uma pessoa age de maneira muito apropriada, pelos menos quando outros não são afetados, com o intuito de promover a satisfação do seu bem-estar, os seus objetivos racionais o máximo possível; • Por que uma sociedade não deveria agir exatamente no mesmo princípio aplicado ao grupo de indivíduos e, portanto, considerar que o que é racional para um único homem igualmente como justo para uma sociedade de seres humanos? • d) Uma vez que o princípio para o indivíduo é promover ao máximo o seu bem-estar, seu sistema de desejos, o princípio para a sociedade é promover ao máximo o bem-estar do grupo, realizar até o mais alto grau o abrangente sistema de desejos ao qual se chega com a soma de desejos de seus membros; • d) da mesma forma que um indivíduo avalia vantagens presentes e futuros com perdas presentes e futuras, assim uma sociedade pode contrabalançar satisfações e insatisfações em diferentes indivíduos; • Princípio da utilidade: uma sociedade está adequadamente ordenada quando suas instituições maximizam o saldo líquido das satisfações; • O princípio da escolha para uma associação de seres humanos é interpretado como uma extensão do princípio da escolha para um único homem; a justiça social é o princípio da prudência aplicado a uma concepção somática do bem-estar do grupo; • Os dois conceitos principais da ética utilitarista são o bem e o justo; destes conceitos deriva a ideia de uma pessoa moralmente justa; • Teorias teleológicas: defendem a ideia que o bem de define independentemente do justo; • Justas são aquelas instituições ou ações possíveis que das alternativas possíveis retiram o maior bem; • Interpretação da tese utilitarista de que o bem se justifica independentemente do justo: • a) a teoria considera nossas avaliações acerca do que constitui o bem (nossos julgamentos de valor) como uma espécie de avaliações que se pode elaborar intuitivamente pelo senso comum, e só depois propõe a ideia de que o justo é aquilo que maximiza o bem; • b) a teoria possibilita que alguém julgue o bem em cada caso sem indagar se corresponde ao que é justo; • “A característica surpreendente da visão utilitarista da justiça reside no fato de que não importa, exceto indiretamente, o modo como essa soma de satisfações se distribui entre os indivíduos, assim como não importa, exceto indiretamente, o modo como um homem distribui sua satisfação ao longo do tempo. A distribuição correta, nos dois casos, é aquela que permite a máxima realização. A sociedade deve distribuir seus meios de satisfação, quaisquer que sejam, direitos e deveres, oportunidades e privilégios, e várias formas de riqueza, de modo a conseguir, se possível, esse grau de satisfação” (RAWLS, §5, p. 27-28). • Os objetivos da justiça, portanto, seriam os de alcançar um saldo máximo de satisfação: • a) Assim, não há razões para que os benefícios maiores de alguns não devam compensar as perdas menores de outros; • b) Não há razões para que a perda da liberdade de alguns não possa ser justificada por um bem partilhado por muitos; • Portanto: a maneira mais simples de se chegar ao utilitarismo é adotar para a sociedade como um todo os princípios da escolha racional utilizados para um único homem. • O erro do utilitarismo reside no fato de estender à sociedade o princípio da escolha para um único homem, e depois, fazer a extensão funcionar, juntando todas as pessoas numa só, através dos atos criativos do observador solidário e imparcial; o utilitarismo não leva a sério a diferença entre as pessoas; o indivíduo perfeitamente racional é um observador imparcial ideal que identifica os desejos dos outros como se fossem os seus; Diferenças entre a concepção de justiça como equidade e a posição utilitarista • A primeira diferença é que justiça como equidade enfatiza a prioridade da justiça em relação às concepções de bem: “cada membro da sociedade é visto como possuidor de uma inviolabilidade fundada na justiça, ou, como dizem alguns, no direito natural, que nem mesmo o bem-estar de todos os outros pode anular. A justiça nega que a perda da liberdade para alguns se justifique por um bem maior partilhado por outros. [...] [...] O raciocínio que equilibra os ganhos e as perdas de diferentes pessoas como se elas fossem uma pessoa só fica excluído. Portanto, numa sociedade justa, as liberdades básicas são tomadas como pressupostos e os direitos assegurados pela justiça não estão sujeitos à negociação política ou ao cálculo de interesses” (RAWLS, §6, p. 30). • A justiça como equidade tenta explicar essas concepções do senso comum a respeito da prioridade da justiça, mostrando que são consequências da escolha dos princípios da justiça escolhidos na posição original; • A segunda diferença é que a teoria utilitarista estende à sociedade o princípio da escolha feita por um único ser humano, a justiça com equidade, enquanto uma teoria contratualista, sustenta que os princípios da escolha social e, portanto, os princípios da justiça, são objeto de um acordo inicial; é preciso considerar a pluralidade das diferenças entre os indivíduos que compõem uma sociedade democrática – o utilitarismo não consegue tratar adequadamente esse problema; • A terceira diferença é que a teoria utilitarista da justiça é teleológica, ao passo que a teoria da justiça como equidade é deontológica; • A teoria da justiça como equidade é deontológica na medida em que as pessoas, na posição original, escolheriam um princípio de liberdade igual e restringiriam a questão das desigualdade sociais e econômicas àquelas do interesse de todos, não há razões para pensar que instituições justas maximizariam o bem; • Na teoria da justiça como equidade, as pessoas aceitam de antemão um princípio de liberdade igual e o fazem sem conhecer seus próprios interesses; por isso, aceitam em conformar os seus bens e interesses particulares com os princípios de uma teoria da justiça como equidade; • Os princípios da justiça limitam nossas concepções particulares do bem.