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Imagem: simulacro, dor...


Edmundo Cordeiro
Universidade da Beira Interior

Résumé faire qu’elle soit immédiatement réelle, ça


veut dire, en somme, briser un schème de
Avec l’expression “l’état du cliché”, em-
perception... Pas facile, tant de la part de
prunté à Deleuze, nous voulons désigner
la figuration que de la part de la réception.
à la fois ce que la perception occulte de
Et là, finalement, nous présentons l’affection
l’image - on se défait difficilement de notre
(Bergson), et l’image-affection (Deleuze),
Bible, etc. - et ce que l’image devient
comme une violence que l’image fait à la
elle même: l’image tomberait toujours en
perception, quand, tout d’un coup, nous vo-
des clichés, et, une fois actualisée, elle se-
yons que voyons... Quand, tout d’un coup,
rait le modèle de clichés. En outre, avec
l’image nous regarde...
l’expression klossowkienne “invention du si-
mulacre” nous voulons désigner le travail de
"nettoyage"du cliché, lequel travail “présup- Resumo
pose le règne des stéréotypes prévalents”.
Chamemos “estado do cliché ”(Deleuze)
Nous affirmons que tout simulacre est en
à ocultação da imagem operada pela per-
quelque sorte distorsion, différence, tant par
cepção e àquilo em que a imagem se torna
rapport au cliché qu’en lui-même.“Faire que
uma vez actualizada: a imagem cairia em
l’image soit immédiatement réelle pour moi”
clichés e seria modelo de clichés. Cha-
de Bacon, c’est-à-dire, l’aboutissement à une
memos “invenção do simulacro” (Klossow-
image nouvelle - un simulacre, cet “équili-
ski) ao trabalho de limpeza do cliché, tra-
bre précaire” (Bacon), ce “signe instantané”
balho que “pressupõe o reino dos esterióti-
(Klossowski) - l’atteindre, la toucher avec
pos que prevalecem”. Afirmamos que todo
violence, la défigurer, signifierait travailler
o simulacro é distorsão, diferença, tanto re-
en elle de façon que le modèle et le discours
lativamente ao cliché, quanto em si mesmo,
(ou l’histoire) ne la surdéterminent d’une
caracterizando a não-distinção entre real e
forme telle que figurativité et réceptivité se-
imagem.O atingir a imagem, o fazer com que
raient toujours en quête d’un réel séparé de
ela seja imediatamente real (Bacon), signi-
l’image, ou, en somme, d’un lieu commun
fica trabalhar nela de modo a que o modelo e
du sens et du visible... Atteindre l’image,
o discurso não a sobredeterminem de forma

I congresso da SOPCOM, Lisboa, 23 de Março tal que figuratividade e receptividade estejam
de 1999. sempre a caminho de um real separado da
2 Edmundo Cordeiro

imagem, de um lugar comum do sentido e ceptividade primeira. (...) estes esquemas,


do visível. Significa, em suma, quebrar um enquanto esteriótipos, servirão para preve-
esquema de percepção.Apresentamos, por nir a sua menor alteração (...). Ora, é a
fim, a afecção (Bergson) e a imagem-afecção partir desta prevenção que começa o duplo
(Deleuze) como uma violência feita pela jogo do simulacro. Toda a invenção de um
imagem à percepção, quando, de repente, ve- simulacro pressupõe o reino dos esteriótipos
mos que vemos... Quando, de repente, a que prevalecem [prévalents] : é com os ele-
imagem nos olha... mentos decompostos destes que a fabricação
de um simulacro somente logra impor-se por
sua vez como "esteriótipo". (...) ao nível
1 Simulacro
da expressão tanto da linguagem quanto da
1.1 figuração plástica, os esteriótipos são resí-
duos de simulacros fantasmáticos caídos no
Numa entrevista sobre um trabalho de Go- uso comum: mas, enquanto simulacros de-
dard para televisão, "Six fois deux", e tendo gradados, reflectem uma reacção individual
como base a concepção de imagem ex- ou colectiva a algum fantasma esvaziado de
posta no primeiro capítulo de Matière et conteúdo. A invenção do simulacro procede
mémoire de Henri Bergson, Gilles Deleuze sempre da consciência deste processo (...)
classificava-o como uma tentativa de “(...) (3)”
restituir às imagens exteriores a sua integra-
lidade, fazer com que não percepcionemos
menos, fazer com que a percepção seja igual 1.2
à imagem, restituir às imagens tudo o que Neste trabalho de limpeza do cliché pode-
elas têm (1).” Por conseguinte, restituir às mos incluir o processo de desfiguração, a
imagens tudo o que elas têm e que a per- busca do efeito de imagem que é pópria de
cepção oculta. Chamemos a esta ocultação Francis Bacon. A imagem, ou de qualquer
da imagem, inspirando-nos em Deleuze, “o maneira o efeito de imagem por ele procu-
estado de cliché”. “Civilização da imagem? rado, ou ainda, diríamos nós, o simulacro,
(pergunta ele) De facto é uma civilização do a imagem nova é, diz ele, “(...) uma es-
cliché onde todos os poderes têm interesse pécie de equilíbrio num fio entre aquilo a
em esconder-nos as imagens, não forçosa- que se dá o nome de pintura figurativa e a
mente em esconder-nos a mesma coisa, mas abstracção (4).” É portanto um lugar muito
em esconder-nos qualquer coisa na imagem precário, o da imagem. À imagem, é preciso,
(2).” diz ele, “trazê-la ao de cima”, trabalho que
Por outro lado, chamemos “invenção do passa, no seu caso, pela distorção das for-
simulacro” a esse trabalho de limpeza do mas ilustrativas de aparências visuais. Ora,
cliché (que em Klossowski tem o nome de esta fórmula, não esquecendo nós, eviden-
esteriótipo): “O esteriótipo responde em pri- temente, que Bacon não criou "a"distorção,
meiro lugar aos esquemas normativos da mas "a sua"forma de distorção, esta fórmula
nossa apreensão visual, táctil ou auditiva, vale intrinsecamente para toda a invenção de
esquematização que condiciona a nossa re- simulacros, reconhecendo, porém, que esse

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trabalho de “trazer a imagem ao de cima” questão pode ser: como é que eu posso fa-
não tem de passar pela, diríamos nós agora, zer deste cliché um simulacro? O simula-
"aparência visível da distorção". Quer di- cro é, evidentemente, o que é mais real para
zer: todo o simulacro é, de algum modo, ele. Donde, com a questão da realidade da
distorção, ou, em termos mais suaves, dife- imagem opera-se um deslocamento relativa-
rença. A invenção do simulacro implica a mente à questão da distinção entre real e
presença ou a existência do cliché... Muito imagem. E a noção de simulacro pode ju-
provavelmente não haveria a necessidade de stamente servir-nos para caracterizar a não-
inventar simulacros se os clichés não fossem distinção entre real e imagem (6).
simulacros degradados, como diz Klossow-
ski. E o facto de a imagem "cair"em clichés, 1.4
e ser modelo de clichés, uma vez actualizada,
parece ser, por uma razão ou por outra, ine- Klossowski define o simulacro como “um
vitável, senão mesmo constitutivo (5)... signo de um estado instantâneo”. Neste
sentido, um simulacro não é nem uma má
realidade (uma realidade menos real) nem
1.3 uma má imagem (uma imagem segunda),
A dado passo das entrevistas com David Syl- e só “degradado” pode servir para alguma
vester, Bacon enuncia duas questões ineren- coisa, só assim pode ser, digamos, apro-
tes ao seu gesto enquanto pintor: “Como é priado. No entender de Klossowski, ele é um
que eu sinto que posso tornar esta imagem signo, mas um signo especular, não um signo
mais imediatamente real para mim?” ; significante: “a imagem é especular e não
“Quem é que nos nossos dias foi capaz de especulação (7)”. O simulacro marca esse
registar o que quer que seja, e tocando-nos ponto, dizem Deleuze e Guattari,“ (...)onde a
isso como uma realidade, sem que a imagem cópia deixa de ser uma cópia para se tornar
tenha sido profundamente atingida?” Uma [pour devenir] o Real e o seu artifício (8).”
vez mais, e próximo de nós no tempo, e E quando Deleuze em L’image-temps fala na
dito por quem faz imagens, uma vez mais necessidade de “arrancar aos clichés [quer
está aqui em causa, não sei se por um lado dizer às imagens de troca, imagens, diría-
e por outro lado, mas aparentemente, pelo mos nós, cujo carácter especular foi apan-
mesmo lado, o real e a imagem. Talvez não hado pela especulação significante] uma ver-
por mera vicissitude de vocabulário, o que dadeira imagem”, podemos considerar que
é facto é que as interrogações de Bacon (a se trata de extrair o simulacro da "imagem".
abertura da primeira - como fazer para - é Ora, atingir a imagem, como dizia Bacon,
fechada pela segunda - como fazer senão as- tocá-la com violência, desfigurá-la, signifi-
sim) referem que a imagem pode ser mais cará trabalhar nela de modo a que o mo-
e menos real, e pode sê-lo imediatamente. delo e o discurso (ou a história) não a so-
Donde, o material do pintor (a sua matéria) bredeterminem de forma tal que figurativi-
são as imagens e o que este busca, o real ime- dade e receptividade estejam sempre a ca-
diato, é o efeito de imagem, ou a imagem minho de um real separado da imagem e que
efeito, quer dizer: uma imagem nova. A é sempre, ou qualquer coisa que só apro-

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ximadamente pode ser figurada e recebida, o universo-matéria em movimento. E a sua


ou um lugar comum do sentido e do visí- existência, ainda que por vezes possam ser
vel. Furar o cliché, será, então, colocar "vistas", é independente do facto de serem
a imagem numa posição em que, relativa- ou não serem percepcionadas. Por conse-
mente a ela, deixamos de poder fazer o que guinte, não há coincidência entre as imagens
normalmente fazemos (em função da nossa vistas e as imagens-movimento do universo
situação, das nossas capacidades, dos nos- ou da matéria, não há coincidência entre
sos gostos (9)): desviarmo-nos e desviar o mundo-matéria-imagem (imagens exterio-
o olhar quando é demasiado desagradável, res) e a imagem do mundo (imagens inte-
resignarmo-nos quando é horrível, assimi- riores).Se há qualquer coisa como uma per-
lar o que é belo. Atingir a imagem, furar cepção, se as imagens, algumas delas, são as
o cliché, será, no fim de contas, fazer dela imagens "vistas", é porque há qualquer tipo
qualquer coisa de imediatamente real: que- de relação especial entre as imagens: a per-
brar um esquema de percepção. cepção é a variação das imagens em função
de uma única que lhes serve de écran. São
essas as imagens vivas, isto é, as que po-
2 Dor
dem reagir, mas igualmente armazenar entre
2.1 a acção e a reacção, introduzindo um inter-
valo no incessante movimento das imagens.
Mas não será fácil quebrar um esquema de Diz Deleuze: “É evidente que este fenómeno
percepção. Não é fácil furar o cliché. Não de intervalo não é possível senão na medida
é fácil ver de outra maneira. A concepção em que o plano de matéria contém tempo
bergsoniana de imagem mostra-o: percep- (10).” (11) Não percepcionamos indepen-
cionar é seleccionar em função de necessida- dentemente do tempo. Por via disso, todo
des - é, por definição, ver pouco. E ver mais o actual que a percepção é está envolto do
do que o suficiente para agir e reagir é quase virtual que é a memória. Em sentido estrito,
sempre doloroso. Talvez o reverso do gesto percepção e matéria não se distinguem, am-
de Bacon. Tratar-se-á agora da violência de bas são movimento e imagem, imagem-
ver a imagem. movimento. Mas por via de não haver,
Ora, o que é a imagem, para Bergson? no fundo, percepção sem memória, a per-
Imagem é mais do que uma "representação"e cepção consciente distingue-se da matéria.
menos do que uma "coisa"(Matière et mé- Há diferença de natureza entre percepção e
moire, Io capítulo). Existe a imagem: por memória.
isso, nem as coisas existem apenas na re-
presentação, nem as representações são so-
mente fruto de representações e por essa 2.2
razão diferentes de coisas. Em suma, o Bergson diz na primeira frase do prefácio a
que nos envolve, o que nos atravessa, o Matière et mémoire que afirma a realidade
que, por vezes, vemos, não são nem pro- do espírito e a realidade da matéria. Matéria
priamente coisas nem propriamente repre- e espírito serão potências que não sobrevi-
sentações - são imagens. As imagens são vem uma sem a outra e ambas se cruzam na

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memória, em imagem, nessa matéria sinaléc- dizer que a imagem percebida é uma imagem
tica que é movimento e tempo também. Tal- presente por entre as imagens reais, e que
vez muito rudemente seja esta a questão: o esse "destacamento"da imagem não se dá em
espírito conserva a matéria e a matéria enche virtude de uma iluminação que incidiria so-
o espírito; a matéria dá imagens ao espírito e bre a imagem real, mas pelo obscurecimento
o espírito dá novas imagens à matéria. Numa de certos lados dela - um destacamento do
matéria sem espírito nunca chegaria a haver objecto num quadro (num écran): é o nosso
o novo, não haveria o "discernimento"(a dis- cérebro que é o écran. Como ele diz, a fo-
tinção, a separação, a selecção) seria o per- tografia está já tirada nas coisas (Matière et
petuum mobile. Num espírito sem matéria mémoire, 188, 36): isto é, nós não acrescen-
também nunca chegaria a haver o novo, seria tamos nada às coisas, somente lhe colocamos
o perpetuum imobile. Ou ainda: o espírito na frente, digamos, uma tela negra, que lhes
introduz a qualidade no movimento ou na limita a propagação, e que as faz variar de
imagem. “ ... Não é difícil ver de que modo outra maneira, mas que
percepção e matéria se distinguem e de que igualmente as retém. Diz ele (Ibidem, 190,
modo coincidem. A heterogeneidade quali- 38): “As imagens exteriores atingem os ór-
tativa das nossas percepções sucessivas do gão dos sentidos (...) propagam a sua in-
universo deve-se ao facto de que cada uma fluência até ao cérebro. O movimento atra-
dessas percepções se estende, ela própria, so- vessa o cérebro, detém-se aí um pouco, e irá
bre uma certa espessura de duração, ao facto expandir-se em acção voluntária.” E con-
de que a memória condensa aí uma multipli- clui: “eis o mecanismo da percepção.”
cidade enorme de estímulos que nos apare-
cem juntos, embora sucessivos. Bastaria di- 2.3
vidir idealmente essa espessura indivisa de
tempo, distinguir nela a multiplicidade orde- Ora, para Bergson, as imagens exteriores,
nada de momentos, numa palavra, eliminar as imagens-movimento, não podem ser re-
toda a memória, para passar da percepção à stituídas por "imagens imóveis", isto é, por
matéria, do sujeito ao objecto.” (Matière et clichés, os quais lhe retirariam o carácter
mémoire, 217, 73 (12)) Bergson pede-nos, fundamental, o movimento.
neste primeiro momento, que nos esforce- Deixando aqui de lado a opção de De-
mos por pensar a percepção sem a memória leuze pelo cinema - para ele o cinema tra-
(objecto do IIo capítulo de Matière et mé- balha com um "o corte móvel"(L’image-
moire). E vai dizer quanto a estes dois pó- mouvement, 11), isto é, à “imagem-média”
los, que, contrariamente à diferença entre a do cinema, resultante de vinte e quatro cor-
coisa e a representação, entre a percepção e tes imóveis por segundo é inerente o mo-
a memória não há diferença de grau, mas de vimento, a que se acrescentam outros mo-
natureza: é a diferença entre a matéria e o vimentos: a montagem, a câmara móvel, a
espírito. Vai ser a diferença entre o presente dimensão temporal do plano... - por que
e o passado. Mas quando ele diz que entre é que o movimento da imagem é assim
a imagem real e a imagem percebida, não há tão importante? Porque o movimento da
diferença de natureza mas de grau, isso quer imagem-movimento, a imagem- movimento,

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é afecção do todo das imagens. O todo ou seja, a relação dos movimentos com um
das imagens das imagens-movimento não é “centro de indeterminação”, que dá origem à
estanque, há uma variabilidade inerente ao imagem-percepção. No primeiro sistema de
todo das imagens - o todo não está imóvel, imagens poderíamos falar de uma percepção
o todo não pára, não há nada que o segure... pura, quer dizer, de uma percepção ideal em
O todo é transformável. E o movimento é que não haveria propriamente centro, mas
expressão dessa transformação (13). Quer seria uma percepção que não veria nada, por
dizer: há um movimento vital, que não se assim dizer... - a não ser no cinema, por
dá no espaço e que é transformação - a ex- causa da “ consciência câmara ”... Seria este
pressão dessa transformação será a imagem o pólo objectivo ou a imagem-percepção-
nova... Um "corte móvel"da transformação, objectiva. No segundo sistema de imagens,
um corte móvel das transformações qualita- poderíamos falar de um pólo subjectivo ou
tivas que se dão no tempo. Um "corte"nesta de uma imagem-percepção-subjectiva. Por
mobilidade (uma imagem) é um corte mó- outro lado, o enquadramento, a subtração
vel da duração (uma imagem-movimento): o ou a variação das imagens em função de
movimento é um corte móvel da duração (do uma, vai implicar que o mundo se reorga-
tempo).Diz Bergson: “As imagens exteriores nize justamente em função desse “centro de
atingem os órgão dos sentidos (...) propagam indeterminação”, vai implicar, em suma, no-
a sua influência até ao cérebro. O movimento vos movimentos que constituem a resposta
atravessa o cérebro, detém-se aí um pouco, e à imagem-percepção: é a imagem-acção. É
irá expandir-se em acção voluntária.” (Ma- como se o mundo reorganizado da imagem-
tière et mémoire, 190, 38) Entramos nas três percepção, esse “arqueamento do mundo”,
grandes variedades de imagem-movimento, como diz Deleuze, me empurrasse, me obri-
das quais Deleuze dá conta enquanto con- gasse a agir.
strução cinematográfica. Na face receptora
do cérebro (imagem especial, centro de in- 2.4
determinação) constituir-se-á qualquer coisa
como uma imagem-percepção. Nesse inter- Mas há um terceiro aspecto do movimento
valo que medeia entre a recepção e a re- relacionado com o “centro de indetermi-
acção, imprimir-se-á uma imagem-afecção. nação”: é que, para além de poder ser
A resposta, a acção ou reacção, é a imagem- percebido, ou para ser percebido, o movi-
acção. “E cada um de nós, a imagem mento é igualmente sentido: afecta. Afecta
especial ou o centro eventual, nós não so- quando fica por instantes (por vezes doloro-
mos outra coisa senão um agenciamento das sos) retido no intervalo entre a percepção e
três imagens, um concentrado de imagens- a acção. É a imagem-afecção. Nela o movi-
percepção, de imagens-acção, de imagens- mento deixa de ser movimento de deslocação
afecção.” (L’Image-mouvement, 97) Em pri- para se tornar movimento de expressão. “...
meiro lugar, é a passagem do primeiro sis- Uma espécie de tendência motriz sobre um
tema de imagens (variação universal de to- nervo sensível” (Matière et mémoire, 201,
das as imagens) para o segundo (variação 57), diz Bergson, ou, como diz Deleuze,
de todas as imagens em função de uma), “ ...um esforço motriz sobre uma placa re-

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ceptiva imobilizada” (L’Image-mouvement, (3) Klossowski, Pierre,La ressemblance,


96), uma espécie de viragem do lado activo Ryôan-ji, Marseille, 1984, p.77.
para dentro, para o lado da percepção, uma
espécie de viragem do lado activo para o (4) Cf. as entrevistas de Bacon com Da-
lado receptivo, ou ainda, uma acção virada vid Sylvester, última edição aumentada:
para dentro... Uma afecção do exterior, das Entretiens avec Francis Bacon, Skira,
imagens exteriores...Cinematograficamente, Paris, 1996 The Brutality of Fact: In-
para Deleuze, a imagem-afecção é o grande terviews with Francis Bacon, 1993).
plano e que o grande plano é o rosto. (5) Deleuze (L’image-temps, p.33) refere du-
Quer isto dizer que não há grandes pla- plo o movimento da imagem: “Por um
nos de objectos, ou que, havendo, não lado, a imagem cai constantemente no
são imagems-afecção? Não. O grande estado de cliché (...) Por outro lado, e
plano é rosto porque opera uma "rostifi- ao mesmo tempo, a imagem tenta in-
cação"(visagéification) de tudo - “o grande cessantemente furar o cliché, sair do
plano é por si próprio rosto” (L’Image- cliché.” Marie-Claire Ropars (L’idée
mouvement, 126), qualquer que seja o d’image, Presses Universitaires de Vin-
objecto. Dá-se esta "rostificação"porque cennes, Paris, 1995), refere-se à dupli-
as imagens são extraídas das coordenadas cidade da imagem, ao seu “processo
espacio-temporais (14), tornando-se pura ex- de dissimulação”, dando-se a ver no
pressão de afectos, como se dilatassem, ou, mesmo movimento em que se dissi-
noutras palavras ainda, como se as imagens mula. Marie-José Mondzain (L’image
nos olhassem... O movimento deixa de ser de naturelle, Le nouveau commerce, Paris,
deslocação para ser de expressão - e aquilo 1995), põe em evidência a dificuladade
que exprime, isso que na imagem exprime em ver a imagem, dado que esta es-
qualquer coisa, é sempre, de alguma forma, capa sempre à captura, elegendo o visí-
um rosto, isso olha-nos... Isso olha o nosso vel para se dissimular.
olhar... Esse intervalo, que permite a per-
cepção e a acção consequente, que se en- (6) Tomemos isso ao menos como ponto de
che de clichés que arqueiam o mundo e faci- partida, o que, podendo eliminar uma
litam a acção, esse intervalo é também o lu- deriva circular real/imagem, pode dar
gar da afecção do exterior e do interior, onde, lugar a uma heurística muito pouco ti-
de repente, vemos que vemos, furando um morata.
cliché...
(7) Klossowski, Pierre, La ressemblance,
Ryôan-ji, Marseille, 1984, p.105.
Notas:
(8) Deleuze, Gilles e Guattari, Félix, L’Anti-
(1) Deleuze, Gilles, Pourparlers, Minuit, Pa-
Œdipe, Minuit, Paris, 1972, p.104.
ris, p.63.
(9) Deleuze, Gilles, L’image-temps, pp.31-
(2) Deleuze, Gilles, L’image-temps, Minuit,
32.
Paris, pp.32-33.

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8 Edmundo Cordeiro

(10) Deleuze, Gilles, L’image-mouvement, da duração, quer dizer, do Todo ou de


Minuit, Paris, 1983, p.91. um todo. O que implica que o movi-
mento exprime qualquer coisa de mais
(11) A percepção das imagens será tanto profundo, a mudança na duração ou no
maior, tanto mais "extensa", quanto todo.” (L’Image-mouvement, 18)
mais a acção ou as acções possíveis fo-
rem indeterminadas, quanto maior for (14) Mas há lugar também à expressão
o intervalo entre a acção recebida e da afecção no cinema por intermé-
a acção devolvida, quanto mais tempo dio daquilo a que Deleuze chama “es-
a acção possuir: uma navalha segu- paços quaisquer”, espaços indetermina-
rada por uma mão que nos tenta atingir, dos, espaços sem conexão com as si-
não pode ser "contemplada"; o rosto de tuações ou as acções, ou espaços va-
alguém sentado placidamente à nossa zios. Por conseguinte, o espaço qual-
frente já pode ser contemplado, até ao quer, o espaço que sai fora das coor-
momento em que esse rosto se vire para denadas espacio-temporais é, por um
nós, como uma navalha apontada, e lado, um equivalente do rosto, mas, por
implique por isso uma acção imediata, outro, pode fazer com que outros ele-
determinada. “... A percepção dis- mentos substituam o rosto na expressão
põe de espaço na exacta proporção em de afectos. Trata-se então de um es-
que a acção dispõe do tempo.” (Ma- paço que se torna expressivo, um es-
tière et mémoire, 183 [Œuvres, édi- paço afectivo: deixa de ser um mero es-
tion du centenaire], 39 [P.U.F]) “Nossa paço para percorrer.
percepção pura, com efeito, por mais
rápida que a supunhamos, ocupa uma
certa espessura de duração, de modo
que as nossas percepções sucessivas
não são nunca momentos reais das nos-
sas coisas, como suposemos até aqui,
mas momentos da nossa consciência.”
(Matière et mémoire, 216, 72) Toda a
percepção real tem, pois, uma ligação
fundamental com a memória.

(12) O primeiro número corresponde à pá-


gina da Édition du Centenaire (Œuvres)
e o segundo à página de Matière et mé-
moire editada nas Presses Universitaires
de France.

(13) Deleuze apresenta-nos assim a "terceira


tese"de Bergson sobre o movimento: “
(. . . ) o movimento é um corte móvel

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