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Jean Baudrillard (1929-2007)

Maristela Bleggi Tomasini

Embora filha do século XX, nascida depois da II Guerra, nunca deixei


de ter certo ar não diria conservador, mas meio Belle Époque, naquilo que o
século XIX tinha de irreverente e de vanguardista. Contudo, vivi e tenho vivido
demais e, ao alcançar o século XXI, fui desafiada a interpretar estes nossos
tempos pós-modernos, pensando esse presente que se consuma e se consome
em breves instantes. Em meio a esse desafio, batalha cotidiana que me acelera
o coração e a mente, encontrei um homem que me trouxe, mais que palavras,
um verdadeiro turbilhão de ideias.
Apaixonei-me por Baudrillard quando estudava o destino dos
descartes: coisas das quais nos desfazemos, porque sua utilidade se perdeu.
Especular sobre o tema levou-me à leitura de Le Système des objets. Parei tudo
o que vinha pesquisando. Revisei e revivi conceitos. Mudei meu olhar sobre o
mundo. O livro é uma das primeiras obras de Baudrillard, publicada em 1968. Foi
sua tese de doutorado em Sociologia, defendida em 1966 na Universidade de
Paris X, Nanterre. Só a banca já causa arrepios a quem quer que já tenha
respirado a atmosfera acadêmica: Henri Lefebvre, Roland Barthes e Pierre
Bourdieu.
“O Sistema dos Objetos” me fez entender a relação entre cultura e
consumo e, mais ainda, me deu condições de aferir até que ponto essa relação
não poderia comprometer minha própria identidade. Porque os objetos não são
coisas inertes, mas ingredientes que atuam ativamente na construção da vida
social, expressando ideias e valores. Os espelhos, por exemplo, se relacionam
ao espaço assim como os relógios, símbolos da permanência, se relacionam ao
tempo. São equivalentes, nesse sentido, atuantes. Quanto mais espelhos, — diz
ele —, mais gloriosa é a intimidade, mas também mais circunscrita a si mesma.
Baudrillard requer que o leitor vá além da leitura. Percorro seus textos
e, pelo caminho, ele vai me inoculando suas experiências. Em certos momentos,
sinto o terrível tédio que o mundo lhe causa; em outros, me entusiasmo ao
perceber como ele abstrai de qualquer coisa as mais brilhantes ideias. É minha
imaginação que ele consegue provocar literalmente em over doses seguidas.
Para mim, descobri-lo foi uma experiência visceral, tão próxima da arte quanto
deve estar um filósofo. Logo ele, que disse que jamais pretendeu a verdade,
porque a respeitava demais para colocá-la em perigo. Nada daquele clássico
distanciamento do objeto, nada de textos impessoais.
Desde então, adotei Baudrillard como quem adota um santo. Só que,
em lugar de comprar uma imagem e orar diante dela para obter um milagre ou
uma graça, é diante de seus livros que me deixo encantar, seduzir e apaixonar.
Se não encontro ali a graça ou o milagre de uma intervenção divina, é no tênue
reflexo de sua humanidade já extinta que encontro as fórmulas que me ajudam
a compreender esse tempo presente que, afinal, eu ainda tenho de viver, não
sem algum esforço, é verdade. Refém dessa hiper-realidade midiática, acredito
que outros, assim como eu, sintam às vezes necessidade de certo isolamento,
em busca de um refúgio capaz de nos devolver a simples realidade, diante de
tantos desejos novos a saciar, de tantas necessidades novas a suprir, de tantas
coisas novas a experimentar. Em um extremo, avatares imbecilizantes e seus
milhões de seguidores ditando comportamentos e caminhos rumo ao sucesso;
de outro, zumbis que funcionam no modo automático, incapazes de uma
reflexão, incapazes de abrigar uma só ideia própria que seja; no meio, a massa,
irredutível, disputada aos nacos para integrar as mais diversas facções: moda,
política, cultura, tudo é produto, tudo é consumo.
A obra de Baudrillard é notável e inclui “Simulacros e Simulação”, livro
que inspirou o filme Matrix, que muitos acharam sensacional. Mas é “A
Transparência do Mal: Ensaios sobre Fenômenos Extremos” (La transparence
du mal: Essai sur les phénomènes extrêmes,1990) a obra que mais me
impressiona atualmente. Entre outros temas polêmicos, Baudrillard observa que
não somos mais capazes de crer, de amar, de querer, porque cremos no que o
outro crê, amamos o que o outro ama e queremos o que o outro quer. Trata-se
de uma derrogação geral da vontade, que eleva o querer, o poder e o saber a
uma segunda instância.
E por que o mal? Porque o mal, na sociedade contemporânea, se faz
cada vez mais visível e transparente, em vez de oculto e velado como costumava
ser. Essa transparência tem como causa a tecnologia midiática, que faz com que
tudo possa parecer banal e gratuito. Portanto, não se pode estranhar que o
terrorismo, a violência urbana, a guerra e as políticas que promovem sua
emergência tenham se tornado um fenômeno global. Como resistir a tamanho
poder e força, quando sequer há um bem que costumava se opor ao mal? A que
formas de subversão e resistência se poderia recorrer quando nossa pertinência
a esse presente contínuo reafirma nossa condição de reféns de uma cultura de
massa que não podemos afrontar a não ser pela via de uma contracultura
também de massa que se deixa absorver pelo próprio monstro que julga
combater?
Jogo de palavras? Excesso de abstração? Sim. Eis aí aspectos que
podem ser criticados na obra de Baudrillard. Ele não leva em consideração os
diferentes grupos culturais. Isso até pode ser verdadeiro, mas o que se sente
mais fortemente nesse nosso tempo é que a cultura hoje é a do consumo, não
obstante os diferentes produtos consumidos. Mudam as premissas, mas a lógica
permanece a mesma, seja em relação aos mandarins dominantes, seja em
relação aos culturalmente periféricos. Estes últimos se inserem marginalmente
e por aí criam suas próprias inserções, que também são produtos culturais, tanto
quanto os pertinentes à esfera tida como alta ou elevada. Por variados que sejam
os grupos, eles se igualam pelas diferenças e se assimilam pelo consumo.
Pessimismo? Sem dúvida. Porque as possibilidades de mudança e
resistência que existem já se encontram inseridas nas estruturas de poder
dominantes. Essa resistência passiva nasce de uma consciência de ter
consciência, e chega bem perto da mística de um encantamento. Afastar-se da
passividade conformista requer modos criativos de ser. O diagnóstico de nosso
tempo não é animador, porque para sobreviver ao mal é necessário deixar-se
contagiar por ele. Lógica vacinal que beira à crítica da desconstrução, que lida
com os problemas liquidando as soluções, que apela às metáforas e às
analogias, porque é só na ordem da abstração que essas estruturas se tornam
visíveis.
Resulta disso a diluição de tudo quanto foi um dia tradicional ou
clássico, com a criação de uma monstruosa realidade simulada, que se sobrepõe
à realidade física, buscando a emergência contínua de uma sociedade que se
caracteriza unicamente pelo que consome, e cujos desejos são norteados pelo
mercado e pela publicidade, pela mídia e pelo poder. Gente que não pensa, e
que se assimila, a si própria, a um mero produto de mercado.
Eis as imensas riquezas deste mundo que, paradoxalmente, nos
empobrecem tanto. Resisto graças aos meus livros, meus amores. Penso que é
na subversão de nossa ínfima individualidade que se reinventa o cotidiano, na
absoluta minoria da primeira pessoa do singular, ainda que minimamente, e
ainda que escrevendo apenas para você, que não precisa de avatar e que, com
toda certeza, não é nenhum zumbi.

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