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Adriano Lacerda de Souza Rolim_RA 058553

Mestrado em Teoria e História Literária


TL 140_Crítica I
Professora Jeanne Marie Gagnebin
Trabalho final

Questão escolhida

Comentar e analisar o seguinte trecho de Proust (situar o contexto, discutir os


conceitos e as metáforas, ressaltar a argumentação e o movimento do texto, discutir as
consequências).

“Et je recommence à me demander quel pouvait être cet état inconnu, qui
n’apportait aucune preuve logique mais l’évidence de sa felicité, de sa réalité
devant laquelle les autres s’évanouissaient. Je veux essayer de le faire réapparaître.
Je rétrograde par la pensée au moment où je pris la première cuillerée de thé. Je
retrouve le même état, sans une clarté nouvelle. Je demande à mon esprit un effort
de plus, de ramener encore une fois la sensation qui s’enfuit. Et, pour que rien ne
brise l’élan dont il va tâcher de la ressaisir, j’écarte tout obstacle, toute idée
étrangère, j’abitre mes oreilles et mon attention contre les bruits de la chambre
voisine. Mais sentant mon esprit qui se fatigue sans réussir, je le force au contraire
à prendre cette distraction que je lui refusais, à penser à autre chose, à se refaire
avant une tentative suprême. Puis une deuxième fois, je fais le vide devant lui, je
remets e face de lui la saveur encore récente de cette première gorgée et je sens
tressaillir en moi quelque chose qui se déplace, voudrait s’élever, quelque chose
qu’on aurait désancré, à une grande profondeur; je ne sais ce que c’est, mais cela
monte lentement; j’éprouve la résistance et j’entends la rumeur des distances
traversées.” (PROUST, 1946, p.66-67)

Contexto

O trecho sugerido, notável quanto às questões em jogo na Busca do Tempo Perdido,

lemo-lo ainda no início da obra. Situa-se a quatro parágrafos do fim da primeira das duas

partes do capítulo denominado “Combray”; e traz em si uma constante desse imenso livro

composto por digressões, idas e voltas, lembranças e esquecimentos: tanto permite retomar

temas que vinham emergindo desde o famoso “Longtemps, je me suis couché de bonne

heure”, quanto indica uma porção de outras questões a serem exaustivamente desenvolvidas

no decorrer da narrativa.
Nas seguintes formulações, observamos uma espécie de combate espiritual

envolvendo o “eu que busca” e seu esforço para apreender algo que lhe ocorrera

interiormente a partir de uma recordação: “je recommence à me demander”; “Je veux essayer

de le faire réapparaître”; “Je rétrograde par la pensée”; “Je demande a mon esprit”; “j’écarte

tout obstacle”; “je le force à prendre cette distraction”. Ora, estamos justamente no parágrafo

que sucede a experiência do chá e da madeleine oferecidos pela mãe numa tarde qualquer de

inverno, evento trivial que desencadeia um turbilhão de sensações no herói da Busca, levando-

o a repensar uma cidade que parecia esquecida, a obscura Combray de sua infância. Tanto que

essa primeira parte em que o trecho proposto se insere terminará com a seguinte afirmação:

“Combray et ses environs, tout cela qui prend forme et solidité, est sorti, ville et jardins, de ma

tasse de thé”. Inicia-se a seguir a segunda parte de “Combray”, na qual a cidade será

demoradamente descrita.

Conceitos, metáforas...

Visto o esforço para apreender algo, latente nas formulações supracitadas, seria

interessante atentarmo-nos já para a própria metáfora inerente ao termo “conceito”. Em

alemão, temos “der Begriff” (o conceito), que vem de “greifen” (pegar, apanhar, prender). Ora,

se o conceito é algo que é pego/apanhado/aprisionado pelo pensamento tendo em vista uma

categorização, por outro lado, os eventos que levam a tal apreensão podem escapar ao

próprio conceito, o que nos interessa para ilustrar como os conceitos presentes no vaivém

proustiano denotam certa insuficiência da linguagem que, numa movimentação sempre

dialética, ao dizer, também contradiz; ao construir, também desconstrói.

Há um “je”, um “eu que busca”


A primeira coisa que nos chama a atenção é a persistência desse “je”, que aparece

dezesseis vezes ao longo do parágrafo. Algo importante de se observar, tendo em vista a

constituição de um sujeito que, mesmo incerto quanto a suas lembranças e sensações, toma e

retoma a palavra para dizer suas oscilações, os vacilos de seu espírito. Essa abundância de

“eus”, aliás, tem várias implicações.

1-) Considerando esse tomar a palavra conscientemente, podemos pensar nas

reflexões de Émile Benveniste sobre a subjetividade em Problèmes de Linguistique Générale:

C’est dans et par le langage que l’homme se constitue comme sujet; parce que le
langage seul fonde en réalité, dans sa réalité qui est celle de l’être, le concept d’
“ego”. La “subjectivité” dont nous traitons ici est la capacité du locuteur à se poser
comme “sujet”. Elle se définit, non par le sentiment que chacun éprouve d’être lui-
même (ce sentiment, dans la mesure où l’on peut en faire état, n’est qu’un reflet),
mais comme l’unité psychique qui transcende la totalité des expériences vécues
qu’elle assemble, et qui assure la permanence de la conscience (...) Est “ego” qui dit
“ego”. (BENVENISTE, 1974, p.259-260)

2-) Podemos também pensar em Paul Ricoeur e suas observações a respeito do idem e

do ipse em seu texto sobre a identidade narrativa na revista Esprit (1988). Ricoeur faz uma

diferenciação entre a mesmidade (vinda do idem) e a ipseidade. Se fazemos uma simples

consulta online ao Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, essa distinção se esclarece um

tanto mais: o termo mesmidade estará definido como “qualidade daquilo que é o mesmo” e

ipseidade vem como “o que faz que um ser seja ele próprio e não outro”. A nuança entre tais

definições nos dá uma pista em relação ao que é proposto por Ricoeur quando fala em

continuidade versus descontinuidade: aquilo “que é o mesmo” é contínuo, ao passo que um

ser permanece ele próprio ainda que descontinue, ou seja, apresente-se como um eu flexível.

Segundo o autor, Proust leva em consideração a descontinuidade: haveria na Busca a

manutenção do si, mas sem a permanência no tempo do idem. Ora, podemos sim vislumbrar

nas oscilações do eu no trecho aqui analisado a descontinuidade intrínseca à obra de Proust:

assim como este eu debate-se em sua busca e muda de atitude em relação ao pensamento,
outras metamorfoses acontecem na Recherche: o herói, por exemplo, mostrar-se-á

desencantado tanto com Gilberte quanto com Combray – a mulher e a cidade outrora amadas.

3-) Ainda em relação ao eu, vale a pena determo-nos no fato de haver essa delegação

de tarefas a um certo “lui”, o espírito: “Je demande à mon esprit un effort de plus”, “je le force

à prendre cette distraction”. É algo sutil no trecho, mas se nos pomos a passear pela Busca,

por exemplo, pelas páginas iniciais, observamos as constantes oscilações entre primeira e

terceira pessoas do singular. O sexto parágrafo, em particular, é emblemático: ora “Mon

corps” [ele] cherchait à repérer la position de mes membres, ora “j’avais la pensée”, ora “ma

pensée hésitait”. Não sou eu quem procura, mas o corpo; não sou eu quem hesita, mas ele, o

pensamento. Sabemos, também através de Émile Benveniste, que, a partir da enunciação, o

mesmo verbo pode configurar diferentes cargas de comprometimento (BENVENISTE, 1974,

p.265)1. Proust joga muito com isso ao longo da Busca, não obstante seu texto aproximar-se

mais de uma preocupação com a desconstrução da mesmidade do que a construção da

ipseidade, ou seja, estando ao lado do ipse, mas mais enquanto oposição ao idem de

Rousseau, por exemplo, que nas Confissões esforça-se por reafirmar sua mesmidade, desde a

infância, quando roubava frutas, até a idade adulta em que rememora sua vida e se diz

arrependido2.

Movimento

Em Proust, uma vez comprometido (talvez até inconscientemente) com uma dialética

desconstrutiva, o “eu que busca” não é estático. Notamos isso já no início do parágrafo: “Et je

1
Conforme o seguinte trecho sobre o verbo jurer: “Or je jure est une forme de valeur singulière (...)
L’enonciation s’identifie avec l’acte même. Mais cette condition n’est pas donnée dans le sens du verbe;
c’est la ‘subjectivité’ du discours qui la rend possible. On verra la différence en remplaçant je jure par il
jure. Alors que je jure est un engajament, il jure n’est qu’une description, au même plan que il court, il
fume. On voit ici, dans des conditions propres à ces expressions, que le même verbe, suivant qu’il est
assumé par un ‘sujet’ ou qu’il est mis hors de la ‘personne’, prend une valeur différente.”

2
Isto fica dito assim em linhas gerais, mas sabemos das contradições inerentes ao texto rousseauniano.
recommence”. O ato de recomeçar enfatiza a persistência. Um estado singular de felicidade

fora experimentado e não se pode (não se quer) deixá-lo escapar. Donde os apelos ao espírito,

para que use todas as armas disponíveis. O “re” do “je recommence” ressoa pelo texto: no

réapparaître, no rétrograde, no refaire... Fica evidente a movimentação própria da Recherche,

a retomada, o revisitar as lembranças de outrora e revisá-las incansavelmente.

Um aspecto interessante nesse sentido é o que se diz no trecho acerca do

pensamento. Em primeiro lugar, “Je rétrograde par la pensée au moment où je pris la

première cuillerée de thé”. Logo em seguida, notamos que esse retroceder pelo pensamento é

infrutífero, uma vez que não traz nenhuma “clarté nouvelle”. Insiste-se ainda numa

concentração cartesiana: “j’écarte tout obstacle, toute idée étrangère, j’abitre mes oreilles et

mon attention contre les bruits de la chambre voisine”3. Em vão. O espírito “se fatigue sans

réussir”. Eis o que diferenciará Proust de Descartes neste momento: à fadiga do espírito

sucederá uma vírgula e algo emblemático: “je le force au contraire à prendre cette distraction

que je lui refusais, à penser à autre chose”! E somente após esse frescor da distração,

novamente diante do sabor do primeiro gole de chá com madeleine, é que será possível sentir

“tressaillir en moi quelque chose qui se déplace”, algo ancorado no mais profundo do ser, mas

prestes a irromper, embora não se saiba ainda do que se trata. Aceitar a distração foi, pois,

essencial.

Mergulhamos assim no domínio do acaso, termo fundamental para compreender a

escrita de Proust na Busca. Entretanto, apesar da trivialidade de um gole de chá com

madeleine oferecidos pela mãe e provados numa monótona tarde de inverno, não é um “mero

acaso” que se deve ter em mente. Com efeito, faz-se necessário acolher e frutificar o acaso. O

chá da tarde não estava previsto, mas aconteceu e obrigou a pensar. Aliás, se a sensação de

3
No Discurso do Método de Descartes lemos um filósofo que se resolve “a não mais procurar outra
ciência, além daquela que se poderia achar em mim próprio”, atitude mais frutífera, concluirá logo
adiante, “do que se jamais tivesse me afastado de meu país e de meus livros” (DESCARTES, 1983, p.33)
deleite, num primeiro momento, parece vir diretamente do gosto da bebida e do bolo, logo a

seguir percebemos que não, uma vez “qu’elle le dépassait infiniment, ne devait pas être de

même nature” (PROUST, 1946, p.66). Um segundo gole só comprovará a diminuição da virtude

da bebida. Por quê? Porque “il est clair que la vérité que je cherche n’est pas en lui, mais en

moi” (idem). Ou seja, o evento trivial, casual nada seria se não tivesse encontrado um espírito

atento a refletir sobre aquilo que o acaso, sem motivo, mostrou existir em seu interior. É esse

algo, ainda desconhecido (somente a sensação que provocara é conhecida), que agora

atormenta e faz estremecer o eu em sua busca pela felicidade, pela verdade. Trata-se de uma

recordação até então soterrada, ainda velada, mas que está por vir, graças ao que

acompanhamos no trecho em análise: o esforço do eu em tatear suas memórias mesmo

estando no escuro e movido por uma casualidade. Se quisermos, aqui uma vez mais Proust

distancia-se do método de Descartes: enquanto este se isola voluntariamente à procura de

ideias claras e distintas, o “eu que busca” proustiano, movido por um gesto involuntário4,

deixa-se atrair pela escuridão. Esse involuntário faz parte da vida do espírito. Se o pensamento

clássico, desde Platão, anseia pela luz, pelo esclarecimento, no trecho de Proust a “clarté

nouvelle” não veio; entretanto, há certo encantamento pelo obscuro, em aceitar e trabalhar o

elemento surpresa, que não fora planejado. Por isso, assumem maior importância metáforas

mais primitivas, como sabor, tato e olfato, muito mais convenientes a quem se propõe dizer

essas zonas de escuridão. Lembremos que apenas ver a madeleine nada despertara no herói. A

visão parece algo já desgastado.

Por outro lado, notemos que no artigo “Entre sono e vigília: quem sou eu?”, Jeanne

Marie Gagnebin, ao comparar Proust e Descartes, alertará a que não atribuamos a Proust uma

crença supersticiosa no irracional. Trata-se tão somente de exercitar a atenção àquilo que nos

4
Vale lembrar que de início houve uma recusa ao chá: “...comme je rentrais à la maison, ma mère,
voyant que j’avais froid, me proposa de me faire prendre, contre mon habitude, en peu de thé. Je
refusai d’abord et, je ne sais pourquoi, je me ravisai.” (PROUST, 1946, p.65)
escapa e, por isso, pode nos interpelar. Gagnebin aproxima o texto proustiano de uma relação

com o kayros, o tempo oportuno e fugaz dos gregos. Ou seja, para atingir a verdade será

necessária a ajuda do acaso, mas também muita concentração:

Mas se tal epifania secular se revela em uma sensação inusitada, não deixa de ser o
espírito – o pensamento, a escrita, a arte – que a reconhece, a interpreta, lhe dá
uma forma e um nome. É por isso que o narrador, no episódio da madeleine, tem
de afastar a xícara de chá e o bolinho, pois, embora eles pareçam ser os
depositários da sensação mágica, eles o são, justamente, por puro acaso, eles não
dizem nada sobre o chamado à felicidade e à verdade que a sensação suscitou. O
narrador declara então: “Deposito a taça [xícara] e me volto para meu espírito.
Depende dele encontrar a verdade.” (GAGNEBIN, 2006, p.556-7).

Um pouco de impressionismo

Ainda uma palavra sobre o constante retomar-se da Recherche, presente, como vimos,

no trecho sob análise neste trabalho. A emblemática movimentação desse “eu que busca” não

está somente aí, mas em todo o livro. Logo, como estamos no início da narrativa, talvez

possamos afirmar que a resolução tomada neste momento configura uma passagem essencial

para a obra, uma vez que esse espírito que vai e volta, que se debate entre a tradição e a

exploração de uma nova linguagem, um novo gênero, dará o tom de toda a sinuosa narrativa a

se desenrolar. Se a madeleine de Combray no primeiro volume está ligada ao tropeço no pátio

do palácio de Guermantes no último volume de A Busca do Tempo Perdido (e se o que

interessa de fato para encontrar a verdade não são os eventos, mas aquilo a que, por acaso,

conduzem), podemos associar esse eu que toma persistentemente a palavra, e diz “eu”

dezesseis vezes, à revelação final do herói da Busca quanto a sua vocação de escritor. Afinal, o

que será escrever senão tomar a palavra?


Bibliografia

BENVENISTE, Émile. Problèmes de Linguistique Générale. Paris: Gallimard, 1974.

DESCARTES, René. Meditações. (Os Pensadores). São Paulo: Abril Cultural, 1983.

GAGNEBIN, Jeanne Marie. "Entre sonho e vigília: quem sou eu?", posfácio de PROUST, Marcel.

No caminho de Swann. São Paulo: Globo, 2006, p. 545-6.

PROUST, Marcel. À la recherche du temps perdu. (vol. I). Paris: Gallimard, 1946.

RICOEUR, Paul. L’identité narrative. Esprit, Paris, Éditions du Seuil, vol. 7-8, p.295-304,

juillet/août 1988.

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