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Revue franco-brésilienne de géographie / Revista franco-brasilera de geografia
40 | 2019
Número 40
M N M M W F
https://doi.org/10.4000/confins.19451
Résumés
Português Français English
A migração de nordestinos para a Região Sudeste do Brasil, resultado das intensas e históricas
desigualdades regionais do país, é um dos elementos mais importantes da dinâmica demográfica
brasileira. O volume de migrantes, que crescia a cada ano, começa a se estabilizar nos últimos
anos da década de 1970, e a migração de retorno, registrada com mais importância a partir da
década de 1980, confere novas matizes ao cenário nacional. Concentrada particularmente na
Região Metropolitana de São Paulo, uma parcela da população nascida no Nordeste permaneceu
na região de destino, apesar das dificuldades impostas pela seletividade do mercado de trabalho e
pelos padrões do mercado imobiliário. A respeito da referida população, este estudo buscou
identificar características socioespaciais que podem ser entendidas como resultado do processo
de adaptação às mudanças verificadas na região de destino. Para isso, foram utilizadas variáveis
dos Censos Demográficos de 2000 e 2010.
La migration des individus nés dans le nord-est vers la région sud-est du Brésil, résultant
d'inégalités régionales intenses et historiques, est l'un des éléments les plus importants de la
dynamique démographique brésilienne. Le volume des migrants, qui a augmenté chaque année, a
commencé à se stabiliser à la fin des années 1970, et la migration de retour, qui était plus
importante depuis les années 1980, donne de nouvelles nuances à la scène nationale.
Particulièrement concentrée dans la Région Métropolitaine de São Paulo, une partie de la
population née dans le nord-est est restée dans la région de destination, malgré les difficultés
imposées par la sélectivité du marché du travail et du marché immobilier. En ce qui concerne
cette population, cette étude a cherché à identifier les caractéristiques socio-spatiales qui peuvent
être comprises comme le résultat du processus d'adaptation aux changements observés dans la
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région de destination. Pour cela, des variables provenant des recensements démographiques de
2000 et 2010 ont été utilisées.
The migration of the population born in the Northeast to the Southeast Region of Brazil, as the
result of intense and historical regional inequalities, is one of the most important elements of
Brazilian demographic dynamics. The volume of migrants, which grew each year, began to
stabilize in the late 1970s, and the return migration, which was more important since the 1980s,
gives new shades to the national scene. Particularly concentrated in the Metropolitan Region of
São Paulo, a portion of the population born in the Northeast remained in the region of
destination, despite the difficulties imposed by the selectivity of the labor market and the real
estate market. Regarding this population, this study sought to identify socio-spatial
characteristics that can be understood as result of the adaptation process to the changes observed
in the destination region. For that, variables from the Demographic Censuses of 2000 and 2010
were used.
Entrées d’index
Index de mots-clés : migration interne, migrants du Nord-est, Région Métropolitaine de São
Paulo
Index by keywords: internal migration, Northeastern migrants, Metropolitan Region of São
Paulo
Índice de palavras-chaves: migração interna; nordestinos; Região Metropolitana de São Paulo
Texte intégral
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1 Associada ao processo de crescimento acelerado e concentrado da economia
brasileira, que aprofundou as desigualdades regionais no país, a migração de
nordestinos para a Região Sudeste entre os anos 1930 e 1970 foi um dos maiores
fenômenos da dinâmica demográfica no Brasil. O estabelecimento do processo de
urbanização que se seguiu - quase que simultaneamente - ao processo de
metropolização, acarretou fortes desequilíbrios socioeconômicos no território
brasileiro, estimulando a saída de populações de locais economicamente menos
dinâmicos em busca das regiões mais prósperas.
2 A metrópole paulista, já consolidada como local de destino dos mais volumosos
fluxos migratórios, cresceu com o impulso proveniente da força de trabalho de outros
estados. Este crescimento é representado tanto pelo contingente populacional quanto
pela ocupação do espaço na cidade. Aos poucos, esses migrantes foram estabelecendo
suas residências, relações sociais e reproduções culturais, além de impulsionarem os
efeitos indiretos da migração, a exemplo dos filhos destes migrantes que nasceram na
Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) (Ribeiro, Carvalho, Wong, 1996).
3 Após a divulgação dos resultados do Censo Demográfico de 1980, alguns estudos
apontaram a redução nos fluxos migratórios em direção a metrópole paulista
(Baeninger,2005; Brito e Carvalho, 2006). Na década seguinte, foram os movimentos
de retorno à Região Nordeste, tradicional expulsora de população, que se ampliaram e
ganharam destaque (Baeninger, 2008). Esses fluxos eram compostos, em parte, por
uma população que não tinha mais condições de arcar com altos custos de vida ou que
simplesmente experimentou o insucesso na inserção no mercado de trabalho, que
estava em contração e, ao mesmo tempo, era altamente competitivo e seletivo. Tal
redução no volume no estoque de migrantes acompanhava a queda do ritmo do
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Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Elaborado com o software ArcGis.
28 Os cartogramas 1 e 2, que podem ser analisados com o apoio dos cartogramas 3 e 4,
representam mapas dos municípios da RMSP em relação a concentração dos migrantes
nordestinos nos anos de 2000 e 2010. Os tons mais escuros marcam uma maior
proporção de migrantes em determinado município, e as esferas maiores representam o
contingente populacional total dos municípios (quanto maior a esfera, maior a
população).
que ocorre, de fato, é que esses municípios apresentam tons mais escuros em 2010 do
em 2000 por conta somente da variação proporcional de migrantes.
Fonte: Censos Demográficos de 2000 e 2010 - IBGE. Elaborado com o software PHILCARTO.
31 Observado mais detalhadamente o mapa do Censo 2000, percebe-se que São
Bernardo do Campo apresentava uma participação na distribuição dos nascidos no
Nordeste e residentes nos municípios da RMSP de 20,6%. Em 2010 este percentual fica
em 17,6%, com a redução no número absoluto de migrantes nordestinos neste
município a proporção frente à população total diminui. Portanto, é importante ficar
atento a tais questões, que serão retomadas mais adiante. De fato, os únicos municípios
que apresentaram aumento absoluto no estoque de migrantes foram: Caieiras, Cotia,
Embu Guaçu, Guararema e Santa Isabel, todos os demais apresentaram redução.
32 Para a análise do perfil socioeconômico dos migrantes têm-se as tabelas 3 e 4, que
apresentam, respectivamente, as informações sobre renda e nível de instrução dos
migrantes. Escolaridade e renda são duas variáveis que podem ser analisadas em
conjunto, tendo em vista a estreita relação entre elas– mais especificamente o efeito do
nível de instrução sobre a renda – principalmente em países emergentes, que se
ressentem da falta de ensino público de qualidade. Assim, enquanto poucos podem se
beneficiar da melhor qualidade da educação privada, a maioria da população sofre com
as, em geral, precárias condições de formação proporcionadas pelo Estado.
33 Com as transformações ocorridas no período intercensitário, observou-se que parte
dos brasileiros obteve melhoria na qualidade de vida, começando pela valorização do
salário mínimo, além das políticas de assistência do governo - como o Bolsa Família e o
Bolsa Escola - possibilitando que uma parcela da população pudesse arcar com os
custos da saúde e educação privada, e parte pudesse garantir a permanência integral
nas escolas públicas.
34 A análise de renda foi feita por faixas de salário mínimo, respeitando a distinção dos
valores nominais para os anos de 2000 e 2010 (R$151,00 reais e R$510,00 reais,
respectivamente). Para a elaboração das faixas de salário mínimo (tabela 3) foi
realizada padronização para os valores utilizando para o cálculo da inflação o Índice
Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), calculado pelo IBGE.
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37 Outro resultado importante foi o aumento dos migrantes que concluíram o nível
superior e pós-graduação, intensificando, assim, a maior competitividade no mercado
de trabalho local, e até mesmo podendo levar de volta para os estados de origem
migrantes mais especializados, no caso da migração de retorno.
38 Depois de observados os níveis de renda e escolaridade, analisou-se a distribuição
espacial dos migrantes nordestinos na RMSP em função dos seus setores de atividade.
Foram selecionados os setores que mais contabilizavam a participação de nordestinos:
comércio, construção, e serviços domésticos (todos identificados em 2000 e 2010), os
quais podem ser observados nos cartogramas de 5 a 10.
39 Segundo o Censo 2000, o setor de comércio era um dos que mais contava com
migrantes nordestinos, registrando concentrações de até 20% da população de nascidos
no Nordeste empregados neste setor. Os dados do Censo 2010 registram redução na
proporção de nordestinos empregados no setor (contando com cerca de 11%),
especialmente em função do surgimento de novas atividades, e o crescimento da oferta
de empregos na atividade de comércio em municípios de fora da RMSP (cartogramas 5
e 6). Apesar da diferença mais que evidente da proporção de pessoas empregadas no
setor de comércio, os seus locais de residência permaneceram os mesmos, sendo estas
localidades as que possuem um setor de serviços mais dinâmico, como São Paulo e
municípios limítrofes à capital paulista. A concentração observada no município de
Santa Isabel a nordeste da RMSP deve ser analisada com cuidado, em função do
pequeno tamanho da população.
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Fonte: Censos Demográficos de 2000 e 2010 - IBGE. Elaborado com o software PHILCARTO.
40 Outro setor em destaque é o de construção (cartogramas 7 e 8), que contava com uma
concentração de cerca de 18% de nordestinos em 2000. Em 2010, o setor continua a
abrigar parte importante dessa população, mesmo com a queda observada, contando
com cerca de 11%. Também se observa uma mudança na distribuição desses migrantes
nos municípios da RMSP. Segundo o Censo 2000, grande parte dessas pessoas residia
nos municípios de Mogi das Cruzes, Suzano (a leste da RMSP), Itapevi e Vargem
Grande Paulista (a oeste da RMSP), além da concentração notada nos municípios ao
norte, como Francisco Morato. Em 2010 pode-se observar certa redistribuição dessa
população para os municípios mais periféricos, além dos municípios que faziam
fronteira com os que possuíam maior concentração nesse setor em 2000.
41 A partir dos cartogramas é possível perceber que nas áreas de mais forte urbanização,
como a capital, os municípios do ABCD paulista, bem como em alguns municípios de
maior contingente populacional, a exemplo de Guarulhos e Osasco, o setor de
construção já não possuía em 2000 a mesma representatividade, provavelmente em
virtude da procura por novas áreas de expansão urbana.
Fonte: Censos Demográficos de 2000 e 2010 - IBGE. Elaborado com o software PHILCARTO.
42 O setor de serviços domésticos abriga a maior parte dos migrantes nordestinos que
residiam na RMSP (cartogramas 9 e 10). Deve-se ressaltar que, proporcionalmente, este
foi o setor que obteve a maior queda na participação de migrantes.
43 Segundo o Censo de 2000, mais de 35% da população migrante declarava que estava
empregada no setor de serviços domésticos, localizada mais especificamente nos
municípios mais próximos à capital, onde a atividade do setor é maior. Em 2010, a
participação caiu para 15%, no máximo.
44 Mais uma vez, admite-se a hipótese de tendências de dispersão na redistribuição da
população. Esse processo é explicado, em parte, pelo aumento na procura das cidades
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não metropolitanas pelas classes sociais que mais se inserem nesse setor, em virtude do
custo de vida (principalmente de moradia) nas localidades da capital e entorno.
45 Cartogramas 9 e 10 – Mapas das concentrações dos migrantes nordestinos residentes
na RMSP em relação ao setor de atividade de Serviços Domésticos (Censos 2000 e
2010).
Fonte: Censos Demográficos de 2000 e 2010 - IBGE. Elaborado com o software PHILCARTO.
46 Além destes fatores, tem-se o incremento da migração de retorno (Ojima e Fusco,
2015), que corresponde em parte à redução desta concentração em toda a RMSP, e a
melhoria das condições de escolaridade da população migrante, que a torna mais
competitiva, estimulando-a a buscar emprego em setores de atividade mais prósperos.
47 Observa-se outro caso que merece atenção, que é a suposta queda na concentração no
setor de serviços domésticos nos municípios de Salesópolis, Guararema e Biritiba
Mirim, no extremo leste na RMSP. Pelo fato de serem município com populações muito
pequenas, e com pequeno número de migrantes, a desagregação dos dados amostrais
resulta em dificuldade para se fazer afirmações mais sólidas.
3 - Considerações finais
48 Desde o início de seu processo de industrialização e consequente urbanização, a
RMSP atraiu volumosos fluxos migratórios compostos por populações provenientes de
regiões economicamente menos dinâmicas do país. A Região Nordeste - típica
exportadora de mão-de-obra -, neste contexto, foi o seu expoente. No ano 2000, mais
de 3 milhões de nordestinos residiam na RMSP. No entanto, já se identificavam
substanciais reduções no volume desse fluxo migratório, assim como registros da
migração de retorno aos estados de origem. Todavia, boa parte destes migrantes
permaneceu na RMSP.
49 As mudanças na política econômica do país desencadearam uma série de alterações
no perfil socioeconômico da população como um todo. A ascensão de uma nova classe
média, o aumento do acesso ao crédito doméstico, a valorização do salário mínimo, e a
dinâmica demográfica, entre outros fatores, foram responsáveis por importantes
alterações no perfil da população.
50 Algumas das principais mudanças puderam ser observadas no nível de instrução e
renda da população nordestina residente na RMSP, bem como pela inserção em setores
de atividade específicos. A melhoria nos índices de instrução e renda deveu-se, ao
menos em parte, à combinação das políticas públicas aplicadas na década em nível
nacional com a seletividade própria da população migrante, a qual se traduz, neste caso,
na busca por melhores condições de vida. A diminuição de concentração dos nascidos
no Nordeste em atividades que demandam pouca qualificação, da mesma forma, está
associada à maior dispersão da população ocupada em busca de novas oportunidades
no mercado de trabalho, provavelmente com a possibilidade de aproveitar a melhoria
obtida em termos educacionais.
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Notes
1 Veja-se Lyra (2003); Baeninger &. Queiroz (2010).
https://journals.openedition.org/confins/19451 14/16
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com o software ArcGis.
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Auteurs
Maria das Neves Medeiros de Melo
Instituto de Geografia e Ordenamento do Território – Universidade de Lisboa.
mariamelo1@campus.ul.pt
Wilson Fusco
Fundação Joaquim Nabuco. wilson.fusco67@gmail.com
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