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In the 1980s, a conservative movement for public sector reforms attempted to
adjust civil servants’ (alleged) egotistical, amoral behavior to the efficient
achievement of collective goals, in accordance with the principles of Adam
Smith’s invisible hand. Based on Karl Polanyi’s and Max Weber’s classic works
on the establishment of the market and of modern bureaucracy, respectively, the
article endeavors to show how the conservative approach errs by ignoring the
specificities of bureaucratic organization as well as the socially constructed
character of the market mentality. The conclusion is that public sector reforms
based on the assumption of self-interest end up breeding suspicion and fostering
precisely the corrupt behavior that they are meant to forestall, thereby reinforcing
the State’s incapacity to properly manage its actions in the social sphere.
André Borges
Nos anos 80, essa concepção teve grande influência sobre as reformas do setor
público em alguns países da OCDE. Coalizões políticas conservadoras valeram-
se do status científico dos modelos econômicos da burocracia, bem como de
técnicas de gestão importadas do setor privado, para legitimar e implementar
sua agenda de reorganização do aparelho estatal. Em linhas gerais, o objetivo
principal e declarado dessa reorganização era reduzir as funções e o tamanho
do Estado e impor a disciplina do setor privado ao funcionalismo público, de
modo a resolver os problemas de ordem fiscal. Implicitamente, porém, havia o
objetivo de solucionar a "crise de caráter" do Estado. É neste ponto,
especificamente, que as reformas orientadas para o mercado se revelam
contraditórias, como se verá mais à frente.
O que caracteriza boa parte das organizações públicas é justamente seu alto
grau de especificidade de ativos. Os burocratas detêm conhecimento técnico
superespecializado e não facilmente substituível e, freqüentemente, as
atividades realizadas por suas agências não podem ser repassadas para
terceiros (Melo, 1996). Nesses casos, a organização hierárquica tradicional do
setor público é uma solução melhor do que o mercado. Porém, à medida que a
organização burocrática cresce em tamanho, há uma tendência à perda de
eficiência, expressa na lentidão das decisões, perda do controle dos gerentes
sobre os subordinados e falta de incentivos que vinculem o ganho dos indivíduos
ao aumento da produtividade – todos fatores que representam custos de
hierarquia (Pitelis, 1998; Williamson, 1985; 1975). A vantagem de contratar
atividades no mercado, nesse sentido, é justamente a possibilidade de se utilizar
incentivos de resultado que promovam a busca da eficiência, economizando
custos de hierarquia (Tirole, 1994).
Apesar disso, supor com a teoria da escolha pública que a busca de rendas é o
comportamento normal da burocracia é ignorar o fato de que em tal situação a
ação do Estado se tornaria absolutamente imprevisível e ineficaz, à proporção
que as normas abstratas do direito formal fossem substituídas por códigos
privados de anéis de corrupção. Este parece ser o caso (trágico) de países
africanos onde a completa mercantilização do aparelho estatal serve à
dominação "cleptopatrimonialista" de ditadores sanguinários (Evans, 1993). É
mais razoável supor, com Weber, que o crescimento da burocracia pública,
paralelamente à expansão das funções sociais e econômicas do Estado, cria
dificuldades para a fiscalização democrática efetiva. À medida que bureau se
empilha sobre bureau, constituindo organizações hierárquicas gigantescas, é
favorecida a tendência natural do governo burocrático ao segredo. À
intransparência dos procedimentos burocráticos combina-se o aumento das
rendas disponíveis para a captura e a influência desestabilizadora dos códigos
de conduta do setor privado que acompanham a crescente intervenção do
Estado na economia. Dessa forma, a propensão dos burocratas a
desenvolverem comportamento orientado por normas previsto por Max Weber
se enfraquece, com o aumento da tentação de auferir ganhos pessoais ilícitos.
Por outro lado, a imposição da lógica do mercado ao setor público, com o intuito
de converter os servidores públicos ao racionalismo econômico neoclássico,
corre o risco de agravar o mesmo problema moral (o comportamento rent
seeking) que se propõe a resolver. Curiosamente, as reformas orientadas para
o mercado parecem querer transformar em regra o que é uma exceção (o
comportamento maximizador egoísta dos burocratas). Se a construção
institucional da burocracia envolve a criação de uma racionalidade comum que
assenta sobre valores e expectativas compartilhados, é possível inferir que
estruturas burocráticas baseadas na assunção generalizada do auto-interesse
devem promover a desconfiança. Assim, os burocratas passam a enxergar a si
próprios e aos outros como oportunistas amantes do risco, para os quais a
carreira no setor público é apenas mais uma forma de maximizar ganhos no curto
prazo.
Segundo Gregory (1999), por conta da nova ênfase nos resultados, especificar
e medir a implementação de políticas públicas tornou-se extremamente
importante. Este fato traz sérias implicações éticas ¾ números podem ser
manipulados para servir a interesses pessoais e organizacionais. Por outro lado,
a maciça introdução do "contratualismo" calcado na accountability, em parceria
com a imposição de disciplina pela grande redução de staff e pelas mudanças
na forma de contratação normal no setor público criaram (supostamente) um
serviço público mais responsável e cumpridor de ordens. Entretanto, se isto é
verdade, há também o risco do surgimento de uma nova cultura carreirista,
caracterizada pela busca oportunista de recompensas pecuniárias, aumentando
o "risco moral" que a economia das organizações busca evitar. De fato, uma
pesquisa realizada em 1997 concluiu que 38% dos servidores de alto e médio
escalões governamentais não esperavam estar trabalhando no setor público nos
próximos cinco anos (Norman e McMillan, 1997 apud Gregory, 1999); em 1986,
uma pesquisa semelhante mostrou que apenas 19% desse grupo não possuía
essa expectativa pelo resto da vida. O aumento da circulação entre os setores
público e privado que se pode esperar com essa mudança tende a criar novas
oportunidades de corrupção, ao mesmo tempo que enfraquece a capacidade da
burocracia de desenvolver valores e preferências compartilhados
independentemente de pressões externas. Nesse contexto, o desenvolvimento
de um forte ethos de serviço público, apontado por Evans e Schneider como um
dos fatores cruciais para a efetividade da ação estatal, tende a ser prejudicado.
Vale ressaltar, entretanto, que havia na Nova Zelândia um alto padrão ético no
setor público, construído ao longo de séculos, o que pode ser explicado pela
existência de uma fiscalização severa e de um forte ethos de igualdade e civismo
na sociedade. Por conta disso, é razoável supor que os efeitos deletérios das
reformas do setor público tenham sido em grande medida amenizados (idem;
Gregory, 1999). Mas esta constatação apenas reforça a tese de que a efetividade
da ação da burocracia depende de um ethos de serviço público baseado na idéia
de confiança e solidariedade. A ética utilitarista dos liberais não é suficiente por
si só para resolver o problema moral do Estado. Ao contrário, como o exemplo
neozelandês leva a crer, as reformas gerenciais "parasitam" a infra-estrutura
ética existente, criando novos e complexos problemas de controle 11.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por outro lado, a instituição do mercado não é capaz de oferecer uma base sólida
de valores morais. Muitos séculos antes do surgimento do capitalismo, os
filósofos gregos já reconheciam nessa esfera o locus privilegiado da prática da
retórica enganadora e da ausência de valores firmes, razão pela qual seus limites
nunca deveriam se expandir além de certo ponto para não afetar o caráter da
comunidade (Ramos, 1981). A crítica de Polanyi à sociedade de mercado, nesse
sentido, não se dirige à existência do mercado em si, mas à contaminação de
múltiplas esferas da vida social por seus padrões relacionais e cognitivos. Assim,
na medida em que não existem regras abstratas e formais que determinem o
dever moral, nem o mercado é capaz de se erguer como fundamento normativo
de solidariedade, a lógica utilitarista das sociedades contemporâneas nos
impele, inevitavelmente, ao egoísmo puro do estado de natureza hobbesiano.
NOTAS:
*
Este artigo retoma algumas idéias já levantadas em texto anterior, "As
Vicissitudes da Reforma Gerencial no Brasil: Uma Abordagem Analítica",
apresentado no XXIII Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-
Graduação em Administração, Foz do Iguaçu, 1999. Aproveito para agradecer a
Antônio Sérgio Fernandes e a Christina Andrews, cujas críticas e sugestões
àquele primeiro embrião deste trabalho serviram de grande estímulo para seu
aprimoramento. A Celina Souza faço agradecimento especial por sua leitura
cuidadosa e crítica sagaz, que se mostraram de importância vital para o
desenvolvimento das idéias aqui apresentadas. Desnecessário dizer que
quaisquer erros e/ou imprecisões são da minha inteira responsabilidade.
1
. Refiro-me, particularmente, à teoria da escolha pública (public choice), escola
de pensamento econômico que se empenha em aplicar o ferramental
microeconômico neoclássico e da teoria dos jogos à análise política, tendo por
pressuposto básico o comportamento auto-interessado dos atores. O termo
"nova economia política" tem sido utilizado para denominar também a economia
das organizações de Oliver Williamson, vertente do novo institucionalismo na
economia (ver Lowndes, 1996). Sobre o caráter reacionário da teoria da escolha
pública, ver Hirschman (1991).
2
. A obra de Smith, em desacordo com as interpretações dadas por alguns
economistas modernos, jamais poderia ser uma descrição da ordem liberal tal e
qual ela se apresentava no século XVIII, pois o mercantilismo vigente na
Inglaterra da época era precisamente o que sufocava a ascensão da nova classe
de empreendedores descrita em A Riqueza das Nações (ver Santos, 1988).
3
. Polanyi procura sustentar esta posição observando que a reação defensiva
contra o mercado ganhou apoio de um largo arco de posições ideológicas, sem
que houvesse necessariamente uma ligação direta entre aquela e os interesses
diretamente afetados.
4
. Apesar da simplicidade deste modelo, os incontáveis estudos empíricos que se
seguiram, não conseguiram oferecer provas capazes de corroborá-lo (Smith e
Meier, 1994). Para uma análise das críticas a Niskanen, ver Przeworski (1995).
5
. Os custos de transação podem ser de dois tipos: a) os custos de elaboração e
renegociação de contratos entre cada um dos agentes envolvidos em transações
no mercado; b) os custos de se obter os preços relevantes (Coase, 1991).
6
. De certo modo, esta formulação não é incompatível com aquilo que os
economistas clássicos tinham em mente ao falarem do "homem econômico", o
que foi pontuado por Hayek (1952:11): "Seria mais verdadeiro afirmar que na
visão deles [dos clássicos] o homem é por natureza preguiçoso, indolente,
imprevidente e perdulário, e que apenas por força das circunstâncias ele poderia
ser forçado a se comportar economicamente ou ajustando de maneira cuidadosa
seus fins aos meios".
7
. A literatura a esse respeito é enorme e exigiria uma discussão à parte. Uma
revisão do debate atual pode ser encontrada em Green e Shapiro (1994) e
Udehn (1996).
8
. Para uma análise do movimento neo-institucionalista nas ciências sociais, ver,
dentre outros, Immergut (1998) e Lowndes (1996).
9
. Analisando a burocracia do Ministério da Indústria e Comércio japonês (MITI),
Evans (1993) aponta a importância dos laços de amizade entre ex-colegas das
universidades de elite para a coerência do aparelho burocrático. O resultado
desse traço "não burocrático da burocracia" é um "weberianismo reforçado", na
medida em que os altos requisitos para a entrada nessa rede informal tendem a
tornar o desempenho eficaz um atributo valorizado entre os burocratas.
10
. O ranking de corrupção da OCDE segue ordem decrescente, i.e, os países com
menores índices de corrupção ocupam as primeiras posições.
11
. Em países como o Brasil, onde não se conseguiu sequer construir uma
burocracia "weberiana", os controles de checks and balances ainda são frágeis
e as heterogeneidades sociais e regionais são enormes, não é difícil imaginar os
efeitos desastrosos de uma reforma como esta, sem que sejam tomados os
devidos cuidados (ver Souza e Carvalho, 1999).
12
. Obviamente, a Inglaterra dos tempos de Adam Smith nem de longe possuía um
aparato burocrático como o dos Estados contemporâneos e, talvez, por esta
razão, essa questão específica é tratada de forma superficial em A Riqueza das
Nações. Mas há pelo menos um trecho, na seção sobre as funções do Estado,
que não deixa dúvidas quanto ao posicionamento assinalado: "O interesse de
todo homem é viver o mais tranqüilamente possível; e se seus emolumentos
forem exatamente os mesmos tanto executando como não executando algum
dever laborioso, certamente o seu interesse [...] é negligenciar totalmente o seu
dever ou, se estiver sujeito a alguma autoridade que não lhe permite isto,
desempenhá-lo de uma forma tão descuidada e desleixada quanto esta
autoridade permitir" (1983:200).
13
. Este último ponto foi desenvolvido em maior profundidade por Habermas (1982)
em sua crítica à teoria da legitimação de Weber.
ABSTRACT
RÉSUMÉ
Datas de Publicação
Data do Fascículo
2000
https://www.scielo.br/j/dados/a/QNbMmvCG4FFqZF8XMSLhhqC/?lang=pt#
https://doi.org/10.1590/S0011-52582000000100004