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Ética burocrática, mercado e ideologia administrativa: contradições da

resposta conservadora à "crise de caráter" do Estado


Bureaucratic ethics, the market, and administrative ideology: contradictions in the
conservative response to the State’s "crisis of character"
Éthique bureaucratique, marché et idéologie administrative: contradictions de la
réponse conservatrice à la "crise morale" de l’État
André Borges

Resumos
In the 1980s, a conservative movement for public sector reforms attempted to
adjust civil servants’ (alleged) egotistical, amoral behavior to the efficient
achievement of collective goals, in accordance with the principles of Adam
Smith’s invisible hand. Based on Karl Polanyi’s and Max Weber’s classic works
on the establishment of the market and of modern bureaucracy, respectively, the
article endeavors to show how the conservative approach errs by ignoring the
specificities of bureaucratic organization as well as the socially constructed
character of the market mentality. The conclusion is that public sector reforms
based on the assumption of self-interest end up breeding suspicion and fostering
precisely the corrupt behavior that they are meant to forestall, thereby reinforcing
the State’s incapacity to properly manage its actions in the social sphere.

public sector reform; ethics; neoliberalism

Dans cet article on examine la vague de réformes conservatrices du secteur


public dans les années 80 comme une tentative d’ajuster le comportement des
fonctionnaires (censé être) égoïste et amoral à la réussite d’objectifs collectifs,
selon le principe de la "main invisible" d’Adam Smith. À partir des travaux
classiques de Karl Polanyi et de Max Weber sur la mise en place du marché et
de la bureaucratie moderne, respectivement, on cherche à montrer comment la
solution conservatrice se trompe en ignorant les particularités de l’organisation
bureaucratique ainsi que le caractère socialement construit de la mentalité de
marché. On conclut que les réformes dans le secteur public basées sur la
prémisse de l’intérêt personnel doivent favoriser la méfiance et faciliter un
comportement corrompu qu’elles souhaitent éviter, tout en approfondissant par
ailleurs l’incapacité de l’État à gérer correctement son intervention dans le
domaine social.

réformes dans le secteur public; éthique; néolibéralisme

public sector reform; ethics; neoliberalism

réformes dans le secteur public; éthique; néolibéralisme


Ética Burocrática, Mercado e Ideologia Administrativa: Contradições da
Resposta Conservadora à "Crise de Caráter" do Estado *

André Borges

Na década de 70, o fim do longo ciclo de crescimento econômico inaugurado no


pós-guerra trouxe ao debate político o questionamento das formas de
intervenção e organização do Estado associadas ao welfare state. Comumente,
as dificuldades vividas pelos Estados capitalistas desde então têm sido
estudadas sob o ângulo específico das finanças públicas. Tanto teóricos
marxistas quanto liberais, como observa Rosanvallon (1997), partem do princípio
da existência de um limite determinado à expansão dos gastos públicos (ou do
processo de "socialização") dentro da economia capitalista, buscando nos
fatores propriamente econômicos as causas da derrocada do welfarism.

Para além desse foco de análise, no entanto, é possível entender a crise do


Estado de Bem-Estar não apenas do ponto de vista do peso excessivo das
despesas sociais ou da dificuldade de regulação dos conflitos econômicos, mas
também como um abalo nas relações entre o Estado e a sociedade. De acordo
com esta perspectiva, a crise é analisada em termos dos seus fundamentos
culturais. Enquanto pólo de integração social capaz de se contrapor aos efeitos
socialmente desagregadores do mercado, o Estado moderno pode ser
conceituado como um sistema cultural envolvido no estabelecimento de uma
visão de mundo e de um ethos ou estilo de vida particular dos cidadãos. A crise
instaura-se porque, enquanto sistema sociocultural envolvido na provisão de
ordem e significado para a vida humana, o welfare state é incapaz de responder
às suas próprias contradições e legitimar sua intervenção. O resultado é uma
crise de legitimação e de caráter (McClintock e Stanfield, 1991). A crise de
legitimação resulta da dicotomia entre a concentração de poder promovida
pelo welfare state ("corporatização" da democracia, burocratização) e as
instituições democráticas. O resultado é a alienação política e o
descontentamento popular com o programa do Estado social (idem; Habermas,
1987). A "crise de caráter" é conseqüência da contradição entre a mentalidade
de mercado predominante, com sua ênfase no individualismo e no motivo do
ganho próprio, e as aspirações progressistas do Estado de Bem-Estar em torno
de um ideal de solidariedade e igualdade. A predominância da mentalidade de
mercado significa que uma ênfase menor é colocada naqueles que deveriam ser
os maiores objetivos do Estado de Bem-Estar: reduzir a desigualdade social e
criar maior segurança econômica. Essa contradição se revela de forma mais
acentuada na captura das políticas públicas por grupos de interesse privados
(McClintock e Stanfield, 1991).

A nova economia política1 também vai apontar a contradição entre a mentalidade


de mercado predominante e os imperativos de solidariedade de uma sociedade
de welfare, assumindo que os homens públicos se comportam da mesma forma
que os agentes no mercado, isto é, maximizando suas respectivas curvas de
utilidade. O comportamento auto-interessado de políticos, burocratas e suas
clientelas tem como conseqüências a captura das políticas públicas por grupos
de interesse privados, a provisão de serviços públicos em níveis socialmente
ineficientes e a manipulação da política macroeconômica por políticos populistas
(Buchanan, 1975). Porém, em vez de se deter sobre a questão da ética do
serviço público, a abordagem da escolha pública assume a inevitabilidade do
comportamento auto-interessado para propor, dentro da lógica smithiana da
"mão invisível", a construção de um sistema de incentivos e punições que vincule
a busca do interesse individual ao máximo benefício coletivo.

De acordo com essa perspectiva, o movimento de reestruturação dos governos


na década de 80 na direção de padrões operativos mais flexíveis e orientados
para o mercado foi a resposta dada por coalizões políticas conservadoras nos
países da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico ¾ OCDE
aos problemas herdados de décadas de welfarism. A resposta à "crise de
caráter" do Estado implícita nessas reformas envolvia dois princípios básicos. De
um lado, procurava-se adequar o comportamento maximizador à consecução
eficiente de objetivos coletivos por meio de controles de mercado; de outro,
através da redução do tamanho e das funções do Estado, buscava-se reduzir as
oportunidades para a corrupção (Mascarenhas, 1993; Peters, 1992; Pollit, 1994;
Schwartz, 1994).

Contrariamente à visão conservadora, que assume o postulado da naturalidade


do comportamento maximizador e auto-interessado do homo
economicus, resgata-se, neste trabalho, a crítica antropológica de Karl Polanyi à
ciência econômica convencional. Para Polanyi, a mentalidade de mercado é
fenômeno relativamente recente, fruto das mudanças sociais e culturais que
acompanham o surgimento do capitalismo. Portanto, longe de ser natural e
inerente ao ser humano, como sustenta a abordagem da escolha pública, o
comportamento maximizador egoísta depende de longa construção
sociocultural. Por outro lado, a partir de Weber (1997a), argumenta-se que é
precisamente o fato de a burocracia pública obedecer a uma lógica
completamente diversa da lógica utilitarista o que a torna útil para o setor privado.
Mais ainda, dado seu insulamento em relação à sociedade, os burocratas têm a
possibilidade de desenvolver preferências diversas dos agentes presentes no
mercado ou mesmo de outras elites políticas (Evans e Rueschmeyer, 1985;
Schneider, 1995). A construção de um ethos de serviço público baseado na
confiança e no comprometimento é pressuposto da coerência corporativa e da
eficiência da burocracia.

A partir dessa discussão, este artigo objetiva demonstrar as contradições da


resposta conservadora à "crise de caráter" do Estado. Argumenta-se que
reformas do setor público baseadas na premissa do auto-interesse devem
promover a desconfiança e subverter a idéia de um ethos de honestidade no
serviço público, incentivando precisamente o comportamento corrupto que
deveriam evitar. Além disso, os processos de flexibilização das normas de
contratação e controle, terceirização e privatização promovidos por essas
reformas criam novas oportunidades de corrupção. Por outro lado, a submissão
da burocracia à racionalidade econômica neoclássica e sua ideologia dos livres-
mercados, idéia-chave dessas reformas, intensifica a incapacidade do Estado de
gerir a intervenção no social de forma adequada. Ao mesmo tempo que o
sistema econômico cresce em complexidade e os efeitos socialmente
desagregadores do "capitalismo flexível" de hoje ameaçam tornar-se
insuportáveis, exigindo uma ação corretiva, as políticas públicas sociais são
cada vez mais ineficazes ou paliativas, seja pelo reforço a uma forma de
pensamento instrumental e socialmente reificante dos gestores públicos, seja
pelos limites cada vez mais estreitos impostos pela hegemonia liberal à
intervenção reparadora. Acentua-se dessa forma a dicotomia entre ideologia dos
"mercados livres" e necessidade de uma ação corretiva capaz de afirmar a
solidariedade sobre o poder do dinheiro e dos métodos administrativos (cf.
Habermas, 1987).

BUROCRACIA, MERCADO E WELFARE STATE

Em sua crítica antropológica à ciência econômica convencional, Karl Polanyi


defende a tese de que anteriormente à nossa época não existiu nenhuma
economia que fosse controlada por mercados. O que se observa em formações
sociais pré-capitalistas é a ausência da motivação do lucro e, principalmente, a
ausência de qualquer instituição baseada em motivações econômicas (Polanyi,
1980:61). É somente nas sociedades capitalistas modernas que se pode
observar o tipo de comportamento maximizador e auto-interessado previsto
pelos liberais do século XIX, o que levou Polanyi a afirmar, quanto à obra de
Adam Smith, que "nenhuma leitura errada do passado foi tão profética do futuro"
(idem:59)2.

Ao contrário do que acreditavam os economistas clássicos, o egoísmo do homo


economicus não é causa, mas conseqüência do surgimento do mercado. Em
formações sociais pré-capitalistas, longe de ser aceito como natural, o
comportamento maximizador descrito por Adam Smith seria considerado como
"o mais baixo tipo de avareza e como uma atitude desprovida de auto-respeito"
(Weber, 1997b:35). Para Karl Marx (1982), a idéia de indivíduos isolados e
egoístas que constroem a sociedade a partir do nada era uma ilusão tipicamente
burguesa, fruto das pobres ficções das robinsonadas do século XVIII.
Historicamente, a construção do mercado foi um processo planejado e
controlado centralmente pelo Estado, envolvendo a criação artificial da escassez
(cercamento de terras, cobrança de impostos "por cabeça") para moldar o
comportamento dos camponeses europeus e das colônias asiáticas e africanas
segundo a orientação para o trabalho característica do "espírito do capitalismo"
(Polanyi, 1980).

Ao ressaltar o caráter não natural da instituição do mercado, Polanyi chama a


atenção para a importância de um aparato estatal forte e centralizado capaz de
minar as resistências ao laissez-faire e garantir o funcionamento adequado da
ordem econômica. Por outro lado, a burocracia profissional e o direito racional,
pilares do Estado moderno, garantem a previsibilidade institucional necessária à
acumulação capitalista (Weber, 1997a). Assim, ao contrário do que poderia
supor a sabedoria convencional do liberalismo econômico, o avanço do mercado
vem sempre acompanhado pelo crescimento dos métodos administrativos de
intervenção, o que levou Polanyi a afirmar: "O laissez-faire foi planejado; o
planejamento não" (1980:146).

Para a constituição de uma sociedade liberal nos moldes imaginados pelos


economistas clássicos do século XIX era necessário que houvesse um mercado
para cada elemento da indústria: terra, dinheiro e trabalho. Segundo Polanyi,
estes três elementos são mercadorias fictícias, tendo em vista que nenhum deles
é produzido para a venda. A mercantilização do trabalho, isto é, do próprio
homem, envolve a liquidação de todas as formas orgânicas de vida, com a
destruição das relações de vizinhança, parentesco, profissão e credo. À medida
que os imperativos econômicos passam a subordinar as relações entre os
homens e entre os homens e a natureza, o resultado é a degradação moral, o
vício, a fome e a destruição do meio ambiente (idem:84). De maneira análoga, a
submissão do meio monetário ao sistema de preços, com o atrelamento das
economias ao padrão-ouro, traz a recorrência de crises financeiras que
ameaçam a sobrevivência de toda a economia mundial. No limite, a aplicação do
princípio do mercado a toda a sociedade resultaria no seu desmoronamento
(idem). A grande crise financeira de 1929, ao expor a fragilidade do projeto de
um sistema econômico internacional auto-regulável, marca inflexão acentuada
na marcha dos países ocidentais desenvolvidos rumo à utopia liberal do século
XIX. A partir daquela época, instaurou-se crescente descrença quanto aos
poderes de autocura do mercado, agora substituídos pela intervenção ativa do
Estado.

Na leitura de Polanyi (idem), a crescente intervenção do Estado na economia


após as primeiras décadas gloriosas do liberalismo no século XX pode ser
entendida como uma defesa natural da sociedade contra o avanço do mercado 3.
As políticas de welfare (seguro-desemprego, aposentadoria, seguro-saúde)
representam, nesse sentido, a relativa desmercantilização do trabalho, com a
substituição do mercado por critérios político-administrativos na partilha do
excedente econômico (Esping-Andersen, 1991; Habermas, 1982). A passagem
de políticas econômicas passivas para a intervenção anticíclica do Estado na
economia através de políticas fiscal e de juros e o abandono do padrão-ouro, de
maneira semelhante, marcam a politização do meio monetário (Przeworski,
1989).

Na interpretação de Oliveira (1988), o Estado de Bem-Estar pode ser sintetizado


na sistematização de uma esfera pública, onde o fundo público se torna
fundamento da acumulação do capital e da reprodução da força de trabalho por
meio dos gastos econômicos e sociais. A construção do Estado de Bem-Estar
marca a ascensão de sujeitos políticos capazes de impor seus interesses sobre
a lógica pura do mercado a partir de regras universais e pactuadas. Retomando
a reflexão de Polanyi sobre a instituição do mercado, pode-se concluir que o
Estado de Bem-Estar restabelece a subordinação da economia à política, com o
objetivo de amenizar os efeitos desagregadores da acumulação capitalista.

O esgotamento do programa do Estado social, já a partir dos anos 70, vai se


revelar na explosão dos déficits fiscais nos países desenvolvidos
concomitantemente ao esgotamento do padrão keynesiano de gestão
macroeconômica, refletindo-se na convivência entre altas taxas de inflação e
baixos índices de crescimento econômico. A queda das taxas de lucratividade
com o primeiro choque do petróleo nos anos 70 e os altos encargos impostos
pelo Estado de Bem-Estar geraram uma reação defensiva da parte dos
empresários, envolvendo a internacionalização do capital e o aumento da
racionalização produtiva. Os processos de desindustrialização e
internacionalização do capital por um lado reduziram a base de taxação e do
outro as mudanças na estrutura etária da população trouxeram maior pressão
sobre os gastos públicos, engendrando uma crise fiscal (Habermas, 1987;
Oliveira, 1988).
Da perspectiva que emerge da análise de Polanyi sobre o movimento
contraditório de construção e manutenção do mercado, a inadequação das
estruturas do Estado de Bem-Estar na sociedade capitalista liberal reflete-se em
uma "crise de caráter" (McClintock e Stanfield, 1991:54). Para usar as palavras
de Rosanvallon (1997), o Estado-providência não é mais capaz de oferecer um
paradigma viável de solidariedade em face dos efeitos desagregadores do
mercado. A "crise de caráter" expressa-se na contradição entre os traços de
personalidade típicos da sociedade de mercado ¾ expressos de maneira tosca
na metáfora do homo economicus ¾ e o ethos de solidariedade necessário ao
funcionamento adequado de uma sociedade do welfare. A predominância do
auto-interesse resulta em uma ênfase menor sobre aqueles que deveriam ser os
objetivos últimos do Estado de Bem-Estar: a efetiva redução da desigualdade
social e a criação de segurança econômica. A contradição expressa-se de
maneira patente na captura do aparato estatal por grupos de interesse privados
poderosos e bem organizados. No limite, o Estado de Bem-Estar corre o risco
de agravar a desigualdade social, em lugar de corrigi-la (McClintock e Stanfield,
1991:54; Offe, 1989).

Na visão de Polanyi, o welfare state surge como uma defesa natural da


sociedade contra a destruição das formas de vida tradicionais operada pelo
mercado. Porém, o caráter reativo e pragmático dessa resposta protetora
impediu a criação de um paradigma alternativo à mentalidade de mercado
predominante (McClintock e Stanfield, 1991:56). De fato, nunca houve uma
teoria ou uma ideologia bem desenvolvida capaz de justificar o welfare state. A
teoria keynesiana, apropriada pelos partidos social-democratas na falta de uma
melhor alternativa (Przeworski, 1989), apenas oferece uma solução de curto
prazo para solucionar uma falha de mercado não prevista pela economia política
clássica (assimetria intertemporal entre poupança e investimento), encaixando-
se, em certo sentido, às prescrições do liberalismo convencional (Santos, 1988).
Assim, mesmo durante os anos dourados do capitalismo que marcam o auge
do welfare state, o debate político sobre a intervenção estatal continuou preso
aos limites da ideologia liberal neoclássica (Wallerstein, 1994). A reação
defensiva contra o princípio do mercado sempre foi avaliada em termos dos
imperativos e reações adversas potenciais da economia capitalista. Em
conseqüência, a racionalidade e a implementação efetiva das políticas sociais
eram limitadas por seu atrelamento às flutuações cíclicas dos negócios, crises
fiscais e mudanças econômicas (Offe, 1989). Nesse contexto, as restrições
ideológicas à intervenção estatal tendem a detonar uma "crise de intervenção":
enquanto o sistema econômico cresce em complexidade, exigindo um
contraponto ao "moinho satânico" do mercado, o pensamento liberal dominante
insiste na utopia dos "mercados perfeitos" .

A contradição entre a mentalidade de mercado e as aspirações progressistas do


Estado de Bem-Estar é também assinalada pela nova economia política como
uma das causas de sua inadequação no contexto da sociedade capitalista liberal.
De acordo com esta perspectiva, entretanto, o reconhecimento dessa
contradição serve apenas para fundamentar a defesa irrestrita da utopia da
sociedade de mercado dos economistas clássicos.

Nos anos 80, essa concepção teve grande influência sobre as reformas do setor
público em alguns países da OCDE. Coalizões políticas conservadoras valeram-
se do status científico dos modelos econômicos da burocracia, bem como de
técnicas de gestão importadas do setor privado, para legitimar e implementar
sua agenda de reorganização do aparelho estatal. Em linhas gerais, o objetivo
principal e declarado dessa reorganização era reduzir as funções e o tamanho
do Estado e impor a disciplina do setor privado ao funcionalismo público, de
modo a resolver os problemas de ordem fiscal. Implicitamente, porém, havia o
objetivo de solucionar a "crise de caráter" do Estado. É neste ponto,
especificamente, que as reformas orientadas para o mercado se revelam
contraditórias, como se verá mais à frente.

A RATIONALE DAS REFORMAS

Partindo do pressuposto da racionalidade egoísta, a teoria da escolha pública


oferece um modelo em que políticos, burocratas e eleitores são maximizadores
de utilidade, atuando sob a coerção de determinadas regras institucionalizadas.
Na formulação de James Buchanan e Gordon Tullock (1965), se os agentes
atuam no mercado buscando maximizar suas utilidades, por que eles haveriam
de agir de outra forma no exercício de funções públicas? Nessa linha de
pensamento, Anthony Downs (1957) sugere que os governantes são motivados
por dinheiro, poder e privilégios no exercício da função pública, razão pela qual
a busca do interesse público é sempre subproduto do interesse dos políticos em
vencer as eleições. Como os eleitores normalmente não têm acesso a todas as
informações necessárias para votar de forma racional e, portanto, fiscalizar seus
representantes, abre-se espaço para a manipulação da agenda política e dos
recursos públicos em favor de políticos auto-interessados e suas clientelas
(Mueller, 1989).

Se o controle dos cidadãos sobre os políticos é por natureza imperfeito e sujeito


à manipulação, o controle sobre a burocracia pública guarda dificuldades ainda
maiores. Os burocratas são normalmente nomeados e não eleitos, o que pode
colocar seus objetivos ainda mais distantes dos interesses do público. A
fiscalização do Congresso sobre as agências burocráticas, que deveria
minimizar o problema, também tende a ser falha na medida em que os
burocratas detêm o monopólio do conhecimento sobre as atividades que
realizam (Miller, 1997). Segundo Niskanen (1971 apud Mueller, 1989), os
burocratas desejam salários, mordomias, reputação pública, recursos para troca
de favores e facilidades para administrar e fazer mudanças. Todos esses
objetivos, excetuando o último, estão relacionados diretamente ao tamanho dos
orçamentos do bureau e, por isso, supõe-se que os burocratas
são maximizadores dos orçamentos. No modelo de Niskanen, uma agência
financiadora determina ao bureau que produza uma dada quantidade de bens
ou serviços, revelando o máximo que está disposta a pagar. Como somente a
agência burocrática tem acesso aos seus verdadeiros custos, ela maximiza a
produção além do ponto em que o custo marginal iguala o benefício social
marginal, produzindo um resultado que é socialmente ineficiente, embora ótimo
para os burocratas em termos de suas curvas de preferências 4.

Uma variável crucial nos modelos econômicos da burocracia é a possibilidade


de captura das agências por grupos de interesse privados. Segundo Krueger
(1974), todas as políticas governamentais que interfiram no domínio econômico
são fontes de renda para grupos privados. Quando o governo aumenta as tarifas
de importação para determinados setores industriais, por exemplo, esta é uma
forma de lhes conceder lucros acima do normal (isto é, do equilíbrio competitivo),
constituindo uma transferência de renda dos consumidores para as indústrias.
Desde que haja a possibilidade de intervenção no domínio econômico, diversos
grupos de interesse especiais irão competir para influenciar o governo mediante
atividades de lobby e captura da arena pública que a literatura especializada
denomina rent seeking (literalmente "caça-à-renda") (Olson, 1982; Tullock,
1996).

Segundo esta perspectiva, o próprio crescimento do Estado gera incentivos para


a sua captura; de fato, um Estado que se limitasse a garantir os direitos de
propriedade e as ordens externa e interna não teria muito o que oferecer a
grupos privados desejosos de aumentar sua participação na renda nacional.
Esta é a justificativa específica para a defesa do repasse de funções estatais
para a iniciativa privada, na medida em que isto possibilita reduzir possíveis
"prêmios" para a captura bem-sucedida (Tirole, 1994). Onde não é possível a
privatização ou a terceirização de atividades do Estado, a teoria da escolha
pública sugere a criação de um sistema de incentivos e punições capaz de forçar
as agências burocráticas a produzir de maneira eficiente, seja expondo-as à
competição direta com provedores privados, seja por meio de um sistema de
controle de metas de produtividade (Schwartz, 1994). A estreita regulação
política da burocracia, envolvendo a centralização decisória no alto escalão dos
ministérios, é a solução apontada para reduzir o poder do funcionalismo estatal
e garantir seu comprometimento com o programa de reformas pró-mercado
(Aucoin, 1990; Mascarenhas, 1993).

O outro ramo da nova economia política, a economia das organizações, de Oliver


Williamson, traz importante complemento à análise da escolha pública. Esta
corrente surge da teoria da firma (Coase, 1991), buscando entender sistemas
hierárquicos e mercados como estruturas alternativas de governance. O
fenômeno organizacional, seja uma grande corporação, seja o Estado, é visto
como fruto da decisão de atores racionais em cooperar, tendo em vista a
possibilidade de economizar custos de transação presentes no mercado 5. Os
economistas da organização partem da idéia de racionalidade constrangida para
explicar o comportamento dos atores, supondo que a conduta é estritamente
racional só até o ponto em que cada indivíduo tem acesso às informações
necessárias à tomada de decisão. A existência de assimetrias informacionais em
mercados e contextos hierárquicos abre espaço para o oportunismo, isto é, a
busca do auto-interesse com objetivos maliciosos e/ou fraudulentos (Williamson,
1985).

No âmbito do mercado, o oportunismo pode surgir em função da existência


de asset specifity (especificidade de ativos). Na definição de Williamson, asset
specifity diz respeito "ao grau em que um determinado insumo pode ser
redirecionado para usos e usuários alternativos sem a perda do seu valor
produtivo" (Williamson, 1991). Exemplificando, determinadas firmas detêm
controle sobre técnicas produtivas e maquinário que não podem ser transferidos
para uma outra firma sem incorrer em altos custos de adaptação. Essa
especificidade dos fatores dá a essas firmas um grande poder sobre seus
fornecedores e compradores, o que abre espaço para o oportunismo. Mercados
dominados por firmas com alto grau de asset specifity caracterizam-se pela baixa
contestabilidade, isto é, firmas concorrentes não têm como entrar no mercado
sem incorrer em altos custos de entrada, irrecuperáveis (sunk costs). Quanto
menor a especificidade de ativos, portanto, maior a contestabilidade dos
mercados, na medida em que outras firmas podem ameaçar o poder de
monopólio da firma dominante sem incorrer em sunk costs (Scherer e Ross,
1990).

A solução mais comum para o problema da asset specifity é a integração vertical


de firmas, ou seja, a internalização de informações antes indisponíveis, mediante
a troca de relações de mercado por relações hierárquicas (Williamson, 1985).
Esta internalização permite a economia de custos de transação presentes no
mercado, reduzindo significativamente a incerteza e o risco moral (moral hazard)
dos contratos.

O que caracteriza boa parte das organizações públicas é justamente seu alto
grau de especificidade de ativos. Os burocratas detêm conhecimento técnico
superespecializado e não facilmente substituível e, freqüentemente, as
atividades realizadas por suas agências não podem ser repassadas para
terceiros (Melo, 1996). Nesses casos, a organização hierárquica tradicional do
setor público é uma solução melhor do que o mercado. Porém, à medida que a
organização burocrática cresce em tamanho, há uma tendência à perda de
eficiência, expressa na lentidão das decisões, perda do controle dos gerentes
sobre os subordinados e falta de incentivos que vinculem o ganho dos indivíduos
ao aumento da produtividade – todos fatores que representam custos de
hierarquia (Pitelis, 1998; Williamson, 1985; 1975). A vantagem de contratar
atividades no mercado, nesse sentido, é justamente a possibilidade de se utilizar
incentivos de resultado que promovam a busca da eficiência, economizando
custos de hierarquia (Tirole, 1994).

Levando ao extremo a idéia de um trade-off entre mercado e hierarquia, conclui-


se que a organização burocrática tradicional do setor público deveria limitar-se a
funções estratégicas (core functions), não contestáveis, cujos outputs são
difíceis de medir (administração da Justiça, segurança externa, arrecadação de
impostos etc.). Conforme esta perspectiva, para os serviços altamente
contestáveis (a maioria dos bens privados, telecomunicações, geração de
energia elétrica), os mecanismos de mercado com provisão privada
(privatização) ou provisão pública e privada (quase-mercados) são os mais
adequados. Em uma categoria intermediária, as agências públicas em setores
não contestáveis, mas passíveis de medição de performance, devem ser
submetidas a controles de resultados, com o fortalecimento de mecanismos de
"voz" (pesquisas de satisfação de clientes, comitês de usuários etc.). Na
ausência de altos custos de transação, as atividades nesses setores podem
também ser terceirizadas para empresas privadas e ONGs (World Bank,
1997:87-88).

O problema do Estado, nos termos da nova economia política, portanto, resume-


se à criação de formas organizacionais capazes de garantir a máxima eficiência
econômica. Vislumbra-se a redução das formas tradicionais de organização
burocrática do setor público a um núcleo de atividades "mínimas", com a
correspondente terceirização e privatização da maior parte das atividades
restantes, donde se justifica o antigo ideal do liberalismo clássico ¾ "o melhor
governo é o menor" ¾ nos termos da linguagem técnica da economia
neoclássica. O quadro doutrinário da administração pública anglo-americana,
incorporando esse arcabouço teórico, vai conferir à agenda de "minimalização"
do Estado seus contornos finais, tornando-a mais palatável para o grande
público. Nesse contexto, a defesa de um objetivo ideologicamente "neutro" ¾
uma gestão mais eficiente no setor público ¾ passa a legitimar o projeto
reformista conservador (Pollit, 1994).

GERENCIALISMO E RETÓRICA DA EFICIÊNCIA

A série de doutrinas administrativas que vem dominando a agenda de reformas


burocráticas em alguns países do mundo desenvolvido desde o início dos anos
80, agrupadas na expressão "nova administração pública" ou simplesmente
"gerencialismo" (Dunleavy e Hood, 1994; Hood, 1991; Hood e Jackson, 1991;
Pollit, 1994), combina as reflexões da nova economia política sobre o Estado à
defesa ideológica do modelo de gestão característico do setor privado. A idéia
de uma gestão mais eficiente, peça-chave do gerencialismo, é utilizada como
arma de retórica para ocultar seus princípios conservadores sob a suposta
neutralidade técnica dos administradores profissionais (Pollit, 1994). O que
caracteriza o gerencialismo como uma doutrina ou ideologia administrativa,
nesse sentido, é o fato do seu enorme sucesso nos últimos anos não estar ligado
necessariamente à comprovação empírica dos seus pressupostos, mas à
capacidade de obter aceitação através de instrumentos de retórica (Hood e
Jackson, 1991).

Segundo Pollit (1994), a ideologia gerencialista caracteriza-se pela crença de


que uma gestão mais eficiente é a solução adequada para uma ampla gama de
doenças econômicas e sociais. Seus proponentes tendem a endeusar os
grandes executivos privados e a apresentar como vilões burocratas públicos,
políticos e sindicatos. De acordo com esta perspectiva, o problema do Estado
reduz-se a criar condições para que os administradores possam fazer aquilo que
sabem melhor, isto é, gerir (Andrews e Kouzmin, 1998). Supõe-se, assim, que a
existência de regras burocráticas excessivamente rígidas no setor público e a
ênfase em controles de processos (em oposição a controles de resultados)
acabam por impossibilitar uma gestão eficiente e expedita como a praticada no
setor privado, onde os administradores possuem muito mais autonomia para
contratar e mobilizar recursos. A solução, portanto, é aumentar o poder
discricionário dos administradores públicos, submetendo-os, entretanto, a
controles de resultados (Barzelay, 1992; Osborne e Gaebler, 1995).

Uma sistematização das diversas correntes dentro do gerencialismo foi realizada


por Abrucio (1991) de acordo com a maior ou menor ênfase no controle de
gastos, foco no cidadão/cliente e participação popular nas esferas decisórias
estatais. O que se deduz da sua análise é que, ao longo do tempo, o
conservadorismo economicista do gerencialismo "puro", fortemente influenciado
pela nova economia política, foi sendo enfraquecido pela contínua incorporação
das críticas feitas a essa doutrina ao longo do tempo.

Esse processo de esmaecimento ideológico é visível também nas


recomendações do Banco Mundial para a reforma do Estado nos países em
desenvolvimento. O World Development Report de 1997 defende a tese de que
é necessário reconstruir o Estado ¾ e não reduzi-lo ao mínimo ¾ para garantir
o desenvolvimento econômico sustentável (Costa, 1998). Nos últimos anos, à
medida que se tornavam claras as limitações dos programas ortodoxos de ajuste
estrutural nos países em desenvolvimento, o Banco passou a considerar que
fatores políticos, tais como grupos de interesse e legitimidade governamental,
tinham influência direta sobre os processos de ajuste (Williams e Young, 1994).

A grande dificuldade da formulação do Banco Mundial, entretanto, está na


ligação que se tenta estabelecer entre democratização da administração pública
e reforma gerencial. Segundo esta perspectiva, supõe-se que o cidadão,
igualado a usuário de serviços, poderá expressar suas preferências de maneira
mais adequada através do mercado. A burocracia "orientada para o cliente"
torna-se fundamento de uma administração mais democrática, na medida em
que implica uma ligação mais estreita entre as preferências do público e a
prestação de serviços. A participação do usuário em comitês de avaliação e a
realização de pesquisas para medir a satisfação dos clientes são mecanismos
complementares para garantir a qualidade dos serviços prestados e o correto
funcionamento do aparelho burocrático. Ao fomentar o repasse das funções
estatais para organizações privadas (sejam empresas ou ONGs), entretanto, a
reforma gerencial apenas substitui a burocracia pública pela burocracia privada,
sendo que a segunda não está sujeita aos mecanismos de checks and
balances da democracia representativa (Blanchard et alii, 1998).

Os mecanismos de mercado, que deveriam substituir os controles políticos e


administrativos normais, também estão sujeitos a falhas. Na prática, existem
imperfeições de demanda e oferta permeando o setor público. O governo é
normalmente um monopsonista em muitas áreas (prisões, pesquisa básica) e do
lado da oferta freqüentemente há apenas um ou dois produtores. Tais
imperfeições abrem espaço para a formação de coalizões entre os prestadores
de serviço ou mesmo entre estes e as agências públicas financiadoras (Kelly,
1998). As falhas em mercados públicos trazem a necessidade da criação de
novas instâncias burocráticas capazes de regular as empresas privadas
trabalhando nesses mercados. Assim, em vez de reduzir o campo de atuação do
aparato burocrático, a reforma gerencial traz novos e complexos arranjos
envolvendo agências privadas e suas entidades reguladoras públicas, com o
risco de enfraquecer os controles democráticos normais sobre a burocracia.

Da perspectiva da economia das organizações, abraçada pelo Banco Mundial,


somente na impossibilidade de apelar para a provisão em mercados ou quase-
mercados é que se deve apelar para a organização burocrática tradicional
juntamente com as instituições da democracia representativa. A escolha
individual no mercado é sempre preferível à ação coletiva característica da
política – este é o princípio-chave da agenda reformista do Banco. Levado às
últimas conseqüências, esse princípio deixa implícito um conceito bastante
restrito e negativo de democracia, bem como uma visão hobbesiana da
sociedade.

Em verdade, tanto o pensamento gerencialista quanto a economia política


conservadora revelam uma desconfiança indisfarçada quanto à democracia
representativa. A política é vista como um empecilho na medida em que ela pode
comprometer o caráter "racional", "técnico", das decisões da tecnocracia estatal.
O Estado liberal dos conservadores, neste particular, não deve ser confundido
com o Estado não-intervencionista; ao contrário, seu núcleos tecnoburocráticos
devem ter autonomia para intervir na economia de forma a assegurar o livre
funcionamento dos mercados, evitando as pressões de parlamentares
"populistas" e grupos "caçadores-de-rendas" que possam comprometer a
racionalidade da ordem econômica. A glorificação do papel do gerente que atua
na busca estrita da eficiência econômica, livre das pressões "irracionais" da
política, de maneira análoga, é a grande idéia-força por trás da doutrina
gerencialista. Nega-se, dessa forma, o caráter essencialmente político da
administração pública e as implicações distributivas das ações do gestor público,
que passam a obedecer à supostamente superior racionalidade do mercado.

A submissão do aparelho burocrático à racionalidade econômica neoclássica


trazida pelas reformas gerenciais, em uma outra ponta, implica uma mudança
cultural de peso no setor público. De fato, o tipo de burocrata que se requer em
uma estrutura calcada no princípio do mercado nada tem a ver com a figura
clássica (e hoje injustamente banalizada) do burocrata "weberiano". É
necessário, de outra forma, aproximar o administrador público do grande
executivo privado endeusado pela ideologia gerencialista. Flexibilidade,
capacidade de adaptação, amor ao risco e ambição seriam algumas dessas
características. Em certo sentido, o gerente-herói dos ideólogos da nova
administração pública é uma versão mais sofisticada do homo economicus, pois
o seu compromisso não é certamente com a dignidade e o engrandecimento da
função pública, mas apenas com o interesse próprio. Porém, enquanto o
burocrata "maximizador dos orçamentos" de Niskanen, ele também um agente
auto-interessado, representa tudo aquilo que a ideologia gerencialista abomina
(a patronagem, a desídia, o amor ao privilégio), o homo economicus na sua
versão sofisticada de alguma forma é obrigado a se adaptar à mudança
"empreendedora" no setor público e a apresentar atributos que conferem à sua
ação um caráter positivo em termos da busca da eficiência econômica 6.

Aparentemente, o racionalismo econômico da nova economia política e dos


ideólogos gerencialistas parece enxergar no princípio do mercado um bálsamo
redentor capaz de purificar o setor público de todos os seus males: o
clientelismo, o descaso com o dinheiro público, a corrupção pura e simples.
Subjacente a esta pressuposição está a crença de que a ética utilitarista do homo
economicus pode constituir-se em fundamento para a solução dos problemas de
ordem moral da sociedade.

Como observa Alan Wolfe (1991), as ciências sociais tornaram-se o teatro do


debate moral na sociedade moderna, a partir do momento em que as instituições
tradicionais (a Igreja, a família) perderam a capacidade de criar um consenso
moral. Ao erigir um padrão ideal de comportamento (a maximização racional da
utilidade), contra o qual o comportamento real deve ser confrontado, a teoria da
escolha pública afirma a primazia do que deve ser contra aquilo que é real. Se
já é questionável até que ponto as pessoas têm capacidade de agir de forma
inteiramente racional, coletando todas as informações necessárias à ação, a
idéia de que os agentes são capazes de maximizar algo como uma "curva de
preferências" envolve dificuldades incontornáveis no campo da comprovação
empírica7. Portanto, há um certo viés normativo nas abordagens economicistas
dos fenômenos sociais que deixa implícita a defesa de uma ética utilitarista e
individualista. Desse modo, os economistas de hoje passaram a se ocupar de
questões de filosofia moral, invertendo a situação dos tempos de Adam Smith,
quando os filósofos morais se preocupavam com questões econômicas (Wolfe,
1991).

Porém, quase uma década após a decretada vitória do capitalismo e da ideologia


liberal sobre o socialismo, não há nada que indique que a expansão da
mentalidade de mercado àqueles setores ainda não "colonizados" da vida social
seja capaz de oferecer uma resposta adequada aos problemas morais da
sociedade moderna. No caso das reformas gerenciais é possível sustentar, ao
contrário, que o consenso moral em torno de uma ética empresarial e de
mercado deve apenas agravar a "crise de caráter" do Estado identificada por
McClintock e Stanfield (1991), como se verá a seguir.

MERCADO E ÉTICA BUROCRÁTICA

Apesar da sua simplicidade e grande poder analítico, os modelos da teoria da


escolha pública e da economia das organizações estão baseados em modelos
excessivamente generalistas e abstratos sem vinculação alguma com o contexto
histórico, o que dificulta o entendimento das diferenças entre países e sistemas
políticos. Estudos institucionalistas recentes 8 têm procurado superar o
reducionismo dessas abordagens, resgatando o pensamento weberiano.
Significativo desta tendência é o trabalho de Evans (1993) sobre as burocracias
dos Estados desenvolvimentistas.

Em uma crítica às abordagens neo-utilitaristas, Evans (idem) observa que a


burocracia idealizada por Weber era útil ao mercado justamente por obedecer a
uma lógica completamente diversa da lógica mercantil. A organização
hierárquica da burocracia obrigava os funcionários a perseguirem objetivos
coletivos como se fossem os seus próprios. A eficiência burocrática era resultado
da coerência interna da corporação, do insulamento em relação às demandas
externas e da concentração de conhecimento técnico.

Em estudo sobre a burocracia estatal de cinco países (México, Brasil, EUA,


Japão e França), Schneider (1995) sugere que a estrutura da carreira burocrática
tem um papel importante na própria formação das preferências dos servidores
públicos. Ao contrário do que supõem os modelos econômicos da burocracia, os
burocratas estão em primeiro lugar interessados em suas carreiras e não
necessariamente em ganhos de curto prazo. Carreiras baseadas no mérito e na
estabilidade no emprego tornam os burocratas avessos ao risco representado
pela corrupção e favorecem a formação de preferências independente de
influências externas.

De acordo com esta perspectiva, as elites burocráticas estatais desenvolvem


preferências específicas comuns que as diferenciam de outras elites. O
partilhamento de assunções, expectativas e valores fornece uma base sobre a
qual pode assentar-se uma racionalidade comum. Sem a coesão burocrática que
deriva dessa racionalidade partilhada, a promoção da ação coletiva pelo aparato
estatal tende a ser problemática (Evans e Rueschmeyer, 1985). A existência de
laços informais entre os membros da burocracia 9, o compartilhamento de
conhecimento técnico especializado e o insulamento em relação às demandas
externas são fatores que favorecem a coesão e a homogeneidade das elites
burocráticas (Evans, 1993).

Por outro lado, é precisamente essa capacidade de seguir objetivos de forma


coerente que torna a burocracia útil ao setor privado. Os problemas que a
burocracia estatal se empenha em resolver envolvem normalmente o
atendimento a demandas coletivas, daí a necessidade da sua
autonomização vis-à-vis os interesses segmentados e particularistas. Este
processo de autonomização encontra seu limite nos imperativos sistêmicos do
capitalismo. A sobrevivência do Estado depende da manutenção de um nível de
atividade econômica que lhe permita auferir receitas fiscais suficientes e por essa
razão as elites estatais não podem contrapor-se ao interesse coletivo do capital.
Com o aumento da intervenção econômica para garantir a acumulação
capitalista, há uma tendência ao enfraquecimento dessa "autonomia relativa". O
Estado torna-se mais suscetível à influência dos conflitos sociais, acabando por
sucumbir à fragmentação promovida pela captura de partes do seu aparato
(Evans e Rueschmeyer, 1985; Habermas, 1982).

Apesar disso, supor com a teoria da escolha pública que a busca de rendas é o
comportamento normal da burocracia é ignorar o fato de que em tal situação a
ação do Estado se tornaria absolutamente imprevisível e ineficaz, à proporção
que as normas abstratas do direito formal fossem substituídas por códigos
privados de anéis de corrupção. Este parece ser o caso (trágico) de países
africanos onde a completa mercantilização do aparelho estatal serve à
dominação "cleptopatrimonialista" de ditadores sanguinários (Evans, 1993). É
mais razoável supor, com Weber, que o crescimento da burocracia pública,
paralelamente à expansão das funções sociais e econômicas do Estado, cria
dificuldades para a fiscalização democrática efetiva. À medida que bureau se
empilha sobre bureau, constituindo organizações hierárquicas gigantescas, é
favorecida a tendência natural do governo burocrático ao segredo. À
intransparência dos procedimentos burocráticos combina-se o aumento das
rendas disponíveis para a captura e a influência desestabilizadora dos códigos
de conduta do setor privado que acompanham a crescente intervenção do
Estado na economia. Dessa forma, a propensão dos burocratas a
desenvolverem comportamento orientado por normas previsto por Max Weber
se enfraquece, com o aumento da tentação de auferir ganhos pessoais ilícitos.

Significativa dessa tendência é a criação de um aparato produtivo no interior do


próprio Estado, cuja lógica de funcionamento favorece sua autonomização
quanto ao poder político constituído. Isto é, na medida em que as organizações
estatais tendem a atuar segundo a lógica empresarial (e não mais social), há
uma tendência ao surgimento de um novo tipo de burocrata-empresário, muito
mais ligado aos seus parceiros corporativos e clientelas privadas do que ao
próprio Estado. Nas democracias capitalistas avançadas, onde se constituem as
estruturas características do welfare state, a convivência entre um Estado
"empresário" e outro, "social", assinala a contradição entre os imperativos
econômicos do capitalismo, com sua mentalidade de mercado dominante, e a
necessidade de uma resposta protetora ao "moinho satânico" do mercado.
Assim, o Estado capitalista coloca-se na difícil situação de resolver os problemas
sociais gerados pelo processo de acumulação que ele próprio se empenha em
promover. É esta a contradição assinalada por Polanyi quando identifica o "duplo
movimento" que acompanha a construção e a manutenção das sociedades de
mercado (McClintock e Stanfield, 1991).

À medida que o Estado passa a realizar gastos "improdutivos" em larga escala


para mitigar os efeitos desagregadores da acumulação capitalista, a tensão entre
a lógica do mercado e a necessidade de um ethos de serviço público baseado
na confiança e no comprometimento torna-se ainda mais acentuada. Os bens e
serviços sociais, nesta categoria, podem ser entendidos como "antimercadorias",
pois sua finalidade não é gerar lucro (Oliveira, 1988). A coletivização do
consumo, contrariando a mentalidade de mercado hegemônica, gera pressões
poderosas em sentido oposto que vão afetar diretamente a burocracia. Nesse
contexto, a existência de um serviço público universalista é uma das maiores
garantias contra a captura do Estado. Os controles democráticos sobre a
burocracia devem precisamente reforçar esse compromisso ético, fundado na
particularidade das instituições políticas em relação ao mercado. Como observa
Avritzer (1996), enquanto no mercado a igualdade vem do radical desinteresse
pelo outro e da generalização do egoísmo, na esfera pública ela decorre da
generalização do sentimento de cidadania, isto é, do reconhecimento do outro
como um sujeito igual e portador dos mesmos direitos. A construção institucional
do Estado de Bem-Estar, nesse sentido, só é viável a partir de identidades
sociais e políticas capazes de embasar um consenso normativo em torno de
ideais comuns. O problema é que nas democracias capitalistas o consenso sobre
a cidadania social que constitui a base do welfare state é fraco e sujeito à
influência da mentalidade de mercado e do impacto corrosivo dos ciclos
econômicos (Offe, 1989). A burocracia pública não tem como resistir a essa
tensão imanente, que se reflete na sua captura por grupos de interesse
particularistas.

A resposta da nova economia política à crise do Estado, dentro da lógica estrita


do racionalismo econômico neoclássico, é no sentido de reduzir a tendência à
coletivização do consumo através da privatização e terceirização de serviços
públicos e do corte de gastos sociais. Dessa maneira, a ação do Estado deixa
de contrariar a lógica do mercado, subordinando-se à mesma. No novo desenho
institucional, os servidores públicos agem como empresários que maximizam a
eficiência, pois os resultados redistributivos da ação estatal perdem importância,
quando não são simplesmente ignorados. A inadequação da resposta protetora
do Estado ao avanço do mercado, em conseqüência, tende a se agravar. Ao
mesmo tempo que o capitalismo flexível de hoje dá sinais de esgotamento com
a recorrência de crises financeiras, baixas taxas de crescimento e a
intensificação da desagregação social com o crescimento acelerado do
desemprego (Gray, 1999; Kurz, 1996; Tavares, 1993), os ideólogos do
liberalismo insistem na velha receita da completa mercantilização da sociedade.
Acuada, a antiga esquerda social-democrata parece incapaz de formular
propostas substancialmente diversas do "Consenso de Washington" ou menos
vagas do que a chamada "Terceira Via", o que prova a força ideológica do
liberalismo de hoje.

Por outro lado, a imposição da lógica do mercado ao setor público, com o intuito
de converter os servidores públicos ao racionalismo econômico neoclássico,
corre o risco de agravar o mesmo problema moral (o comportamento rent
seeking) que se propõe a resolver. Curiosamente, as reformas orientadas para
o mercado parecem querer transformar em regra o que é uma exceção (o
comportamento maximizador egoísta dos burocratas). Se a construção
institucional da burocracia envolve a criação de uma racionalidade comum que
assenta sobre valores e expectativas compartilhados, é possível inferir que
estruturas burocráticas baseadas na assunção generalizada do auto-interesse
devem promover a desconfiança. Assim, os burocratas passam a enxergar a si
próprios e aos outros como oportunistas amantes do risco, para os quais a
carreira no setor público é apenas mais uma forma de maximizar ganhos no curto
prazo.

Na medida em que a estrutura da carreira burocrática afeta as preferências dos


servidores (Schneider, 1995), a flexibilização do trabalho em moldes
neotayloristas promovida pelas reformas gerenciais também deve solapar as
bases sobre as quais se assenta a ética burocrática tradicional. Em uma
discussão sobre as novas formas organizacionais do capitalismo de hoje,
Richard Sennett (1999) sustenta a tese de que a insegurança criada por formas
flexíveis de trabalho (precarização de contratos, fim das carreiras tradicionais
etc.) acaba por corroer os valores de confiança, comprometimento e lealdade
que caraterizavam as relações entre empresas e empregados durante a era
fordista. A sensação de que "não há longo prazo" no contexto do novo
capitalismo impede que as pessoas consigam estruturar suas vidas como uma
narrativa coerente, incentivando o comportamento orientado para o curto prazo
e desprendido de valores éticos firmes que se supõe característico do
empreendedor de sucesso na atualidade. As reformas gerenciais, ao apostarem
na quebra da estabilidade no emprego, em contratos de curto prazo e formas
organizacionais flexíveis, correm assim o risco de solapar o senso de missão e
comprometimento que deveria caracterizar as organizações públicas.

Por fim, a passagem de atividades públicas para o setor privado, em vez de


reduzir as oportunidades de corrupção, acaba por criar novas "rendas" passíveis
de serem caçadas. Se, por um lado, o Estado renuncia à produção direta de
bens e serviços, por outro, dadas as imperfeições intrínsecas aos "mercados
públicos", seu papel como regulador tende a ser intensificado. Como a simples
possibilidade de intervenção do Estado no domínio econômico já é suficiente
para fomentar o rent seeking (ver Przeworski, 1995), e não se exclui esta
possibilidade no processo de desmonte do aparelho estatal, deduz-se que o
problema da corrupção tende a persistir. Além disso, a ênfase em um modelo
tecnocrático de administração, que busca fugir aos controles da democracia
representativa, favorece a intransparência dos procedimentos burocráticos e, em
conseqüência, as atividades ilícitas. Assim, a transformação do ineficiente
burocrata "maximizador dos orçamentos" no metamito do gerente empreendedor
da nova administração pública pode ter efeitos totalmente inesperados dentro do
quadro de análise economicista que caracteriza essa doutrina.

Um caso ilustrativo desse processo é a reforma gerencial da Nova Zelândia. A


reforma naquele país foi fortemente baseada nos modelos econômicos da
burocracia e uma enorme gama de serviços públicos foi privatizada ou
terceirizada, dentro de uma concepção estritamente minimalista do Estado. O
exemplo da Nova Zelândia é particularmente significativo para a presente
discussão por representar um dos raros casos em que o projeto de
reorganização do setor público segundo as lógicas empresarial e de mercado foi
levado às últimas conseqüências (Mascarenhas, 1993).

A partir do State Sector Act de 1988, a fixação de salários e os direitos


trabalhistas foram homogeneizados entre os setores público e privado. Os
administradores públicos ganharam grande autonomia para contratar e demitir
funcionários, para estabelecer planos de cargos e salários e remuneração
adicional com base em metas de desempenho. Os servidores do alto escalão,
além de perderem a estabilidade no emprego como boa parte do funcionalismo,
passaram a ser contratados por prazo determinado (2 a 5 anos). A renovação
dos contratos, como nas grandes empresas privadas, passou a depender do
atendimento de metas definidas previamente (Schwartz, 1994; Boston et
alii, 1996; Hood, 1998). Mediante a introdução de taxas de uso em todos os
níveis, procedeu-se à construção de mercados para os serviços públicos. O
governo introduziu a concessão de cupons deduzíveis do imposto de renda e
cartas de crédito para que os cidadãos pudessem escolher entre provedores
públicos e privados de serviços, operando em quase-mercados. Mesmo nos
setores de saúde e educação foram instituídas taxas de utilização ¾ estudantes
universitários, por exemplo, passaram a pagar um valor equivalente a 5% dos
custos de sua formação. Por fim, mediante a separação entre formulação e
execução de políticas públicas, as agências públicas financiadoras passaram a
atuar como consumidores substitutos (surrogate consumers), realizando
contratos para o atendimento de metas de produtividade com os provedores de
serviço (Schwartz, 1994).

Segundo Gregory (1999), por conta da nova ênfase nos resultados, especificar
e medir a implementação de políticas públicas tornou-se extremamente
importante. Este fato traz sérias implicações éticas ¾ números podem ser
manipulados para servir a interesses pessoais e organizacionais. Por outro lado,
a maciça introdução do "contratualismo" calcado na accountability, em parceria
com a imposição de disciplina pela grande redução de staff e pelas mudanças
na forma de contratação normal no setor público criaram (supostamente) um
serviço público mais responsável e cumpridor de ordens. Entretanto, se isto é
verdade, há também o risco do surgimento de uma nova cultura carreirista,
caracterizada pela busca oportunista de recompensas pecuniárias, aumentando
o "risco moral" que a economia das organizações busca evitar. De fato, uma
pesquisa realizada em 1997 concluiu que 38% dos servidores de alto e médio
escalões governamentais não esperavam estar trabalhando no setor público nos
próximos cinco anos (Norman e McMillan, 1997 apud Gregory, 1999); em 1986,
uma pesquisa semelhante mostrou que apenas 19% desse grupo não possuía
essa expectativa pelo resto da vida. O aumento da circulação entre os setores
público e privado que se pode esperar com essa mudança tende a criar novas
oportunidades de corrupção, ao mesmo tempo que enfraquece a capacidade da
burocracia de desenvolver valores e preferências compartilhados
independentemente de pressões externas. Nesse contexto, o desenvolvimento
de um forte ethos de serviço público, apontado por Evans e Schneider como um
dos fatores cruciais para a efetividade da ação estatal, tende a ser prejudicado.

Uma outra pesquisa, esta sobre os principais determinantes motivacionais dos


servidores públicos, observou que um dos grandes fatores adversos à motivação
era a falta de confiança na integridade das pessoas. Coincidentemente ou não,
em 1997 a Nova Zelândia passou para o quarto lugar no ranking da OCDE que
mede os índices de corrupção governamental realizados pela Goettingen
University and Transparency International, após dois anos consecutivos
ocupando a primeira posição10 (Gregory, 1999). É difícil dizer se o aumento dos
casos de corrupção reflete apenas a implantação de controles mais efetivos
sobre as agências públicas ou se foi resultado de uma deterioração moral dos
padrões de conduta dos servidores públicos. No entanto, o aumento da
desconfiança entre os funcionários do Estado parece reforçar a segunda
hipótese. As próprias autoridades governamentais neozelandesas têm mostrado
preocupação com a deterioração dos padrões éticos no serviço público, como
revela esta nota da State Service Comission: "não há dúvida de que há um custo
para [uma administração mais eficiente no setor público] e o preço é a velha
ética" (Boston et alii, 1996:332).

Vale ressaltar, entretanto, que havia na Nova Zelândia um alto padrão ético no
setor público, construído ao longo de séculos, o que pode ser explicado pela
existência de uma fiscalização severa e de um forte ethos de igualdade e civismo
na sociedade. Por conta disso, é razoável supor que os efeitos deletérios das
reformas do setor público tenham sido em grande medida amenizados (idem;
Gregory, 1999). Mas esta constatação apenas reforça a tese de que a efetividade
da ação da burocracia depende de um ethos de serviço público baseado na idéia
de confiança e solidariedade. A ética utilitarista dos liberais não é suficiente por
si só para resolver o problema moral do Estado. Ao contrário, como o exemplo
neozelandês leva a crer, as reformas gerenciais "parasitam" a infra-estrutura
ética existente, criando novos e complexos problemas de controle 11.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em importante sentido, a grande mudança cultural envolvida nas reformas


gerenciais acaba por intensificar as dificuldades no que diz respeito à articulação
entre o Estado e a sociedade civil. O reforço ao pensar e ao agir instrumental da
burocracia, potencializado pela insistência em valores economicistas, tende a
acentuar a natural incapacidade dos administradores públicos para gerir a
intervenção no social. Tributário de uma visão reificante da sociedade, o
administrador tende a objetivar o sujeito e a não perceber as diferenças que
marcam a vida social. As políticas públicas na área social fundadas nessa
perspectiva não conseguem se constituir em vias de socialização ou de mudança
cultural. Nesse contexto, a parceria entre o Estado e as organizações da
sociedade civil, apontada pelo Banco Mundial como uma das soluções para o
problema social, corre o risco de redundar na submissão dessas organizações à
lógica instrumental e utilitarista da burocracia pública. Em nome da busca da
eficiência, há a possibilidade de se subverter o caráter específico de
organizações imersas em uma cultura onde vigoram os laços pessoais e a
cooperação voluntária, em contraponto à impessoalidade de mercados e
burocracias (Serva, 1997).

Pode-se concluir assim que o reforço da mentalidade de mercado resulta na


impossibilidade de o Estado desenvolver formas de intervenção que oponham a
solidariedade ao poder do dinheiro e aos métodos de administração (Habermas,
1987). A resposta protetora ao avanço inelutável do "moinho satânico" do
mercado, mais uma vez, tende a ser inadequada, pragmática e vinculada ao
impacto corrosivo dos ciclos econômicos, cada vez mais instáveis.
Entrincheirada na retórica da eficiência gerencial, a burocracia pública
transforma-se, no contexto atual, na derradeira guardiã do processo de
"empresarialização" do Estado. À medida que o discurso intelectualmente estéril
do racionalismo econômico torna-se mais e mais desacreditado, a força
persuasiva da ideologia é cada vez mais necessária para legitimá-lo aos olhos
da população (Kouzmin e Korac-Kakabadesa, 1997). A grande mudança cultural
promovida pelas reformas gerenciais, portanto, não deve ser vista como mero
capricho de "consultocratas" públicos. Burocracias convertidas ao racionalismo
econômico neoclássico são aliadas de peso na implementação da agenda
reformista conservadora. É assim que burocratas fiscais em aliança com o
grande capital financeiro e a burocracia das agências internacionais (FMI e
BIRD) tornaram-se atores estratégicos na difusão das reformas neoliberais (Melo
e Costa, 1999; Schwartz, 1994).

Os novos altos-executivos públicos que emergem dessa reconfiguração


institucional estão envolvidos na defesa da velha utopia da sociedade liberal do
século XIX analisada por Polanyi em A Grande Transformação. Não se trata
apenas de reorganizar o Estado, mas promover a completa mercantilização da
sociedade e estabelecer um sistema econômico mundial auto-regulável, onde se
afirme de uma vez por todas a hegemonia das grandes corporações
transnacionais. Nas palavras de Przeworski (1989:258), o projeto conservador
é, em última análise, libertar a acumulação de todas as cadeias impostas pela
democracia. O processo de desagregação social que ocorre hoje, portanto, não
deve espantar ninguém: repete-se mais uma vez a subordinação da política ao
movimento cego das finanças internacionais que acompanhou a ascensão e a
queda da sociedade do século XIX.

A resposta conservadora à "crise de caráter" do Estado revela-se contraditória


precisamente por resgatar as pobres ficções das robinsonadas do século XVIII
que colocavam os vícios privados do homo economicus como fundamento do
máximo benefício coletivo. O naturalismo de Adam Smith levou-o a postular uma
ordem onde indivíduos auto-interessados, como que levados por uma "mão
invísivel", agiriam para garantir o bem de toda a sociedade, ainda que este não
estivesse a princípio em seus desígnios. Segundo esta perspectiva, a ética
utilitarista promove a solidariedade involuntária, indireta, que depende do bom
funcionamento de uma economia competitiva. A crença de Smith no potencial do
princípio da troca como fundamento ótimo de toda e qualquer organização social,
levou-o a sugerir que pelo menos uma parte dos serviços públicos fosse prestada
por agentes privados no mercado. Já naquela época, Smith deplorava a falta de
incentivos concedidos que promovessem a busca da eficiência na administração
pública12. A nova economia política, acoplada à doutrina gerencialista dos
grandes executivos privados, vai resgatar de algum modo essa análise, levando-
a às últimas conseqüências. A submissão do aparelho estatal à lógica utilitarista,
supõe-se, torna-se a solução não só para a falta de eficiência do serviço público,
mas também para o problema moral do Estado. A partir de um sistema de
incentivos e punições adequado, capaz de reproduzir por meio de regras formais
e da construção de "mercados públicos" aquelas condições presentes no
mercado, supõe-se que os servidores públicos, na busca do interesse próprio,
promoverão o benefício coletivo.
A falácia desta formulação está precisamente na crença de que a lógica
utilitarista do homo economicus, vis-à-vis os incentivos de mercado, é capaz de
propiciar por si só a construção de um consenso moral capaz de guiar as ações
do homem público em busca de objetivos comuns. A construção institucional da
burocracia envolve o inculcamento de valores e assunções capazes de formar a
base de uma racionalidade comum. Ora, se essa construção institucional se
fundamenta na assunção do auto-interesse generalizado, o resultado é a
promoção da desconfiança entre os servidores públicos e a conformação de uma
auto-imagem negativa. Subverte-se dessa forma a idéia de um serviço público
calcado em valores como confiança e comprometimento.

Como observa Polanyi, o mercado é um mecanismo de integração social


limitado, na medida em que a subordinação de todas as relações sociais ao
princípio da troca, ao mesmo tempo que traz aumento considerável da
interdependência dos indivíduos (Marx, 1982), destrói as bases normativas e
solidárias dos vínculos sociais. Dessa forma, organizar o aparelho do Estado a
partir de mercados deve implicar o enfraquecimento da coerência corporativa da
burocracia.

Diante desse contexto, a única resposta que os ideólogos conservadores podem


oferecer é a criação de novos e mais complexos sistemas de controle, dada a
suposição da inevitabilidade do comportamento egoísta. Conforme esta
perspectiva, a tendência é bureau empilhar-se sobre bureau, com a criação de
regras cada vez mais detalhadas e complexas capazes de fechar todas as
brechas ao rent seeking, ou, em outra ponta, a privatização radical das atividades
do Estado, também implicando a criação de novas instâncias burocráticas de
regulação dos prestadores privados de serviços. Mas essa resposta é falha,
precisamente por não reconhecer que a racionalização da responsabilidade
pessoal trazida pelas regras do direito formal e pela difusão da ética utilitarista
não oferece solução per se para os problemas morais da modernidade. A
escolha entre seguir a lei ou burlá-la depende não só dos incentivos e punições
associados a esta escolha, mas também do exercício da autonomia moral dos
indivíduos. Em outros termos, não basta apenas que existam normas; é preciso
que haja uma construção valorativa capaz de reforçar seu cumprimento 13.

Por outro lado, a instituição do mercado não é capaz de oferecer uma base sólida
de valores morais. Muitos séculos antes do surgimento do capitalismo, os
filósofos gregos já reconheciam nessa esfera o locus privilegiado da prática da
retórica enganadora e da ausência de valores firmes, razão pela qual seus limites
nunca deveriam se expandir além de certo ponto para não afetar o caráter da
comunidade (Ramos, 1981). A crítica de Polanyi à sociedade de mercado, nesse
sentido, não se dirige à existência do mercado em si, mas à contaminação de
múltiplas esferas da vida social por seus padrões relacionais e cognitivos. Assim,
na medida em que não existem regras abstratas e formais que determinem o
dever moral, nem o mercado é capaz de se erguer como fundamento normativo
de solidariedade, a lógica utilitarista das sociedades contemporâneas nos
impele, inevitavelmente, ao egoísmo puro do estado de natureza hobbesiano.

(Recebido para publicação em dezembro de 1999)

NOTAS:
*
Este artigo retoma algumas idéias já levantadas em texto anterior, "As
Vicissitudes da Reforma Gerencial no Brasil: Uma Abordagem Analítica",
apresentado no XXIII Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-
Graduação em Administração, Foz do Iguaçu, 1999. Aproveito para agradecer a
Antônio Sérgio Fernandes e a Christina Andrews, cujas críticas e sugestões
àquele primeiro embrião deste trabalho serviram de grande estímulo para seu
aprimoramento. A Celina Souza faço agradecimento especial por sua leitura
cuidadosa e crítica sagaz, que se mostraram de importância vital para o
desenvolvimento das idéias aqui apresentadas. Desnecessário dizer que
quaisquer erros e/ou imprecisões são da minha inteira responsabilidade.
1
. Refiro-me, particularmente, à teoria da escolha pública (public choice), escola
de pensamento econômico que se empenha em aplicar o ferramental
microeconômico neoclássico e da teoria dos jogos à análise política, tendo por
pressuposto básico o comportamento auto-interessado dos atores. O termo
"nova economia política" tem sido utilizado para denominar também a economia
das organizações de Oliver Williamson, vertente do novo institucionalismo na
economia (ver Lowndes, 1996). Sobre o caráter reacionário da teoria da escolha
pública, ver Hirschman (1991).
2
. A obra de Smith, em desacordo com as interpretações dadas por alguns
economistas modernos, jamais poderia ser uma descrição da ordem liberal tal e
qual ela se apresentava no século XVIII, pois o mercantilismo vigente na
Inglaterra da época era precisamente o que sufocava a ascensão da nova classe
de empreendedores descrita em A Riqueza das Nações (ver Santos, 1988).
3
. Polanyi procura sustentar esta posição observando que a reação defensiva
contra o mercado ganhou apoio de um largo arco de posições ideológicas, sem
que houvesse necessariamente uma ligação direta entre aquela e os interesses
diretamente afetados.
4
. Apesar da simplicidade deste modelo, os incontáveis estudos empíricos que se
seguiram, não conseguiram oferecer provas capazes de corroborá-lo (Smith e
Meier, 1994). Para uma análise das críticas a Niskanen, ver Przeworski (1995).
5
. Os custos de transação podem ser de dois tipos: a) os custos de elaboração e
renegociação de contratos entre cada um dos agentes envolvidos em transações
no mercado; b) os custos de se obter os preços relevantes (Coase, 1991).
6
. De certo modo, esta formulação não é incompatível com aquilo que os
economistas clássicos tinham em mente ao falarem do "homem econômico", o
que foi pontuado por Hayek (1952:11): "Seria mais verdadeiro afirmar que na
visão deles [dos clássicos] o homem é por natureza preguiçoso, indolente,
imprevidente e perdulário, e que apenas por força das circunstâncias ele poderia
ser forçado a se comportar economicamente ou ajustando de maneira cuidadosa
seus fins aos meios".
7
. A literatura a esse respeito é enorme e exigiria uma discussão à parte. Uma
revisão do debate atual pode ser encontrada em Green e Shapiro (1994) e
Udehn (1996).
8
. Para uma análise do movimento neo-institucionalista nas ciências sociais, ver,
dentre outros, Immergut (1998) e Lowndes (1996).
9
. Analisando a burocracia do Ministério da Indústria e Comércio japonês (MITI),
Evans (1993) aponta a importância dos laços de amizade entre ex-colegas das
universidades de elite para a coerência do aparelho burocrático. O resultado
desse traço "não burocrático da burocracia" é um "weberianismo reforçado", na
medida em que os altos requisitos para a entrada nessa rede informal tendem a
tornar o desempenho eficaz um atributo valorizado entre os burocratas.
10
. O ranking de corrupção da OCDE segue ordem decrescente, i.e, os países com
menores índices de corrupção ocupam as primeiras posições.
11
. Em países como o Brasil, onde não se conseguiu sequer construir uma
burocracia "weberiana", os controles de checks and balances ainda são frágeis
e as heterogeneidades sociais e regionais são enormes, não é difícil imaginar os
efeitos desastrosos de uma reforma como esta, sem que sejam tomados os
devidos cuidados (ver Souza e Carvalho, 1999).
12
. Obviamente, a Inglaterra dos tempos de Adam Smith nem de longe possuía um
aparato burocrático como o dos Estados contemporâneos e, talvez, por esta
razão, essa questão específica é tratada de forma superficial em A Riqueza das
Nações. Mas há pelo menos um trecho, na seção sobre as funções do Estado,
que não deixa dúvidas quanto ao posicionamento assinalado: "O interesse de
todo homem é viver o mais tranqüilamente possível; e se seus emolumentos
forem exatamente os mesmos tanto executando como não executando algum
dever laborioso, certamente o seu interesse [...] é negligenciar totalmente o seu
dever ou, se estiver sujeito a alguma autoridade que não lhe permite isto,
desempenhá-lo de uma forma tão descuidada e desleixada quanto esta
autoridade permitir" (1983:200).
13
. Este último ponto foi desenvolvido em maior profundidade por Habermas (1982)
em sua crítica à teoria da legitimação de Weber.
ABSTRACT

Bureaucratic Ethics, the Market, and Administrative Ideology: Contradictions in


the Conservative Response to the State’ s "Crisis of Character"

In the 1980s, a conservative movement for public sector reforms attempted to


adjust civil servants’ (alleged) egotistical, amoral behavior to the efficient
achievement of collective goals, in accordance with the principles of Adam
Smith’ s invisible hand. Based on Karl Polanyi’ s and Max Weber’ s classic
works on the establishment of the market and of modern bureaucracy,
respectively, the article endeavors to show how the conservative approach errs
by ignoring the specificities of bureaucratic organization as well as the socially
constructed character of the market mentality. The conclusion is that public sector
reforms based on the assumption of self-interest end up breeding suspicion and
fostering precisely the corrupt behavior that they are meant to forestall, thereby
reinforcing the State’ s incapacity to properly manage its actions in the social
sphere.

Keywords: public sector reform; ethics; neoliberalism

RÉSUMÉ

Éthique Bureaucratique, Marché et Idéologie Administrative: Contradictions de la


Réponse Conservatrice à la "Crise Morale" de l’ État

Dans cet article on examine la vague de réformes conservatrices du secteur


public dans les années 80 comme une tentative d’ ajuster le comportement des
fonctionnaires (censé être) égoïste et amoral à la réussite d’ objectifs collectifs,
selon le principe de la "main invisible" d’ Adam Smith. À partir des travaux
classiques de Karl Polanyi et de Max Weber sur la mise en place du marché et
de la bureaucratie moderne, respectivement, on cherche à montrer comment la
solution conservatrice se trompe en ignorant les particularités de l’ organisation
bureaucratique ainsi que le caractère socialement construit de la mentalité de
marché. On conclut que les réformes dans le secteur public basées sur la
prémisse de l’ intérêt personnel doivent favoriser la méfiance et faciliter un
comportement corrompu qu’ elles souhaitent éviter, tout en approfondissant par
ailleurs l’ incapacité de l’ État à gérer correctement son intervention dans le
domaine social.

Mots-clé: réformes dans le secteur public; éthique; néolibéralisme

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* Este artigo retoma algumas idéias já levantadas em texto anterior, "As
Vicissitudes da Reforma Gerencial no Brasil: Uma Abordagem Analítica",
apresentado no XXIII Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-
Graduação em Administração, Foz do Iguaçu, 1999. Aproveito para agradecer a
Antônio Sérgio Fernandes e a Christina Andrews, cujas críticas e sugestões
àquele primeiro embrião deste trabalho serviram de grande estímulo para seu
aprimoramento. A Celina Souza faço agradecimento especial por sua leitura
cuidadosa e crítica sagaz, que se mostraram de importância vital para o
desenvolvimento das idéias aqui apresentadas. Desnecessário dizer que
quaisquer erros e/ou imprecisões são da minha inteira responsabilidade. 1 .
Refiro-me, particularmente, à teoria da escolha pública (public choice), escola de
pensamento econômico que se empenha em aplicar o ferramental
microeconômico neoclássico e da teoria dos jogos à análise política, tendo por
pressuposto básico o comportamento auto-interessado dos atores. O termo
"nova economia política" tem sido utilizado para denominar também a economia
das organizações de Oliver Williamson, vertente do novo institucionalismo na
economia (ver Lowndes, 1996). Sobre o caráter reacionário da teoria da escolha
pública, ver Hirschman (1991). 2 . A obra de Smith, em desacordo com as
interpretações dadas por alguns economistas modernos, jamais poderia ser uma
descrição da ordem liberal tal e qual ela se apresentava no século XVIII, pois o
mercantilismo vigente na Inglaterra da época era precisamente o que sufocava
a ascensão da nova classe de empreendedores descrita em A Riqueza das
Nações (ver Santos, 1988). 3 . Polanyi procura sustentar esta posição
observando que a reação defensiva contra o mercado ganhou apoio de um largo
arco de posições ideológicas, sem que houvesse necessariamente uma ligação
direta entre aquela e os interesses diretamente afetados. 4 . Apesar da
simplicidade deste modelo, os incontáveis estudos empíricos que se seguiram,
não conseguiram oferecer provas capazes de corroborá-lo (Smith e Meier,
1994). Para uma análise das críticas a Niskanen, ver Przeworski (1995). 5 . Os
custos de transação podem ser de dois tipos: a) os custos de elaboração e
renegociação de contratos entre cada um dos agentes envolvidos em transações
no mercado; b) os custos de se obter os preços relevantes (Coase, 1991). 6 . De
certo modo, esta formulação não é incompatível com aquilo que os economistas
clássicos tinham em mente ao falarem do "homem econômico", o que foi
pontuado por Hayek (1952:11): "Seria mais verdadeiro afirmar que na visão
deles [dos clássicos] o homem é por natureza preguiçoso, indolente,
imprevidente e perdulário, e que apenas por força das circunstâncias ele poderia
ser forçado a se comportar economicamente ou ajustando de maneira cuidadosa
seus fins aos meios". 7 . A literatura a esse respeito é enorme e exigiria uma
discussão à parte. Uma revisão do debate atual pode ser encontrada em Green
e Shapiro (1994) e Udehn (1996). 8 . Para uma análise do movimento neo-
institucionalista nas ciências sociais, ver, dentre outros, Immergut (1998) e
Lowndes (1996). 9 . Analisando a burocracia do Ministério da Indústria e
Comércio japonês (MITI), Evans (1993) aponta a importância dos laços de
amizade entre ex-colegas das universidades de elite para a coerência do
aparelho burocrático. O resultado desse traço "não burocrático da burocracia" é
um "weberianismo reforçado", na medida em que os altos requisitos para a
entrada nessa rede informal tendem a tornar o desempenho eficaz um atributo
valorizado entre os burocratas. 10 . O ranking de corrupção da OCDE segue
ordem decrescente, i.e, os países com menores índices de corrupção ocupam
as primeiras posições. 11 . Em países como o Brasil, onde não se conseguiu
sequer construir uma burocracia "weberiana", os controles de checks and
balances ainda são frágeis e as heterogeneidades sociais e regionais são
enormes, não é difícil imaginar os efeitos desastrosos de uma reforma como
esta, sem que sejam tomados os devidos cuidados (ver Souza e Carvalho,
1999). 12 . Obviamente, a Inglaterra dos tempos de Adam Smith nem de longe
possuía um aparato burocrático como o dos Estados contemporâneos e, talvez,
por esta razão, essa questão específica é tratada de forma superficial em A
Riqueza das Nações. Mas há pelo menos um trecho, na seção sobre as funções
do Estado, que não deixa dúvidas quanto ao posicionamento assinalado: "O
interesse de todo homem é viver o mais tranqüilamente possível; e se seus
emolumentos forem exatamente os mesmos tanto executando como não
executando algum dever laborioso, certamente o seu interesse [...] é negligenciar
totalmente o seu dever ou, se estiver sujeito a alguma autoridade que não lhe
permite isto, desempenhá-lo de uma forma tão descuidada e desleixada quanto
esta autoridade permitir" (1983:200). 13 . Este último ponto foi desenvolvido em
maior profundidade por Habermas (1982) em sua crítica à teoria da legitimação
de Weber.

Datas de Publicação

 Publicação nesta coleção


02 Ago 2000

 Data do Fascículo
2000

https://www.scielo.br/j/dados/a/QNbMmvCG4FFqZF8XMSLhhqC/?lang=pt#

https://doi.org/10.1590/S0011-52582000000100004

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