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DIREITO PENAL II – PROF.

CARLOS EDUARDO ADRIANO JAPIASSÚ

CONCURSO DE PESSOAS

1. Teorias sobre o concurso de pessoas

Um só fato criminoso pode ser praticado por uma pluralidade de pessoas em


diversas situações. A lei penal brasileira resolveu em termos simples a questão da
codelinquência, partindo da teoria da equivalência dos antecedentes, adotada quanto à
relação de causalidade. Assim como não se distingue entre os vários antecedentes
causais do delito, não se distingue também entre os vários partícipes na empresa
delituosa comum: todos são causadores e responderão pelo crime segundo a mesma
escala penal. Somente se distingue entre os diversos partícipes na aplicação da pena,
que dependerá da culpabilidade maior ou menor de cada um.
Cumpre distinguir que as regras que aqui serão mencionadas dizem respeito ao
chamado concurso eventual, que diz respeito a crimes que podem ser praticados por
apenas um indivíduo ou por uma pluralidade de indivíduos. Diferentemente, há os
crimes de concurso necessário, também chamados de plurissubjetivos ou coletivos, que
só podem ser cometidos por uma pluralidade de agentes. Trata-se de casos em que a
conduta típica requer necessariamente o concurso de duas ou mais pessoas. Os
crimes de concurso necessário podem ser de conduta unilateral ou de conduta bilateral.
São de conduta unilateral quando a ação de todos os autores converge para um único
fim, como no crime de bando ou quadrilha (artigo 288, CP). São de conduta bilateral,
também chamados de encontro, quando os agentes se apresentam em oposição uns aos
outros, ou em recíproca agressão, como na rixa (art. 137, CP).
O art. 29, CP, dispõe: “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide
nas penas a ele cominadas, na medida de sua culpabilidade”. Adota, assim, o CP vigente
a teoria monística ou igualitária.
Dessa maneira, a legislação penal brasileira afastou a teoria pluralística, que
estabelece que cada um dos que concorreram para a prática do crime deverá responder
pelo que efetivamente tiver feito. Por óbvio, tal teoria é criticada por violar o princípio
da legalidade, visto que nem todas as condutas praticadas são necessariamente típicas,
como seria o caso daquele que dirige o carro, transportando os que roubaram uma
agência bancária.
Igualmente foi afastada teoria dualística, que diferenciava duas condutas no
concurso de pessoas: o crime propriamente dito e o crime de concurso. Significa dizer
que todo aquele que concorresse para a prática de uma conduta delituosa, sem praticar
o que é previsto pelo verbo núcleo do tipo penal, deveria responder pelo crime de
concurso. Todavia, também aqui essa distinção não se justifica, por novamente violar a
reserva legal.
Por fim, adotou-se a teoria monística temperada ou mitigada, por força da
chamada participação de menor importância, pois, embora todos os que concorrerem
para a prática de uma idêntica infração penal por ela devam responder, haverá uma
possibilidade de diferenciação quando da aplicação da pena entre autores e
determinados partícipes.

2. Requisitos do concurso de pessoas

Para que se caracterize o concurso de pessoas, é necessária a presença de


determinados requisitos subjetivos e objetivos. São eles:
a) Pluralidade de indivíduos e de condutas – é necessária a concorrência de mais de
uma pessoa, cada uma praticando uma conduta distinta, seja a que é prevista pelo verbo
núcleo do tipo penal seja qualquer outra, tal como instigar, induzir, auxiliar moral ou
materialmente;
b) Relevância causal de cada conduta – a conduta típica ou atípica de cada participante
deve integrar-se à corrente causal determinante do resultado criminoso. Assim, cada
um dos comportamentos praticados deve ser relevante para o resultado produzido;
c) Liame subjetivo entre os participantes – deve haver, por parte dos envolvidos no
crime praticado em concurso, a consciência de que participam de uma obra comum.
Não se faz necessário o prévio ajuste, apenas a consciência de atuar em concurso;
d) Identidade de infração penal – todos os envolvidos devem concorrer para a prática
de um mesmo crime, ainda que praticando condutas distintas.

3. Teoria do Domínio do Fato

A partir de 1939, com o finalismo de Welzel, a doutrina tem caracterizado como


autor quem tem o domínio final do fato, no sentido de decidir quanto à sua realização e
consumação, distinguindo-se do partícipe, que apenas cooperaria, incitando ou
auxiliando. A tipicidade da ação não seria, assim, decisiva para caracterizar o autor.
Necessário seria ter o agente o controle subjetivo do fato e atuar no exercício desse
controle. Assim, seria o autor não apenas quem realiza a conduta típica (objetiva e
subjetivamente) e o autor mediato, mas também, por exemplo, o chefe de uma quadrilha
que, sem realizar a ação típica, planeja e decide a atividade dos demais, pois é ele que
tem, eventualmente em conjunto com outros, o domínio final da ação.
Embora a Teoria do Domínio do Fato possa efetivamente representar mais exata
caracterização da autoria, em correspondência com a realidade dos fatos, para fins
meramente didáticos, utilizar-se-á alguns conceitos relativos à chamada teoria formal
objetiva, para que se delimite, com mais nitidez, a participação e a autoria, completada
pela ideia de autoria mediata.

4. Autoria, participação e coautoria

Se a lei não distingue entre autor e partícipe (em sentido estrito), considerando
coautores todos quanto concorrem para a ação delituosa, tal distinção, no entanto, está
na natureza das coisas e não pode ser desconhecida pela doutrina, pois dela resultam
consequências jurídicas.
Autor é quem realiza diretamente a ação típica ou quem realiza por meio de
outrem, nos casos da chamada autoria mediata. Partícipe, em sentido amplo, é todo
aquele que, de qualquer forma, concorre para a ação delituosa; em sentido estrito, é
todo aquele que, sem realizar conduta típica, contribui para a ação típica de outrem.
No caso de participação, estende-se a pena a quem não realiza a conduta típica.
Seja qual for a forma de participação, não constitui ela forma autônoma de um fato
punível, estando necessariamente subordinada à realização da conduta típica por parte
de outrem (autor). Por isso se diz que a participação é sempre acessória.
Autor é quem realiza, no todo ou em parte, a ação incriminada que configura o
delito, em seu aspecto objetivo (tipo objetivo) e subjetivo (tipo subjetivo). Com
exceção dos casos de autoria mediata, é a realização da conduta típica que caracteriza
a autoria. Deve o autor reunir os requisitos previstos no tipo para o sujeito ativo nos
crimes próprios e atuar com dolo e demais componentes subjetivos do tipo,
eventualmente exigidos.
Quanto à pessoa jurídica, o CP não contém dispositivo sobre o tema, mas a Lei
nº. 9.605, de 1998, que trata dos crimes ambientais, atribuiu responsabilidade penal às
pessoas jurídicas cujas atividades lesem o meio ambiente (art. 3.º), repetindo o texto
constitucional (art. 225, § 3.°, CF).
Coautor, por sua vez, é quem executa, juntamente com outros, a ação ou omissão
que configura o delito.

5. Autoria mediata

Autor não é apenas o que realiza diretamente a ação ou omissão que configura
o delito, mas também quem a realiza por meio de terceiro que atua sem culpabilidade.
É o caso da enfermeira que, de boa-fé, cumprindo a ordem do médico, ministra o
remédio mortífero.
Há autoria mediata não só quando o executor atua sem dolo, em virtude de erro
(como no exemplo da enfermeira), mas também quando atua sob coação moral
irresistível ou é inimputável (doente mental etc.). Na obediência hierárquica, há, por
igual, autoria mediata.
Nesses casos não há concurso de pessoas, pertencendo a ação delituosa
integralmente a quem se serve do executor (autor mediato) não culpável, que atua como
mero instrumento.

6. Participação. Instigação e cumplicidade. Participação impunível

A participação é, pois, contribuição ao crime realizado por outrem,


apresentando-se sob forma de instigação ou cumplicidade. Assim, realiza-se por meio
de conduta penalmente irrelevante, que acede ao fato principal, adquirindo relevância
somente quando, pelo menos, o autor inicia a execução. Por isso, não há tentativa de
participação, já que não pode haver participação inócua e inexiste participação depois
que o crime já se consumou. Se o agente ajuda a assegurar o proveito do crime,
intervindo somente após a consumação, praticará o crime de favorecimento real (artigo
349, CP). Se auxiliar autor de crime a subtrair-se à ação da autoridade, comete o crime
de favorecimento pessoal (artigo 348, CP). De notar, no entanto, que o auxílio
prometido com antecedência constitui participação. O crime permanente (ex.: artigo
148, CP) admite participação enquanto durar a ação.
Do ponto de vista subjetivo, a participação requer vontade livre e consciente de
cooperar na ação delituosa de outrem. Não se exige, aqui também, o prévio concerto,
bastando que o partícipe tenha consciência de contribuir para o crime. Tal consciência
pode faltar no autor, como no exemplo do criado que deixa aberta a porta para facilitar
o ladrão, que desconhece o auxílio.
Não há participação culposa em crime doloso. A eventual participação culposa
constituiria, em realidade, autônoma autoria de crime culposo, independente do crime
doloso realizado pelo autor. Inexiste, por igual, participação dolosa em crime culposo.
A hipótese seria de autoria mediata.
Será partícipe o instigador e o cúmplice.
Instigar é determinar a prática do delito, atuando sobre a vontade do agente. O
instigador faz nascer a decisão de praticar o crime em pessoa capaz de executá-lo com
consciência e vontade ou incentiva vontade já existente.
A instigação deve dirigir-se à prática de crime determinado. Não há instigação
genérica para delinquir como forma de participação punível.
Cúmplice é o que contribui prestando auxílio à ação delituosa, com pleno
conhecimento de causa. O auxílio em geral exterioriza-se por meio de um
comportamento ativo, mas não se exclui cumplicidade por omissão, se o sujeito tinha o
dever jurídico de evitar o resultado que podia impedir, como seria o caso de um vigia.
Pode o auxílio apresentar-se por meio de instruções ou explicações, portanto,
subjetivamente.

7. Autoria colateral

Como mencionado, não se exige ajuste prévio para que se caracterize o concurso
de pessoas, bastando a consciência de cooperar na ação comum. Ex.: Tício e Caio,
disparando suas armas, alvejam Mévio, matando-o.
Se faltar tal requisito, haverá autoria colateral, rara nos crimes dolosos, mas
frequente nos crimes culposos . Ex.: Tício e Caio, ignorando cada um deles a atuação
do outro, alvejam simultaneamente Mévio que vem a falecer. Cumpre então distinguir.
Se a vítima morreu em consequência dos disparos efetuados por ambos, respondem os
dois por homicídio consumado. Se a vítima morreu em consequência dos disparos de
Tício, só este responderá por homicídio consumado, tendo Caio praticado tentativa de
homicídio. Se houver dúvida intransponível sobre a autoria, a única possível solução é
a de responderem ambos os autores dos disparos por tentativa de homicídio, excluída a
responsabilidade pelo resultado morte, de autoria incerta.

8. Multidão delinquente

O fenômeno da multidão criminosa tem ganho importância nas décadas recen-


tes, com a ocorrência de linchamentos em praça pública, os conflitos em estádios de
futebol e os saques a supermercados. Nos chamados crimes multidinários, é desneces-
sário que se descreva minuciosamente a participação de cada um dos intervenientes.
Aqueles que praticarem o crime sob a influência de multidão em tumulto poderão ter
suas penas atenuadas (art. 65, e, CP) e os que organizarem ou liderarem a prática cri-
minosa ou dirigirem a atividade dos demais (art. 62, I, CP).

9. Punibilidade do concurso de pessoas. Participação de menor importância e co-


operação dolosamente distinta

Quem, de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a ele
cominadas. Essa equiparação de todas as formas de participação e autoria, para em
princípio receberem as penas do crime de que se trata, não deve induzir em erro. A
escala penal aplicável a todos os que concorrem no crime é a mesma, mas a pena a ser
fixada para cada um, em concreto, depende da culpabilidade individualmente revelada.
O princípio reitor geral para os juízes, na aplicação da pena em caso de concurso de
pessoas, é a de que cada um dos que concorrem para o crime será punido de acordo
com sua própria culpabilidade, independentemente da culpabilidade dos demais (art.
29, in fine). Todos os que concorrem para o crime estão sujeitos à mesma escala penal,
mas, no processo de aplicação da pena, deve o juiz distinguir a situação de cada um,
tendo em vista a sua culpabilidade, maior ou menor. Esta determina-se segundo a
reprovabilidade que recai sobre a ação ou omissão que realizaram, tendo em vista o
crime comum.
A lei estabelece que a pena deve ser diminuída de um sexto a um terço, “se a
participação for de menor importância” (art. 29, § 1.°, CP). Essa disposição do Código
corresponde à participação de menor importância. A redução da pena, nos limites de
um sexto a um terço, deve ser fixada de acordo com a cooperação maior ou menor para
o delito e caracteriza a adoção da teoria monística mitigada.
Dando bem inspirada solução a matéria particularmente controvertida, a lei
vigente dispõe, no art. 29, § 2.°: “se algum dos concorrentes quis participar de crime
menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; esta pena será aumentada até a metade,
na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave”. A disposição se aplica ao
caso em que o partícipe (instigador ou cúmplice) pretendia concorrer para um crime
menos grave do que aquele que foi efetivamente realizado pelo autor. A lei vigente
estabelece que o agente vai responder, de acordo com a sua culpabilidade pelo crime
que quis praticar e não pelo que o autor praticou. Todavia, se o resultado mais grave
era previsível, a pena a ser imposta ao partícipe deve ser aumentada “até a metade”. A
previsibilidade de que aqui se cogita é a que se refere ao agente, nas circunstâncias em
que atuou, pois se trata de manter o princípio da responsabilidade subjetiva. É
perfeitamente possível imaginar a existência de dolo eventual em relação ao resultado
mais grave, hipótese na qual por ele responde integralmente o partícipe.

10. Comunicabilidade de circunstâncias

Em princípio, comunicam-se a todos quantos concorrem na ação comum as


circunstâncias objetivas do fato, que todos queriam fosse realizado, embora a
contribuição de cada um seja distinta.
As circunstâncias e as condições de caráter pessoal de cada agente somente
serão consideradas em relação àquele a quem se refiram, e não aos demais, salvo se
forem elementares ao crime. O art. 30, CP, dispõe: “não se comunicam as
circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares ao crime”.
As circunstâncias, como se sabe, podem ser subjetivas (ou de caráter pessoal) e
objetivas (ou reais). As circunstâncias subjetivas são as que se referem aos motivos
determinantes, à qualidade ou condição pessoal do agente, às suas relações com a
vítima ou com os demais partícipes ou coautores. São circunstâncias objetivas as que
se referem aos meios e modos de execução, à condição ou qualidade da vítima, ao
tempo, lugar e ocasião do crime, bem como à natureza do objeto material.

11. A teoria do domínio da organização e o crime organizado

O mundo globalizado tem assistido a um aumento de importância do chamado


crime organizado, o que gera reflexos também no direito penal.
Tradicionalmente, as legislações nacionais admitiram a figura dos crimes
associativos. No caso brasileiro, o exemplo seria o da quadrilha ou bando, previsto no
art. 288, CP, que seria a associação de três ou mais pessoas, com o fim de cometer
crimes.
Deve-se ressaltar que a diferença fundamental entre a quadrilha ou bando
(societas deinquendi) e o concurso eventual de pessoas (societas criminis ou societas
in crimine) é, naquela reunião criminosa, haver permanência e indeterminação de
crimes a serem praticados. Já na segunda, o concurso se daria para um crime ou
determinados crimes.
A Lei nº12.850/2013 define organização criminoso e dispõe sobre investigação
criminal. Em seu art. 1º, § 1º, estabelece que se considera como organização criminosa
a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada
pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou
indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais
cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter
transnacional
Internacionalmente, tem-se defendido, nos casos de organizações criminosas, a
adoção da chamada teoria do domínio da organização, elaborada, a partir de 1963, por
Roxin, para os aparatos organizados de poder. Seria uma forma de autoria mediata, na
qual um indivíduo poderia dominar um acontecimento criminoso, sem estar presente,
por meio de um aparato de poder que garanta a execução do crime.
A ideia foi inicialmente concebida por força do domínio da violência no período
nazista na Alemanha. Segundo ela, autor seria todo aquele que possui a alavanca de
aparato de poder, independentemente do grau hierárquico e, por meio de uma instrução,
pode dar origem a fatos penais, aos quais não importa a individualidade do executante.
Seria justamente essa fungibilidade do executor que assegura ao homem de trás a
execução do crime.
Tal teoria foi aplicada em casos de Estados que pratiquem massivas violações
de direitos humanos, tais como a Alemanha Oriental, a Argentina durante os governos
militares, bem como pelos Tribunais Penais Internacionais, a partir de um conceito
conhecido como joint criminal enterprise.
Várias críticas têm sido apontadas à teoria do domínio da organização, dentre
as quais o fato de que a fungibilidade alegada do executor faz com que o homem de trás
não possa efetivamente controlar a prática do crime, bem como sustenta que existem
atividades em que o agente não é substituível, por se tratarem de atividades de um
especialista.
A jurisprudência alemã recente tem apontado a possibilidade de estender o
domínio da organização para o âmbito da criminalidade empresarial. Tal entendimento
ainda não foi acolhido no Brasil, mas não parece impossível que venha a ser, em que
pese toda a dificuldade prática.
TEORIA DA PENA

1. Teoria da pena

1.1. Conceito de pena, origem e natureza. Teorias absolutas, relativas e mistas.


Prevenção geral e especial, negativa e positiva.

O sistema punitivo do Estado constitui o mais rigoroso instrumento de controle


social. A conduta delituosa é a mais grave forma de transgressão de normas. A
incriminação de certos comportamentos destina-se a proteger determinados bens e
interesses, considerados de grande valor para a vida social. Pretende-se, por meio da
incriminação, da imposição da sanção e de sua efetiva execução evitar que esses
comportamentos se realizem. O sistema punitivo do Estado destina-se, portanto, à
defesa social na forma em que essa defesa é entendida pelos que têm o poder de fazer
as leis. Esse sistema opera por meio da mais grave sanção jurídica, que é a pena,
juntamente com a medida de segurança, em casos especiais. Assim, o gênero seria a
sanção penal e as espécies seriam a pena e a medida de segurança.
Como já se disse, pena é a perda de um direito imposta pelo Estado em razão da
prática de uma infração penal. Já as medidas de segurança são medidas terapêuticas
aplicáveis aos inimputáveis e aos semi-imputáveis no caso da prática de uma conduta
que corresponda a um crime, por lhes faltar sanidade.

1.2. Princípios e vedações constitucionais

A Constituição Federal estabelece determinados princípios e, ao mesmo tempo,


vedações em matéria de pena. O primeiro deles é o da personalidade da pena, que
significa dizer que a pena não passará da pessoa do condenado. É uma conquista do
Iluminismo, ao limitar à pena ao condenado e não atingir terceiros, somente aquele que
efetivamente tenha praticado a infração penal.
Ao lado dele, dele há o princípio da individualização da pena, que determina
que todo indivíduo tem o direito de ter a pena a ele aplicada individualmente,
considerada todas as características e condições pessoais, além de se valorar o que
efetivamente fez. Ainda que haja concurso de pessoas, não pode haver uma aplicação
de pena comum a todos.
Quantos às penas admitidas, ainda que haja discrepância de redação, tanto
Constituição quanto Código Penal preveem as seguintes penas: privativas da
liberdade, restritivas de direitos e multa.
A Constituição Federal é expressa quanto à proibição da pena de morte, salvo
em caso de guerra declarada, bem como quanto às de caráter perpétuo, de trabalhos
forçados, de banimento ou cruéis (art. 5.°, XLVII, CF).
Dessas, algumas observações merecem ser feitas sobre a pena de morte e de
caráter perpétuo.
A pena de morte, no Brasil, foi introduzida no tempo da colônia, pela legislação
portuguesa. Foi mantida pelo Código Criminal do Império, mas desde 1855, não mais
foi executada e abolida pelo CP de 1890. O Estado Novo tentou introduzi-la, incluindo
na Constituição de 1937 (artigo 122, inciso 13) dispositivo que autorizava a sua
imposição por determinados crimes políticos e pelo homicídio cometido por motivo
fútil e com extremos de perversidade. O Decreto-Lei n.° 86, de 20 de janeiro de 1938,
autorizava o Tribunal de Segurança Nacional a impor a pena de morte, que, todavia,
não foi incluída em nenhuma lei penal, com exceção do Direito Penal Militar, para
tempo de guerra.
Já o regime militar, com o Ato Institucional n.° 5, em 1968, reintroduziu a pena
de morte para os crimes políticos, alterando a Constituição Federal (artigo 150, § 11)
por meio do Ato Institucional n.° 14, de 05 de setembro de 1969, e do Decreto-Lei n.°
898, de 21 de setembro de 1969. A pena de morte nunca foi aplicada definitivamente
pela Justiça Militar. A Emenda Constitucional n.° 11, de 18 de outubro de 1978,
revogando os atos institucionais, revogou novamente a pena de morte para os crimes
políticos, mantendo-a apenas, como é tradicional em nosso direito, para a legislação
penal militar, aplicável em casos de guerra externa.
A questão da pena de morte não é jurídica. A disputa em torno da legitimidade
da penal capital não tem sentido no pano jurídico e não pode ser resolvida nesse terreno.
Os juristas do século passado que procuravam discutir esse aspecto da questão tinham
de deslocá-lo, necessariamente, para o campo do direito natural. A eliminação da vida
humana, como perda de um bem, pode perfeitamente constituir pena.
A questão da pena de morte é política e, sobretudo, cultural. Tem-se defendido
o desacerto da pena de morte, baseando-se em dois argumentos fundamentais. O
primeiro diz respeito a que não se deve utilizar sanção penal que seja irreversível, pois
o erro judiciário seria desconsiderado e os efeitos poderiam ser muito negativos. Ao
lado, há outro, que sustenta que a pena de morte se justificaria pela necessidade de
maior intimidação e, assim, maior prevenção, o que não seria demonstrável
estatisticamente e inaceitável.
Pode-se dizer que existe um grande movimento mundial para abolir a pena de
morte, embora algo em torno de metade dos países ainda a admitam.
Quanto às penas de caráter perpétuo, interessante questão surgiu com o
advento do Estatuto de Roma, que instituiu o Tribunal Penal Internacional e foi
incorporado à legislação brasileira pelo Decreto 4.388/2002. Segundo este, a pena de
prisão perpétua é cominada aos crimes de sua competência, quando a extrema gravidade
do delito e as circunstâncias individuais do condenado a justifique. Essa é a disposição
contida no Artigo 77 (1) (b) do referido instrumento. Afirma-se que a sua inclusão no
texto final teve como objetivo alcançar um consenso possível entre as delegações
participantes do processo de elaboração do Estatuto, com o condão principal de evitar
que, para os mesmos crimes, fosse estabelecida a pena de morte.1 As delegações de
países do Common Law (Estados Unidos, Reino Unido, Austrália, entre outros)
pugnaram pela previsão da pena de morte, sustentando que a gravidade dos crimes a
serem julgados pela Corte seria assim reforçada. Já os países do Civil Law (Europa
continental e América Latina, por exemplo), os quais conferem à pena uma finalidade
mais utilitária do que retributiva, discordaram de forma veemente desta previsão. Não
somente a pena de morte era rechaçada por estes últimos. Os países do Civil Law
também se opunham à inclusão da pena de prisão perpétua no Estatuto de Roma.
Prevaleceu a corrente conciliadora, contendo o texto final a previsão da pena de prisão
perpétua, aplicada a casos excepcionais e admitindo-se a sua revisão.2
1
STEINER, Sylvia Helena de Figueiredo. O Tribunal Penal Internacional, a pena de prisão perpétua e a
Constituição Brasileira. In: Escritos em homenagem a Alberto Silva Franco. São Paulo: RT, 2003, p.
451; BITENCOURT, Cezar Roberto. Tribunal Penal Internacional – prisão perpétua:
inconstitucionalidade. Revista Jurídica, Porto Alegre, v. 297, julho 2002, p. 65; PIOVESAN, Flávia;
IKAWA, Daniela Ribeiro. O Tribunal Penal Internacional e o Direito Brasileiro. In: CONFERÊNCIA
NACIONAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, 18., 2002, Salvador, BA. Anais da XVIII
Conferência Nacional dos Advogados: cidadania, ética e estado. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2003,
p. 1334.
2
STEINER, op. cit., p. 449.
Diferentemente, a Constituição brasileira, em seu Artigo 5º, XLVII, b,
estabelece ser vedada a aplicação de penas de caráter perpétuo. Tal vedação também
está presente no artigo 75 do Código Penal, segundo o qual o tempo de cumprimento
das penas privativas de liberdade não pode exceder os 40 anos. Desta forma, no
entendimento de Cezar Roberto Bitencourt,3 a pena de prisão perpétua não pode ser
instituída no Brasil nem por meio de Tratados Internacionais, nem por Emenda
Constitucional, uma vez que as garantias do Artigo 5º configuram cláusulas pétreas.4
Em conseguinte, discutiu-se a existência de incompatibilidade entre o Estatuto de Roma
e a Constituição Federal, sustentando-se a impossibilidade de ratificação daquele. A
reforçar esta ideia, aventou-se a norma do Artigo 120 do Estatuto de Roma, segundo a
qual não se admitem reservas para a adesão ao Tribunal. Assim, o Brasil estaria
impedido de fazê-las em relação à pena de prisão perpétua e, portanto, impedido de
ratificar o Estatuto de Roma.
Contudo, apesar da existência de opiniões divergentes, prevaleceu o
entendimento de que, no aspecto em questão, o conflito entre o Estatuto de Roma e a
Constituição brasileira era apenas aparente, o que tornou possível a ratificação do
instrumento sem que se fizesse necessária qualquer reforma constitucional.
Alguns argumentos embasaram esta posição. O primeiro deles, e talvez o de
maior peso, foi o de que o elenco de direitos e garantias previsto pela Carta
Constitucional brasileira é aplicado nas relações entre o Estado e o indivíduo em seu
território.5 Sendo assim, a disposição que veda a pena de prisão perpétua, presente no
Artigo 5º, XLVII, b, da Constituição Federal, encontra-se direcionada ao legislador
interno, tendo em vista os crimes domésticos, não cabendo restrições aos legisladores
do direito internacional e, por essa razão, não sendo aplicável aos crimes cometidos
contra este ramo do direito e reprimidos pelo Tribunal Penal Internacional.6
Nas palavras de Sylvia Helena de Figueiredo Steiner, as normas de direito penal
da Constituição regulam o sistema punitivo interno e, por isso, dão a exata medida do
que o constituinte vê como justa retribuição. Assim, não há como se projetar para outros
sistemas penais com os quais o país se vincule por força de compromissos
internacionais.7
Em outro argumento, sustentou-se a ideia da prevalência dos princípios em
relação às regras constitucionais. Neste contexto, apontou-se que a Constituição
Federal, em seu Artigo 1º, III, estabelece como um dos fundamentos da República a
dignidade da pessoa humana. Ademais, o Artigo 4º, II, da Carta Constitucional prevê
que a República Federativa Brasileira reger-se-á, nas suas relações internacionais, pela
prevalência do direitos humanos. Ainda, no Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias (ADCT), consta a norma do Artigo 7º, de acordo com a qual o Brasil
propugnará pela criação de um Tribunal Internacional de Direitos Humanos.
Considerando que os objetivos do TPI traduzem a prevalência da proteção de tais
direitos, afirma-se haver convergência entre a Constituição brasileira e o Estatuto de
Roma, no que diz respeito aos princípios relativos aos direitos humanos.8

3
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tribunal Penal Internacional – prisão perpétua: inconstitucionalidade.
Revista Jurídica, Porto Alegre, v. 297, julho 2002, p. 65.
4
Constituição da República Federativa do Brasil, artigo 60, § 4º, IV.
5
STEINER, op. cit., p. 453.
6
MEDEIROS, Antônio Cláudio Cachapuz de. O Tribunal Penal Internacional e a Constituição
Brasileira. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/dados/cartilhas/dh/tpi/cartilha_tpi.htm. Acesso em
23 de agosto de 2020.
7
STEINER, op. cit., p. 454.
8
STEINER, op. cit., p. 452-453.
Apontou-se, também em caráter argumentativo, que existe no ordenamento
jurídico brasileiro a previsão da pena de morte, no caso de guerra,9 bem como, para uma
série de crimes previstos no Código Penal Militar. Sendo assim, “não há, pois, uma
restrição moral ou substancial do constituinte contra a pena de morte”,10 o que
demonstra ser a vedação das penas capitais e de caráter perpétuo uma opção do
legislador interno, sem interferência na apenação dos crimes internacionais sob a
jurisdição do Tribunal Penal Internacional.
Por fim, cabe destacar que, a despeito da previsão da pena de prisão perpétua
pelo Estatuto de Roma, sua ratificação pelo Brasil não implica na adoção desta pena
pelo ordenamento jurídico interno. Conforme dispõe o Artigo 80 do Estatuto, nada
prejudicará a aplicação pelos Estados das penas previstas nos respectivos direitos
internos, ou a aplicação da legislação de Estados que não preveja as penas referidas no
Estatuto.11 Destarte, não foi necessária a adoção interna da pena de prisão perpétua pelo
Brasil para adequar-se ao Estatuto de Roma. Corrobora-se, assim, o entendimento de
que não há incompatibilidade entre o Estatuto de Roma e o ordenamento jurídico
brasileiro, no que tange à pena de prisão perpétua.

2. Penas privativas da liberdade

2.1. Origens

A prisão como pena é de aparecimento tardio na história do direito penal. Na


Idade Antiga, o encarceramento fazia-se em poços, nas masmorras, em mosteiros e
castelos, como etapa preliminar da aplicação de penas corporais, notadamente a de
morte, ou como fruto do arbítrio dos príncipes. As Ordenações do Reino de Portugal,
que vigeram no Brasil, na parte criminal, até 1830, não previam a pena de prisão.
Com o crescimento das cidades, surgem, na Idade Média, casas de trabalho e
casas de correção, destinadas a mendigos e vagabundos. Na Inglaterra, em 1552, num
Castelo abandonado em Bridewell, surge, por iniciativa dos protestantes, um local para
alojamentos, que desde 1575 passou a denominar-se House of Correction. Em 1576,
determinou-se por lei que em todos os condados deveria haver um estabelecimento
dessa natureza.
Em Amsterdã, em 1595, foi construída uma Casa de Correção que se destinava
a vagabundos, desordeiros, ladrões e crianças abandonadas. Em 1596 um
estabelecimento similar foi construído para mulheres. Dentro em breve iniciativas
semelhantes surgiram em várias outras cidades. A França constrói sua primeira
instituição para vagabundos e mendigos em 1656. Em 1703, o Papa Clemente XI
constrói em Roma o Hospício de São Miguel, destinado também a menores
incorrigíveis. A pena de prisão se difundiu no século XVIII quando desapareceu o corpo
como alvo principal da repressão penal e passou-se a controlar e a dominar a alma, por
meio da disciplina e da correção.
Em 1790, sob influência dos Quakers, constrói-se em Filadélfia a prisão de
Walnut, cujo regime se baseava na segregação e no silêncio. Os condenados eram
submetidos a um período inicial de isolamento, que subsistia durante todo o
cumprimento da pena, para os autores de crimes graves. Os autores de crimes sem
gravidade podiam trabalhar em comum durante o dia, em silêncio.

9
Constituição da República Federativa do Brasil, Artigo 5º, inciso XLVII, letra a.
10
STEINER, op. cit., p. 457.
11
PIOVESAN, op. cit., p. 1335.
O sistema do completo isolamento (solitary system) foi introduzido nas prisões
de Pittsburgh (Western Penitenciary) e Cherry Hill (Eastern Penitenciary) construídas
em 1818 e 1829.
A esse sistema se apôs o de Auburn, adotado na prisão construída em 1829 na
cidade deste nome, no Estado de Nova Iorque. O sistema de Auburn permitia o trabalho
em comum durante o dia, em completo silêncio, ficando conhecido como silent system.
Mais importante foi o sistema irlandês ou progressivo, introduzido pelo capitão
Alexandre Maconochie e Sir Walter Crofton. Maconochie, em 1838, criou um sistema
de marcas ou pontos (mark system), por meio do qual a situação do preso fosse
gradativamente melhorando, de acordo com o trabalho por ele realizado. Propôs que a
duração da condenação fosse medida não por tempo determinado, mas sim por uma
certa quantidade de trabalho a ser realizada, de modo a colocar a sorte do condenado
em suas próprias mãos. Maconochie não pôde implementar o seu sistema, devido à
legislação da época.
Coube a Sir Walker Crofton, nomeado em 1854 diretor de prisões na Irlanda,
pôr em prática um sistema na linha do que foi sugerido por Maconochie. Daí o nome
sistema irlandês. Esse sistema começava com um estágio de nove meses de isolamento
celular. Um segundo estágio era de obras públicas, no qual se aplicava um critério de
marcas ou de pontos, pelo qual o condenado progredia por meio de cinco classes,
podendo acelerar a passagem de uma a outra pelo bom comportamento e pela dedicação
ao trabalho. Um terceiro estágio era uma espécie de teste para a liberação. Nele o preso
trabalhava sem supervisão e sem vigilância, sem o emprego de medidas disciplinares,
mas podendo voltar a etapas anteriores. Finalmente, um quarto estágio era o do
livramento condicional (ticket of leave), que poderia ser revogado se não houvesse bom
comportamento.
O CP brasileiro adotou um regime progressivo.
O ideal da prisão era, assim, a vigilância e controle total sobre a pessoa do preso.
Jeremy Bentham publicou, em 1791, o seu plano para construção do Panótico, que seria
não só um modelo na prisão, como também de todas as instituições de educação,
assistência e trabalho. O Panótico é construção circular, dividido em raios convergentes
para um ponto central, de onde um único vigilante poderia observar todo
estabelecimento. A Casa de Correção que se inaugurou no Rio de Janeiro, em 1850, e
cujas obras se iniciaram em 1834, pretendia ter como modelo o Panótico, mas um erro
de construção levou ao abandono do projeto.
Em realidade, a pena de prisão foi introduzida como castigo duro e feroz.
Difundiu-se a ideia de que a prisão deve promover a custódia do condenado,
neutralizando-o por meio de um sistema de segurança, no qual se esgota o sentido
retributivo da pena e, ao mesmo tempo, ressocializá-lo ou emendá-lo, por meio de um
tratamento.
Como instituição total, a prisão pode deformar a personalidade, ajustando-a à
subcultura prisional (prisonização). A reunião coercitiva de pessoas do mesmo sexo
num ambiente fechado, autoritário, opressivo e violento, pode corromper e aviltar. Os
internos são submetidos às leis da massa, ou seja, ao código dos presos, onde impera a
violência e a dominação de uns sobre outros. O homossexualismo, por vezes brutal, é
inevitável. A delação é punida com a morte. Conclui-se, assim, que o problema da
prisão é a própria prisão, que apresenta um custo social demasiadamente elevado. Aos
efeitos comuns a todas as prisões, somam-se os que são comuns nas nossas:
superpopulação, ociosidade e promiscuidade.
Quanto mais graves forem as penas e as medidas impostas aos delinquentes,
maior será a probabilidade de reincidência. O sistema será, portanto, mais eficiente, se
evitar, tanto quanto possível, mandar os condenados para a prisão, nos crimes pouco
graves, e se, nos crimes graves, evitar o encarceramento demasiadamente longo.

2.2. Espécies

As penas privativas da liberdade que o CP prevê são a de reclusão e a de


detenção. A tendência da legislação atual é no sentido da redução das distintas penas
de prisão a uma única espécie, visto que há poucas diferenças entre elas previstas na
legislação penal.
Existem algumas de natureza processual e outras de natureza penal. Quanto a
essas, podem ser mencionadas duas.
A primeira diz respeito ao fato de que a pena de reclusão deve ser cumprida em
regime fechado, semiaberto ou aberto. A pena de detenção, em regime semiaberto ou
aberto, salvo necessidade de regressão a regime fechado (art. 33, CP).
Além dessa, pode-se mencionar a substituição por medida de segurança, que
poderá ser internação ou tratamento ambulatorial (art. 97, CP).

2.3. Regimes de cumprimento de penas e estabelecimentos penitenciários

O CP adotou um sistema progressivo, que se destina a estimular o bom


comportamento do preso, mantendo a disciplina e a ordem nas prisões (art. 33, § 2.°,
CP). A lei prevê três regimes: o fechado, o semiaberto e o aberto.
O regime fechado se executa em penitenciária (art. 86, Lei de Execução Penal),
em estabelecimento de segurança máxima ou média. Os estabelecimentos de segurança
máxima caracterizam-se por possuírem muralhas elevadas, grades e fossos. Os presos
ficam recolhidos à noite em celas individuais, trancadas e encerradas em galerias
fechadas. Existem sistemas de alarmes contra fugas e guardas armados. A atenuação
dos elementos que impedem a fuga permite classificar o estabelecimento como de
segurança média.
Regime semiaberto é a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou
estabelecimento similar. O regime semiaberto se cumpre em estabelecimentos de
segurança média, nos quais as precauções contra a fuga são atenuadas. Podem os presos
ser colocados em alojamentos coletivos (art. 91, Lei de Execução Penal).
Regime aberto é a execução da pena em casa de albergado ou outro
estabelecimento de segurança mínima, em que não existam obstáculos para a fuga,
mantendo-se a disciplina com base na palavra do preso e em seu deliberado propósito
de se submeter às condições da sua prisão.
Consoante o artigo 112 da Lei de Execução Penal, alterado pela Lei nº 13.964,
de 2019, a pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a
transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso
tiver cumprido ao menos:
→16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido
cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;
→20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem
violência à pessoa ou grave ameaça;
→25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido
cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;
→30% (trinta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido com
violência à pessoa ou grave ameaça;
→40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime
hediondo ou equiparado, se for primário;
→50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for:
a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado
morte, se for primário, vedado o livramento condicional;
b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de
organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou
equiparado;
c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada;
→60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime
hediondo ou equiparado;
→70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou
equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional.
O art. 33, § 2.°, CP as regras para a determinação do regime inicial de
cumprimento da pena, a saber:
a) o condenado a pena superior a oito anos deverá começar a cumpri-la em regime
fechado;
b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a quatro anos e não exceda a
oito, poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semiaberto. Se o condenado for
reincidente, terá de cumprir pena em regime fechado;
c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a quatro anos, poderá,
desde o início, cumpri-la em regime aberto.
Quanto às regras de cumprimento das penas privativas da liberdade, o CP as
estabelece.
No início do cumprimento da pena em regime fechado, o preso deve ser
submetido obrigatoriamente a exame criminológico. Trata-se do exame
biopsicossocial, como exigência de melhor conhecimento da personalidade do
delinquente, para escolher a pena que lhe deve ser aplicada ou para orientar a execução
da pena imposta. O exame criminológico é obrigatório para os que cumprem pena em
regime fechado, sendo facultativo para os que são submetidos ao regime semiaberto.
Diz a lei que o condenado, em regime fechado ou semiaberto, fica sujeito a
trabalho no período diurno, em comum.
Já o regime aberto baseia-se na autodisciplina e senso de responsabilidade do
condenado (art. 36, CP). Nesse regime, afrouxa-se a vigilância e a fiscalização,
procurando-se proporcionar ao preso convivência que se aproxime dos padrões do
mundo livre.
O ingresso do condenado em regime aberto supõe a aceitação de seu programa
e das condições impostas pelo juiz. Só pode ingressar nesse regime o condenado que
estiver trabalhando ou comprovar a possibilidade de fazê-lo imediatamente,
apresentando, por seus antecedentes e pelos exames a que foi submetido, fundados
indícios de que irá ajustar-se ao novo regime (artigos 113 e 114, Lei de Execução
Penal).
O condenado deverá, fora do estabelecimento e sem vigilância, trabalhar,
frequentar curso ou exercer outra atividade autorizada, permanecendo recolhido
durante o período noturno e nos dias de folga (art. 36, § 1.°, CP). Só excepcionalmente
se permitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular
(se o condenado for maior de 70 anos ou acometido de doença grave, ou se tiver filho
menor ou deficiente físico ou mental, ou se for mulher gestante). A execução da pena
em regime aberto ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer
dos regimes mais rigorosos, se o condenado praticar crime doloso ou falta grave, ou se
ele sofrer condenação por crime anterior, cuja pena, somada ao restante da pena em
execução, torne incabível o regime, ou se frustrar os fins da execução ou se não pagar,
podendo, a multa que cumulativamente lhe tenha sido imposta (art. 117, Lei de
Execução Penal).
Por sua vez, as mulheres cumprem pena em estabelecimento próprio,
observando-se os deveres e direitos inerentes à sua condição pessoal. Às mulheres se
aplicam as regras fixadas para os diversos regimes. A separação entre mulheres e
homens é regra elementar do sistema penitenciário. A Constituição Federal assegura à
presidiária condições de permanecer com seu filho durante a amamentação (art. 5.°, L,
CF).

2.4. Direitos e deveres dos presos. Trabalho

O CP proclama que o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda
da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e
moral (art. 5.°, XLIX, CF; e art. 3.°, Lei de Execução Penal). Os direitos dos presos
estão especificados na lei (art. 40, Lei de Execução Penal), compreendendo alimentação
suficiente e vestuário; atribuição de trabalho e sua remuneração; previdência social;
constituição de pecúlio; proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o
descanso e a recreação; exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e
desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena; assistência
material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; proteção contra qualquer
forma de sensacionalismo; entrevista pessoal e reservada com o advogado; visita do
cônjuge, da companheira, de parentes e amigos, em dias determinados; chamamento
nominal; igualdade de tratamento, salvo quanto às exigências da individualização da
pena; audiência especial com o diretor do estabelecimento; representação e petição a
qualquer autoridade em defesa de direito; contato como mundo exterior por meio de
correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não
comprometam a moral e os bons costumes.
Quanto ao trabalho, a Constituição Federal estabelece que constitui um direito
social (arts. 6.° e 7.°). No que se refere ao trabalho do condenado, em qualquer caso,
deve realizar-se de acordo com as aptidões ou ocupações anteriores do condenado,
desde que compatíveis com os objetivos da pena. No regime semiaberto, o condenado
pode frequentar cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou
superior.
Sempre se considerou o trabalho elemento essencial ao tratamento
penitenciário, porque o trabalho é dever social e condição da dignidade humana. O
trabalho do preso não está submetido ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho
e tem de ser remunerado com quantia não inferior a três quartos do salário mínimo.
A lei fixa, no entanto, que o produto da remuneração deve ser aplicada para indenizar
os danos causados pelo crime (se forem determinados judicialmente), na assistência à
família e no ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do
condenado (art. 28, Lei de Execução Penal). Diz a lei que o trabalho será em comum
tanto para o regime fechado como para o semiaberto. No regime fechado, o trabalho
será no interior do estabelecimento; no regime semiaberto, o trabalho será em colônia
agrícola, industrial ou estabelecimento similar. O trabalho externo é admissível em
qualquer regime. No regime fechado, o condenado poderá trabalhar em obras públicas,
desde que tomadas as cautelas contra fuga e em favor da disciplina. No regime
semiaberto o trabalho externo se realiza com fiscalização e precauções menos
rigorosas.
2.5. Remição e detração

Diz a lei que o condenado que cumpre pena em regime fechado ou semiaberto
poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena. Três dias de
trabalho valerão um dia de pena. Se o preso não puder prosseguir no trabalho por
acidente, continuará a se beneficiar com a remição. O condenado que for punível com
falta grave perderá o direito ao tempo remido (arts. 125 e segs., Lei de Execução Penal).
Entende-se por detração penal o abatimento na pena a ser cumprida do tempo
de prisão já cumprida pelo condenado. Estabelece o CP que se computam, na pena
privativa da liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão preventiva ou
provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em
hospital ou manicômio (art. 42).
Se sobrevém ao condenado doença mental, deve ele ser recolhido a hospital de
custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, a outro estabelecimento adequado (art.
41, CP). Da mesma maneira, o tempo de internação computa-se na pena de prisão.

2.6. Limites de cumprimento da pena privativa da liberdade

O artigo 75, CP, tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não
pode ser superior a 40 (quarenta) anos, e que, caso o agente for condenado a penas
privativas de liberdade cuja soma seja superior a 40 (quarenta) anos, devem elas ser
unificadas para atender àquele limite máximo. Sobrevindo condenação por fato
posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, computando-se,
para esse fim, o tempo restante da pena anteriormente cumprida. De toda forma esse
limite diz respeito ao cumprimento da pena, pois os eventuais benefícios penais devem
ser calculados com base na pena aplicada.

3. Penas restritivas de direitos

Os efeitos negativos causados pelas penas privativas da liberdade, que,


apresentam, em todo o mundo, problemas como taxas elevadas de reincidência e
violência sistêmica, fez com fossem buscadas novas medidas penais, que se mostrassem
mais adequadas. Assim, surgiram as penas restritivas de direitos, que pretendem afastar
os efeitos negativos do encarceramento de curta duração, além de apresentarem taxas
de reincidência bastante menores, justamente por impedirem o encarceramento do
indivíduo.
O CP as previu inicialmente em seu art. 43, que constituiu umas das importantes
inovações da Parte Geral de 1984. A partir da Lei 9.714/98, o rol e o âmbito de
incidência das penas restritivas de direitos foi sensivelmente aumentado. Com a
alteração legislativa, as penas restritivas de direitos são as seguintes: prestação
pecuniária; perda de bens e valores; prestação de serviços à comunidade ou a entidades
públicas; interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana.

3.1. Hipóteses e requisitos para a substituição


As penas restritivas de direitos não são previstas na Parte Especial, nas sanções
dos diversos delitos. São penas autônomas que substituem as penas privativas da
liberdade.
São duas as condições para que se opere a substituição. A primeira condição é
objetiva e se relaciona com a quantidade da pena privativa da liberdade imposta (não
superior a quatro anos) ou a natureza do ilícito penal (crime culposo). Nos crimes
dolosos, a substituição da pena privativa da liberdade por pena restritiva de direitos só
se pode fazer se a pena imposta não for superior a quatro anos. Nos crimes culposos,
a substituição pode-se fazer qualquer que seja a pena.
A segunda condição é subjetiva: o réu não pode ser reincidente em crime
doloso. No entanto, a substituição será possível, ainda que o réu seja reincidente em
crime doloso, desde que se verifique que, em face da condenação anterior, a medida
seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da
prática do mesmo crime (art. 44, § 3.°, CP).
Para que a substituição se faça deve o juiz entender (considerando a
culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem
como os motivos e as circunstâncias) que a pena restritiva de direitos constitui sanção
jurídica bastante para o malefício praticado (art. 44, III, CP).
Na condenação igual ou inferior a um ano, a pena privativa de liberdade pode
ser substituída por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se a pena privativa
de liberdade imposta for superior a um ano, a substituição pode ser feita por uma
pena restritiva de direitos e multa, ou por duas restritivas de direitos (art. 44, § 2.°,
CP).
A pena restritiva de direitos tem a mesma duração da pena substituída (art. 55,
CP), salvo se, no caso de pena restritiva de direitos com duração superior a um ano, o
condenado optar por cumpri-la em tempo menor, porém nunca inferior à metade da
duração original (art. 46, § 4.°, CP).
A pena restritiva de direitos será convertida em pena privativa da liberdade
quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta (art. 44, § 4.°, parte
inicial, CP). A sanção pelo descumprimento da pena restritiva de direitos é o
cumprimento da privação da liberdade pelo tempo faltante, respeitado o limite mínimo
de trinta dias (art. 44, § 4.°, parte final, CP). O descumprimento deve ser injustificado,
pois se trata de hipótese de revogação obrigatória.
No caso de superveniência de condenação a pena privativa de liberdade por
outro crime, o juiz decidirá sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for
possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior (art. 44, § 5.°, CP).

3.2. Prestação pecuniária

A pena de prestação pecuniária consiste na obrigação imposta ao condenado de


pagar determinada quantia em dinheiro à vítima, a seus dependentes, ou a entidade
pública ou privada com destinação social. Trata-se, pois, sanção de natureza civil
elevada à categoria de pena criminal. A introdução da pena de prestação pecuniária
representa uma ruptura da clássica e rígida separação entre as consequências penais e
civis de um delito. Todavia, pode-se dizer que a obrigação de reparação do dano contém
também um caráter de pena.
Deve ser sempre preferido o pagamento à vítima ou a seus dependentes. Se o
crime não tiver vítima certa, os beneficiários serão entidades privadas ou públicas com
destinação social. Nada impede que o pagamento seja feito parceladamente.
A importância será fixada pelo juiz, não podendo ser inferior a um salário
mínimo, nem superior a trezentos e sessenta salários mínimos. Não há dúvida de
que a pena deve ser fixada em valor suficiente e adequado à prevenção e reprovação do
delito, devendo ser considerados sempre a situação econômica do condenado e os danos
patrimoniais experimentados pela vítima. Caso o apenado venha a sofrer condenação
perante o juízo cível, o valor pago será deduzido do montante da indenização, se
coincidentes os beneficiários (art. 45, § 1.°, CP).
Dispõe o art. 45, § 2.°, CP que, se o beneficiário aceitar, a prestação pecuniária
pode consistir em prestação de outra natureza (p. ex., entrega de gêneros alimentícios
ou roupas).
A pena de prestação pecuniária, destinada à vítima ou a seus dependentes, não
se confunde, com a pena de multa, que se destina ao Estado e é recolhida ao Fundo
Penitenciário Nacional.

3.3. Perda de bens e valores

Também introduzida pela lei n.° 9.714, de 1998, a perda de bens faz parte do
rol das penas restritivas de direitos. A possibilidade jurídica de adoção de tal penalidade
encontra-se expressamente prevista na vigente Constituição Federal (art. 5.°, XLVI, b).
O art. 45, § 3.°, CP, estabelece que: “a perda de bens e valores pertencentes aos
condenados dar-se–á, ressalvada a legislação especial, em favor do Fundo Penitenciário
Nacional, e seu valor terá como teto — o que for maior — o montante do prejuízo
causado ou do provento obtido pelo agente ou por terceiro, em consequência da prática
do crime.”
Tal pena não se confunde com a possibilidade de perdimento de bens como
efeito da condenação previsto no art. 91, II, alíneas a e b, CP. Circunscreve-se o efeito
da condenação ao perdimento dos instrumentos e produtos do crime (instrumencta et
producta sceleris), ou seja, dos bens ilicitamente obtidos (cf. n.° 397, infra). Como
pena restritiva, a perda de bens pode abranger também bens licitamente adquiridos pelo
autor do fato.
Ressalvada a legislação especial, os bens e valores perdidos serão revertidos em
favor do Fundo Penitenciário Nacional – FUNPEN, com a finalidade de financiar e de
apoiar as atividades e os programas de modernização e aprimoramento do sistema
penitenciário.
A lei não prevê valor mínimo, mas fixa como teto máximo o montante do
prejuízo causado ou do proveito obtido pelo agente ou por terceiro, em consequência
da prática do crime.
A perda de bens somente pode ser imposta em infrações penais em que houve
dano patrimonial.

3.4. Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas

O CP estabelece que a prestação de serviços à comunidade ou a entidades


públicas consiste na atribuição ao condenado de tarefas gratuitas junto a entidades
assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em
programas comunitários ou estatais (art. 46).
As tarefas devem ser cumpridas à razão de uma hora por dia de condenação,
devendo ainda sua atribuição respeitar as aptidões do condenado (art. 46, § 3.°, CP). O
trabalho em favor da comunidade não deve prejudicar a jornada normal de trabalho do
condenado. Compete ao juiz da execução designar a entidade ou programa comunitário
ou estatal a que o condenado deverá prestar serviço.

3.5. Interdição temporária de direitos

As interdições temporárias ou permanentes de direitos surgem no direito penal


como penas acessórias. O CP de 1940, por exemplo, previa as penas acessórias em
capítulo especial, sendo algumas obrigatórias e outras facultativas.
A lei atual faz de certas interdições de direitos penas restritivas de direitos e
considera outras como efeitos da condenação (art. 92, CP), a serem declarados pela
sentença.
As penas de interdição temporária de direitos são de quatro espécies (cf. art. 47,
CP): proibição de exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de
mandato eletivo; proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependem
de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público; suspensão de
autorização ou de habilitação para dirigir veículo; proibição de frequentar determinados
lugares; e, por meio da inovação trazida pela Lei 12.550/11, proibição de inscrever-se
em concursos públicos, avaliações ou exames públicos.
As interdições de direitos, que a lei vigente prevê como espécie de pena
principal, só devem ser aplicadas naqueles casos em que o crime se relaciona com abuso
ou violação dos deveres do cargo, função, profissão ou atividade (art. 56, CP). A
suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo aplica-se aos crimes
culposos de trânsito (art. 57, CP). Note-se, no entanto, que a suspensão ou proibição
de obtenção de habilitação para dirigir encontra-se prevista no Código de Trânsito
Brasileiro (L. 9.503/97) como pena principal, podendo ser imposta isolada ou
cumulativamente à pena privativa de liberdade (art. 292). Em alguns casos a imposição
cumulativa é obrigatória, como no caso de homicídio culposo no trânsito (art. 302).

3.6. Limitação de fim de semana

A prisão de fim de semana (que o legislador preferiu designar com o nome


impróprio de limitação) foi também introduzida para evitar os inconvenientes das penas
curtas privativas da liberdade.
A limitação de fim de semana consiste na obrigação de permanecer, aos sábados
e domingos, por cinco horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento
adequado (art. 48, CP). Diz-se que durante a permanência poderão ser ministrados ao
condenado cursos e palestras ou atribuídas atividades educativas.

3.7. Conversão da pena restritiva de direitos em privativa da liberdade

A Lei de Execução Penal (Lei no 7.210/1984), em seu art. 180, prevê a


possibilidade de que a pena privativa da liberdade, que não tenha sido substituída na
sentença penal condenatória, seja convertida, durante o cumprimento da pena, em
restritiva de direitos. Para tanto, devem concorrer os seguintes requisitos: a pena não
ser superior a 2 (dois) anos; estar o condenado cumprindo pena em regime aberto; ter
cumprido ao menos ¼ da pena; e os antecedentes e a personalidade do agente indicarem
ser a medida recomendável.
Já o art. 181 admite hipótese inversa, na qual pena restritiva de direitos poderá
ser convertida em privativa de liberdade.
No que se refere à prestação de serviços à comunidade, esta será convertida
quando o condenado: não for encontrado por estar em lugar incerto e não sabido, ou
desatender a intimação por edital; não comparecer, injustificadamente, à entidade ou
programa em que deva prestar serviço; recusar-se, injustificadamente, a prestar o
serviço que lhe foi imposto; praticar falta grave; ou sofrer condenação por outro crime
à pena privativa de liberdade, cuja execução não tenha sido suspensa.
Já a pena de limitação de fim de semana será convertida quando o condenado
não comparecer ao estabelecimento designado para o cumprimento da pena, recusar-se
a exercer a atividade determinada pelo Juiz ou se ocorrer qualquer das hipóteses das
letras "a", "d" e "e" do parágrafo anterior.
Por sua vez, a pena de interdição temporária de direitos será convertida
quando o condenado exercer, injustificadamente, o direito interditado ou se ocorrer
qualquer das hipóteses das letras "a" e "e", do § 1º, do art. 181.

4. Pena de multa

4.1. Características

A pena de multa consiste na obrigação imposta ao condenado de pagar ao


Estado determinada soma em dinheiro. O art. 49, CP, diz que “a pena de multa consiste
no pagamento ao fundo penitenciário, da quantia fixada na sentença, e calculada em
dias-multa.” Há, pois, impropriedade no dispositivo legal, visto que a multa não
consiste no pagamento; este é a sua execução.
A pena de multa é sempre cominada, na hipótese de crime, de forma alternativa
ou cumulativa. Aparece, por vezes, isoladamente, nas contravenções. Nas
cominações da pena de multa na Parte Especial do CP não aparecem os limites a serem
observados. Esses limites estão previstos na Parte Geral (art. 49, CP).
Como o próprio CP estabelece de maneira clara, foi adotado no Brasil o critério
do dia-multa como forma de estabelecer o valor da sanção pecuniária.

4.2. Sistema do dia-multa

Segundo este sistema, a pena é cominada em dias-multa. O valor de um dia-


multa corresponde à renda média que o autor do crime aufere em um dia, considerando-
se sua situação econômica e patrimonial. Deve-se ter presentes todas as rendas que o
acusado tenha, como fruto de seu trabalho e de seu capital, fazendo-se uma média
diária, apurada na data do crime. É razoável que se considere também o patrimônio do
agente, pois a lei manda ter presente, na fixação da pena, a situação econômica do réu
(art. 60, CP). Cumpre ao juiz realizar uma apreciação valorativa do conjunto da
situação econômica do acusado, considerando seus encargos e responsabilidades, e
fixando o valor do dia-multa. Esse valor será aplicado sobre a quantidade de dias-multa
imposta, cumprindo ao juiz realizar cuidadosa justificação. Passa a ser importante, para
os efeitos da aplicação da pena de multa, interrogar o acusado sobre sua situação
econômica.
Para realização do cálculo, primeiramente o juiz deve determinar a quantidade
de dias-multa, entre dez e trezentos e sessenta (art. 49, CP). Em seguida, passa a
determinar o valor de cada dia-multa, que não pode ser inferior a um trigésimo do maior
salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a cinco vezes esse salário
(art. 49, § 1.°, CP).
4.3. Execução

A multa deve ser paga no prazo de 10 dias, depois de transitar em julgado a


sentença. Todavia, a requerimento do condenado, conforme as circunstâncias, o juiz
pode permitir que o pagamento se realize em parcelas mensais (art. 50, CP).
Se o condenado não receber ou não cumprir pena privativa da liberdade,
permanecendo no emprego que tiver, o pagamento da multa poderá fazer-se mediante
desconto nos seus vencimentos ou salário. Esses casos serão aqueles em que a pena de
multa: é aplicada isoladamente; é aplicada cumulativamente com pena restritiva de
direitos, ou quando é concedida a suspensão condicional da pena. O desconto não deve
incidir sobre os recursos indispensáveis ao sustento do condenado e de sua família (art.
50, §§ 1.° e 2.°, CP).
Os valores relativos às multas penais são destinados ao Fundo Penitenciário
Nacional (Lei Complementar n.° 79, de 07.01.1994).
Conforme a nova redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019, transitada em
julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o juiz da execução
penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa
da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da
prescrição (Art. 51, CP).
A execução da pena de multa é suspensa, se sobrevém ao condenado doença
mental (art. 52, CP e art. 167, LEP).

5. Aplicação da pena

5.1. Princípios gerais de determinação da pena

O processo de determinação da pena é aquele que o juiz realiza para fixar a


sanção aplicável ao agente pelo ilícito penal praticado declarando merecimento de
determinada pena em concreto.
A aplicação da pena é a segunda etapa do que se convencionou chamar de
individualização da pena. Esta apresentas as seguintes fases: cominação (realizada pelo
legislador, que escolhe as espécies e quantidades de penas aplicáveis), aplicação (tarefa
do juiz criminal, que deverá escolher que penas vai aplicar e concretizá-las) e execução
(realizada pelo juiz de execução penal, que acompanha o efetivo cumprimento da pena
aplicada).

5.2. Circunstâncias do crime: elementares, qualificadoras, legais e judiciais

Para que se aplique a pena, é necessário levar em conta as circunstâncias do


crime. A palavra circunstância significa estar em torno e se refere a tudo aquilo que está
em torno do tipo penal.
Inicialmente, deve ser destacado que os tipos penais descrevem condutas ilícitas
e estabelecem seus elementos essenciais. Esses fatores, sem os quais inexiste o tipo, são
chamados de elementares do crime. Para distinguir uma elementar de uma simples
circunstância do crime, basta que seja feita uma eliminação hipotética. Se o crime
desaparecer ou der causa a outro tipo penal, significa que se trata de uma elementar.
Todavia, se não houver alteração da caracterização do crime, estar-se-á diante de uma
circunstância.
Dentre as circunstâncias, existem as qualificadoras, que são tão importantes que
aderem ao tipo regente e criam tipos derivados, com penas próprias. É o caso do
homicídio qualificado, previsto no art. 121, § 2º, CP.
Além dessas, a lei prevê circunstâncias judiciais e circunstâncias legais, que se
subdividem em genéricas (agravantes e atenuantes) e específicas (majorantes ou causas
de aumento de pena e minorantes ou causas de diminuição de pena).
As circunstâncias judiciais são aquelas a que se refere o artigo 59, CP. Elas
não estão especificadas na lei e seu reconhecimento, pela influência que apresentam,
aumentando ou diminuindo a gravidade do malefício e sua reprovabilidade, é entregue
à apreciação discricionária do juiz. Entre as circunstâncias judiciais estão, quando
apresentam relevância, os meios, o tempo, o lugar, as relações entre autor e vítima etc.
Manda a lei, aqui, considerar elementos que permitem avaliar a maneira de ser
do agente (antecedentes, conduta social, personalidade) e a reprovabilidade do fato
punível praticado (culpabilidade, consequências e comportamento da vítima).
Aqui, o juiz ajusta a pena ao autor concreto do crime, atendendo às
peculiaridades de sua personalidade moral (caráter), e examinando se a conduta
delituosa constitui fato acidental ou se é expressão da maneira de ser do acusado. O juiz
deve aqui considerar os antecedentes, ou seja, o comportamento anterior do acusado,
mas não a reincidência, porque esta é circunstância agravante legal, que influirá na
fixação da pena em momento posterior. Não pode haver, no processo de determinação
da pena aplicável, uma dupla valoração jurídica do mesmo elemento. Os antecedentes
praticamente se confundem com a conduta social, que se refere às relações do acusado
com sua família e sua adaptação ao trabalho, ao estudo e a um estilo de vida honesto ou
reprovável.
A lei vigente refere-se à culpabilidade. A culpabilidade tem por fulcro, nos
crimes dolosos, a vontade reprovável, ou seja, a vontade que não deveria ser, contrária
ao dever. Os motivos são de particular relevo na maior ou menor gravidade da ação.
Motivo é o que move, ou seja, é o antecedente psicológico do ato volitivo. Este pode
ser um fenômeno complexo, desencadeado por um motivo preponderante, que se
sobrepõe aos demais. A maior ou menor reprovabilidade do motivo influi na gravidade
da culpa e, pois, do crime.
A enumeração legal termina com alusão às circunstâncias e consequências do
crime bem como ao comportamento da vítima. Entende-se por circunstâncias os
elementos acidentais do delito, ou seja, aqueles que não são elementos constitutivos do
tipo, afetando apenas a gravidade do crime
As circunstâncias legais genéricas são taxativamente previstas na lei (artigos
61, 62, 63 e 65, CP) e tornam obrigatório o aumento ou a diminuição da pena. A lei não
fixa o quantum desse aumento ou diminuição, que é entregue, por completo, ao poder
discricionário do juiz. Além disso, agravantes e atenuantes não podem fazer a pena
ultrapassar a pena mínima ou a máxima cominada.
Já as circunstâncias legais específicas estão previstas em qualquer dispositivo
da lei penal, que não os acima mencionados, seja na Parte Geral ou na Especial, têm
limites de aumento e diminuição da pena fixados na lei e não precisam respeitar os
limites máximo e mínimo das penas. É exemplo a tentativa (art. 14, CP).
Quanto às agravantes e atenuantes, alguns esclarecimentos devem ser feitos
Tais circunstâncias classificam-se em subjetivas e objetivas. As circunstâncias
subjetivas ou pessoais são as que se referem aos motivos determinantes, à qualidade
ou condição pessoal do agente, às suas relações com a vítima ou com os demais
coautores ou partícipes. As circunstâncias objetivas relacionam-se com os meios e
modos de execução, o tempo, o lugar e a ocasião, a situação ou condição pessoal da
vítima e o objeto material do crime. Essa distinção entre circunstâncias subjetivas e
objetivas é fundamental. Só as últimas se comunicam aos partícipes (art. 30, CP). As
circunstâncias subjetivas só se comunicam aos partícipes se constituírem elementares
do crime.
As circunstâncias agravantes estão previstas no artigo 61, CP: são elas a
reincidência e ter o agente cometido o crime; a) por motivo fútil ou torpe; b) para
facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro
crime; c) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que
dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido; d) com emprego de veneno, fogo,
explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar
perigo comum; e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge; f) com abuso de
autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou hospitalidade;
g) com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou
profissão; h) contra criança, velho, enfermo ou mulher grávida; i) quando o ofendido
estava sob a imediata proteção da autoridade; j) em ocasião de incêndio, naufrágio,
inundação ou qualquer calamidade pública, ou desgraça particular do ofendido; k) em
estado de embriaguez preordenada.
Essa enumeração é taxativa. As únicas circunstâncias agravantes comuns que
existem, além dessas, são as previstas no artigo 62, CP, para os casos de concurso de
agentes. Diz a lei que a pena também deve ser agravada em relação ao agente que: I -
promove ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes;
II - coage ou induz outrem à execução material de crime; III - instiga ou determina a
cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade, ou não punível em virtude de condição
ou qualidade pessoal; IV - executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou
promessa de recompensa.
As agravantes aplicam-se somente aos crimes dolosos e devem estar cobertas
pelo dolo, salvo no que tange à reincidência que se verifica mesmo entre crimes
culposos ou em crime doloso e crime culposo.
Passar-se-á a examinar cada uma delas.
Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de
transitar em julgado a sentença que, no país ou no exterior, o tenha condenado por crime
anterior (artigo 63, CP). Isso significa que o réu pode manter a primariedade, embora
condenado por vários crimes, desde que nenhum deles tenha sido praticado depois da
primeira condenação irrecorrível imposta. Para que haja reincidência, não se exige que
a condenação anterior tenha sido executada.
Funda-se o aumento de pena ao reincidente na insuficiência relativa da pena que
lhe foi imposta, insuficiência demostrada pelo próprio réu com o desprezo pela primeira
pena.
A reincidência é circunstância agravante subjetiva, que não se transmite aos
partícipes.
Não se considera, para efeito de reincidência, a anterior condenação por crimes
propriamente militares ou políticos, nem a pena imposta por contravenção. Os crimes
militares classificam-se em crimes propriamente militares e crimes impropriamente
militares. Propriamente militares são os crimes que só podem ser praticados por militar
(deserção, abandono de posto, insubordinação, violência contra superior etc.). Os
crimes propriamente militares só estão previstos no Código Penal Militar. Crimes
impropriamente militares são aqueles que estão também previstos no CP comum,
quando praticados por militares ou assemelhados e civis, contra o patrimônio militar
ou a administração militar (artigo 9.°, CPM). Para efeitos de excluir a reincidência,
devem ser considerados apenas os crimes propriamente militares, pois estes têm índole
inteiramente diversa dos previstos no CP comum, atentando contra a disciplina e a
hierarquia.
Crimes políticos são as infrações penais contra a segurança interna e externa do
Estado. Puramente políticos são os crimes que atentam exclusivamente contra
interesses políticos da nação (ex.: incitação ou propaganda subversiva). Relativamente
políticos são os crimes que se referem a fatos puníveis segundo a lei penal comum,
praticados com finalidade político subversiva (ex.: matar quem exerce autoridade,
roubo ou sequestro com fins políticos etc.). Só os crimes puramente políticos deixam
de ser considerados para efeito de reincidência.
Para os efeitos da contravenção considera-se reincidente quem foi anteriormente
condenado por crime (artigo 7.°, LCP).
Os dois crimes podem ser dolosos ou culposos, ou um doloso e outro culposo.
Se for declarada extinta a punibilidade do crime anterior, depois da condenação
transitada em julgado, há reincidência se novo crime vem a ser praticado, a menos que
a extinção da punibilidade ocorra por anistia ou por superveniência de lei que deixa de
considerar o fato como delituoso (abolitio criminis). É que nesses dois casos a extinção
da punibilidade faz desaparecer o próprio crime. Em todos os outros casos (art. 107,
CP), a extinção da punibilidade apenas exclui a possibilidade jurídica de imposição de
pena, deixando inalterável a qualificação do fato delituoso.
Para efeito de reincidência, não prevalece a condenação anterior, se, entre a data
do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior, tiver decorrido período de
tempo superior a cinco anos, computado o período de prova da suspensão condicional
da pena ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação (art. 64, I, CP).
No caso de suspensão condicional da pena e de livramento condicional, o prazo
se conta computando o período de prova, se não ocorrer revogação. Inclui-se na
contagem o dia do começo (art. 10, CP).
Vencido o prazo de cinco anos, o agente se considera primário se vier a praticar
novo crime, para todos os efeitos.
O motivo fútil e o motivo torpe aumentam a reprovabilidade do
comportamento, agravando a culpabilidade. Entende-se por motivo fútil aquele que é
evidentemente desproporcionado com a ação delituosa. É fútil o motivo incapaz de dar
ao fato explicação razoável.
Motivo torpe é aquele que ofende gravemente a moralidade média ou os
princípios éticos dominantes em determinado meio social. É torpe o crime praticado
mediante paga ou promessa de recompensa e o que se realiza por cupidez ou para saciar
desejos sexuais.
Da mesma forma, a agravante é aplicável ainda que não venha a ocorrer o crime
cuja execução, ocultação, impunidade ou vantagem o agente procurava facilitar ou
assegurar. Basta o fim de agir.
Também agrava obrigatoriamente a pena o fato de ser o crime praticado à
traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificultou
ou tornou impossível a defesa da vítima. São modos de execução que também
qualificam o homicídio (art. 121, § 2.°, IV, CP). A traição caracteriza-se pela perfídia
e pela deslealdade. A vítima é colhida de surpresa ante o ataque súbito e sorrateiro. Há
emboscada quando o agente aguarda, por determinado lapso de tempo, a vinda da
vítima ao lugar por onde deve passar. Há dissimulação quando o agente oculta o
propósito hostil.
A enumeração legal é exemplificativa, de modo que haverá agravante com o
emprego de qualquer outro recurso da mesma natureza, que dificultou ou tornou
impossível a defesa da vítima.
Também, agrava-se a pena quando o crime é praticado com o emprego de
veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que
podia resultar perigo comum. Meio insidioso é aquele capaz de iludir a vigilância da
vítima. Meio cruel é o que causa sofrimento desnecessário. Meio capaz de produzir
perigo comum é aquele que provoca probabilidade de dano a um número indeterminado
de pessoas e coisas. Exemplificativamente, a lei se refere a veneno, fogo, explosivo,
asfixia e tortura. Entende-se por veneno qualquer substância mineral, vegetal ou animal
que, introduzida no organismo, seja capaz de causar perigo à vida ou dano à saúde, por
meio de ação química, bioquímica ou mecânica. São venenos os gases tóxicos, os
ácidos e álcalis cáusticos, mas nesta categoria se incluem também o vidro moído e os
germes e suas toxinas. O fogo é meio cruel, pelos sofrimentos que acarreta e pela
capacidade de expansão, causando perigo comum. Explosivo é o meio que provoca
explosão, ou seja, o ato ou efeito de explodir ou de rebentar com estrondo e violência,
provocando deslocamento de ar. É meio cruel ou capaz de criar perigo comum.
A agravante do perigo comum não se aplica aos crimes que nele têm elemento
característico da conduta típica.
A asfixia é modo cruel de praticar o crime, que qualifica o homicídio, como as
demais circunstâncias previstas na letra d, do art. 61, CP. A asfixia resulta de obstáculo
à passagem do ar por meio das vias respiratórias ou dos pulmões. A asfixia pode ser
mecânica (enforcamento, imprensamento, estrangulamento) ou tóxica (produzida por
gases tóxicos).
A tortura revela culpabilidade extrema e é meio cruel por excelência. Consiste
na imposição de suplícios ou tormentos que obrigam a vítima a sofrer,
desnecessariamente. A Lei 9.455/97 definiu a tortura como crime autônomo.
Também se agrava a pena quando o crime é cometido contra ascendente,
descendente, irmão ou cônjuge. É que nesse caso o agente viola particulares deveres
oriundos do parentesco. É indiferente que o parentesco seja legítimo ou ilegítimo,
natural ou civil. Existem decisões no sentido de que a agravante do parentesco exige
prova documental, na forma da lei civil.
No caso de crime praticado contra cônjuge, exige-se naturalmente a prova do
casamento. A agravante não se aplica se o casal estava separado judicialmente, bem
como nas hipóteses de convivência estável.
A letra f do art. 61, II, CP, determina a agravação da pena quando o crime se
pratica com abuso de autoridade ou prevalecendo-se o agente de ralações domésticas,
de coabitação ou de hospitalidade. Consideram-se aqui situações pessoais que facilitam
a prática do crime e que implicam a violação de especiais deveres.
A autoridade que aqui se considera é a que decorre de relações privadas que
estabelecem dependência da vítima em relação ao agente. É o caso do empregador,
tutor ou curador. Relações domésticas são as que existem entre pessoas da família,
criando situações em que se afrouxa a vigilância e o crime pode ser praticado com maior
facilidade. Coabitação é a residência sob o mesmo teto. Há hospitalidade quando a
vítima é recebida como visita, condição que também torna mais fácil a prática do crime.
A hospitalidade não requer intimidade ou permanência demorada, bastando que tenha
ocorrido por mera cortesia.
Agrava-se também a pena quando o crime é praticado com abuso de poder ou
violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão. Já aqui se
considera em primeiro lugar o exercício abusivo de autoridade pública. Aqui o agente
desempenha cargo ou ofício público, como funcionário, ou deve ter praticado o crime
violando a confiança natural que se deposita em quem exerce cargo, ofício, ministério
ou profissão. Será, por exemplo, o crime praticado por médico ou por quem exerce
outra profissão como o joalheiro, que recebe uma joia para conserto. A expressão
“ministério” se refere ao exercício de função religiosa. Essa agravante, como as demais,
não se aplica se a condição pessoal do agente é elementar ao crime, como no peculato
(art. 312, CP).
O crime é agravado quando se pratica contra criança, velho, enfermo ou
mulher grávida. Atende-se aqui a um aspecto vitimológico, considerando a fragilidade
da pessoa atingida pela ação delituosa. Os critérios terão que ser relativos. O que se
considera é a menor capacidade de resistência da vítima. Criança é a pessoa que conte
até doze anos de idade incompletos (art. 2.º, Lei 8.069/90). Velho é com certeza quem
tem mais de 70 anos, mas não se exclui que assim se considere quem tenha idade
inferior e se apresente alquebrado e combalido. Enfermo será, no caso, a pessoa doente,
que tenha por força da doença, diminuída a capacidade de resistência, tornando-se presa
fácil.
Quanto à mulher grávida, considera-se que a gravidez se inicia com a ocorrência
da nidação (adesão do ovo ao endométrio, no útero materno) e termina com o início do
parto (rompimento do saco amniótico). Ressalte-se que esta agravante somente tem
aplicação se o agente tem ciência da gravidez.
Agrava-se ainda o crime pelo fato de ter ele sido praticado quando o ofendido se
achava sob imediata proteção da autoridade. Em tal situação se acha quem está
sendo guardado ou custodiado por agente do poder público.
Ainda, será agravada a pena se o crime é praticado em ocasião de incêndio,
naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública ou de desgraça particular
do ofendido. Aproveita-se aqui o agente de situação que lhe permite praticar com mais
facilidade o crime, pois em caso de calamidade ou desgraça, afrouxa-se a vigilância
sobre os bens e a própria pessoa, preocupada que está com a sua salvação, buscando
socorro. O incêndio, o naufrágio, a inundação ou a calamidade pública de que se trate
deve ter atingido a vítima do crime.
Finalmente, há embriaguez preordenada quando o agente se embriaga
deliberadamente para praticar o crime. Procura aqui o autor da ação delituosa romper
os freios inibitórios e buscar uma escusa. É indiferente o grau da embriaguez, mas deve
ela ter representado um contingente causal à ação criminosa. Se a embriaguez for
completa, teremos uma situação de actio libera in causa.
No que se refere às circunstâncias agravantes relativas ao concurso de pessoas,
deve receber uma pena agravada quem promove, organiza ou dirige a atividade dos
demais, porque são maiores a sua culpa e a sua responsabilidade no evento. Por igual,
será agravada a pena de quem coage outrem à execução material do crime. Se
irresistível for a coação, o caso será de autoria mediata, excluindo-se a responsabilidade
do coagido, que atua como longa manus. Se a coação for resistível, a pena do coagido
é atenuada (art. 65, III, c, CP).
Agrava-se ainda a pena se o agente instiga ou determina a cometer o crime
alguém sujeito à sua autoridade ou não punível em virtude de condição ou
qualidade pessoal (cf. n.° 207, supra). Se o agente executa o crime ou nele participa
mediante paga ou promessa de recompensa terá, também, por isso, a pena agravada.
O crime mercenário é sempre objeto de grave reprovabilidade.
Já as circunstâncias legais atenuantes estão previstas no art. 65, CP. São elas:
I - ser o agente menor de vinte e um anos na data do fato ou maior de setenta anos, na
data da sentença; II - o desconhecimento da lei; III - ter o agente: a) cometido o crime
por motivo de relevante valor social ou moral; b) procurado, por sua espontânea vontade
e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as consequências, ou ter,
antes do julgamento, reparado o dano; c) cometido o crime sob coação a que podia
resistir, ou sob influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima; d)
confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime; e) cometido o
crime sob a influência de multidão em tumulto, se, lícita a reunião, não provocou o
tumulto.
A enumeração das circunstâncias atenuantes não é taxativa. O art. 66, CP,
dispõe: “A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior
ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei”.
As circunstâncias legais atenuantes são de aplicação obrigatória. Elas atuam
diminuindo a reprovabilidade da ação e, pois, a culpabilidade. Não pode, porém, a pena
ser diminuída abaixo do mínimo da escala legal.
A primeira delas é ser o agente menor de 21 anos e maior de 70 anos. Frise-
se que os menores de 18 anos estão fora do Direito Penal, por serem inimputáveis.
Todavia, os menores de 21 anos e maiores de 18, na data do fato, estão beneficiados, se
cometem crime, por circunstância atenuante, que obrigatoriamente diminuirá a pena a
ser imposta. Atende-se aqui à imaturidade do agente, considerando que apresentam
personalidade em formação, não podendo ser responsabilizados como os adultos.
A comprovação da menoridade do agente deve ser feita por meio de prova
documental hábil.
Os maiores de 70 anos, na data da sentença, também são beneficiados com
atenuação obrigatória da pena, tendo-se em vista o enfraquecimento das funções
psíquicas que geralmente acompanha a senilidade.
A menoridade e a velhice produzem também outros efeitos: os prazos de
prescrição reduzem-se à metade (art. 115, CP). Além dessa, no regime vigente, cabe
sursis em penas de até quatro anos não só com relação aos idosos, mas também em
qualquer hipótese em que “razões de saúde justifiquem a suspensão” (art. 77, § 2.º, CP,
na redação dada pela Lei n.º 9714/98).
Quanto ao desconhecimento da lei, como vimos, é inescusável. Todavia, o
desconhecimento da lei (ignorância ou errada compreensão) constitui circunstância
atenuante. Entendeu o legislador de manter-se fiel à regra segundo a qual o
desconhecimento da lei não exclui a culpabilidade, atribuindo-lhe, no entanto,
relevância, para o efeito de declarar atenuada a reprovabilidade da ação, e, em
consequência, a pena aplicável. A atenuação não depende de ser o desconhecimento
da lei escusável.
Se o agente atuou movido por relevante (importante, considerável) motivo
de valor social ou moral, a pena será obrigatoriamente atenuada. Motivo de valor
social é o que atende aos interesses da vida coletiva. De valor moral será o motivo que
está de acordo com a moralidade e os princípios éticos dominantes. Há valor moral em
certos crimes praticados por motivos de honra.
O motivo de relevante valor social ou moral é causa de privilégio do crime de
homicídio, hipótese em que não se aplica a atenuante.
Se o arrependimento do agente ocorre antes da consumação do crime, há
exclusão de pena. Se após, pode haver o arrependimento posterior é causa especial de
diminuição da pena, nos crimes praticados sem violência, quando há reparação do dano
ou restituição da coisa.
Se, logo após o momento consumativo, o agente se arrepende, procurando, por
sua espontânea vontade e com eficiência, evitar-lhe ou minorar-lhe as consequências, a
pena será obrigatoriamente atenuada. Atende-se aqui à menor reprovabilidade que
revela, excepcionalmente depois que prática o crime, quem, passado o ímpeto da ação
delituosa, procura, com eficácia, diminuir ou evitar as consequências de sua ação.
Deve o arrependimento ocorrer logo após, ou seja, num lapso de tempo que não pode
ser exatamente quantificado e que se deve aferir pelos fundamentos da atenuação. Por
outro lado, é preciso que o arrependimento ocorra por espontânea vontade, ou seja, sem
que o agente tenha sido constrangido a atuar. O arrependimento tem de ser eficaz. De
nada valerão os esforços do agente se não conseguir ele efetivamente evitar ou diminuir
as consequências. A cessação do crime permanente ou habitual não tem qualquer
consequência.
Também a reparação do dano, antes do julgamento, atenua obrigatoriamente
a pena. Considera-se aqui a decisão de primeira instância. Para aplicação da atenuante
exige-se que a reparação do dano seja completa e que o agente não tenha sido obrigado
a realizá-la. Se a reparação se efetua em consequência de sentença judicial que, no
cível, tenha condenado o agente, nenhuma razão existe para atenuar a pena. A
atenuação prevalece se a vítima renuncia à reparação ou a recusa injustificadamente.
A coação física irresistível exclui a ação e a coação moral irresistível exclui a
culpabilidade, pois não é, nesses casos, exigível do agente conduta diversa. Porém, se
a coação física ou moral é resistível, ou seja, se ela não suprime por completo a
possibilidade de atuação da própria vontade, mas a diminui, a pena será atenuada. É
menor, nesse caso, a reprovabilidade do comportamento. Para saber se a coação era ou
não resistível, não se considera aqui um abstrato modelo, ou homo medius, mas sim a
capacidade do agente concreto, nas condições em que atuou.
Atenua também a pena o fato de ter o agente cometido o crime sob a
influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima. A emoção e a
paixão integram a psicologia do homem normal e não excluem a imputabilidade (art.
28, I, CP). Como já dito, emoção é um estado afetivo que produz momentânea
perturbação da personalidade. Afeta o equilíbrio psíquico, ou seja, o processo ideativo,
acarretando alterações somáticas, com fenômenos neurovegetativos (respiratórios,
vasomotores, secretores etc.) e motores (expressões ou mímicas).
Se se trata de homicídio e o agente o pratica sob domínio de violenta emoção
logo em seguida a injusta provocação da vítima, o crime é privilegiado (art. 121, § 1.°,
CP) e não se aplica a atenuante.
A lei exige que a emoção seja violenta, ou seja, que se trate de emoção grande,
capaz de influir sobre os freios inibitórios. Todavia, não se requer que a emoção surja
logo após ato injusto da vítima.
Além desses, se o réu espontaneamente confessa a autoria do crime, colabora
com a justiça e revela arrependimento que se reflete na minoração da pena. Como logo
se percebe, são razões de oportunidade e conveniência que aqui movem o legislador,
que busca estimular o comportamento do agente, levando-o a cooperar com a realização
da justiça.
É de mister que a confissão seja espontânea, sem que se indaguem os motivos
que a determinaram. Todavia, se o agente confessa sob pressão policial, nenhuma
atenuante será aplicável. É indispensável que a confissão se faça perante a autoridade.
Por fim, atenua-se a pena se o crime é cometido sob a influência de multidão
em tumulto, se, lícita a reunião, não provocou o agente o tumulto. Atenua-se a pena
porque é menor a culpabilidade de quem atua sob influência de multidão. A atenuante
só se aplica se a reunião era lícita e se o agente não provocou o tumulto.

5.3. Técnicas de fixação da pena


A determinação da pena a ser imposta faz-se em três etapas ou fases. Na
primeira, o juiz fixa a pena-base, com os critérios do art. 59, CP. Em seguida, considera
se existem, ou não, circunstâncias agravantes ou atenuantes legais, que
obrigatoriamente aumentam ou diminuem a pena, realizando, se elas estão presentes, a
operação de aumentar ou diminuir a pena-base. Finalmente, o juiz considerará se
existem, ou não, majorantes e minorantes (art. 68, CP).
Na fixação da pena de multa, deve o juiz atender principalmente à situação
econômica do condenado (art. 60, CP). Trata-se aqui de assegurar, na medida do
possível, a igualdade da pena, que necessariamente atinge de forma diversa pobres e
ricos. O critério de dias-multa é incomparavelmente superior, permitindo aplicar a pena
em base igualitária. O valor do dia-multa varia conforme a renda e o patrimônio do
réu, de modo que à mesma quantidade de dias-multa correspondem valores inteiramente
diversos, conforme a situação pessoal de cada acusado.
Os limites do dia-multa estão previstos no artigo 49, § 1.°, CP: não pode ele ser
inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente à época do fato, nem
superior a cinco vezes este salário. Assim, o limite máximo do valor de cada dia-multa
é de cinco salários mínimos (art. 60, § 1.°, CP). As penas de multa são atuais e
constituem instrumento eficaz de resposta penal.
A multa pode ser aumentada até o triplo, se o juiz considera que, em virtude da
situação econômica do réu, é ineficaz, embora aplicada no máximo (art. 60, § 1.°, CP).
O valor da multa será atualizado, quando da execução, pelos índices de correção
monetária (art. 60, § 2.°, CP).
O art. 67, CP, dispõe que “no concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve
aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se
como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do
agente e da reincidência”.
Prevalecem, portanto, quando ocorrem ao mesmo tempo circunstâncias que
agravam e circunstâncias que atenuam, as de caráter subjetivo. A menoridade merece
destaque especial. Ela prepondera sobre qualquer outra circunstância subjetiva,
inclusive a reincidência. Pela aplicação da circunstância atenuante da menoridade, a
pena não pode ser reduzida abaixo do mínimo.
Quando ocorrem agravantes ou atenuantes genéricas, que incidem sobre a pena-
base, a terceira etapa do cálculo é o cômputo das causas de aumento ou de diminuição,
previstas na Parte Geral ou na Parte Especial (art. 68, CP).
Na Parte Geral, temos causas de aumento ou de diminuição no art. 14, parágrafo
único, segundo o qual na tentativa aplica-se a pena do crime consumado, reduzida de
um a dois terços; no art. 24, § 2.°, que permite seja a pena reduzida, de um a dois terços,
se não se configura o estado de necessidade, por entender o juiz que era razoável exigir-
se o sacrifício do direito ameaçado; no art. 26, parágrafo único, que permite reduzir a
pena do semi-imputável, de um a dois terços; no art. 28, § 2.°, que também permite a
mesma redução no caso de embriaguez incompleta, resultante de caso fortuito ou força
maior; nos arts. 70 e 71, segundo os quais se aumenta a pena de um sexto até metade,
no concurso formal homogêneo, e de um sexto a dois terços, no crime continuado. As
regras do concurso formal são também aplicáveis no caso de erro na execução (art. 73,
in fine) e no de resultado diverso do pretendido (art. 74, in fine). No caso de pena de
multa o juiz pode elevar o quantum até o triplo (art. 60, § 1.°).
No concurso entre causas de aumento ou de diminuição previstas na Parte
Especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo,
todavia, a causa que mais aumente ou diminua. Assim, por exemplo, se um roubo é
praticado com emprego de arma e mais com o concurso de duas ou mais pessoas (art.
157, § 2.°, I e II), ocorrem duas causas de aumento. O juiz pode aplicar uma só (artigo
68, parágrafo único, CP).

6. Concurso de crimes

Há concurso de crimes quando mais de um crime é praticado, mediante unidade


ou pluralidade de ações. Existem dois sistemas principais que estabelecem regras para
resolver o concurso de crimes: o primeiro é o do concurso material (ou real), que
determina sejam somadas as penas dos diversos crimes (cúmulo material); o segundo é
o do concurso formal (ou ideal), que implica a aplicação de uma só pena,
correspondente a um só dos crimes, se idênticos (concurso homogêneo) ou ao mais
grave deles, se diversos (concurso heterogêneo), aumentada, porém, de quantum
determinado (exasperação).
O CP vigente adotou o princípio do concurso material e do concurso formal,
que distingue conforme os diversos crimes sejam praticados com mais de uma ação ou
com uma só ação. Pode haver concurso entre crime doloso e crime culposo; entre crime
consumado e tentado; entre crime comissivo e omissivo; entre crime e contravenção.
Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais
crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas em que haja incorrido
(art. 69, CP). Aqui, o agente, por exemplo, furta e pratica um estupro, duas ações
distintas que conduzem à aplicação de ambas as penas. Se os crimes são idênticos, o
concurso material se diz homogêneo. Dispõe o código que no caso de aplicação
cumulativa das penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela. A duração
das penas aplicadas em concurso não pode exceder o limite de quarenta anos.
No caso de concurso material, se, por um dos crimes cometidos, o agente
receber pena privativa da liberdade, sem que lhe tenha sido concedida a suspensão
condicional da pena, será incabível para os outros crimes, a substituição da pena
privativa da liberdade, por pena restritiva de direitos (art. 69, § 1.°). Se, em virtude do
concurso material, o agente receber mais de uma pena restritiva de direitos, pelos
diversos crimes, cumprirá simultaneamente as que forem compatíveis entre si, e
sucessivamente as penas que não puderem ser simultaneamente cumpridas (art. 69, §
2.°).
Diferentemente, há concurso formal quando o agente, mediante uma só ação
ou omissão, pratica mais de um crime. É o caso de quem, com um só golpe, mata duas
pessoas. Se as penas são diversas, aplica-se somente a mais grave; se as penas são
idênticas, aplica-se somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto
até metade. É a regra da exasperação.
Se a ação ou omissão for dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios
autônomos, as penas se aplicam cumulativamente (art. 70, in fine). Nesse caso, uma
ação única corresponde a diversas ações, pelo componente subjetivo que a inspira. A
solução jurídica é aqui a mesma do concurso material, com a soma das penas. Entendeu
o legislador que, havendo desígnios autônomos, ou seja, vontade deliberadamente
dirigida aos diversos fins, não se justifica a diminuição da pena, porque subsiste íntegra
a culpabilidade pelos fatos diversos. A expressão desígnio exclui o dolo eventual.
Não se aplica a diminuição, no caso da pena de multa. As penas não privativas
da liberdade são aplicadas distinta e integralmente, ainda que previstas para um só dos
crimes concorrentes (art. 72, CP).

A regra do concurso formal existe para beneficiar o agente. Por meio dela se
exclui o cúmulo material que poderia, em concreto, conduzir a pena injusta,
inteiramente desproporcional com a gravidade dos crimes praticados. Todavia, pode
ocorrer que a regra do concurso formal seja, concretamente, mais grave do que a do
concurso material. Imagine-se que o réu cometa um homicídio e uma lesão corporal
em concurso, mediante uma só ação. A lei manda neste caso que se aplique somente a
pena do crime mais grave (homicídio), aumentada de um sexto à metade. Toma-se por
base a pena do homicídio (crime mais grave) que, aumentada de um sexto, pode
representar um aumento de pena maior do que a pena do crime de lesões corporais
simples. É um resultado incongruente. Em tal caso a pena não pode exceder à que seria
cabível pela regra do concurso material (art. 70, parágrafo único, CP).

6.1. Crime continuado

O direito antigo não conhecia o crime continuado. Não encontramos, nem no


direito romano, nem no germânico ou no canônico disposições que nos levem a crer
que em tais sistemas se conhecia o crime continuado. A noção de crime continuado foi
introduzida tardiamente pelos práticos italianos, visando mitigar as penas do furto, que,
praticado por terceira vez, implicava na morte pela forca.
O CP adotou a chamada teoria puramente objetiva, que exclui do conceito
elementos subjetivos (v. item 59 da Exposição de Motivos da Parte Geral). Assim, é
continuado o crime quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica
dois ou mais crimes da mesma espécie, e pelas condições de tempo, lugar, maneira de
execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação
do primeiro.
É necessário que os vários crimes sejam da mesma espécie e estejam ligados
por certos elementos objetivos homogêneos, tais como as mesmas condições de tempo
e lugar ou de maneira de execução e outras semelhantes.
Crimes da mesma espécie não são apenas aqueles previstos no mesmo artigo de
lei, mas também aqueles que ofendem o mesmo bem jurídico e que apresentam, pelos
fatos que os constituem ou pelos motivos determinantes, caracteres fundamentais
comuns. Assim, é possível a continuação entre furto e roubo, entre roubo e extorsão,
entre estelionato e qualquer outra fraude.
A pena do crime continuado é a que corresponde a um só dos crimes, se
idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a
dois terços. O aumento da pena pela continuação é a última etapa do cálculo.
Se os crimes que compõem a continuação forem dolosos, contra vítimas
diferentes, e cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, o juiz, considerando
os elementos que orientam a determinação da pena, pode aplicar sanção mais grave.
Ele pode aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se
diversas, até o triplo (art. 71, parágrafo único, CP). A pena resultante não pode ser
superior à que resultaria se fosse aplicada a regra do concurso material.
As penas de multa em que haja incorrido o autor de crime continuado aplicam-
se integralmente (art. 72, CP), sem os favores da punição mitigada.

6.2. Resultados aberrantes

Erro na execução é que surge por acidente ou erro nos meios de execução
(aberratio ictus), conforme o art. 73, CP. Nesse caso, não há falsa representação da
realidade, diversamente do que ocorre com o erro sobre o objeto. O erro que versa
sobre o objeto é acidental, sendo irrelevante (art. 20, § 3.°, CP). No erro na execução,
há um desvio no golpe, por imperícia ou por acidente no momento do ataque. Duas
situações podem ocorrer: (a) o agente atinge pessoa diversa; (b) o agente atinge também
a pessoa visada. Se o agente atinge pessoa diversa (A pretendia matar B, mas a sua
imperícia o leva a alvejar C) responde como se tivesse atingido a pessoa que visava.
Consideram-se neste caso as qualidades e condições pessoais da pessoa visada, se
apresentam relevância (ex.: crime contra ascendente, contra criança etc.). A rigor, essa
situação poderia configurar um crime de homicídio tentado em concurso com um crime
de homicídio culposo, mas nossa lei considera o fato um crime único, como se tivesse
sido atingida a pessoa visada.
A segunda hipótese é aquela em que o agente atinge também a pessoa visada.
Nesse caso, há um concurso de crimes, aplicando-se a regra do concurso formal.
Já o art. 74, CP, se refere à hipótese em que vem a ser atingido bem jurídico de
diversa espécie (aberratio delicti): “fora dos casos do artigo anterior, quando, por
acidente ou erro na execução do crime, sobrevém resultado diverso do pretendido, o
agente responde por culpa se o fato é previsto como crime culposo; se ocorre também
o resultado pretendido, aplica-se a regra do art. 70, § 1.°”. No caso de aberratio ictus
(erro na execução), a lei manda que o agente responda como se tivesse atingido a pessoa
visada. Quando não se trata de pessoa, mas de ofensa a outro bem jurídico, o agente
responde a título de culpa por essa ofensa a bem diverso, se o fato é punível a título de
culpa.
Assim, se A quer quebrar uma vitrine e, realizando a ação, vem também a ferir
B, que estava nas proximidades, praticará o crime de dano (artigo 163) em concurso
formal com o de lesão corporal culposa (art. 129, § 6.°). Se pretendia A matar B e
apenas quebrou a vitrina, praticará tentativa de homicídio tão-somente, pois não há
crime de dano culposo.
Por fim, cabe ressalvar que, no concurso de infrações, executa-se primeiramente
a pena mais grave (art. 76, CP). No concurso entre crime e contravenção, executa-se
em primeiro lugar a pena correspondente ao crime. As penas não privativas da
liberdade se cumprem integralmente, não estando submetidas às regras do concurso de
crimes. Se há ofensa ao mesmo bem jurídico, o crime absorve a contravenção.

7. Suspensão condicional da pena

7.1. Conceito, evolução e natureza

A suspensão condicional da pena como existe em nosso direito é de origem


europeia. Em 1884, Bérenguer, por meio de um projeto, tenta introduzir, na França, o
sursis à l’execution de la peine, que foi transformado em lei na Bélgica em 1888. Na
própria França o instituto só foi acolhido em 1891, difundindo-se, então, o chamado
sistema franco-belga, largamente.
O sistema franco-belga do sursis significa a suspensão da execução da pena e
pressupõe condenação anterior. O juiz fixa a pena e declara o réu condenado; apenas
suspende, por determinado período de tempo, a execução. Se for vencido o prazo do
período de prova sem que o condenado venha a praticar novo crime, declara-se extinta
a pena.
As razões de ser do instituto são evidentes. Procura-se afastar da prisão o
condenado primário, não perigoso, reconhecendo o efeito altamente nocivo do
encarceramento, que degrada e humilha, favorecendo a reincidência. Busca-se, por
meio do sursis, facilitar a ressocialização do condenado, não o afastando da família, do
emprego e da comunidade em que vive. Trata-se da mais importante medida de política
criminal incorporada a nosso código.No Brasil, a suspensão condicional da pena foi
introduzida com o Decreto n.° 16.588, em 06 de setembro de 1924.
A suspensão condicional da pena é incidente da execução. Reunidos os
pressupostos da lei constitui ela direito subjetivo do condenado e não medida facultativa
que depende do arbítrio do julgador. Se a pena imposta é de até dois anos e o
sentenciado não sofreu condenação anterior por crime a pena privativa da
liberdade, o juiz obrigatoriamente terá de manifestar-se sobre a suspensão condicional,
concedendo-a ou denegando-a e dando, em qualquer caso, os motivos da decisão. (art.
157, Lei de Execução Penal).

7.2. Requisitos e revogação

O art. 77, CP, estabelece os requisitos da suspensão condicional da pena.


É requisito objetivo que se trate de pena privativa da liberdade até dois anos,
inclusive. O sursis é admissível no caso de concurso de crimes, mas a jurisprudência
afirma que deve-se operar soma das penas (no concurso material) ou considerar a
exasperação da pena (no crime continuado ou concurso formal), não podendo a pena
final exceder dois anos. A suspensão não se estende à pena de multa e às penas
restritivas de direitos (art. 80, CP).
Os requisitos subjetivos são dois: primeiramente, é necessário que o
condenado não seja reincidente em crime doloso. A anterior condenação por crime
culposo não impede a concessão do benefício. Por igual, a anterior condenação à pena
de multa também não impedirá que o juiz conceda o sursis (art. 77, § 1.°, CP).
O segundo requisito subjetivo é a prognose de suficiência da medida, que se
refere a um juízo de necessidade e suficiência que afasta a execução da pena. Deve-se
ter em conta a personalidade do condenado, os motivos e circunstâncias do crime.
Manda a lei que nesse juízo de suficiência o juiz considere se é o caso de substituir a
pena privativa por uma pena restritiva de direitos (prestação pecuniária, perda de bens
e valores, prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, interdição
temporária de direitos ou limitação de fim de semana).
Após a edição da Lei n.° 9.268/96, que aboliu a conversibilidade da pena de
multa não paga em prisão, não há restrição à concessão de sursis ao condenado
inadimplente. Por igual, o não pagamento da multa, sendo o réu solvente, deixa de ser
causa de revogação do sursis (art. 81, II, CP). Caso contrário, estar-se-ia mantendo a
possibilidade da prisão decorrente da multa não satisfeita, que a nova lei veda. Se ao
sentenciado for imposta pena superior a dois anos, que, posteriormente, venha a ser
reduzida, por graça ou indulto parcial, integrando-se no limite de dois anos, pode a
suspensão condicional ser concedida.
As causas de revogação estão previstas no art. 81, CP. A revogação do sursis é
obrigatória (caput) ou facultativa (§ 1.°).
Assim é que, nos termos da lei, obrigatoriamente se revoga a suspensão se o
beneficiário é condenado, por sentença irrecorrível, por crime doloso, ou se frustra,
embora solvente, a execução da pena de multa, ou não efetua, sem motivo justificado,
a reparação do dano. Também será necessariamente revogado o sursis se o condenado
deixar de cumprir a pena restritiva de direito a que deverá submeter-se no primeiro ano
(art. 78, § 1.°, CP). Estas são as causas de revogação obrigatória do sursis.
A condenação superveniente por crime doloso obriga a revogar a suspensão
condicional da pena. Se a condenação for por crime culposo ou por contravenção, a
pena privativa da liberdade ou restritiva de direitos, a revogação é apenas facultativa
(art. 81, § 1.°, CP). É indispensável, no caso de condenação por crime doloso, que a
sentença condenatória seja definitiva. No caso de sentença condenatória recorrível,
prorroga-se o prazo de suspensão, enquanto durar o processo pelo outro crime (art. 81,
§ 2.°, CP).
Segundo o art. 81, II, CP, o não pagamento da multa implicaria a revogação do
sursis, se o condenado fosse solvente. Neste caso, impunha-se a prévia notificação para
o pagamento, devendo ser promovida a cobrança judicial. No entanto, o art. 81, II, CP
foi tacitamente revogado, em sua primeira parte, com o advento da Lei 9.268/96, pois
a falta de pagamento da multa penal não pode, de modo algum, acarretar prisão.
A suspensão condicional da pena também é obrigatoriamente revogada se o
condenado deixar de efetuar a reparação do dano sem motivo justificado. A insolvência
do apenado é motivo justificado, jamais podendo implicar revogação do benefício.
A revogação também será obrigatória se o condenado deixar de cumprir a pena
de serviços à comunidade ou a pena de limitação de fim de semana, que acaso lhe tenha
sido imposta pelo juiz, no primeiro ano do prazo. A revogação aparece aqui como
sanção do descumprimento da pena restritiva de direitos.
A Lei de Execução Penal também contempla outra causa de revogação
obrigatória do sursis: o não comparecimento do condenado à audiência admonitória
(art. 161). A elevação da pena pelo tribunal, em grau de recurso, acima do limite
de dois anos, eliminará a possibilidade de concessão do beneficio.
Ao lado das causas de revogação obrigatórias, a lei contempla outras meramente
facultativas. Assim é que o juiz pode revogar o sursis: se o sentenciado descumpre
qualquer outra condição imposta na sentença; se é irrecorrivelmente condenado, por
crime culposo ou por contravenção, a pena privativa da liberdade ou restritiva de
direitos.
Nesses casos a revogação fica entregue ao poder discricionário do juiz, que
pode, ao invés de decretá-la, prorrogar o período de prova até o máximo, se este não foi
o fixado (art. 81, § 3.°, CP). O juiz pode também não decretar a prorrogação do prazo
e advertir o beneficiário ou exacerbar as condições (art. 158, § 2.°, Lei de Execução
Penal).
A condenação irrecorrível por crime culposo ou por contravenção, mesmo
sendo imposta pena de prisão, não impede que o sursis seja concedido por uma segunda
vez nessa segunda condenação.
Se o beneficiário do sursis vier a ser processado por novo crime ou
contravenção, considera-se prorrogado o prazo de suspensão até o julgamento
definitivo. Nesse caso a prorrogação se efetua automaticamente. Ser processado
significa ser acusado em ação penal.

7.3. Período de prova

A suspensão condicional da pena se faz por um período de tempo que vai de


dois a quatro anos. O juiz fixará, dentro desse limite, o tempo do período de prova,
atendendo aos elementos que lhe permitem suspender a execução, ou seja, aos
antecedentes e à personalidade do sentenciado, aos motivos e às circunstâncias do
crime.
Durante a suspensão fica o beneficiário obrigado ao cumprimento das condições
especificadas na sentença (condições judiciais) e às condições fixadas pela lei
(condições legais).
O juiz só pode dispensar o cumprimento das penas de trabalho comunitário ou
limitação de fim de semana, se forem inteiramente favoráveis ao condenado as
condições do art. 59, e se houver ele reparado o dano, se podia fazê-lo. Esta modalidade
é conhecida como sursis simples ou comum. Caso sejam dispensadas as penas
substitutivas, no primeiro ano, estar-se-á diante do sursis especial, no qual o juiz
imporá ao condenado cumulativamente: (a) proibição de frequentar determinados
lugares; (b) proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz;
(c) comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e
justificar suas atividades.
Além das condições previstas no art. 78, § 2.°, CP, o juiz pode impor outras
“desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do condenado”. Pode-se aqui impor
a obrigação de tomar ocupação, dentro de prazo razoável, se o condenado for apto para
o trabalho.
Já o art. 77, § 2º, do CP, estabelece o sursis simples ou por razões de saúde, ao
determinar que a execução da pena privativa de liberdade, não superior a quatro anos,
poderá ser suspensa, por quatro a seis anos, desde que o condenado seja maior de setenta
anos de idade, ou razões de saúde justifiquem a suspensão.

7.4. Extinção da pena privativa da liberdade

Se expirar o prazo do período de prova sem que tenha sido revogada a suspensão
condicional, não mais se executa a pena privativa da liberdade, que será extinta. Essa
extinção não depende de decisão judicial. A extinção ocorre na data em que expira o
prazo do período de prova, possuindo a decisão que a reconhece natureza meramente
declaratória.

8. Livramento condicional

8.1. Conceito, evolução e natureza

Livramento condicional é a liberação antecipada, mediante determinadas


condições, do condenado que cumpriu uma parte da pena que lhe foi imposta. No
antigo direito inglês era conhecida a prática de liberar o preso, submetendo-o a regime
de aprendizado com empregadores, que o alojavam e alimentavam em troca do trabalho.
Os que se comportavam mal voltavam à prisão. Empregado inicialmente para
delinquentes juvenis, o sistema estendeu-se mais tarde aos adultos. O livramento
condicional era parte do sistema progressivo elaborado por Maconochie, a que já
aludimos. Na França, desde 1832 empregava-se o livramento condicional para menores
delinquentes, sendo ele introduzido para adultos em 1885, por iniciativa de Bonneville
de Marsangy. Na Europa, o sistema progressivo difundiu-se largamente. Nos Estados
Unidos, um sistema de livramento condicional foi adotado no reformatório de Elmira,
em 1869. O Estado de Ohio, em 1884, foi o primeiro a contemplá-lo como regime de
todas as prisões. Em 1910 o sistema federal também o incorporou.
No Brasil, o livramento condicional realmente aparece em nossa legislação com
o Decreto n.° 16.665, de 06 de novembro de 1924. No sistema do código, o livramento
só podia ser concedido se a pena imposta era superior a seis anos. No regulamento de
1924 a pena passou a ser de quatro anos.
Tal como a suspensão condicional da pena, o livramento condicional é também
incidente da execução, representando para o condenado que satisfaz as condições
exigidas pela lei, direito subjetivo. O livramento condicional implica uma renúncia
condicionada e revogável do Estado à execução da pena. Essa renúncia obedece a
razões de política criminal, tendo-se em vista as realidades do sistema penitenciário.
Advoga-se hoje a concessão do benefício o quanto antes. É certo que a reincidência é
mais provável com o encarceramento do que sem ele, e que ela é tanto mais provável,
nos casos de prisão, quanto mais tempo esta dura. O livramento condicional é a última
etapa do regime progressivo.

8.2. Requisitos e revogação

Os requisitos do livramento condicional são objetivos e subjetivos. Os


requisitos objetivos relacionam-se com a pena imposta e com a reparação do dano. Os
requisitos subjetivos relacionam-se com a pessoa do condenado.
A pena imposta tem de ser igual ou superior a dois anos. Para alcançar o limite
de dois anos, as penas que correspondem a infrações diversas podem somar-se (art. 84,
CP). É indiferente que as penas diversas tenham sido impostas no mesmo processo ou
em processos distintos.
As condições que a lei estabelece para o livramento condicional são as
seguintes:
→ o condenado deve ter cumprido mais de um terço da pena, se não é reincidente e se
tem bons antecedentes;
→ o condenado deve ter cumprido mais de metade da pena se for reincidente em
crime doloso;
→ comprovado:
a) bom comportamento durante a execução da pena;
b) não cometimento de falta grave nos últimos 12 (doze) meses;
c) bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído;
d) aptidão para prover a própria subsistência mediante trabalho honesto;
→ o condenado deve ter reparado o dano causado pela infração, salvo efetiva
impossibilidade de fazê-lo.
→ cumprido mais de dois terços da pena, nos casos de condenação por crime
hediondo, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e
terrorismo.
Desse dispositivo, de correm as três espécies de livramento condicional: o
especial (cumprido um terço da pena), o ordinário (cumprida metade da pena) e o
extraordinário (cumprido dois terços da pena).
Reunidos os pressupostos gerais, pode-se conceder o livramento condicional
cumprido um terço da pena, desde que o condenado não seja reincidente e tenha bons
antecedentes.
Os bons antecedentes que a lei exige devem ter ocorrido à época do crime e
devem estar reconhecidos pela sentença.
Se o condenado for reincidente em crimes dolosos, o livramento condicional
pode ser concedido, se ocorrem os pressupostos gerais, desde que tenha sido cumprida
mais da metade da pena privativa de liberdade. É o livramento condicional ordinário.
Se o condenado não for reincidente, mas tiver maus antecedentes, não se
enquadra em qualquer das duas espécies, tendo havido aqui um lapso manifesto.
Parece-nos que, neste caso, deve o condenado fazer jus ao livramento condicional,
cumprido um terço da pena. Será aqui inconcebível uma solução que prejudique o
condenado. O cumprimento de metade da pena só é exigível para os reincidentes.
Em se tratando de crime hediondo, prática da tortura, tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, e terrorismo, o livramento condicional só poderá ser
concedido após o cumprimento de dois terços da pena, ainda assim somente se o
condenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza (art. 83, V, CP). Se
o condenado for reincidente específico, não tem direito a livramento condicional, o que
é agravado pela impossibilidade de progressão de regime, tendência que os tribunais
têm adotado, com a qual não se pode concordar.
A revogação do livramento pode ser obrigatória ou facultativa. Causa de
revogação obrigatória é a condenação do liberado a pena privativa da liberdade
(reclusão ou detenção), em sentença irrecorrível:
a) por crime cometido na vigência do benefício;
b) por crime anterior, sem prejuízo de que a nova pena se some à anterior, para
efeito da concessão do livramento.
A revogação só é obrigatória se a condenação for a pena privativa da liberdade.
Se se tratar de outra pena, a revogação será apenas facultativa.
A condenação à pena de multa não implica a revogação do livramento. Como
vimos, o crime cometido durante o benefício suspende o curso deste, podendo o juiz
ordenar a prisão do liberado (art. 145, Lei de Execução Penal). Se a revogação for
motivada por infração penal anterior à vigência do livramento, computar-se-á como
tempo de cumprimento da pena o período de prova, sendo permitida, para a concessão
de novo livramento, a soma do tempo das duas penas (art. 141, Lei de Execução Penal).
São causas de revogação facultativas:
a) descumprimento de qualquer das obrigações impostas pela sentença;
b) condenação irrecorrível por crime ou contravenção a pena que não seja
privativa da liberdade. Neste caso, tanto faz que o crime tenha sido praticado antes ou
durante o benefício.
O juiz pode, em vez de revogar o livramento, advertir o liberado ou exacerbar
as condições que lhe foram impostas (art. 140, parágrafo único, Lei de Execução Penal).

8.3. Condições

Em princípio não se pode conceder o livramento condicional sem o


cumprimento das condições estipuladas nos incisos III e IV do art. 83, CP.
Exige-se que o condenado tenha comportamento satisfatório durante a execução
da pena. É significativo que se tenha falado em comportamento satisfatório e não bom
comportamento, como se fazia no regime da lei anterior. A boa conduta foi aqui
imaginada como indício de readaptação social, mas é bastante claro que o
comportamento do condenado no ambiente carcerário pode não ter nenhuma relação
com a sua recuperação social. Trata-se de ambiente autoritário e anormal, que deforma
a personalidade. O bom comportamento dependerá, em grande parte, das condições que
oferece a instituição e dos que a dirigem, com toda a problemática complexa de
transformação e ajustes (ou desajustes) que causa a instituição total. Na avaliação do
comportamento satisfatório é sempre importante considerar o conjunto da vida do preso
no estabelecimento, o qual não pode ser prejudicado por um fato isolado e sem maior
gravidade.
Exige-se ainda aptidão para prover à própria subsistência mediante trabalho
honesto. Não é necessário que o condenado tenha proposta de emprego. O que se requer
é aptidão, ou seja, capacidade para conseguir trabalho honesto. Todos sabem como é
difícil ao que sai do cárcere obter emprego. O trabalho a que o preso se dedica na prisão,
quando existe, parece não ter nenhuma significação, em termos de aprendizado e
experiência, para a vida em liberdade.
Exige-se, por outro lado, para concessão do benefício, que o condenado tenha
reparado, salvo impossibilidade de fazê-lo, o dano causado pela infração.
Exigência especial aparece em relação aos que foram condenados por crime
doloso, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa. Para estes, a concessão do
livramento condicional fica também subordinada “`a constatação de condições pessoais
que façam presumir que o liberado não voltará a delinquir” (art. 83, parágrafo único,
CP).
O propósito do legislador foi o de dificultar o livramento condicional dos que
praticaram crimes violentos. Ao juiz cabe constatar se o condenado apresenta, ou não,
condições pessoais que permitam supor que não voltará a delinquir.

8.4. Suspensão do livramento condicional. Efeitos de nova condenação

Revogado o livramento, não pode ser novamente concedido, e, salvo quando a


revogação resulta de condenação por outro crime ou contravenção anterior àquele
benefício, não se desconta na pena ou tempo em que esteve solto o condenado (art. 88,
CP e arts. 141 e 142, Lei de Execução Penal).
Se a revogação deflui de condenação por outro crime cometido antes da
concessão do benefício, desconta-se da pena que falta cumprir o tempo em que esteve
em liberdade o condenado. Neste caso, a pena restante pode ser somada à nova pena,
para obtenção de novo livramento condicional.
Se a revogação deflui de nova condenação por crime ou contravenção cometidos
durante a vigência do livramento, não se desconta da pena restante o tempo em que o
sentenciado ficou em liberdade. Novo livramento só pode ser concedido para a nova
pena. Também não se desconta da pena restante o tempo de liberdade, se a revogação
ocorreu por descumprimento das condições ou inobservância das obrigações.

8.5. Prorrogação do livramento e extinção da pena

O livramento condicional será concedido mediante requerimento do condenado,


de seu cônjuge ou de parente em linha reta ou por proposta do diretor do
estabelecimento penal, ou, ainda, por iniciativa do Conselho Penitenciário.
O requerimento será instruído com informação do diretor do estabelecimento
em que tenha estado o condenado, bem como com parecer do Conselho Penitenciário,
analisando as condições de admissibilidade, conveniência e oportunidade para a
concessão do benefício (art. 70, I, Lei de Execução Penal). O diretor do
estabelecimento enviará ao Conselho Penitenciário minucioso relatório sobre o caráter
do sentenciado, revelado por seus antecedentes e conduta na prisão; o procedimento do
liberando na prisão, sua aplicação ao trabalho e seu trato com os companheiros e
funcionários do estabelecimento: suas relações com a família e com estranhos; seu grau
de instrução e aptidão profissional, com a indicação dos serviços em que haja sido
empregado e da especialização anterior ou adquirida na prisão; sua situação financeira,
e seus propósitos quanto ao seu futuro meio de vida, juntando o diretor, quando dada
por pessoa idônea, promessa de colocação do liberando, com indicação de serviço e
salário.
Cumpre ao juiz das Execuções a decisão sobre o livramento, ouvidos o
Ministério Público e Conselho Penitenciário (art. 131, Lei de Execução Penal). O
livramento condicional é incidente da execução e cabe ao juiz resolver sobre ele, em
decisão motivada, de que cabe recurso de agravo em execução, sem efeito suspensivo
(LEP, art. 197). Tal decisão ponderará se o sentenciado preenche os requisitos legais,
devendo o juiz ter presente as perspectivas que se oferecem para sua vida em liberdade
sem a prática de novos crimes. Não existe, é óbvio, aqui, para o juiz, um poder
arbitrário.
A sentença deve especificar as condições a que fica subordinado o livramento
(art. 85, CP). O juiz atenderá as condições a que alude o art. 132, §§ 1.° e 2.°, Lei de
Execução Penal, entre as quais se incluem a de tomar ocupação, dentro de prazo
razoável, se for apto para o trabalho, e a de não mudar do território da jurisdição do juiz
sem prévia autorização deste. Ao liberado se impõe a obrigação de periodicamente
comunicar ao juiz ou ao diretor do estabelecimento penal a sua ocupação, os salários
ou proventos de que vive, as economias que conseguiu realizar e as dificuldades com
que luta para manter-se.
Manda a lei que se realize cerimônia solene para o livramento condicional.
Nessa cerimônia a sentença que concede o benefício é lida para o liberando, que será
advertido para as condições que lhe são impostas e deve declarar que as aceita (art. 137,
Lei de Execução Penal).
O livramento condicional tem a duração do restante da pena que o liberando
deveria cumprir. Se findo esse prazo sem que o benefício tenha sido revogado,
considera-se extinta a pena privativa de liberdade (art. 90, CP). Todavia, não pode o
juiz declarar extinta a pena, enquanto não passar em julgado a sentença em processo a
que responde o liberado, por crime ou contravenção cometidos na vigência do
livramento (art. 89, CP). Se se tratar de processo por crime ou contravenção cometidos
antes do livramento, a pena se extinguirá, findo o prazo, mesmo que o processo esteja
ainda em andamento. A pena é extinta pelo decurso do tempo restante, não pelo
livramento.

9. Efeitos da condenação

O primeiro efeito de qualquer condenação penal é a imposição de uma pena.


Este é o chamado efeito primário da condenação. Além desse, há outros efeitos, que
foram conhecidos como efeitos secundários da condenação e que estão previstos nos
artigos 91 e 92 do CP.
Dentre esses efeitos secundários, o art. 91 CP produz os efeitos genéricos da
condenação, que são: tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;
e determinar a perda, em favor da União, ressalvado desde que consistam em coisas
cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito; e do produto do
crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a
prática do fato criminoso. Na hipótese de condenação por infrações às quais a lei
comine pena máxima superior a 6 seis anos de reclusão, poderá ser decretada a perda,
como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor
do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito.
Como patrimônio do condenado todos os bens a lei discorre: todos quantos forem os
bens de sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício
direto ou indireto, na data da infração penal ou recebidos posteriormente. Além dos
bens transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, a
partir do início da atividade criminais (art. 91-A, I e II, incluído pela Lei nº 13.964, de
2019)
A responsabilidade penal é independente da responsabilidade civil (art. 1.525,
Código Civil). Para promover o ressarcimento do dano causado pelo delito, a vítima
deve promover a competente ação civil. Assim, o processo penal é autônomo e
independente, evitando-se possíveis atrasos motivados pela questão civil.
A sentença condenatória produz consequências de natureza civil. Tal sentença
é declaratória da obrigação de reparar o dano. A condenação criminal torna certa a
obrigação de ressarcir o dano causado pelo delito. Não se poderá mais questionar no
cível sobre a existência do fato, ou quem seja o seu autor, quando estas questões se
acharem decididas no crime (art. 1.525, Código Civil). Uma vez proferida a
condenação criminal, no juízo cível vai-se questionar apenas o quantum da indenização.
Uma vez transitada em julgado a sentença condenatória criminal, poderão
promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido,
seu representante legal ou seus herdeiros (art. 63, CPP). A sentença condenatória
criminal só é título executório, no cível, contra o réu na ação penal, e não contra o
responsável civil, se for diverso. Este último não foi parte no processo penal.
A sentença absolutória no juízo criminal não impede a ação civil, quando não
tiver sido categoricamente reconhecida a inexistência material do fato (art. 66, CPP).
A sentença condenatória também tem por efeito a perda, em favor da União, dos
instrumentos do crime e do produto do crime, sempre ressalvados os direitos do lesado
ou do terceiro de boa fé. Os instrumentos utilizados para a prática de crimes por
organizações criminosas e milícias deverão ser declarados perdidos em favor da União
ou do Estado, dependendo da Justiça onde tramita a ação penal, ainda que não ponham
em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam sério
risco de ser utilizados para o cometimento de novos crimes. (Incluído pela Lei nº
13.964, de 2019)
Já quanto aos instrumentos do crime, estes são as coisas de que o agente se
serviu para praticar a ação delituosa. Dá-se a perda quando sejam coisas cujo fabrico,
alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito.
O produto do crime é constituído pelas coisas obtidas diretamente por meio da
ação delituosa, bem como as obtidas indiretamente, por meio de alteração ou
substituição. Assim, o metal obtido pela fusão das joias subtraídas ou o dinheiro
proveniente da venda delas. Produto do crime é o que dele provém, mesmo
indiretamente.
Por sua vez, segundo o art. 92, do CP, o juiz, ao proferir sentença condenatória,
pode declarar que a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo é efeito da
condenação: (a) em se tratando de crime cometido com abuso de poder ou violação do
dever para com a administração pública, se a pena aplicada for igual ou maior de um
ano; e (b) nos demais casos, se a pena aplicada for maior de quatro anos.
Deve tratar-se, na primeira hipótese, de crime funcional, praticado por
funcionário público (art. 327, CP), e deve ter sido tal crime cometido com abuso de
poder ou infração de dever inerente à função pública. A necessidade de se impor a
perda do cargo, função pública ou mandato eletivo dependerá da natureza e da
gravidade do dever violado ou do abuso de poder cometido. No segundo caso, pode se
tratar de qualquer infração penal. A consequência é sempre facultativa e não
obrigatória. Pode o juiz, presentes os pressupostos, determiná-la, devendo nortear-se
por um juízo sobre a incompatibilidade do agente com o exercício do cargo, das funções
ou do mandato eletivo. A sentença tem de ser obrigatoriamente fundamentada neste
particular, sob pena de nulidade.
Também é efeito da condenação, a ser declarado na sentença, a incapacidade
para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena
de reclusão, cometidos contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar
(redação dada pela Lei nº 13.715, de 2018), filho, tutelado ou curatelado.
A incapacidade de que se cogita aqui é permanente e só desaparece por meio da
reabilitação que, todavia, não permite a reintegração na situação anterior (art. 93,
parágrafo único, CP).
Os casos de que aqui se cogita são os de crimes graves (punidos com reclusão)
cometidos contra as pessoas submetidas ao pátrio poder, à tutela ou à curatela. O
quantum da pena é irrelevante.
A lei também prevê, como efeito da condenação, a ser facultativamente
declarado pela sentença, a inabilitação para dirigir veículo, por quem o utiliza como
meio para a prática de crime doloso. Será o caso de quem usa um automóvel para
praticar um roubo ou um homicídio. A medida tem caráter nitidamente preventivo.
O efeito da condenação de inabilitação para dirigir veículo não se confunde com
a pena restritiva de direitos do art. 47, III, CP, que possibilita a imposição, em
substituição à pena privativa de liberdade, de uma suspensão temporária de autorização
ou habilitação para dirigir veículo, no caso de crimes culposos de trânsito. Somente
por meio de reabilitação (art. 93, parágrafo único, CP) reverte-se a inabilitação para
conduzir veículo, ao passo que, no caso da pena restritiva de direitos, a habilitação para
dirigir é automaticamente restaurada com a extinção da pena. No Código de Trânsito
Brasileiro (Lei 9.503/97) a inabilitação e a suspensão da habilitação estão previstas, em
vários dispositivos, como penas principais, aplicadas cumulativamente às penas
privativas de liberdade.

10. Reabilitação

A reabilitação é uma medida jurídica de recuperação social do condenado. O


CP vigente trata da reabilitação em capítulo especial, destacando-a das causas de
extinção da punibilidade. A reabilitação alcança quaisquer penas, opera quando a
punibilidade já está extinta e dois efeitos: assegurar o sigilo dos registros sobre o
processo e condenação; e extinguir os efeitos da condenação previstos no art. 92, I e II,
CP, vedando, no entanto, reintegração na situação anterior.
O primeiro efeito da reabilitação, é portanto, o de excluir o registro da
condenação da folha de antecedentes ou das certidões extraídas dos livros do juízo.
A extinção dos efeitos da condenação (art. 93, parágrafo único, CP),
dificilmente se entende no que tange à perda do cargo, função pública ou mandato
eletivo (art. 92, I, CP). Não se percebe qual a consequência da reabilitação de quem
perdeu cargo público, função pública ou mandato eletivo, se a reabilitação não permite
a reintegração na situação anterior. Não se está cogitando aqui de uma interdição para
o exercício de cargo, função pública ou mandato eletivo, hipótese na qual, sem retornar
ao posto que perdeu, se restituiria ao reabilitado o direito de novamente investir-se em
cargo, função ou mandato. Cogita-se, isso sim, de perda, que não se recupera.
Quanto aos efeitos da condenação previstos no art. 92, II, CP, são suscetíveis de
reabilitação, porque se trata de incapacidade para o exercício do pátrio poder, da tutela
e da curatela, que o reabilitado recupera, embora não haja reintegração na situação
anterior. A reabilitação, neste caso, permite novamente que o condenado exerça o
pátrio poder, a tutela e a curatela, em relação a pessoas deferentes.
As condições da reabilitação estão previstas no art. 94, CP. Pode ela ser
requerida decorridos dois anos do dia em que foi extinta, de qualquer modo, a pena
ou terminar sua execução. Computa-se nesse prazo o período de prova da suspensão
ou do livramento condicional, se não sobrevier revogação. Exige-se que o condenado:
tenha tido domicílio no país no prazo exigido; tenha dado, durante esse tempo,
demonstração efetiva e constante de bom comportamento público e privado; tenha
ressarcido o dano causado pelo crime, ou demonstre a absoluta impossibilidade de o
fazer, até o dia do pedido, ou exiba documento que comprove a renúncia da vítima ou
novação da dívida.
O ressarcimento do dano só é cabível nos crimes que causaram dano
patrimonial, enquanto o direito à reparação não estiver extinto pela prescrição civil.
A reabilitação se revoga se o favorecido for condenado, como reincidente, por
decisão definitiva, a pena que não seja de multa. Condenado como reincidente significa
condenado no prazo de cinco anos, a contar da data da condenação a que se refere a
reabilitação. A revogação pode ser decidida de ofício ou a requerimento do Ministério
Público (art. 95, CP).

11. Medidas de segurança

11.1. Conceito. Evolução histórica

As medidas de segurança são consequências jurídicas da prática de fato definido


como crime, por indivíduos que não possuam culpabilidade, por lhes faltar sanidade.
São medidas tratamentais (internação e tratamento ambulatorial), impostas
compulsoriamente por um juiz criminal nas hipóteses em que se revelar a
periculosidade do indivíduo, em razão da prática de um injusto penal. O objetivo da
medida de segurança é impedir que a pessoa volte a delinquir, a fim de que possa levar
uma vida sem conflitos com a sociedade.
As medidas de segurança se inserem no gênero sanção penal, no qual figuram
como espécies, ao lado da pena.
Medidas cautelares e preventivas são conhecidas desde o antigo direito, em
relação aos menores e aos loucos. No entanto, as medidas de segurança foram pelo
primeira vez objeto de orgânica sistematização com o anteprojeto de CP suíço em 1893.
Esse anteprojeto continha, sob o título “Penas e medidas de segurança”, disposições
sobre a internação dos multirresistentes, em substituição à pena; a internação facultativa
em casa de trabalho, em caso de crime praticado por pessoa de vida irregular ou ociosa;
o asilo para ébrios contumazes; o confisco de instrumentos perigosos etc. Esse sistema
foi adotado pelo CP suíço, de 1937.
No Brasil, a primeira legislação a adotar as medidas de segurança foi o Código
Penal de 1940, embora houvesse previsões para medidas de caráter preventivo e
curativo desde as Ordenações do Reino de Portugal, que aqui vigeram durante o período
colonial e começo do Império.
O Código de 1940, todavia, previa, para o semi-imputável, a adoção do chamado
sistema do duplo binário, no qual havia a cumulação de pena e de medida de segurança,
o que foi severamente criticado e substituído pelo sistema vicariante, na Parte Geral de
1984, em que o juiz deve escolher entre a imposição de uma pena ou de medida de
segurança.

11.2. Fundamentos. Periculosidade

As medidas de segurança têm a mesma justificação e o mesmo fundamento da


pena. São medidas de defesa social, com as quais se procura evitar a conduta delituosa,
protegendo valores de alta relevância no ordenamento jurídico.
Ainda que não haja norma expressa a respeito, as medidas de segurança estão
submetidas ao princípio da legalidade: não é possível impor medida que não esteja
previamente prevista em lei. Como o CP limitou-se a prever medidas de segurança
somente para os inimputáveis e os semi-imputáveis, perde significação o debate em
torno à adoção, em sua plenitude, do princípio da reserva legal, para as medidas de
segurança, reduzidas que estão, no direito vigente, à expressão mais simples.
A aplicação da medida de segurança pressupõe: a prática de fato que
corresponde à definição de um crime; e a periculosidade do agente.
Deve o agente necessariamente realizar uma conduta que corresponde à
definição de um crime. Se se tratar de um inimputável, é de mister que a ação ou
omissão seja típica e antijurídica, não sendo, porém, culpável. O inimputável pode agir
em situação que exclua a ilicitude, como, por exemplo, em legítima defesa. Neste caso,
não tem lugar a aplicação da medida de segurança.
O segundo requisito é o da periculosidade, que é sempre presumida, pois torna
obrigatória a imposição da medida. Significa dizer que a imposição de uma pena se
fundamenta da culpabilidade do agente. Já a medida de segurança, embora não se dê
em caso em que a conduta possa ser criminalmente reprovável, se justifica pela
demonstração da periculosidade do indivíduo.
É bem de ver que a periculosidade, no direito brasileiro, jamais pode ser aferida
sem a prática de fato definido como crime. Somente nesse caso, é possível afirmar a
periculosidade de um inimputável ou semi-imputável.
A periculosidade é, em substância, um juízo de probabilidade que se formula
diante de certos indícios. Perante o CP vigente, a periculosidade é sempre presumida,
só desaparecendo com a averiguação, mediante perícia médica, de que ela cessou.

11.3. Espécies de medidas de segurança

Com o CP/1984, passaram a existir apenas duas modalidades de medida de


segurança:

11.3.1. Internação em hospital psiquiátrico

Também denominada de medida de segurança detentiva, executa-se em hospital


de tratamento e custódia, isto é, privando-se o agente da liberdade de locomoção.12

11.3.2. Tratamento ambulatorial

Denominada, igualmente, de medida de segurança restritiva, o agente não é


privado da liberdade, mas sujeito à obrigatoriedade de comparecer regularmente ao
posto de atendimento médico, para fins de consulta e recebimento da medicação
adequada. Caso ele descumpra a determinação judicial, poderá o Juiz da execução
proceder à conversão do tratamento ambulatorial em internação em hospital de custódia
e tratamento psiquiátrico. Nesse sentido, discorrendo sobre os incidentes de execução,
o art. 184, da LEP, dispõe: “O tratamento ambulatorial poderá ser convertido em
internação se o agente revelar incompatibilidade com a medida.”

12
Segundo Sérgio Carrara, o manicômio judiciário surgiu, no início da República, em virtude de um
problema concreto, qual seja, o crime praticado por Custódio Alves Serrão. Em abril de 1896, com
ciúmes da irmã, Custódio matou a tiros o seu tutor – o Comendador Belamino Brasiliense, diretor da
Casa de Correção ao tempo do Império. Na ocasião, Custódio foi internado, por conta de “distúrbios
nervosos”, no Hospício Nacional, de onde fugira por diversas vezes. Levado a uma prisão comum, ele
subverteu a ordem e a disciplina local, particularmente em razão de sua inteligência e elevado nível
educacional. O episódio gerou grande polêmica entre médicos e juristas sobre o tratamento adequado aos
“loucos-criminosos” no Brasil. O debate redundou na campanha para construção do Asilo Criminal
Brasileiro, erguido num prédio anexo à Casa de Correção da rua Frei Caneca/Rio de Janeiro. (cf.
CARRARA, Sérgio. Crime e loucura: o aparecimento do manicômio judiciário na passagem do século.
Rio de Janeiro: Eduerj, 1998, p. 127).
11.3.3. Escolha da medida de segurança

Cumpre salientar que a escolha entre internação e tratamento ambulatorial não


obedece a critérios concretos da gravidade do fato perpetrado, comportamento do
agente ou sua presumida periculosidade, mas somente a verificação se o delito em tese
praticado é apenado com reclusão ou detenção (art. 97, parte final, do CP). Cuida-se,
talvez, da distinção mais marcante entre reclusão e detenção, paradoxalmente destinada
àquele que, a rigor, não sofre nem uma nem outra modalidade punitiva. Critica-se esse
critério legal, pois pode ocorrer que, diante do caso concreto, não haja a necessidade da
medida mais drástica (internação em manicômio judiciário), sendo preferível e
aconselhável o tratamento ambulatorial.
Dessa maneira, inobstante a lei vincular pena de reclusão à internação, razões
superiores de política criminal – ou de justiça no caso concreto – podem levar o
magistrado a adotar uma interpretação sistêmica, integrando o critério apriorístico do
art. 97, do CP, com o critério de necessidade do art. 98, do CP, decidindo não impor
medida de segurança de internação ao agente que perpetrou fato punido com reclusão,
sujeitando-o, assim, ao comparecimento ao posto de saúde para tratamento
ambulatorial.
O STJ já acolheu essa orientação progressista, entendendo que a medida de
segurança deve se ajustar, no caso concreto, à natureza do tratamento de que necessita
o agente inimputável ou semirresponsável. Segundo aquele tribunal, é o que resulta da
letra do art. 98, do CP, no tocante ao condenado que necessitar de especial tratamento
curativo. Sendo assim, tal regime previsto para o semi-imputável evidencia que a
necessidade vincula a medida de segurança ao autor do fato típico e antijurídico,
impondo a interpretação que acarrete a “natureza relativa da presunção de necessidade
do regime de internação para o tratamento do inimputável”.13
Com advento da Lei no 10.216/2001, a chamada lei antimanicomial, tal questão
se exacerbou. Isso porque, por força da previsão de seu art. 4o, a internação, em qualquer
de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se
mostrarem insuficientes. Por conta disso, alguns estados têm adotado programas
referentes às medidas de segurança em que a internação é, sempre que possível,
afastada, como é o caso de Minas Gerais14 e de Goiás.15

11.4. Cumprimento da medida de segurança

A medida de segurança, tal como a pena, só pode ser executada, segundo o art.
171, da LEP, após transitar em julgado a sentença penal, que, no caso, denomina-se de
absolvição imprópria (art. 386, parágrafo único, III, do CPP, com a redação da Lei no
11.690/2008).
Objetivando que o acusado não venha a ser açodadamente submetido ao regime
de internação ou tratamento ambulatorial antes do trânsito em julgado, o art. 172, da
LEP, condiciona a imposição de tais medidas à expedição de guia de execução. O art.
173, da LEP, disciplina os termos da elaboração desta guia, bem assim o seu conteúdo.
A cautela do legislador no trato da presente matéria é louvável.
Lamentavelmente, não era infrequente que inimputáveis fossem irregularmente

13
REsp 324091. STJ. Min. Hamilton Carvalhido. Sexta Turma. DJ de 09/02/2004.
14
Sobre o tema, vide <http://www.tjmg.jus.br/presidencia/projetonovosrumos/pai_pj/. Acesso: em 23
de agosto de 2020.
15
Sobre o tema, vide <http://www.premioinnovare.com.br/praticas/paili-programa-de-atencao-integral-
ao-louco-infrator>. Acesso em 23 de agosto de 2020.
internados em manicômios judiciários, antes do trânsito em julgado do processo, em
flagrante abuso de autoridade. Outra prática igualmente reprovável consiste na
manutenção de inimputável em estabelecimento prisional sob o argumento de ausência
de vaga em hospital de tratamento e custódia.
Iniciado, efetivamente, o cumprimento da medida, deve-se proceder, após o
decurso do prazo de 1 (um) a 3 (três) anos, ao exame médico para averiguação da
cessação de periculosidade (art. 97, § 1o, do CP). Após esse marco inicial, a perícia
médica passa a ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o Juiz
da execução (art. 97, § 2o, do CP).
Na mesma esteira, o art. 175, I, da LEP, dispõe que a autoridade administrativa,
até um mês antes de expirar o prazo acima indicado, remeterá ao juiz minucioso
relatório que o habilite a resolver sobre a revogação ou permanência da medida. Em
complemento, o art. 176, da LEP, diz que o exame de cessação de periculosidade pode
ser realizado a qualquer tempo, inclusive antes do decurso do prazo referencial mínimo.

11.5. Suspensão e extinção da medida de segurança

Iniciado o cumprimento da medida e submetido ao regime regular de perícia


anual, pode ocorrer de ser detectada, pelo exame das condições pessoais do agente, a
cessação da sua periculosidade. Quando isso ocorrer, devem ser observadas as
providências discriminadas no art. 175, da LEP, culminando, portanto, com a decisão
judicial de desinternação.
Esta desinternação ou liberação gradual dar-se-á, consoante o § 3o, do art. 97,
do CP, sempre a título provisório, vale dizer, durante um período de prova de um ano,
aplicando-se ao agente, durante este prazo, as condições previstas para o livramento
condicional (art. 178, da LEP).
Ultrapassado o período de observação, cumprindo, o liberado, as condições dos
arts. 132 e 133, da LEP, bem assim, constatando-se que não houve a prática de fato
indicativo de persistência de sua periculosidade, será declarada, por sentença do Juiz da
execução, a extinção da medida de segurança. Caso contrário, ou seja, se o liberado
descumprir as condições ou vier a perpetrar outro fato típico e antijurídico, haverá o
restabelecimento da medida de segurança anteriormente fixada.
Por outro lado, extinta, em definitivo, a medida de segurança, uma nova
imposição de tratamento de internação ou ambulatorial dependerá, por óbvio, da prática
de novo fato pelo agente.

11.6. Limite máximo de cumprimento da medida de segurança

Em que pese a dinâmica acima exposta, pode acontecer de os exames regulares


indicarem a manutenção do quadro de periculosidade do agente e, portanto, a
necessidade do prosseguimento do tratamento. Surge, assim, a indagação a respeito do
prazo máximo de duração da medida de segurança. A razão desse questionamento
decorre do fato de o legislador não ter estipulado, no Código Penal ou na Lei de
Execuções, um limite de tempo para a sua duração.
Diante da lacuna da lei, várias possibilidades se apresentam. De antemão,
assinala-se que, para a hipótese do semirresponsável (art. 26, parágrafo único, do CP),
parece existir consenso doutrinário e jurisprudencial no sentido de que o prazo máximo
de duração da medida será aquele inicialmente fixado na sentença que aplicara a pena
privativa de liberdade. Desse modo, se o julgador, constatando a necessidade de
especial intervenção curativa (art. 98, do CP), entender por substituir a pena por medida,
é correto o entendimento que o tempo de cumprimento desta não possa ultrapassar o
que fora fixado para aquela. Se remanescer a necessidade de cuidados médico-
assistenciais, dever-se-á proceder nos termos da lei civil.
Entretanto, para o inimputável (art. 26, caput, do CP), há divergência
doutrinária, pois alguns admitem que a medida de segurança possa vir a se eternizar
caso não haja alteração do quadro de periculosidade do agente. Nesse sentido,
Guilherme Nucci critica aqueles que sustentam que a medida de segurança deva se
amoldar ao prazo do art. 75, do CP. Segundo o autor, apesar de seu caráter de sanção
penal, a medida de segurança não deixa de ter o propósito curativo e terapêutico. Sendo
assim, enquanto não for devidamente curado, deverá a pessoa submetida à internação
permanecer em tratamento sob custódia do Estado. Ou seja, para Guilherme Nucci,
seria demasiado apego à forma transferi-lo de um local de custódia e tratamento
criminal para outro, onde estão abrigados insanos interditados civilmente, somente
porque atingiu-se o teto máximo da pena correspondente ao fato criminoso praticado.16
A despeito do ponderado, há outro entendimento que considera que justamente
em razão da vedação constitucional de penas de caráter perpétuo (art. 5o, XLVII, “b”,
da CF/1988), a medida de segurança não pode durar para sempre. E isso por se tratar
justamente de espécie do gênero sanção penal. Não se cuidaria, portanto, de um apego
a formalidades, pois, de um lado, obedece-se a uma garantia constitucional e, de outro,
transfere-se o agente para hospital psiquiátrico que – apesar das condições geralmente
adversas – não tem a rigidez da segurança verificada nos manicômios judiciários do
País.
Posiciona-se, como dito, no sentido de que para os inimputáveis a medida não
pode perdurar por mais de 30 anos (art. 75, caput, do CP). Após o decurso desse teto
máximo, deverá o Ministério Público providenciar perante a jurisdição civil, a sua
interdição, com a subsequente transferência para o estabelecimento adequado a quem
não é mais considerado infrator. Os tribunais têm sufragado esse entendimento,
consoante os julgados do Supremo Tribunal. Segundo essa Corte, a “interpretação
sistemática e teleológica” dos arts. 75, 97 e 183, os dois primeiros do CP e o último da
LEP, deve ser feita considerando a garantia constitucional abolidora das prisões
perpétuas. Em suma, “a medida de segurança fica jungida ao período máximo de trinta
anos”.17
Sendo assim, após o decurso dos 30 anos de cumprimento da medida, deve-se
aplicar, por analogia, a norma contida no art. 75, do CP e, por interpretação sistemático-
teleológica, a regra do art. 682, § 2o, do CPP. Ou seja, deve o Parquet deflagrar processo
de interdição civil do liberado no juízo cível competente, na conformidade dos arts.
1.769 e segs., do CC.
Anote-se, por derradeiro, existir uma terceira corrente que defende a tese de que,
no caso de inimputável, a duração máxima da medida de segurança não deve ser 30
anos, mas, sim, do tempo máximo cominado, em abstrato, no tipo penal em que o agente
restou incurso.18
Este entendimento foi adotado pelo Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária. Assim e por força da orientação psiquiátrica contrária a internações muito
duradouras, o Decreto no 6.706, de 22/12/2008, que concedeu indulto natalino e
comutação de penas, estabeleceu a extinção da medida de segurança para aqueles que,
16
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado..., cit., p. 418.
17
HC 84219. STF. Min. Marco Aurélio. Primeira Turma. DJ de 23/09/2005.
18
Cf.: “Começa-se a sustentar, atualmente, que a medida de segurança não pode ultrapassar o limite
máximo de pena cominada ao delito, pois esse seria ‘o limite da intervenção estatal, seja a título de
pena, seja a título de medida’.” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit., p. 749).
até 25/12/2008, tenham suportado privação da liberdade, internação ou tratamento
ambulatorial por período igual ou superior ao máximo da pena cominada à infração
penal correspondente à conduta praticada ou, nos casos de substituição prevista no art.
183 da Lei no 7.210/1984, por período igual ao tempo da condenação, mantido o direito
de assistência nos termos do art. 196 da Constituição. Tal orientação foi atualizada nos
Decretos de indulto natalino de 2009 e 2010, a saber, o Decreto no 7.046, de 22/12/2009,
e o Decreto no 7.420, de 31/12/2010.
Assim, pode-se dizer que foi estabelecido um limite à medida de segurança de
acordo com o máximo de pena, por força de decisão presidencial, diferindo do que
consta no Código Penal ou na jurisprudência dos tribunais superiores.

11.7. Conversão da pena em medida de segurança

Em duas hipóteses a pena aplicada poderá ser substituída por medida de


segurança. A primeira, como visto, se dá no caso de semi-imputável que necessitar de
especial tratamento curativo (art. 98, do CP). A segunda hipótese ocorre em razão de
superveniência de doença mental de quem já se encontrava cumprindo a pena. Neste
caso, o art. 41, do CP, e o art. 183, da LEP, dispõem que o juiz deve determinar a
substituição da pena por medida de segurança, transferindo o preso do estabelecimento
em que se encontra para um hospital de tratamento e custódia.
Deverá, dessa feita, o transferido cumprir o restante da pena transformada em
medida de segurança. Se houver melhora do estado de saúde mental, retornará ao
estabelecimento prisional para cumprir o restante da pena, detraindo-se o tempo em que
esteve sob a medida de internação. Por outro lado, se a internação se prolongar até o
término do prazo restante da pena originalmente imposta, dispõe o § 2o, do art. 682, do
CPP, que o indivíduo terá o destino aconselhado pela sua enfermidade, feita a devida
comunicação ao juiz de incapazes.
Corroborando a validade desta norma, decidiu o STJ que, se no curso da
execução da pena de prisão sobrevier doença mental ou perturbação da saúde mental
do condenado, o juiz poderá determinar a substituição da pena por medida de segurança,
a teor do art. 183, da LEP, sendo que a duração dessa medida substitutiva não poderá
ser superior ao tempo restante para cumprimento da reprimenda. Sendo assim, “ao
término do referido prazo, se o sentenciado, por suas condições mentais, não puder ser
restituído ao convívio social, o juiz da execução o colocará à disposição do juízo cível
competente para serem determinadas as medidas de proteção adequado à sua
enfermidade”.19 (art. 682, § 2o, do CPP).

12. Ação penal

12.1. Conceito e características

A ação, tanto no campo penal como no civil, pode ser conceituada como direito
público, subjetivo, determinado, autônomo, específico e abstrato de invocar do
Estado-juiz a aplicação do direito objetivo a um caso concreto. A ação penal,
portanto, não difere da ação civil quanto à sua natureza, mas somente quanto ao seu
conteúdo: é o direito público subjetivo a um provimento do órgão jurisdicional sobre a
pretensão punitiva. O Estado, ao contrário, tem o dever de reprimir as infrações,
considerada a relevância dos bens jurídicos tutelados pelas normas penais, e nesse
19
HC 31702. STJ. Min. Laurita Vaz. Quinta Turma. DJ de 05/04/2004.
sentido não se pode eximir de buscar o pronunciamento judicial adequado. Essa
diferença, contudo, limita-se à natureza do interesse protegido pela norma e não afeta
o próprio conceito de ação, que é idêntico em ambos os casos.
Desse modo, o direito de ação penal é direito público subjetivo, porque exercido
contra o Estado; determinado, já que instrumentalmente ligado a um fato concreto;
autônomo, visto que não se confunde com o material que pretende ver efetivado em
juízo; específico, visto que apresenta um conteúdo próprio; e abstrato, pois ainda que
conexo a um fato concreto, o direito de ação existirá mesmo naqueles casos em que o
juízo decide pela improcedência do pedido.
Considerando o sujeito que pode promover a ação penal, pode-se classificá-la
em pública e privada. Assim, dispõe o artigo 100 do Código Penal que a ação penal será
pública, salvo se a lei da dispuser de modo diverso.
Há, todavia, uma particularidade prevista no art. 101, CP, no que se refere aos
crimes complexos, que são aqueles que a lei considera como elemento ou circunstância
do tipo legal fatos que, por si só, constituem crimes. Neste caso, cabe ação pública, caso
qualquer deles se deva proceder mediante iniciativa do Ministério Público.

12.2. Ação penal pública

Ação penal pública tem o Ministério Público como titular. Subdivide-se em


incondicionada e condicionada. Na primeira, presentes os requisitos da ação penal,
deve o representante do Ministério Público oferecer denúncia (petição que dá início à
ação penal pública) e iniciar a ação penal. Também, há a ação penal pública
condicionada, que é aquela em que atividade do órgão do Ministério Público encontra-
se subordinada a uma condição. Trata-se da manifestação vontade, externada pelo
ofendido (representação) ou pelo ministro da Justiça (requisição), no sentido de se
proceder a persecução penal.
Quem promove a ação penal, ainda nesses casos, porém, é o Ministério Público,
por meio da denúncia, porquanto não perde sua natureza pública apenas por estar
subordinada àquelas condições (art. 129, I, CF; art. 100, § 1º, CP e art. 24, CPP).

12.3. Ação penal privada

Ação penal privada é aquela em que a iniciativa cabe ao ofendido ou a quem


legalmente o represente. Parte legítima para promovê-la não será o Ministério Público,
mas o particular. Contudo, o direito de punir (jus puniendi) continua pertencendo ao
Estado, que apenas concede ao ofendido a titularidade para fazer o jus persequendi em
juízo.
A ação penal privada será promovia pelo ofendido ou por seu representante legal
(art. 100, § 2º, CP e art. 30, CPP). Entre os 18 e os 21 anos da vítima, a legitimidade
para propor a ação penal será concorrente (art. 34, CPP). No entanto, diante do disposto
no art. 5º, caput do Código Civil que estabelece como data limite de menoridade 18
(dezoito) anos completos, não tem mais razão essa concorrência. O inquérito policial
ficará na dependência de requerimento da vítima (art. 5º, § 5º, CPP), e a ação penal será
intentada por meio do oferecimento de queixa (petição que dá início à ação penal
privada), que, no caso de morte do ofendido ou de declaração de sua ausência incumbirá
ao cônjuge ou a um ascendente, descendente ou irmão (art. 31, CPP).
Dispõem, ainda, os arts. 100, § 3º, CP e 29, CPP, que será admitida a ação penal
privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal. Ante a
inércia do Ministério Público, poderá o ofendido ou seu representante legal dar início à
persecução, apresentando queixa, que, em tudo, substituirá a denúncia da ação penal
pública. Esse direito foi elevado à categoria de garantia constitucional a partir da
Constituição de 1988, conforme o art. 5º, LIX.

12.4. Decadência, renúncia e perdão

Entende-se por decadência a perda do direito de ação pelo decurso do tempo.


Segundo dispõe o art. 103, CP, o ofendido decai do direito de queixa ou representação,
se não o exerce dentro do prazo de seis meses, contado do dia em que veio a saber quem
é o autor do crime, ou, no caso de ação penal privada subsidiária, do dia em que se
esgota o prazo para oferecimento da denúncia (art. 100, § 3.°, CP; art. 5.°, LIX, CF; e
art. 29, CPP). A decadência ocorre, assim, seja no caso de ação penal privada, seja no
caso de ação penal pública condicionada à representação.
O prazo de decadência não está sujeito a suspensão, a interrupção ou a
prorrogação. Esse prazo é, em regra, de seis meses, mas em certos casos é menor.
O prazo de decadência se conta de acordo com a regra do art. 10, CP, ou seja,
incluindo o dia do começo.
No caso de crime continuado, conta-se o prazo de decadência de cada fato
delituoso isoladamente considerado, desaparecendo a ficção da unidade.
Já quanto à renúncia, esta é manifestação de vontade de não exercer o direito
de queixa. A queixa depende de iniciativa do ofendido ou de seu representante legal. O
titular do direito de queixa pode a ele renunciar, expressa ou tacitamente (art. 104, CP).
Extinguindo-se o direito de queixa, inviabiliza-se a ação penal e, como esta se exclui,
extingue-se a punibilidade.
A renúncia expressa consta de declaração assinada pelo ofendido ou por
representante legal, com poderes especiais. A renúncia do representante legal do menor
que houver completado 18 anos não privará este do direito de queixa, nem a renúncia
do último excluirá o direito do primeiro (art. 50, CPP).
A renúncia tácita ao direito de queixa resulta da prática de ato incompatível com
a vontade de exercê-lo, mas não ocorre com o recebimento de indenização pelo dano
causado pelo crime (art. 104, parágrafo único, CP). A composição civil dos danos
somente representa renúncia ao direito de queixa no caso de crimes da competência dos
Juizados Especiais Criminais (art. 74, parágrafo único, Lei 9.099/95).
A renúncia ao exercício do direito de queixa, em relação a um dos autores do
crimes, a todos se estende (art. 49, CPP). Isso porque a ação penal privada é indivisível,
obrigando ao processo de todos os autores ou partícipes (art. 48, CPP). Se houver uma
pluralidade de ofendidos, a renúncia de um deles não prejudica o direito dos demais.
Por sua vez, o perdão do ofendido, nos crimes em que somente se procede
mediante queixa, obsta ao prosseguimento da ação (art. 105, CP). Extinguindo a ação,
o perdão aceito vai também extinguir a punibilidade.
O perdão funciona, portanto, como desistência da ação penal privada que se
iniciou. Ele também pode ser expresso ou tácito. É expresso quando consta de
declaração assinada pelo ofendido, por seu representante legal, ou por procurador com
poderes especiais. O perdão neste caso pode ser processual (se concedido nos autos
do processo) ou extraprocessual (se concedido fora do processo). O perdão é tácito
quando resulta da prática de ato incompatível com a vontade de prosseguir na ação (art.
106, § 1.°, CP). O perdão tácito admite todos os meios de prova (art. 57, CPP).
O perdão não produz efeitos se não for aceito pelo querelado. O perdão pode ser
aceito por meio de procurador com poderes especiais (art. 55, CPP). Uma vez
concedido o perdão, mediante declaração expressa nos autos do processo, o querelado
deve ser notificado a dizer dentro de três dias se o aceita, implicando o seu silêncio em
aceitação (art. 58, CPP).
Se o perdão for concedido a qualquer dos querelados, a todos aproveita. Se
concedido por um dos ofendidos, não prejudica o direito dos outros.
O perdão pode ser concedido em qualquer fase da ação penal, enquanto não
transita em julgado a sentença condenatória. O perdão pode ser concedido na pendência
de recurso especial ou extraordinário.

13. Extinção da punibilidade

13.1. Conceito e efeitos da extinção da punibilidade

Com a prática da ação delituosa surge para o Estado o direito subjetivo à


imposição da pena, que se expressa na pretensão punitiva (cf. n.º 255, supra). Esse
direito se exerce em relação ao transgressor da norma penal. A pena aparece como
consequência jurídica da realização do crime.
Há situações, no entanto, que extinguem a punibilidade, fazendo desaparecer a
pretensão punitiva ou o direito subjetivo do Estado à punição. Subsiste, nesses casos,
a conduta delituosa. O que desaparece é a possibilidade jurídica de imposição da pena.
O art. 108, CP, dispõe que a extinção da punibilidade de crime que é
pressuposto, elemento constitutivo ou circunstância agravante de outro, não se estende
a este. Nos crimes conexos, a extinção da punibilidade de um deles não impede, quanto
aos outros, a agravação da pena resultante da conexão.
Essa disposição significa que a extinção da punibilidade produz efeitos apenas
em relação ao crime a que se refere. Se um crime é pressuposto de outro (descaminho
e recebimento da coisa ilegalmente introduzida no país, art. 334 e seu § 1.°, letra d), a
extinção da punibilidade de um não se estende ao outro. Se se trata de crime que tem
outro crime como elemento constitutivo ou circunstância agravante (crime complexo),
a extinção da punibilidade deste não se estende àquele. Finalmente, se dois crimes
forem conexos e a conexão for causa de agravação da pena, a extinção da punibilidade
de um dos crimes não impede para o outro a agravação resultante da conexão. Seria o
caso, por exemplo, de um crime de homicídio qualificado porque foi meio para a prática
de outro crime (art. 121, § 2.°, V, CP). A extinção da punibilidade deste não impede a
qualificação do homicídio.

13.2. Causas de extinção da punibilidade

O art. 107, CP, enumera as causa de extinção da punibilidade. São elas: pela
morte do agente; pela anistia, graça ou indulto; pela retroatividade de lei que não mais
considera o fato delituoso; pela prescrição, decadência ou perempção; pela renúncia do
direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes punidos por meio de ação penal
privada; pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite; e pelo perdão
judicial, nos casos previstos em lei.
Ressalte-se que, entre elas, no entanto, figuram situações em que se extingue
não a pena, mas sim o próprio crime. É o caso da anistia e da superveniência de lei que
deixa de considerar o fato delituoso. A anistia, como será visto, faz desaparecer o
próprio crime, o que ocorre também com a abolitio criminis, voltando o agente à
condição de primário. Já as demais causas de extinção da punibilidade fazem
desaparecer a punição in concreto. A ação praticada continua a ser punível, embora não
seja, em concreto, punida.
As causas de extinção da punibilidade enumeradas no art. 107, CP, não esgotam
as situações em que se extingue a punibilidade. Por exemplo, o cumprimento de pena
no estrangeiro, por crime lá praticado, nas hipóteses em que seria possível a aplicação
da lei penal brasileira (art. 7.º, § 2.º, letra d, CP), também extingue a punibilidade.
A primeira das causas de extinção da punibilidade é a morte do agente, qualquer
que seja o momento em que ocorra, que decorre da adoção do princípio da mors omnia
solvit (a morte tudo resolve). Conforme o momento em que a morte ocorra, antes ou
depois da sentença definitiva, extingue ela a ação penal ou a condenação. Tal princípio
decorre da ação, pela Constituição Federal, da ideia de que nenhuma pena passa da
pessoa do delinquente (art. 5.º, XLV, CF). Com a morte do agente, processado ou
condenado, põe-se fim ao processo. A pena de multa acaso imposta ao condenado que
vem a falecer não pode ser cobrada dos herdeiros. As penas restritivas de direitos
(mesmo que se trate de prestação pecuniária ou de perda de bens) igualmente não
passam da pessoa do condenado.
Os efeitos civis, no entanto, subsistem, a cargo dos herdeiros. A morte não
extingue a obrigação de reparar o dano causado pela ação delituosa. A morte também
não impede a revisão do processo, que pode ser promovida pelo cônjuge, ascendente,
descendente ou irmão (art. 623, CPP).
Prova-se a morte com a certidão de óbito (art. 62, CPP). A presunção legal da
morte, em virtude da ausência (art. 10, (6º) Cód. Civil) é bastante para extinguir a
punibilidade. Se se demonstra que a extinção da punibilidade foi declarada com falsa
certidão de óbito, tendo transitado em julgado a decisão, nenhuma possibilidade existe
de reabrir o processo. Não existe revisão criminal contra o réu.
A morte é causa pessoal de extinção da punibilidade e não se estende aos
corréus, seja qual for o crime.
Já a anistia, a graça e o indulto são formas de indulgência soberana que
acompanham a pena desde tempos imemoriais. É o benefício concedido ao autor de
crime ou ao condenado por órgão alheio ao Poder Judiciário, que atuam inspirado por
conveniências políticas ou por espírito de humanidade, fazendo desaparecer o crime
cometido, extinguindo a pena ou, de outra forma, favorecendo o condenado. É o que
genericamente se chama direito de graça.
Das formas de indulgência soberana, a anistia é a que apresenta efeitos mais
amplos. Aplica-se, em regra, a crimes políticos, mas pode abranger outras categorias de
ilícito penal. A anistia faz desaparecer o crime, de tal modo que os favorecidos
readquirem a condição de primários, cessando todos os efeitos penais. Os efeitos civis
(reparação do dano) subsistem. A anistia pode ser concedida antes ou depois da
condenação. Quando concedida antes da condenação, a anistia chama-se própria. Se
concedida depois da condenação definitiva, chama-se imprópria. Ela se refere ao fato
delituoso, impondo o seu esquecimento e não pode ser recusada. Pode, no entanto, a
anistia impor condições que os favorecidos não queiram satisfazer.
A anistia é ato do Poder Legislativo e resulta, portanto, de uma lei (art. 48, VIII,
CF). Não pode a anistia ser revogada.
Pode a anistia ser geral (ou plena) ou parcial (ou restrita). No primeiro caso,
beneficia todos os criminosos autores de determinados crimes, indistintamente. No
segundo caso, a anistia favorece apenas determinadas pessoas (por exemplo, os que
forem primários) ou somente os autores de determinados crimes.
Será condicionada a anistia que impuser condições e incondicionada a que for
concedida sem condições. A vigente CF (art. 5.º, XLIII) impede a concessão de anistia,
de graça e de indulto quanto se tratar de crime de tortura, de tráfico ilícito de
entorpecentes, de terrorismo e de crimes hediondos. Leis infraconstitucionais que
regulam tais crimes reproduzem tal proibição (art. 2.º, I, L. 8.072/90; art. 1.º, § 6.º, L.
9.455/97).
Diferentemente, a graça e indulto extinguem apenas a punibilidade.
Subsistem, assim, os efeitos penais da condenação não atingidos pela extinção da
punibilidade.
A graça e o indulto são da competência do Presidente da República (art. 84, XII,
CF), dirigindo-se aos crimes comuns. Diversamente do que ocorre em relação à anistia,
a graça e o indulto só podem ser concedidos depois da condenação. Ambas as medidas
podem extinguir a pena ou tão-somente comutá-la.
O que caracteriza a graça é o fato de ser medida de caráter individual,
favorecendo pessoa determinada. Já o indulto é medida de caráter coletivo, cuja
concessão também pode receber opinião do Conselho Penitenciário, que o Presidente
da República pode não acatar.
O indulto se estende às penas acessórias e às medidas de segurança, a menos
que disponha diversamente.
Pode o indulto ser concedido a quem esteja no gozo de suspensão condicional
da pena. Não pode o condenado recusar o indulto, a menos que se limite a conceder a
comutação da pena (art. 739, CPP). Compete privativamente ao Presidente da
República a concessão do indulto (art. 84, XII, CF).
Outra causa é a abolitio criminis, que decorre do princípio da reserva legal. Se
desaparecer a ilicitude penal do fato, significará que se considera que a ação realmente
não atinge os interesses que se pretendia proteger, ou que estes não merecem a tutela
jurídico-penal. Extinguir-se-á, em tal caso, a punibilidade, cessando a execução e os
efeitos penais da sentença condenatória (art. 2.º, CP). Subsistem apenas os efeitos civis
e faz desaparecer o próprio crime, tornando o agente à condição de primário.
A prescrição, por sua maior complexidade, será tratada em separado, adiante.
Já a decadência extingue a punibilidade, pois extinguindo o direito de ação, a
decadência, por via de consequência, extingue a punibilidade (art. 107, IV, CP).
A perempção é semelhante à decadência e também significa a perda do direito
de ação, só que depois de iniciada esta, pela inércia do querelante em impulsioná-la.
Extinguindo o direito de ação, a perempção, por via de consequência, extingue a
punibilidade.
Só há perempção nas ações penais privadas, depois que elas se iniciam. O CPP,
em seu art. 60, estabelece os casos em que ocorrerá a perempção: quando, iniciada a
ação penal, o querelante deixar de promover o andamento do processo durante 30
(trinta) dias seguidos; quando, falecendo o querelante, ou sobrevindo sua incapacidade,
não comparecer a juízo, para prosseguir no processo, dentro de 60 (sessenta) dias,
qualquer das pessoas a quem couber fazê-lo, observando-se a ordem de preferência
estabelecida pelo art. 31, CPP; quando o querelante deixar de comparecer, sem motivo
justificado, a qualquer ato do processo a que deva estar presente ou deixar de formular
o pedido de condenação nas alegações finais; quando, sendo o querelante pessoa
jurídica, esta se extinguir sem deixar sucessor.
A punibilidade também se extingue pela renúncia do direito de queixa ou pelo
perdão aceito, nos crimes punidos por meio de ação penal privada (art. 107, V, CP).
Em certos crimes, igualmente a retratação do agente extingue a punibilidade,
porque constitui reparação completa do malefício praticado.
Há duas hipóteses, no CP, em que a retratação extingue a punibilidade. A
primeira está prevista no art. 143, CP, relativo aos crimes contra a honra: “O querelado
que, antes da sentença, se retrata cabalmente da calúnia ou da difamação, fica isento de
pena.” A retratação neste caso só é possível se se tratar se calúnia ou difamação, e não
de injúria. A calúnia e a difamação se referem a fatos ofensivos, que podem ser
desmentidos. Já a injúria refere-se a qualidades pessoais negativas, e a retratação
dificilmente pode desfazer o efeito da ofensa. A retratação só é possível nos crimes
contra a honra punidos por ação penal privada, e deve ocorrer antes da sentença de
primeiro grau.
A segunda hipótese de retratação refere-se ao crime de falso testemunho ou falsa
perícia (art. 342, CP). Nesses crimes o fato deixa de ser punível se antes da sentença o
agente se retrata ou declara a verdade. É necessário que a retratação ocorra, também,
antes da sentença de primeiro grau. A retratação do agente estende-se aos partícipes.
Por fim, o perdão judicial não se confunde com o perdão do ofendido nos crimes
de ação penal privada. Perdão judicial é o ato do juiz que deixa de aplicar a pena,
reconhecendo que ocorrem circunstâncias que o justifiquem. São expressamente
previstos em lei.
A lei vigente dispõe que “a sentença que conceder perdão judicial não será
considerada para efeitos de reincidência” (art. 120, CP). O STJ, sobre a matéria, editou
a Súmula n.° 18, que dispõe: “A sentença concessiva de perdão judicial é declaratória
de extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório.”

13.3. Prescrição. Conceito, espécies, evolução e entendimento jurisprudencial.

Prescrição é a perda de um direito pelo decurso do tempo sem que seja


exercido. A prescrição penal faz desaparecer o direito de punir do Estado (jus
puniendi), ou o seu direito à execução da pena imposta (jus punitionis). Trata-se de
causa de extinção da punibilidade (art. 107, IV. CP), que deixa subsistir a ilicitude penal
do fato. Em consequência, se a prescrição ocorrer após a condenação definitiva, a pena
não mais se executa, mas subsistem os outros efeitos penais da sentença, inclusive a
reincidência.
São duas as espécies de prescrição: prescrição da pretensão punitiva e
prescrição da pretensão executória. A primeira ocorre antes da sentença definitiva
transitar em julgado e representa a cessação do direito do Estado à persecução penal.
A prescrição nesse caso faz desaparecer o direito de ação. Por sua vez, a segunda
espécie faz desaparecer o direito do Estado à execução da pena imposta. Atinge
também o direito de punir, que cessa com o decurso do tempo.
A natureza jurídica da prescrição é mista, pois admite, ao mesmo tempo, caráter
material e processual. A prescrição representa, por um lado, a perda do interesse da
perseguição e no castigo, porque, com o decurso do tempo, desaparecem as razões que
justificam a pena. Por outro lado, a prescrição constitui impedimento processual.
A prescrição antes de transitar em julgado a sentença final regula-se pelo
máximo da pena privativa da liberdade cominada ao crime e se verifica (art. 109, CP):

→em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;


→em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;
→em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;
→em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;
→em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede
a dois;
→em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.(Redação dada pela
Lei nº 12.234, de 2010).
Para saber, portanto, se há prescrição da pretensão punitiva, toma-se por base o
crime que é atribuído ao acusado pela denúncia. O prazo de prescrição depende da pena
máxima cominada ao crime de que se trate. Na verificação da pena máxima cominada
ao crime, consideram-se as causas de aumento e de diminuição, mas não as
circunstâncias agravantes e atenuantes. Igualmente não se computam, para efeito de
prescrição, os aumentos de pena decorrentes da regra do concurso de crimes (material
ou formal), ou de crime continuado. No caso de concurso formal, a prescrição se regula
pela pena cominada a um dos crimes, se o concurso for homogêneo, ou pela pena do
crime mais grave, se o concurso for heterogêneo, sem qualquer aumento. Se o crime
for continuado, considera-se, para efeito de prescrição, a pena de um só dos crimes, se
eles forem idênticos, ou a pena mais grave, se forem diversos, sem computar o aumento
devido à continuação (Súmula n.º 497, STF).
As penas restritivas de direitos prescrevem nos mesmos prazos previstos para
as penas privativas da liberdade (art. 109, parágrafo único, CP).
A contagem do prazo prescricional se faz de acordo com a regra do art. 10, CP,
ou seja, inclui-se o dia do começo.
A prescrição começa a correr (art. 111, CP): do dia em que o crime se
consumou; no caso de tentativa, do dia em que cessou a atividade criminosa; nos crimes
permanentes, do dia em que cessou a permanência; nos crimes de bigamia e de
falsificação do registro civil, da data em que o fato se tornou conhecido.
Crimes permanentes são aqueles em que a ação delituosa se protrai no tempo.
Por exemplo, sequestro (art. 148) e extorsão mediante sequestro (art. 159, CP). São
casos em que a ação delituosa não cessa, mas persiste. A prescrição, sendo o crime
permanente, só se inicia quando cessa a permanência.
A prescrição é matéria de ordem pública e deve ser declarada, inclusive de
ofício, tão logo ocorra (art. 61, CPP).
Depois que transita em julgado a sentença condenatória, a prescrição se regula
pela pena imposta e se verifica nos mesmos prazos estabelecidos pelo art. 109, CP, os
quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente. Declarada que seja,
neste caso, a prescrição, subsistem os efeitos secundários da condenação. Cessa, apenas,
para o Estado, o direito à execução da pena.
A prescrição neste caso começa a correr (art. 112, CP): do dia em que passa em
julgado a sentença condenatória ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o
livramento condicional; do dia em que se interrompe a execução, salvo quando o tempo
da interrupção deve computar-se na pena.
Não corre a prescrição durante a suspensão condicional da pena ou durante o
livramento condicional. Se o condenado estiver beneficiado por uma dessas medidas,
o prazo de prescrição só começa a correr do dia em que passa em julgado a decisão que
revoga o benefício. Todavia, a suspensão condicional da pena antes da sentença
definitiva, não impede o curso da prescrição.
Se o condenado estiver cumprindo pena e evadir-se, a prescrição começa do dia
em que se interrompe o cumprimento da pena. Se a interrupção do cumprimento da
pena ocorrer por superveniência de doença mental, é claro que não se inicia o prazo
prescricional porque o tempo de internação em manicômio judiciário é computado na
execução da pena (art. 42, CP).
No caso de evadir-se o condenado ou de revogar-se o livramento condicional, a
prescrição é regulada pelo tempo que resta da pena (art. 113, CP).
O art. 109, CP, tratando da prescrição da pretensão punitiva, que se regula pelo
máximo da pena cominada ao crime, prevê uma exceção: “salvo o disposto nos
parágrafos 1.º e 2.º do art. 110.”
O § 1.º do art. 110 dispõe: “A prescrição, depois da sentença condenatória com
trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela
pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à
da denúncia ou queixa.” Tal redação decorre da Lei nº 12.234, de 5 de maio de 2010,
que modificou o Código Penal e proibiu a aplicação da prescrição retroativa a períodos
entre acusação e início do processo judicial.
A redação do mencionado dispositivo dá a entender que aqui se estabelece
apenas uma exceção à regra do art. 109, mandando regular a prescrição da pretensão
punitiva pela pena concretizada na sentença, desde que a acusação se tenha conformado
com ela, ou desde que seu recurso seja improvido.
Além dessa conclusão, que é, em realidade, a única que se contém no texto, uma
outra resulta da Súmula n.º 146, STF, que reza: “A prescrição da ação penal regula-se
pela pena concretizada na sentença, quando não há recurso da acusação.” A redação da
Súmula não parece acrescentar nada ao texto da lei, mas ela é interpretada como
significando que a pena concretizada na sentença regula a prescrição com efeito
retroativo à causa interruptiva anterior à sentença. Assim, por exemplo, a prescrição
deve ser declarada se entre a data da denúncia (última causa interruptiva) e a sentença
decorreu lapso de tempo suficiente para a prescrição. Tudo se passa aqui como se a
pena imposta fosse considerada aquela que desde a denúncia deveria ser a aplicável ao
caso concreto, e por isso é a que deveria regular a prescrição (da pretensão punitiva).
Assim sendo, o § 1.° do art. 110, CP, trata de duas espécies de prescrição: a
prescrição que se regula pela pena imposta pela sentença quando não há recurso da
acusação ou quando seu recurso é improvido, cujo termo inicial é sentença; a
prescrição retroativa que também se regula pela pena imposta, se não há recurso da
acusação, e que retroage, verificando-se no lapso de tempo decorrido entre a denúncia
e a própria sentença.
A prescrição pela pena concretizada na sentença, na primeira hipótese, conta-se
para a frente, a partir da sentença, e se verifica quando não ocorre a pretensão retroativa.
Os princípios que regem a prescrição retroativa são os seguintes:

a) não pode ela ser declarada quando há recurso da acusação, visando à agravação da
pena. Discute-se se o recurso da acusação que não tenha este efeito também obsta ao
reconhecimento da prescrição. Opinamos no sentido negativo. O recurso do assistente
de acusação tem o mesmo efeito que o recurso interposto pelo M.P.;
b) para que se declare a prescrição retroativa, não é necessário que haja recurso da
defesa. Basta inexistir recurso da acusação;
c) pode ser declarada a prescrição retroativa se a sentença é absolutória e a condenação
é proferida pelo tribunal, não havendo mais recurso da acusação;
d) pode ser declarada a prescrição retroativa se houve sentença condenatória e o tribunal
reduziu a pena, de modo a permitir a prescrição. A sentença condenatória, neste caso,
interrompe a prescrição, mas pode ser considerado o lapso de tempo entre a denúncia e
a sentença.

Se a pena de multa foi a única cominada ou aplicada, a prescrição se opera em


dois anos (art. 114, I, CP). Quando a multa for alternativa ou cumulativamente
cominada ou cumulativamente aplicada, a prescrição ocorre no mesmo prazo
estabelecido para a prescrição da pena privativa de liberdade (art. 114, II, CP). Esse
dispositivo sobre a prescrição da pena de multa aplica-se tanto à prescrição da pretensão
punitiva como à prescrição da pretensão executória.
Enquanto não proferida sentença penal condenatória, a prescrição regula-se,
sempre, pela pena máxima cominada ao crime imputado. Não há que se falar em
prescrição calculada a partir de uma determinada pena que se presume poderia vir a ser
aplicada, na hipótese de eventual condenação, por se tratar de resultado futuro e incerto.
É inadmissível buscar-se a declaração da prescrição com base em uma pena idealizada,
obtida por meio de um exame prognóstico das circunstâncias do crime e seu autor, por
constituir clara violação ao art. 109, caput, CP.
Não se ignora que há vários casos em que se prevê que o processo não conduzirá
a qualquer resultado prático útil, somente contribuindo para manter abarrotado o Poder
Judiciário e propiciar prolongamento inútil do processo e dos ônus a ele inerentes. Não
é tarefa difícil para o operador do Direito Penal prognosticar a quantidade de pena a
que estaria sujeito, caso condenado, o réu.
Por isto mesmo, tem sido frequente a extinção de punibilidade com o argumento
de que pena que possa vir a ser aplicada ao réu estaria irremediavelmente prescrita,
restando clara a ineficácia do prosseguimento do procedimento, que, mesmo resultando
em condenação, estará extinta a ação penal face a prescrição retroativa.
São reduzidos da metade os prazos da prescrição, quando o criminoso era, ao
tempo do crime, menor de vinte e um anos, ou maior de setenta anos na data da sentença
(art. 115, CP). A menoridade e a idade avançada atenuam a pena (art. 65, I, CP) e aqui
são consideradas para reduzir por metade os prazos da prescrição, que são bastante
longos. Essa redução se aplica a ambas as espécies de prescrição. Se o agente for
reincidente, tratando-se da prescrição da pretensão executória (art. 110, CP), a redução
se opera depois do acréscimo de um terço pela reincidência.
As causas impeditivas (ou suspensivas) da prescrição estão previstas no art.
116, CP. Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre: enquanto
não resolvida, em outro processo, questão de que depende o reconhecimento da
existência do crime; enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro.
O inciso I refere-se à ocorrência de questão prejudicial, que conduz ao
sobrestamento da ação penal (arts. 92 e 93, CPP). Assim, por exemplo, no crime de
bigamia, se o acusado se defende alegando a nulidade do casamento anterior, o juiz,
desde que reputada séria e fundada a alegação, suspende o andamento da ação penal até
que se decida no juízo cível sobre a validade do casamento, pois dela depende a
existência do crime. Enquanto não resolvida a questão prejudicial, a prescrição não
corre.
Segundo o inciso II, se o agente cumpre pena no estrangeiro, não podendo ser
extraditado, a prescrição também não corre. Se o agente está preso preventivamente no
estrangeiro, não há suspensão, pois a lei somente cuida de prisão decorrente de
imposição de pena.(Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019).
Consoante, respectivamente os incisos III e IV, também haverá causas
impeditivas da prescrição na pendência de embargos de declaração ou de recursos aos
Tribunais Superiores, quando inadmissíveis; bem como, enquanto não cumprido ou não
rescindido o acordo de não persecução penal (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019).
A prescrição da pretensão punitiva não é afetada pelo cumprimento de pena, no
Brasil, por outro processo.
Em se tratando de prescrição da pretensão executória, o parágrafo único do art.
116 alude ao cumprimento de pena por outro crime, estabelecendo que neste caso se
suspende o prazo prescricional. Depois de passada em julgado a sentença condenatória,
a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo.
A prescrição suspensa recomeça a correr quando cessa a causa impeditiva,
computando-se o tempo anterior à suspensão.
De acordo com o disposto no art. 117, CP, o curso da prescrição se interrompe:
pelo recebimento da denúncia ou da queixa; pela pronúncia; pela decisão confirmatória
da pronúncia; pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis; pelo
início ou continuação do cumprimento da pena; pela reincidência.
Salvo o caso dos incisos V e VI (início ou continuação do cumprimento da pena
e reincidência), a interrupção da prescrição produz efeito relativamente a todos os
coautores e partícipes. Nos crimes conexos, que sejam objeto do mesmo processo,
estende-se aos demais a interrupção relativa a qualquer deles (art. 117, § 1.°, CP).
Interrompida a prescrição, salvo a hipótese do inciso V, todo o prazo recomeça
a correr, novamente, do dia da interrupção (art. 117, § 2.°, CP). A enumeração das
causas interruptivas é taxativa e não pode ser ampliada.
O recebimento da denúncia ou da queixa interrompe a prescrição. Não basta o
simples oferecimento da denúncia ou da queixa. A prescrição é interrompida pela
decisão do juiz. Havendo anulação da denúncia ou da decisão que a recebe, seus efeitos
são naturalmente fulminados, deixando de prevalecer qualquer interrupção
prescricional. Se a denúncia ou a queixa foi aditada para suprir erro ou omissão, a
decisão de recebimento do aditamento não tem o efeito de interromper a prescrição.
A prescrição também se interrompe pela sentença de pronúncia. Entende-se
por pronúncia a decisão que ordena seja o réu submetido a julgamento pelo Júri. A
pronúncia também pode ser decidida pelo tribunal, em grau de recurso, se o réu foi
absolvido sumariamente, impronunciado ou teve a infração desclassificada pelo juiz.
Se o réu, pronunciado, recorre da sentença que o pronunciou, a decisão do
tribunal, confirmatória da pronúncia, igualmente interrompe a prescrição.
A publicação da sentença ou do acórdão condenatórios recorríveis também
interrompe a prescrição. As decisões absolutórias e terminativas (que extingue o
processo sem julgamento de mérito) são indiferentes.
A prescrição se interrompe pelo início ou continuação do cumprimento da pena.
Trata-se aqui de prescrição da pretensão executória. Se o condenado vem a evadir-se,
reinicia-se a fluência do prazo prescricional; sendo recapturado, interrompe-se a
prescrição, voltando ele a cumprir a pena. A prescrição, no caso de fuga, começa a
correr da data em que ela se realiza, regulando-se com base no quantum de pena que
resta a cumprir.
A reincidência também interrompe a prescrição. Cogita-se, neste caso, da
prescrição da pretensão executória. A reincidência interrompe a prescrição na data em
que transita em julgado a sentença condenatória pelo segundo crime, e não na data em
que tal crime é cometido. Existem opiniões em contrário, entendendo que a interrupção
se dá na data do crime, se o agente vem a ser condenado.
As penas mais leves prescrevem com as penas mais graves (art. 118, CP). A
disposição legal não se aplica à hipótese de concurso material de crimes, pois, neste
caso, cada delito prescreve independentemente dos demais (art. 119, CP). O que aqui
se considera é a imposição de penas simultâneas pelo mesmo crime.

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