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Introdução
Justiça e globalização: a contribuição da Filosofia Africana contra o apartheid
economico
A centralidade da questão da justiça é hoje sobejamente reconhecida pelos
diferentes círculos de pensamento, não só filosóficos, mas também sociológicos,
jurídicos e sobretudo económicos.
Deveria surpreender que o século vinte com o seu processo colonial, e com tudo o
que isso significa em termos de descriminação, de violação dos direitos mais
elementares da pessoa e dos povos, de mortes, não tenha feito da questão da justiça um
dos temas principais do seu debate de ideias. Digo deveria porque, na realidade, a
identificação dos temas centrais do debate de ideias é intrinsecamente ligada a história,
e esta é um campo aberto, multiforme e destituída de uniformidades. Porém a apreensão
conceptual das prioridades históricas, no sentido hegeliano, depende de hermeneutas
cujas prioridades interpretativas não são dissociáveis dos interesses e das relações de
poder que marcam os seus lugares de observação. É assim que na primeira metade do
século XX o debate de ideias foi dominado pelo estadual-centrismo intra-europeu e na
segunda metade pelo conflito ideológico entre os blocos da esquerda e da direita.
O fim desta disputa viu a emergência do que Francis Fukuyama, com uma falácia
hermenêutica da filosofia da historia (Ngoenha: 1992) hegeliana chamou “O fim da
historia”, entendo a emergência de um pensamento único pós-dialéctico, que
paradoxalmente ganha forma na hodierna meta-narrativa ultra-liberal, com os seus
corolários da globalização, sob égide de uma economia individualista.
Entre os vários questionamentos filosóficos que o processo da mundialização
suscita, ressaltam a uniformização axiológica e cultural do mundo; o paradoxo
ecológico, entre o imperativo de uma solidariedade diacrónica para com as gerações
futuras e o esquecimento - no sentido heideggeriano - de uma solidariedade sincrónica
para com os países pobres do planeta. Mas a questão crucial é a assimetria sempre maior
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Ubuntu : novo modelo de justíça glocal ?
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questões de uma filosofia que corre o risco de ser etnocêntrica, racial ou quando muito
afrocêntrico. Interessar-se pelas questões da justiça significa debruçar-se sobre questões
que ultrapassam o âmbito afro-africano, e por conseguinte, a qualidade e a pertinência
da resposta podem constituir uma contribuição africana no âmbito da filosofia em geral,
mas também, dada a natureza polissémica da justiça, ao direito, a moral e a política.
Neste sentido a RSA com o seu conceito de “justiça restaurativa”, como foi
praticada e como pode ser teorizada, pode constituir uma das primeiras contribuições
importantes do continente africano para um debate de ideias que ultrapassa a dimensão
africana. Não é por acaso que o processo da reconciliação interessou filósofos como J.
Derrida, P. Ricoeur entre outros.
A segunda razão tem a ver com a especificidade e a pertinência teórica do
conceito Ubuntu na reflexão sobre a justiça.
Em relação ao resto do continente negro, a RSA tem a particularidade de não ser
uma colónia mas uma República independente com um sistema politico baseado sobre a
segregação racial. Por isso, enquanto os nacionalismos que traversaram o continente
sobretudo na segunda metade do século XX eram de natureza emancipadora, o
nacionalismo -ou os nacionalismo sul africanos - é, como os movimentos pós-
escravatura nos EUA, anti-segregação. Isto explica alias, alguns empréstimos teóricos
que contribuem a dar um respiro histórico amplo a reflexão sul africana.
No seu livro auto-biográfico “Africa, The time has come” Thabo Mbeki (1998)
mostra-se um fino conhecedor da história dos movimentos panafricanos e das filosofias
politicas que subentenderam os seus diferentes movimentos. Por isso, quando fala de
“African Renaissance” conecta deliberadamente o substrato filosófico-político da nova
África do Sul, com o espírito do movimento de Harlem entre dos anos ‘20-‘40, que
mereceu da parte do filósofo afro-americano Alain Locke, o nome de “Black
Rennaisance”.
O pai imputativo do movimento americano, William Dubois, desde os seus
primeiros trabalhos “The Philadelfia Negro”, passando pelo “Black Folks” até as
controversas com Booker Washington, tinha claramente demonstrado que a questão
negra era fundamentalmente política, e era a esse nível que tinha que ser resolvida. O
objectivo de Dubois era fazer com que os negros gozassem, como os outros cidadãos, de
todas as prerrogativas previstas pela constituição americana. Mas esta passagem tinha
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Conclusão
Ubuntu e globalização: como transformar o apartheid económico em
reconhecimento igual dignidade humana
Esta justiça como reconhecimento (recognition) que implica a restauração da
dignidade humana das vítimas, pode fazer a economia da justiça penal e retributiva e
ainda mais da justiça social distributiva?
O objectivo final (Ubuntu) da justiça restaurativa não era simplesmente a
identificação do outro, nem mesmo perceber o outro como semelhante, mas também
dar-lhe o respeito, admitir que a minha vida é igual a sua. Trata-se do reconhecimento
do seu ser, da sua existência, da sua identidade, do seu lugar numa cidade comum. Fazer
comunidade é tornar-se uma sociedade de com-munia, isto é de dádivas (munia)
partilhadas.
A mutua construção de uma comum comunidade de destino não implica então
uma redistribuição social dos bens oriundos da segregação que se quer ultrapassar, não
necessariamente como reparação dos “tortos subidos”, mas tradução para o terreno
existencial dos postulados ético-jurídicos? Se essa justiça não se faz ágape / dilectio não
se corre o risco de se transitar de racialização política-jurídica do apartheid a uma
racialização económico-social pós-apartheid?
O tecido social que a costureira começou a coser com coragem e abnegação,
necessita de muito fio e muita bordado para que não se rasgue ao primeiro movimento
desajeitado. Este processo de solidificação, pode prescindir de uma redistribuição
económica?
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References
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Abraco
Severino Ngoenha
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